Controle de armas no Brasil



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Transcrição:

NOTAS Nº 3/2015 BRASIL Controle de armas no Brasil O caminho a seguir Ana Carolina Pekny, Bruno Langeani, Felippe Angeli, Ivan Marques e Stephanie Morin DEZEMBRO DE 2015 O Estatuto do Desarmamento foi um fator importante para reverter o crescimento acelerado das mortes por arma de fogo no Brasil. Entre 1993 e 2003 a taxa de homicídios por 100 mil habitantes, cometidos com armas de fogo, crescia aproximadamente 6,9% ao ano. A partir de 2004, houve uma clara reversão de tendência, com o crescimento caindo para 0,3% ao ano. CONTROLE DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES NO BRASIL - LEI Nº 10.826/2003 A Lei nº 10.826/2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.123/2004, é o diploma legal que organiza a política nacional de controle de armas de fogo e munições vigente no país. Sua elaboração foi objeto de ampla participação popular, tendo transcendido mandatos presidenciais de partidos distintos. A proposta que deu origem à legislação atual começou a ser debatida durante o último mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir de um projeto de lei do então Ministro da Justiça Renan Calheiros, e tornou-se efetivamente lei durante o primeiro mandato do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. Diversas campanhas de mobilização foram organizadas pela sociedade civil durante os anos de tramitação da proposta no Congresso Nacional. Por fim, foi objeto do primeiro (e único) referendo de origem infraconstitucional após a abertura democrática de 1988, que foi realizado em 23 de outubro de 2005. Ao contrário do que muito se divulga, o referendo não versou sobre a totalidade da lei, mas tão somente quanto à proposta de se proibir totalmente o comércio de armas de fogo e munições no Brasil. Este não foi o entendimento da população,

na medida em que 63,94% dos votos registrados mantiveram o comércio de armas de fogo no país. Todas as demais regras trazidas pela Lei nº 10.826/2003 permaneceram inalteradas, e o comércio de armas de fogo continuou autorizado conforme o resultado do referendo. NÚMEROS DA VIOLÊNCIA NO BRASIL O Brasil registrou 50.108 homicídios em 2012, o maior número absoluto de homicídios do planeta, segundo o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC). A taxa de homicídios no país 25,2 por 100 mil habitantes é a 15ª mais alta do mundo. O principal agente da destruição de vidas é a arma de fogo, utilizada em 71% das mortes por agressão no Brasil em 2012, enquanto a média global é de 41% Principais vítimas Dos 40.369 mortos por agressão por arma de fogo ocorridas em 2013, 94,1% eram homens, 59,4% eram jovens entre 15 e 29 anos (faixa etária que representa apenas 26,9% da população em 2010, ano do último Censo), e 69,3% eram negros. Jovens negros têm três vezes mais chances de serem assassinados do que jovens brancos. Impactos econômicos e sociais Segundo estudo realizado em 2014 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela organização não-governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência custou R$ 258 bilhões somente em 2013 (5,4% do PIB), incluindo gastos com segurança privada, seguros e sistema de saúde, além de perdas do consumo e produção considerando a morte prematura das vítimas (R$192 bilhões); policiamento e outros serviços oferecidos pelos órgãos de segurança pública (R$61,1 bilhões); e o custo dos sistemas socioeducativo e prisional (R$4,9 bilhões). Dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do Ministério da Saúde apontam que a violência armada impõe um impacto financeiro de quase R$ 44 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), relacionado apenas aos gastos com as internações causadas por ferimentos à bala. Estes custos não incluem o acompanhamento pós-hospitalar e nem a reabilitação das vítimas, assim como estão excluídos os gastos realizados no sistema privado de saúde. PRINCIPAIS DETERMINAÇÕES DA LEI Nº 10.826/2003 E SEU REGULAMENTO: Sete requisitos mínimos para a compra de arma: i) efetiva necessidade; ii) não possuir antecedentes criminais ou estar respondendo a processos criminais ou inquéritos policiais; iii) ocupação lícita; iv) residência certa; v) capacidade técnica; vi) aptidão psicológica e idade mínima de 25 