Objeto: Projeto de Lei nº 8.231/2014



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Transcrição:

Nota Técnica n. 20/2015 SUBPROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA JURÍDICA Objeto: Projeto de Lei nº 8.231/2014 Projeto de Lei nº 8.231/2014, de autoria do Deputado Hauler Cruvinel, que altera a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente) para tornar obrigatória a inserção do menor infrator em curso regular de ensino e em curso técnico-profissionalizante. O Projeto de Lei se encontra assim redigido: Art. 1º - Este projeto de lei tem o objetivo de tornar obrigatória a inserção do menor infrator em curso regular de ensino e em curso técnico profissionalizante, bem como acrescenta a possibilidade de remissão do menor internado por dias participação em curso regular de ensino ou em curso técnico-profissionalizante. Art. 2º - Altera-se o inciso III, do art. 101, da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art.101......... III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental, ensino médio e profissionalizante... (NR)

Art. 3º Altera-se a redação do inciso, VI e VII do art. 112, da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, que passa a vigorar nestes termos: Art.112.......... VI internação obrigatória em estabelecimento educacional; VIII - inserção obrigatória em curso técnicoprofissionalizante. (NR) Art. 4º Acrescente-se o art. 128-A na Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, com a seguinte redação: Art. 128-A Poderá aquele que esteja cumprindo a medida de internação remir, pelo ingresso obrigatório em curso regular de ensino ou de atividade com formação técnico-profissionalizante, parte do tempo de internação, na razão de 1 dia de internação por 5 dias de estudo. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. No Projeto de Lei, há duas propostas autônomas e bem distintas entre si: a) a criação de uma nova modalidade de medida socioeducativa, consistente na inserção obrigatória do jovem em curso técnico-profissionalizante; b) a implantação da figura da remição da pena para aqueles que cumprem medida socioeducativa de internação e estejam inseridos em curso técnico-profissionalizante. A proposta, com o devido respeito, é desnecessária (no que toca à criação de nova medida socioeducativa) e logicamente incompatível (quanto à aplicação da remição) com a atual sistemática da

Lei nº 8.069/90, o que justificou a apresentação da presente manifestação. Antes de qualquer ponderação sobre o Projeto de Lei, impende ressaltar a diferença essencial que existe entre uma medida socioeducativa e a sanção penal, esta última reservada apenas para os imputáveis. A primeira tem por finalidade precípua reeducar o autor de um ato infracional, conscientizando-o de sua prática ilícita e visando-lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade (artigo 3º, in fine, do ECA), sempre assegurando sua perfeita integração à sociedade. A segunda, diversamente, tem por escopo primário prevenir e reprimir a prática da infração penal (artigo 59 do Código Penal). A medida socioeducativa mais adequada, em continuação, é escolhida de acordo com a capacidade do adolescente de cumpri-la, as circunstâncias e gravidade da infração (artigo 112, 1º, do ECA). A pena, por sua vez, conta com um critério trifásico de fixação, baseandose em circunstâncias judiciais, legais e causas de aumento ou de diminuição (artigo 68 do Código Penal). Além disso, a medida socioeducativa de internação não tem prazo determinado de cumprimento, vigorando até a efetiva recuperação do adolescente (artigo 121, 2º, do ECA). A sanção penal, diferentemente, deve vigorar até que a pena imposta na sentença condenatória se esgote. Tamanha é a diferença entre as duas figuras que até mesmo os processos instaurados para a aplicação são diversos: para a medida socioeducativa, desenvolve-se procedimento de caráter civil (tanto que a sistemática recursal é a prevista no Código de Processo Civil); para a pena, processo penal.

Justificam-se essas diferenças em razão da peculiar condição do adolescente de pessoa em desenvolvimento (artigo 6º do ECA), a quem se assegura a proteção integral (artigo 227 da CF/88 e artigos 1º e 3º do ECA). Estas considerações são imprescindíveis porque o Projeto de Lei em testilha, na sua Justificativa, aparentemente confunde os dois institutos. Feitas essas considerações, passa-se, a partir de agora, a apontar, sempre com o devido respeito, as duas principais falhas da proposição legislativa em análise. Como já pontuado acima, pretende a proposta criar uma nova modalidade de medida socioeducativa, consistente na inserção obrigatória do jovem em curso técnico-profissionalizante. É de ser destacado, porém, que a própria Lei nº 8.069/90 já assegura ao adolescente, tanto ao privado de sua liberdade quanto àquele em liberdade, o direito à escolarização e profissionalização, in verbis: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da

cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente. 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a

chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola. Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros: I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...) XI - receber escolarização e profissionalização escolarização e profissionalização. Como se nota, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em diversas passagens, o inafastável direito à educação e à profissionalização. Neste patamar, a proposta recente de alteração legislativa apenas repete desnecessariamente uma garantia sabidamente conhecida. Vale lembrar que, se esse direito não tem sido cumprido nos estabelecimentos de internação, não será uma nova proposição legislativa, sem qualquer inovação sancionatória, que assegurará a sua concretização. Não só a Lei nº 8.069/90, mas também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996) escancara esse direito público subjetivo, in verbis: Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-

escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensinoaprendizagem. X vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade (grifos não originais). Art. 5º. O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível médio será desenvolvida nas seguintes formas: I - articulada com o ensino médio; II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio. Além da mera repetição de preceitos já homenageados em lei ordinária, a demarcação do ensino técnico-profissionalizante como medida socioeducativa apenas prejudicará os adolescentes que a ele foram sujeitos. De acordo com a sistemática legal atual, a formação técnico-profissional é um direito subjetivo do adolescente que infraciona. Durante a execução de qualquer das medidas socioeducativas, por

conseguinte, deve o Poder Público assegurar invariavelmente a sua disponibilização. Uma vez aprovado o Projeto de Lei, entretanto, o direito será trasmudado em verdadeiro dever (pois será medida socioeducativa) que, em caso de descumprimento por parte do jovem, poderá sujeitá-lo à internação-sanção, conforme artigo 122, III, da Lei nº 8.069/90. Desse modo, uma garantia transformar-se-á em dever, punível com a internação. Além da criação de nova medida socioeducativa, propõe-se a implantação da figura da remição da pena para aqueles que cumprem medida socioeducativa de internação e estejam inseridos em curso técnico-profissionalizante. Acredita-se que a ideia original é estender, à execução da medida socioeducativa, a remição prevista na Lei de Execução Penal, pela qual: Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. A remição nada mais é do que o direito do sentenciado de reduzir com o trabalho o tempo de duração da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado ou semiaberto. Note-se que a remição apenas se efetivará quando a medida aplicada for a internação. Não há, porém, qualquer forma lógica de dar cumprimento à disposição. Ao tratar da internação, o Estatuto da Criança e do Adolescente assim se pronuncia:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida. 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. 7º A determinação judicial mencionada no 1 poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária. Ressalte-se e repise-se, pela importância, a disposição do 2º: a medida não comporta prazo determinado. Se uma internação é aplicada sem que haja prazo determinado, surge a indagação: como é possível remir dias de uma medida quando não se sabe o quantum determinado e, por consequência, o seu termo final? Isso não significa que o ingresso de um

jovem em curso técnico-profissionalizante de modo algum lhe favorecerá. Como se sabe, o objetivo final e precípuo de uma medida socioeducativa é assegurar a reeducação do adolescente em conflito com a lei, garantindo que ele se conscientize do equívoco da prática infracional e adote um novo rumo de vida. A realização de cursos e diversas outras atividades é justamente um sinal evidente de que ele está compreendendo o processo socioeducativo a que está sendo submetido. Em outras palavras, não é necessário criar um sistema de remição da pena, tendo em vista que os cursos, atividades, oficinas, dentre outros, já são hoje considerados como fatores positivos de evolução do adolescente no processo de recuperação pesam, destarte, na identificação do tempo restante de internação. Por isso é que, por esta vertente, a regra cuja inserção no sistema jurídico se pretende é também desnecessária. Estes fundamentos que justificam a afirmação inicial de que a proposta é desnecessária (no que toca à criação de nova medida socioeducativa) e logicamente incompatível (quanto à aplicação da remição) com a atual sistemática da Lei nº 8.069/90. São Paulo, 18 de dezembro de 2015. Márcio Fernando Elias Rosa Procurador-Geral de Justiça wpmj

Protocolado n. 1.399/15 Interessado: Núcleo de Acompanhamento Legislativo Objeto: PL 8.231/2014 Envie-se a nota técnica, cuja redação da minuta aprovo, a seus Relatores nas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, e de Seguridade Social e Família. Publique-se que foi emitida nota técnica com manifestação contrária ao Projeto de Lei nº 8.231/2014, que altera a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente) para tornar obrigatória a inserção do menor infrator em curso regular de ensino e em curso técnicoprofissionalizante disponibilizando-a no local próprio do sítio eletrônico institucional. Após, ao arquivo, mantendo-se o acompanhamento. São Paulo, 12 de maio de 2015.

Márcio Fernando Elias Rosa Procurador-Geral de Justiça