A aplicação dos Tratados Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro



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Transcrição:

A aplicação dos Tratados Internacionais no Ordenamento Jurídico Brasileiro RESUMO * Fridtjof Chrysostomus Dantas Alves ** Déborah Barros Leal Farias O presente trabalho apresenta a aplicação dos Tratados Internacionais em nosso ordenamento jurídico brasileiro, enfocando uma das três principais problemáticas, no que diz respeito, a violação dessas normas, o conflito existente entre estas e as normas de direito interno e a ausência de uma aplicação mais freqüente nas decisões dos magistrados brasileiros e nas peças processuais dos advogados. Analisar-se-á todo o contexto desde o surgimento dos Tratados Internacionais até os tempos atuais, abordando a sua importância e o seu valor perante a legislação brasileira, comentado através da jurisprudência a sua aplicação e os meios de soluções de conflitos existentes, além de apresentar soluções práticas que possam tornar efetiva a aplicabilidade dessas normas, buscando com uma maior eficácia, garantir o bem estar social. 1 INTRODUÇÃO Há nos tempos atuais, uma grande preocupação acerca da aplicação dos Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de verificar, como se posiciona o Poder Judiciário, o Legislativo e o Executivo diante dessa aplicabilidade, visto que o primeiro não executa corretamente suas normas, criando uma espécie de xenofobia diante das mesmas, o segundo não exerce corretamente a sua função nos sentido de amparar cada vez mais os Tratados Internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, através da aprovação de leis para tais fins e o terceiro se caracteriza como o maior violador, diga-se de passagem, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que até o presente, como afirma Paulo Bonavides, é apenas uma mera carta de intenção dentro do Brasil. Deve-se primeiramente investigar qual a melhor forma de solucionar um conflito entre um tratado internacional e uma lei nacional, já que este é o primeiro obstáculo encontrado por esta, delimitando cada caso e comparando através dos critérios de tempo, especialidade e hierarquia, qual delas deve prevalecer, baseando-se no princípio Pro Homine, para que seja aplicada aquela que for melhor para o homem, buscando encontrar a melhor maneira da solução desta questão para que uma possa ser aplicada sem que prejudique a outra, suspendendo sua validade e não sua vigência, como acontece, por exemplo, ao se aplicar a Declaração dos Direitos Humanos ao invés da Constituição Federal, no caso em que fica suspensa a prisão de depositário infiel. A partir do momento que existir esse respeito com os tratados internacionais, reconhecendo sua superioridade, frente à norma que entrar em conflito no caso em * Aluno de Direito cursando atualmente o 10º Semestre da UNIFOR Universidade de Fortaleza. e-mail: fridtjofalves@hotmail.com ** Orientadora: Graduada em Economia ( UFC) e Direito ( UNIFOR ) e Mestra em Relações Internacionais ( UnB). Foi integrante da Assessoria Internacional do Gabinete do Governador do Estado do Ceará (2001-2006). É professora de Direito Internacional da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). e-mail: deborahbarrosleal@gmail.com