anos (artigos 4º e 28); Renovação periódica do Registro de Arma de Fogo a cada 3 anos, com a comprovação de cumprimento dos requisitos para que o Estado saiba onde a arma está e para garantir que a pessoa segue apta a possuir e manusear uma arma de fogo ( 2º art. 5º); Concentração na Polícia Federal dos registros, autorização de porte e de compra de armas para alguns públicos na Polícia Federal e melhoria do Sistema Nacional de Armas (SINARM) do Ministério de Justiça, o banco de dados que deve conter informações sobre estas armas e donos de armas registradas no país, facilitando a rastreabilidade (artigos 1º e 2º); Mais controle sobre a venda de munições, que só pode ser efetuada por lojistas regis- 2

trados e em caixas com código de barras identificando o produtor (artigo 23); Mais controle sobre as munições adquiridas pelas forças de segurança pública, que devem estar com número marcado no culote do cartucho, facilitando a rastreabilidade e o esclarecimento de crimes (artigo 23); A proibição do porte de armas para civis. A posse registrada e autorizada ou seja, manter uma arma legalmente em sua residência ou local de trabalho continua permitida, mas não se permite mais sair à rua armado (artigo 6º); Tipificação do tráfico de armas como crime específico e diferente do tráfico de outros produtos (artigos 17 e 18) e aumento de pena para o crime de porte ilegal de arma de fogo (artigos 14 e 16), contribuindo para o trabalho preventivo da polícia. EFEITOS POSITIVOS DA POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES O Estatuto do Desarmamento foi um fator importante para reverter o crescimento acelerado das mortes por arma de fogo no Brasil. Entre 1993 e 2003, 292.735 pessoas foram mortas por disparos de armas de fogo, ao passo que a taxa por 100 mil habitantes crescia aproximadamente 6,9% ao ano. Houve uma clara reversão de tendência a partir de 2004, com o crescimento caindo para 0,3% ao ano. Segundo o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, especialista em segurança pública e autor da publicação Mapa da Violência, o Estatuto poupou aproximadamente 160 mil vidas, estimando o cenário provável se a tendência de crescimento das mortes por agressão por arma de fogo pré-2003 tivesse sido mantida. 12,3 11,2 14,3 Gráfico 1 Taxas de mortes por agressão por arma de fogo no Brasil (1993 2012) 15,9 16,4 15,3 14,6 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: Mapa da Violência 2015 20,4 19,4 19,6 18,2 19,1 18,1 18,7 18,0 18,8 19,3 19,3 19,1 RECOMENDAÇÕES PARA O APRIMORAMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DE ARMAS DE FOGO E MUNIÇÕES Melhor controle da entrada de armas e munições em circulação. Como a demanda por armas de fogo tem aumentado nos últimos anos, é preciso desenvolver campanhas efetivas sobre os riscos inerentes à posse de arma nas residências. Também é necessário que sejam estabelecidos critérios mais homogêneos e transparentes no que se refere por exemplo ao critério de efetiva necessidade anexado aos pedidos de armas. Fiscalização sobre categorias com acesso a armas e grupos vulneráveis. Controles efetivos sobre as armas institucionais e privadas dos membros das forças de segurança é essencial para conter esses desvios. No campo das pessoas físicas, o aumento de caçadores, colecionadores e atiradores desportivos, grupos fiscalizados pelo Exército Brasileiro, é preocupante. Por exemplo, o número 20,7 3

de novos Certificados de Registro de Colecionadores saltou de 12 mil em 2010 para 40 mil em 2015. Gestão de informação. Embora a legislação assim determine, não há integração efetiva entre o SINARM e o banco de dados de armas do Exército (SIGMA), o que impede a consulta de parte das armas militares e dificulta a fiscalização. As Polícias Civis Estaduais também devem aprimorar o envio de informações sobre as ocorrências com armas (registros de desvio pelos proprietários) e apreensões. Também é preciso aprimorar os bancos sob responsabilidade do Exército e compartilhar o acesso com a Polícia Federal, especialmente o Sistema de Controle de Munições (SICOVEM) e Sistema de Controle Fabril (SICOFA). Garantir renovação de registros. A Polícia Federal deveria enviar alertas a cidadãos cujos registros de arma estejam vencendo, para manter o banco atualizado e estimular que as pessoas se mantenham na