Protocolos de Diagnóstico e Terapêutica em Infecciologia Perinatal SÍFILIS



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Transcrição:

A sífilis é uma infecção transmitida sexualmente que pode atingir a grávida e o feto em qualquer altura da gestação. No adulto, não tratada, evolui de sífilis primária para secundária e terciária. No feto a sífilis é sempre secundária disseminação por via hematogénia, com manifestações sistémicas, semelhante à sífilis secundária do adulto. A infecção não produz imunidade pelo que uma grávida se pode infectar mais do que uma vez na mesma gravidez. Atendendo a que a sífilis foi das primeiras infecções congénitas conhecidas e a que tem terapêutica dirigida e específica, descoberta há mais de meio século, seria de esperar que estivesse erradicada nesta altura da evolução da medicina e da organização social. Tal não acontece e, supostamente, não acontecerá devido a múltiplos factores: surgimento de doenças satélites que condicionam uma maior frequência da sífilis; comportamentos não controlados pelas estruturas da saúde; incapacidade do sistema de saúde chegar a determinadas franjas de população que se auto exclui; surgimento de outras doenças mais modernas e importantes que fizeram esquecer esta outra. Contudo em Portugal tem-se vindo a assistir a uma diminuição do número de casos declarados à DGS de 1/2500 nados vivos em 1999 para 1/7000 NV em 2004 (de 2001 a 2005 respectivamente 38, 24, 19, 16 e 21 casos). Esta diminuição pode ser devida a uma diminuição verdadeira ou a diminuição das declarações. O rastreio da sífilis na grávida continua a ser o método mais indicado para identificar os RN com risco de sífilis congénita. Nenhum RN deve ter alta sem um conhecimento recente do VDRL da mãe. Do mesmo modo toda a mulher com um feto morto após as 20 semanas deve ser rastreada para a sífilis. O período de incubação médio da sífilis é de 3 semanas e a sequência da positividade da serologia após o aparecimento do cancro é a seguinte: FTA 5º dia; TPHA 8º dia; VDRL 10º dia de cancro. O rastreio deve ser feito com testes não treponémicos os mais sensíveis. A confirmação de um teste não treponémico deve ser feita com testes treponémicos os mais específicos. O VDRL materno pode ser negativo se a infecção materna for muito recente (menos de 4 semanas). Nesta situação só as provas treponémicas poderiam ser positivas mas não é com elas que se faz um rastreio. O VDRL é um dos métodos de rastreio com melhor relação custo/eficácia em medicina.

O resultado do VDRL é dado como Reactivo ou Não Reactivo e deve ser sempre titulado se for Reactivo. O fenómeno de zona falso negativo devido à elevada concentração de anticorpos deve ser sempre ultrapassado fazendo uma primeira diluição. O clínico deve confirmar com o laboratório de imunologia se foi considerado o fenómeno de zona apesar de, hoje em dia, todos os laboratórios fazerem uma primeira diluição sistematicamente. O tratamento da sífilis no último mês da gravidez trata apenas a grávida, havendo risco sério de o RN nascer infectado. Do mesmo modo, a eritromicina trata apenas a sífilis materna. O tratamento da sífilis materna deve ser acompanhado de prova de cura diminuição progressiva e constante do título de VDRL até negativar. O título de VDRL desce 4 vezes nos 3 meses que se seguem à terapêutica. Uma subida de título ou um título estacionário elevado são sinais de reinfecção ou de não tratamento. As provas treponémicas mantêm-se virtualmente positivas para toda a vida. Como todas as doenças de transmissão sexual o tratamento da grávida deve ser acompanhado de tratamento do parceiro sexual. A gravidade da infecção fetal depende de vários factores entre os quais: O estadio da doença materna a infecção fetal é mais grave e mais frequente nos dois primeiros anos após o início da infecção materna. A ausência de tratamento implica a possibilidade de infecção de gravidade decrescente em filhos sucessivos A idade de gestação até à 15ª semana o risco do Treponema pallidum atingir o feto, é mínima. Só a partir das 20 semanas é que a infecção materna tem consequências para o feto uma vez que, só a partir dessa altura, ele é imunologicamente competente para desencadear reacção inflamatória. Daí a grande eficácia da terapêutica antes dessa idade gestacional. A maior morbilidade ocorre na infecção adquirida no 2º trimestre. No 3º trimestre o feto pode nascer infectado mas assintomático.