questão, deve-se averiguar quais são as sanções que o Brasil poderá sofrer caso ocorra o descumprimento de algum tratado internacional que é signatário, não podendo mais usar a sua norma interna como defesa para a não aplicação ou a sua soberania, visto que a partir do momento que a própria lei brasileira recepciona tais normas internacionais, não há fundamentos para alegar que há uma violação desta, já que a própria norma interna em seu art. 5º, 2º e 3º da Constituição Federal abraça essas normas como se suas fossem, observando sem dúvidas a prevalência do princípio pacta sunt servanta, ou seja, o tratado passa a ser lei entre os estados signatários, como afirma Celso Albuquerque de Mello. Assim, é importante verificar nesse víeis, quais as punições que a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode aplicar ao Brasil, denunciando toda e qualquer situação que enseja uma violação, o que já aconteceu no caso Maria da Penha, pelo fato da demora da prestação jurisdicional e no caso Damião Ximenes, que sofreu tortura, buscando como punição nos demais tratados que estejam além da competência da Corte, como pena máxima, a expulsão do Brasil para que essa cultura de violação passe a ser a cultura do cumprimento. Volta-se a atenção para os operadores de direito que não possuem a cultura de aplicar as normais internacionais na vida jurídica do nosso país, pois não há dos magistrados brasileiros uma efetiva preocupação em aplicar em suas decisões estas normas, não há do advogado brasileiro a cultura de utilizar em suas peças processuais as normas internacionais, o que é uma preocupação, pois a partir do momento que ocorre a violação, o poder judiciário não está preparado para tornar efetiva as sanções, usando a força executória desses tratados internacionais com o mesmo caráter que possuem as leis brasileiras, havendo a necessidade de criar uma quarta instância, que atualmente é a Corte Interamericana de Direitos Humanos, visto que as instâncias internas são muito tímidas em sua aplicação. Tudo pode ser averiguado através deste estudo descritivo analítico, que se baseia primordialmente em uma extensa pesquisa bibliográfica, que se torna concreta através das entrevistas com os magistrados e advogados, constatando-se a precariedade nessa aplicação, que deve ser explorada e colocada à luz do direito para que a real intenção das normas em questão possa se tornar realidade. 2 REFENCIAL TEÓRICO A aplicação dos tratados internacionais é abordada por inúmeras doutrinas que retratam a questão das mais variadas formas, porém antes de qualquer discussão é importante salientar sua origem e necessidade que fez surgir o primeiro deles, quando dois Estados tiveram por algum motivo adverso que pactuar entre si e fora de suas leis internas um tratado que pudesse atender a vontade de ambos. Sábias são as palavras de Celso Albuquerque de Mello (2000, p.152) ao abordar um dos mais antigos pactos internacionais firmados entre dois estados : Na Antiguidade Oriental encontramos a existência de um DI. O tratado mais antigo de que se tem notícia é o do ano 3100 a.c., entre Eamatum, senhor da cidade- Estado de Lagash, e os homens de Umma, duas cidades na Mesopotâmia. As fronteiras entre os dois mencionados Estados seria fixadas pelo Rei Mesilin, rei de Kish. Segundo Nussbaujm. Mesilmn não teria atuado como árbitro, porque provavelmente era uma espécie de senhor dos príncipes daquelas duas outras comunidades. Taube já considera que Mesilin teria atuado como árbitro com base em algum tratado.

Nota-se que a necessidade da criação dos tratados internacionais já existia antes de qualquer evolução jurídica e histórica, aumentando com o decorrer do tempo como lembra Mello (2000, p.199) ao dispor que o desenvolvimento das relações internacionais e a interdependência cada vez maior entre os Estados têm feito com que os tratados se multipliquem na sociedade internacional. Com o decorrer dos anos o número de tratados internacionais realizados entre os Estados foi cada vez mais crescente, e o interesse particular, como figurado na antiguidade oriental no ano de 3100 a.c, deu lugar a um interesse coletivo como observa Antônio Augusto Cançado Trinidade (2000, p.23) : Já não se Tratava de proteger indivíduos sob certas condições ou em situações circunscritas como no passado ( por exemplo, a proteção de minorias, de habitantes de territórios sob mandato, de trabalhadores sob as primeiras convenções da OIT ), mas doravante de proteger o ser humano como tal. Essa necessidade de proteção deve-se aos acontecimentos que envolveram diversos Estados no decorrer da história, criando-se uma consciência de respeito aos direitos fundamentais de toda a humanidade e a outros direitos inerentes ao homem que na época deveriam ser assegurados não só na legislação interna, mas também na externa através dos tratados, como prossegue Trinidade(2000, p.24) : Subjacentes a esta unidade conceitual estavam às premissas básicas de que os direitos proclamados são inerentes ao ser humano, anteriores, portanto a toda e qualquer forma de organização política ou social, e de que a proteção de tais direitos não se esgota não pode se esgotar na ação do Estado. É precisamente quando as vias internas ou nacionais se mostram incapazes de assegurar a salvaguarda desses direitos que são acionados os instrumentos internacionais de proteção Diante disso o Brasil tornou-se um dos países que mais aderiu aos tratados internacionais, não deixando dúvidas que nosso Estado é um participante ativo, porém o grande problema em questão é a eficácia dessas normas, já que a sua aplicação no âmbito interno está se resumindo em uma mera intenção, visto que o Brasil em muitas vezes é um violador. Esta celeuma é abordada por José Afonso da Silva (2007, p.165) : [...]o grande problema é o da eficácia das normas de Declaração de Direitos. O problema é ainda mais agudo em se tratando de uma Declaração Universal, que não dispõe de um aparato próprio que a faça valer, tanto que o desrespeito acintoso e cruel de suas normas, nesse mais de meio século de sua existência, tem constituído uma regra trágica, especialmente no nosso continente e também no nosso país. É evidente que não há uma cultura de respeito às leis internacionais, visto que há uma carência do nosso Poder Judiciário no uso destas em suas decisões, do Poder Legislativo na elaboração de leis que garantam ainda mais a proteção a estas normas e do Poder Executivo que atualmente é um dos maiores violadores. Celso Albuquerque de Mello ( 2000, p.209), afirma com a devida importância que : O poder judiciário é obrigado a aplicar o tratado. O executivo deverá cumpri-lo e o Legislativo, se for o caso, deverá elaborar leis necessárias para a sua execução. O descumprimento de qualquer uma destas obrigações acarretará a responsabilidade internacional do Estado.