legalidade. Também deveria facilitar o procedimento de renovação (reduzindo a burocracia sem diminuir requisitos ou eliminar testes exigidos). Fiscalizar a fabricação e venda de munições. Três medidas são fundamentais com relação ao controle de munições: i) reduzir os grupos com acesso legal à recarga de munições; ii) garantir o cumprimento da obrigação de marcação de culotes de cartucho a todas as categorias previstas na lei; e iii) rever o sistema e a fiscalização das lojas. Ampliar e aprimorar programas de incentivo de retirada de armas de circulação. É fundamental que os governos voltem a investir em campanhas que estimulem a entrega, bem como ampliem e fortaleçam a rede de postos existentes, facilitando a vida do cidadão interessado em se desfazer da arma. Implementar mecanismos de rastreamento de armas e aumentar a apreensão de armas ilegais. Como a maior parte das armas do crime utilizadas no Brasil é de origem nacional, é essencial estabelecer melhores mecanismos de marcação de todas as armas e munições (nanotecnologia, chipagem eletrônica ou marcações internas). Por outra parte, os Estados devem estabelecer práticas de rastreamento sistemático das armas apreendidas. Implantar sistemas de comparação balística. Implantação de sistemas de comparação balística estaduais para aumentar a taxa de esclarecimento de crimes, particularmente os homicídios. Todas as armas apreendidas deveriam ter seus padrões incluídas no banco, facilitando, assim, a comparação entre armas e outras provas balísticas encontradas em locais de crime, tais como estojos e projéteis. Garantir a destruição rápida de armas e munições ao nível regional e local. Levantamento de 2011 estimava que os tribunais estaduais mantinham mais de 700 mil armas em seu poder. É preciso estabelecer protocolos operacionais e fiscalização perene para que as armas apreendidas que já possuam laudo pericial e manifestação das partes sejam rapidamente destruídas, conforme determina a Resolução 134/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Também é importante o fortalecimento da capacidade de destruição própria das unidades do Exército (em todos os Estados), órgão responsável pela destruição de armas estocadas no judiciário. 4

TABELA COMPARATIVA ENTRE A LEGISLAÇÃO ATUAL E O SUBSTITUTIVO AO PL 3722/2012 APROVADO EM 27/10/2015 Como é hoje? Lei nº 10.826/2003 e Decreto 5.123/2004 Posse e registro de arma de fogo e munições: Civis podem ter até 6 armas desde que demonstrados: i) efetiva necessidade; ii) não possuir antecedentes criminais ou estar respondendo a processos criminais ou inquéritos policiais; iii) ocupação lícita; iv) residência certa; v) capacidade técnica; vi) aptidão psicológica e idade mínima de 25 anos. Civis podem comprar o limite de 50 munições por arma por ano Idade mínima de 25 anos para compra de armas Renovação do registro a cada 3 anos. Porte: É proibido ao civil andar armado. O porte é concedido apenas em casos excepcionais, com justificativa. Licença de porte, restrita a algumas categorias e civis com efetiva necessidade, é renovada a cada 5 anos. Neste momento é preciso comprovar que o solicitante segue atendendo todos os requisitos (capacidade técnica, psicológica, idoneidade etc.) Órgãos responsáveis: há centralização do controle, o que permite melhor gestão dos bancos de armas. Como é com o substitutivo ao PL 3.722/2012 aprovado em 27/10/2015? Civis podem ter até 6 armas (não há necessidade de demonstrar efetiva necessidade, seja para compra da primeira arma, seja para as demais). Civis podem comprar o limite 100 munições por arma por ano e também 300 unidades mensais de cartuchos de caça e calibre 22. Idade mínima de 21 anos para compra de armas Registro válido por tempo indeterminado. Requerente não pode ser condenado por crime doloso, mas caso esteja sendo investigado por qualquer crime, inclusive homicídio, poderá comprar arma de fogo. Pessoas poderiam voltar a andar armadas nas ruas sem precisar comprovar necessidade. Idade mínima: 25 anos Necessidade de 10h de curso prático de tiro. Necessidade de renovação a cada 10 anos. Há vedação genérica a que pessoas armadas entrem em estabelecimentos públicos. Não fica claro se pessoas poderão portar armas em restaurantes ou bares. Caso não possam, onde deixarão o armamento quando entrarem em estabelecimentos