Anais do V Seminário dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UFF AS DEPRESSÕES NA ATUALIDADE: UMA QUESTÃO CLÍNICA? OU DISCURSIVA? Amanda Andrade Lima Mestrado/UFF Orientadora: Bethania Mariani Podemos estudar a linguagem de várias maneiras, e a Análise do Discurso, como seu próprio nome diz, trata do discurso, definido como: O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. (ORLANDI, 2012: 15) A linha teórica da Análise do Discurso, com base em Michel Pêcheux (1988), problematiza as maneiras de interpretação que se produzem com as diferentes manifestações da linguagem. Na entrada do simbólico, segundo a Análise do Discurso, não temos como não interpretar. E, se interpretamos, a partir do que interpretamos? Esta é uma das contribuições da Análise do Discurso: ela nos convida a um estado de reflexão. Será que somos conscientes de tudo? Essa é uma outra pergunta pertinente. A Análise do Discurso nos possibilita pensar a linguagem com uma relação menos ingênua, considerando que a linguagem é opaca, não-transparente. Ou seja, frente a qualquer objeto simbólico, somos levados a interpretar. Quando falamos, interpretamos, porém, os sentidos parecem já existir. Outra questão surge: como nos relacionamos com a linguagem em nosso cotidiano, enquanto sujeito falantes pai, mãe, amigo, colega, professor, aluno? Este trabalho tem como proposta tratar dessas questões, trazer uma de leitura possível do sujeito a partir das linhas teóricas citadas acima. O que é o sujeito ou um sujeito para a Análise do Discurso? Será que é diferente falar do sujeito e falar de um sujeito? O conceito de sujeito em AD é um conceito que perpassa vários outros conceitos, mas um outro que é fundamental abordar, a fim de pensar o que marca o sujeito para a AD, é o conceito de ideologia. [30]
Para a Análise do Discurso, a noção de ideologia é ressignificada a partir da consideração da linguagem. Como já dissemos acima, se diante do objeto simbólico o que se faz é interpretar, isso quer dizer que há sentidos e, se há sentidos, isso comprova a presença da ideologia, pois não há sentidos sem interpretação. Segundo Orlandi (2001), o trabalho da ideologia é produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência. A ideologia faz parte, ou seja, é condição para a constituição do sujeito e dos sentidos: o homem é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer (ORLANDI, 2012: 46). De acordo com a Análise do Discurso, a ideologia produz evidências de sentidos; uma delas é a de que somos sujeitos. Essa é uma condição, o sujeito é chamado à existência quando interpelado pela ideologia. Então, este é o trabalho da ideologia: dar existência ao sujeito. Porém, devemos pensar melhor o que é a existência do sujeito. Já havíamos colocado a questão acima: será que o sujeito é totalmente consciente? Para a AD, não. Esse trabalho de dar existência ao sujeito passa pela relação imaginária. M. Pêcheux (1988) afirma que a ideologia é inconsciente, são estruturas de funcionamento. Cabe parênteses aqui: o inconsciente é um conceito freudiano, pois quem deu nome ao inconsciente foi Freud, um médico neurologista e, depois, psicanalista. Freud dedicou toda sua vida e sua obra a comprovar a existência do inconsciente, trazendo, em seu tempo, uma novidade: o eu não é senhor da sua própria casa. (FREUD,1917: 295) Para a Análise do Discurso, a Ideologia e o Inconsciente estão materialmente ligados pela maneira com que a relação do sujeito é determinada, afetada pela língua e pela História. A teoria da materialidade do discurso nasce deste ponto: como se constitui o sujeito? Quais são as evidencias de sentido em jogo nessa operação? A principal é a de que já somos sujeitos, como se isso fosse da ordem de uma naturalidade; é a Ideologia que mostra a função da relação necessária entre linguagem e mundo. A ideologia pensada dessa maneira, como um modo de a conceber, constituição do sujeito, marca a realidade. Orlandi afirma: não há aliás realidade sem ideologia. Enquanto prática significante, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja sentido. E como não há uma relação termo-a-termo entre linguagem\mundo\pensamento, essa relação torna-se possível porque a ideologia intervém com seu modo de funcionamento imaginário. São assim as imagens que permitem [31]