Diante da ineficácia e desrespeito das normas internacionais, a sanção que poderá se imposta ao Brasil é uma grande dúvida. O tema tem sido motivo de muitas controvérsias, das quais Rezek (2006, p.89) aborda da seguinte forma : A violação substancial de um tratado dá direito à outra parte de entendê-lo extinto, ou de suspender também ela seu fiel cumprimento, no todo ou parcialmente. Se o compromisso é coletivo igual direito têm, em conjunto, os pactuantes não faltosos, e o tem ainda cada um deles nas suas relações com o Estado responsável pela violação. A Convenção de Viena propõe essa disciplina no art. 60, esclarecendo que por violação substancial deve entender-se tanto o repúdio puro e simples do compromisso quanto a afronta a um dispositivo essencial para a consecução de seu objeto e finalidade. Essa responsabilização é discutida também por Trinidade (2000, p.84) ao afirmar que nenhum estado encontra-se hoje eximido de responder, por seus atos e omissões, a denúncias de violações de direitos humanos ante órgão de supervisão internacional, onde o nosso país não tem feito exceção a isso. Essa obrigatoriedade de cumprimento, surge de um princípio natural chamado de pacta sunt servanta, onde o pacto é lei entre as partes, ficando o estado com o encargo de cumprir essa determinação, como define Mello (2000, p.208) : O fundamento dos tratados internacionais, isto é, de onde eles tiram a sua obrigatoriedade, esta na norma pacta sunt servanda, que é um dos princípios constitucionais da sociedade internacional e que teria seu fundamento último no direito natural. Infelizmente o Brasil tem criado discussões doutrinárias criando conflitos entre normas internacionais e internas, como se estas anulassem a primeira, utilizando isto para justificar a sua precária aplicabilidade. Dispõe Rezek (2006, p.97) que não se coloca em dúvida, em parte alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação. Prossegue o mesmo autor (2006, p.99) dispondo que : De setembro de 1975 a junho de 1977 entendeu-se, no plenário do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso extraordinário 80.004, em que assentada por maioria a tese de que, ante a realidade do conflito entre tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deve ter sua prevalência garantida pela Justiça não obstante as conseqüências do descumprimento do tratado, no plano internacional. Demonstrando que essa discussão está resolvida, e atualmente, precisamente no dia 12/03/2008, o ministro Celso de Mello, no HC 87.585-TO, reconheceu o valor constitucional dos tratados internacionais, afirmando Luiz Flávio Gomes sobre a questão: Mas pelos votos favoráveis (oito) emitidos até aqui em favor da impossibilidade da prisão do depositário infiel, sobretudo no caso de alienação fiduciária (RE 466.343-SP; HC 90.172-SP; HC 87.585-TO), é de se admitir que essa será (finalmente) a tese vencedora. Aliás, não poderia ser de outra forma, em virtude do disposto no art. 7º, 7, da CADH (que conta com correspondência no art. 11 do PIDCP). A nova jurisprudência do STF finca suas raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da globalização deve também ser a era da preponderância dos direitos humanos.