deste tipo? Há previsão de regulação do porte de arma em transportes públicos, incluindo aviões. Idade mínima para porte para residentes em áreas rurais é 25 anos. Compartilha competências da Polícia Federal, que fica obrigada a conveniar com os Estados para a criação de órgãos executivos estaduais do SINARM. Instituições públicas podem emitir 5 Observações Idade: Ao reduzir de 25 para 21 anos, o Projeto de Lei impactará diretamente a faixa que contém o maior número de vítimas de mortes por arma de fogo. Pessoas investigadas por quaisquer crimes como homicídios, porte ilegal de arma de uso restrito ou tráfico de armas passarão a poder comprar armas legalmente pelo novo texto. A quantidade de munição que poderá ser comprada por arma passou de 50 por ano para 100 por ano, excluídos destes limites os caçadores e atiradores. O registro passa a ser permanente. Assim, se o possuidor cometer crime, perder capacidade visual ou psicológica, não há novo controle do Estado sobre o registro. O curso de capacitação de manejo de arma de fogo exigido tem duração mínima estabelecida em 10 horas de duração. Para fins comparativos, para emissão da Carteira Nacional de Habilitação são exigidas 70 horas de aulas práticas e teóricas. O 3º do art. 34 prevê que as licenças de porte de arma de fogo assumem a natureza de porte para a defesa pessoal e patrimonial quando o titular não tenha outra alternativa a não ser utilizar a arma. Vê-se claramente que o objetivo a lei é minimizar as consequências jurídicas do uso de arma de fogo em situações presumidas de legítima defesa, inclusive para fins de defesa patrimonial. Quem reage a assalto com arma tem 56% mais de chances de ser vitimado, segundo pesquisa do IBCCRIM Também morre quem atira (2000). A validade da licença pelo período de 10 anos associada à capacitação mínima de 10 horas de treinamento prático com armas de fogo demonstra a fragilidade do preparo exigido. O substitutivo ao PL 3722/2012 acaba com a lógica anterior e cria um modelo confuso de gestão dos registros, emissão de licenças e de controle do comércio, produção e circulação de continua

Como é hoje? Lei nº 10.826/2003 e Decreto 5.123/2004 Exército competência para as armas militares e de uso restrito. Polícia Federal competência para controlar as armas de civis, Polícias Civis, guardas e empresas de segurança privada. Recarga de munições: permitida apenas a academias de polícia e guardas municipais. Anistia para armas irregulares/ilegais: quando a Lei 10.826 foi aprovada em 2003, foi estabelecido um prazo de cinco anos para que os proprietários de armas as regularizassem junto aos órgãos competentes. Posteriormente o período foi prorrogado por mais um ano dadas as alegações de dificuldades burocráticas. Entrega Voluntária de Armas/Destruição de Armas É instituída a perenidade da Campanha de Entrega Voluntária de Armas em que qualquer cidadão pode entregar uma arma de forma anônima e será indenizado pelo enorme ganho público da retirada de uma arma de circulação. Armas apreendidas devem ser devolvidas ao proprietário, doadas ou destruídas rapidamente. Como é com o substitutivo ao PL 3.722/2012 aprovado em 27/10/2015? documento de porte a seus funcionários que detenham porte funcional. Retira competências regulamentares do Exército Brasileiro e as cristaliza na Lei, cuja alteração, caso necessária, é muito mais difícil. Também prevê possibilidade de importação de armas de fogo pelos órgãos policiais sem que haja autorização do Exército. Recarga de munições autorizada para confederações e as federações de tiro, as agremiações de caça e de tiro, as escolas de tiro, as empresas de instrução de tiro, os atiradores, os caçadores; os instrutores de tiro, empresas de formação profissional de agentes de segurança privada e proprietários e trabalhadores maiores de 21 anos residentes na área rural. Permite o registro de armas de fogo ilegais a qualquer tempo, bastando o requerente prestar uma declaração de que a arma é lícita, sem que haja necessidade de sequer apresentar a arma. Isto equivale a uma anistia perene da posse e ilegal e tráfico de armas. Dificulta muito a entrega voluntária de armas, acabando com o anonimato da entrega. A campanha do desarmamento até hoje já possibilitou a retirada de circulação de mais de 600 mil armas. Fonte: Ministério da