PROTOCOLO NA GRÁVIDA DIAGNÓSTICO O rastreio é Obrigatório no 1º, 2º e 3º trimestres independentemente do resultado da análise anterior. Não esquecer colheita de sangue na sala de partos se: gravidez não vigiada, grávida de risco, não houve determinação no 3º T. VDRL e o RPR são exames não treponémicos e é com eles que se deve rastrear a infecção. O VDRL e o RPR negativam com a terapêutica. O FTA-abs e o TPHA são exames treponémicos. É com eles que se confirma a infecção. Mantêm-se positivos eventualmente para toda a vida. TERAPÊUTICA A penicilina é a única terapêutica eficaz contra a sífilis. Grávida com sífilis com evolução inferior a 1ano: Penicilina benzatínica 2 400 000 UI IM 1 toma única Sífilis tardia ou latente: Penicilina benzatínica 2 400 000 UI IM 1 toma / semana / 3 semanas A reacção de Jarisch-Herxheimer pode induzir sofrimento fetal ou o trabalho de parto. Por isso, a primeira toma deve ser dada em meio hospitalar ou Centro de Saúde, com a grávida monitorizada. Muito Importante: não esquecer tratar o parceiro sexual. NO RECÉM-NASCIDO RISCO DE INFECÇÃO Os RN em maior risco de sífilis congénita são os seguintes: Filhos de mãe com sífilis não tratada Grávida tratada com eritromicina Com terapêutica no último mês da gestação Sem comprovativo de cura (ausência de controlo; VDRL com título mantido) Filhos de mãe VIH positivo

Se a sífilis materna ocorreu antes das 20 semanas, foi tratada correctamente e as análises de controlo recentes são negativas, provavelmente o RN não está infectado. Basta uma determinação de VDRL para o confirmar. DIAGNÓSTICO Nestes RN devem ser feitos os seguintes exames: VDRL titulado mãe e filho (rastreio) FTA-abs IgM mãe e filho (confirmação) Hemograma, PCR, função hepática e renal LCR VDRL * e ex. citoquímico Rx tórax e dos ossos longos Exame oftalmológico, ECO TF, PEATC No LCR o VDRL é mais específico que sensível. Pode dar eventuais falso negativos. Pelo contrário o FTA abs é mais sensível que específico, pode dar falsos positivos pelo que não deve ser usado. TRATAMENTO Que crianças devem ser tratadas? Crianças com evidência clínica, laboratorial ou radiológica de doença Filhos de mãe com VDRL reactivo, não tratada RN de mãe tratada com eritromicina RN de mãe com terapêutica no último mês Ausência de comprovativo de cura materna Como tratar e durante quanto tempo Penicilina G Cristalina Primeiros 7 dias de vida 100 000 a 150 000 UI/kg/dia, E.V. de 12 / 12 h Entre os 8 e os 30 dias 150 000 UI/kg/dia E.V. 8/8h Mais de 30 dias de vida - 200000 UI/kg/ dia E.V. 6/6h Alternativa Penicilina procaína 50 000UI/kg/dia, I.M. 1 toma diária durante 10 dias Total de dias de terapêutica 10 a 14.

Se falhar mais que um dia, deve repetir todo o esquema ESTUDO EVOLUTIVO Exame clínico aos 1, 2, 4, 6, 12 meses Repetir VDRL titulado aos 3, 6 e 12 meses até negativar Se houve neurosífilis VDRL no LCR aos 6 meses ECO TF aos 3 e 6 meses Ex. oftalmológico aos 6 e 12 meses Rx dos ossos longos aos 12 meses