Observa-se que a grande questão está em sua aplicação, e nessa esfera o problema é ainda maior, pois por mais que todas as justificativas referente ao assunto sejam superadas, no momento de se tornar concreto, ainda não existe, em relação aos nossos magistrados, uma valoração desses tratados internacionais, como afirma Paulo Bonavides (2008, p.578), ao se referir a declaração universal dos direitos humanos e sua aplicação: A Declaração será porém um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis. Falta para nossos operadores do direito essa consciência nacional, para que antes de qualquer discussão entre conflitos de normas e sanções por descumprimento, a aplicabilidade seja realmente efetiva e possa sair do papel para a nossa realidade. 3 RESULTADOS ESPERADOS O Pacta Sund Servanta é o princípio maior que estabelece a obrigatoriedade do país signatário em respeitar o tratado em questão. Quando ocorre esse desrespeito, deve o país violador, estar sujeito a sua exclusão deste tratado, o que internacionalmente tem efeito muito negativo, visto que os países participantes vão estar sempre receosos em investir economicamente em um Estado que costuma descumprir seus acordos internacionais. Além disso, no plano interno, o país deve ser julgado por um órgão responsável para tal fim, como a Corte Interamericana, por exemplo, e sofrer uma multa que deverá ser paga a vítima da violação, respondendo economicamente pelo dano que causou, não excluindo ainda a possibilidade de sua expulsão pela violação, além de outras penas, como a obrigatoriedade de criar leis internas que garantam ainda mais a eficácia da aplicação do tratado internacional que foi violado, com estas sanções com certeza a cultura de desrespeito mudaria. A longo prazo, os cursos de direito devem em suas disciplinas apropriadas estudar os tratados internacionais mais importantes. Para que além de conhecer o ordenamento interno o futuro operador do direito conheça também a norma internacional se familiarizando com esta, para que no momento em que lhe for apresentada não existirem dúvidas sobre a sua aplicação. Em médio prazo, a Associação de Magistrados deve disponibilizar cursos e palestras para que os juízes conheçam mais essas normas de tratados internacionais e a importância de sua aplicação, a OAB poderia fazer o mesmo com os advogados que devem usar essas normas em suas peças processuais. Em curto prazo e imediatamente, o STF já deveria estar dando exemplo disso e aplicando boa parte desses tratados internacionais em suas decisões o que hoje ainda é muito tímido, mas que está mudando com a atual jurisprudência, produzindo sumulas inclusive que ressaltem a importância dessas normas no plano prático e a sua aplicação perante determinadas situações do nosso direito. O conflito deve ser solucionado de uma maneira que uma norma não prejudique a outra, levando-se em conta os critérios hierárquico, específico e cronológico, buscando atender o fim que seja mais justo para a solução da lide, pois além de adicionar, esta complementa a norma interna, é importante que sua aplicabilidade não seja a todo momento restringida pela norma nacional, mas que no caso em que for oportuno possa se aplicada, aplicando-se, se for o caso, o princípio pro homine, ou seja, o que for melhor para o homem.

4 BIBLIOGRAFIA BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno. Rio de Janeiro: Forense, 2006. GOMES, Luiz Flávio. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000. GOMES, Luiz Flávio. Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica. São Paulo: Premier, 2008 GOMES, Luiz Flávio. Prisão civil do depositário infiel: impossibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1748, 14 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11148>. Acesso em: MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. v.1. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2007. REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997):as primeiras cinco décadas. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000.