Justiça Estabelece ao Exército, à Polícia Federal e ao Poder Judiciário o cumprimento de uma via sacra antes de destruir a arma, reafirmando o foco na preservação da arma frente à segurança pública. Observações armas, rompendo com a centralidade do sistema de controle de armas e munições. A União fica obrigada a conveniar com os Estados para o estabelecimento de órgãos executivos estaduais do SINARM, sem que fique claro quais as características destes órgãos. Como ampliam-se órgãos emissores de registro e porte, o tipo de documentos (papel, timbres, etc.) não serão padronizados, gerando assim um campo fértil a falsificações e dificultando a fiscalização da polícia. A recarga de munição que dificulta o rastreamento seria liberada para fins desportivos e formação profissional (o que incluiria empresas de segurança privada). Como não há especificação, pessoas físicas ou clube de tiros poderiam criar suas fábricas caseiras de munição, trazendo riscos de desvio e graves consequências para segurança pública. Durante o período de Anistia da Lei (até dezembro de 2009) vários criminosos foram libertados por meio de Habeas Corpus sob o argumento de que se há uma possibilidade de regularização da arma, não há crime. O substitutivo aprovado em 27/10/2015 praticamente inviabilizará a prisão de pessoas por posse ilegal de arma de uso permitido ou restrito. Além disso, a possibilidade de regularização a qualquer tempo desestimula o cidadão a buscar a regularização, dificultando o controle. Por fim, qualquer arma poderia ser legalizada por simples declaração do requerente, não sendo necessário nem apresentar fisicamente a arma de fogo que se pretende registrar. O anonimato é um incentivo importante que permitiu a retirada de mais de meio milhão de armas da rua. É um incentivo ao cidadão para que leve a arma para um canal seguro para destruição antes que ela caia em mãos erradas. A manutenção de estoques e o transporte de armas são custosos e tornam os desvios mais suscetíveis. Ao aumentar o número de etapas necessárias antes da destruição o projeto de lei não só aumentará custos, como estimulará desvios de armas. 6

Autores Ana Carolina Pekny é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo e mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (Suíça). Atualmente é pesquisadora da área de Gestão do Conhecimento do Instituto Sou da Paz, onde desenvolve pesquisas e análises periódicas de estatísticas criminais. Responsável Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil Av. Paulista, 2001-13 andar, conj. 1313 01311-931 I São Paulo I SP I Brasil www.fes.org.br Bruno Langeani é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Relações Internacionais pela PUC-SP. É o coordenador de área de Sistemas de Justiça e Segurança do Instituto Sou da Paz, onde desenvolve atividades de supervisão e implementação de projetos pilotos, desenvolvimento de pesquisas aplicadas e mobilização na área de polícia e justiça criminal. Felippe Angel é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências Políticas pela Université Paris II Panthéon Assas e especialista em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente é assessor para advocacy do Instituto Sou da Paz. Ivan Marques é bacharel em Direito formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Relações Internacionais pela Unicamp e Direitos Humanos pela London School of Economics and Political Science. É o Diretor-Executivo do Instituto Sou da Paz. Stephanie Morin é mestre em Direito pela New York University School of Law e bacharel em Relações Internacionais pela Brown University. É a coordenadora de Gestão do Conhecimento no Instituto Sou da Paz, onde desenvolve pesquisas sobre os fenômenos do homicídio e da letalidade policial. Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está comprometida com o ideário da Democracia Social. Realiza atividades na Alemanha e no exterior, através de programas de formação política e de cooperação internacional. A FES conta com 18 escritórios na América Latina e organiza atividades em Cuba, Haiti e Paraguai, implementadas pelos escritórios dos países vizinhos. As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Friedrich-Ebert-Stiftung. O uso comercial de material publicado pela Friedrich-Ebert-Stiftung não é permitido sem a autorização por escrito.