que as palavras colem com as coisas. Por outro lado, como dissemos, é a ideologia que faz com que haja sujeitos. O efeito ideológico elementar é a constituição do sujeito. Pela interpelação ideológica do indivíduo em sujeito inaugura-se a discursividade. (ORLANDI, 2012: 48) Esse modo de pensar a Ideologia inclui ainda uma outra forma de pensar o sujeito discursivo: devemos pensá-lo enquanto posição, lugar que ocupa o sujeito. O sujeito ocupa um lugar, uma posição, e, a partir daí, fala. Isso não lhe é acessível, como já havíamos falado anteriormente, ou seja, o sujeito não é totalmente consciente do que diz. Dessa maneira, a língua não é transparente e a ideologia que constitui o sujeito não é vivida de forma consciente, esse é um funcionamento inconsciente. Nesse sentido, os sujeitos em A D são intercambiáveis; fala-se de várias posições, da posição de mãe, amiga, professora, etc. É isso que lhe dá identidade, porém, não é uma identidade única, é relativa. O conceito de sujeito e de ideologia também nos faz pensar no modo como a Análise do Discurso pensa a História. Para a AD, o trabalho ideológico é algo que envolve a memória e o esquecimento, outros dois conceitos trabalhados pela AD. Aqui, recortaremos como podemos apresentar brevemente como a História é pensada. Por quê? Porque a História mostra uma contradição bastante importante: o sujeito é, ao mesmo tempo, livre e submisso, o que a AD considera como o assujeitamento, mostrando a relação da língua com a ideologia. A AD acrescenta que não podemos reduzir a questão do sujeito, da subjetividade, ao linguístico. Devemos levar em conta também a dimensão histórica e psicanalítica. É também pela historicidade que podemos compreender a ambiguidade da noção de sujeito. Podemos pensar aí o que determina o dizer e o que é determinado: O sujeito não opera como a literalidade como algo fixo e irredutível, uma vez que não há um sentido único e prévio, mas um sentido instituído historicamente na relação do sujeito com a língua e que faz parte das condições de produção do discurso. (Ibidem: 52) Então, o que encontramos na teoria da Análise do Discurso é um individuo que é interpelado em sujeito pela ideologia. Essa operação é um funcionamento que tem uma estrutura inconsciente, produzindo evidências e sentidos, marcando o sujeito como intercambiável, pois o que acessamos enquanto sujeitos discursivos são posições e lugares do dizer, também marcados pela História. Podemos, então, concluir que o [32]
conceito de sujeito, em AD, nos possibilita dizer que o sujeito não é natural, trazendo para a cena do mundo a relação do homem com a linguagem, com a língua e com a História. Psicanálise E o sujeito para a psicanálise? Abordar o conceito de sujeito em psicanálise, com base na releitura da teoria freudiana feita por Lacan (1985), é uma tarefa que consideramos relevante, porém, difícil, pois o que de inicio se apresenta é uma questão: o que é o sujeito em psicanálise? E mais: é possível uma teorização sobre o conceito de sujeito? Lacan, no inicio de seu ensino, em um seminário cujo título é: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1985), vai reler um artigo de grande importância na obra freudiana, Além do princípio do prazer (FREUD, 1920), e, nesse seminário, Lacan vai trabalhar o conceito de sujeito, vindo à luz pelos escritos de Freud. O que introduz a novidade em psicanálise, segundo Lacan, é a descoberta freudiana do inconsciente. Freud traz à luz algo que existe desde toda a eternidade, mostra que isso jamais poderia não ter estado ali, isso pensando na origem da linguagem: O que aparece como novidade dá sempre a impressão de estender-se pela perpetuidade, indefinidamente, aquém de si mesmo. Não podemos abolir pelo pensamento uma nova ordem. Isto se aplica a tudo o que quiserem e, inclusive, à origem do mundo. Da mesma maneira, não podemos mais deixar de pensar sem que este registro do eu que adquirimos no decorrer da história, mesmos que lidemos com rastros da especulação do homem sobre mesmo em épocas em que esse registro, como tal ainda não tinha sido promovido. (LACAN, 1985: 12) A teoria do eu em Freud foi foco de grandes discussões e de grandes equívocos teóricos, que marcam o surgimento do psicanalista chamado Lacan. Foi Lacan quem propôs uma releitura da obra freudiana, a fim de repensar o que estava acontecendo em termos de uma técnica psicanalítica e também com relação a uma certa desvirtuação do que havia sido teorizado, transmitido, deixado como legado aos psicanalistas por Freud, principalmente com relação à noção de sujeito e à noção do eu, que, em psicanálise, são distintas; uma coisa é o eu, outra coisa é o sujeito, ainda que tenham relações. [33]
Então, esse breve ensaio sobre a noção de sujeito em psicanálise traz também a necessidade de se contextualizar o que vinha acontecendo e porque Lacan retoma determinados conceitos. É preciso ressaltar também que Lacan estava atravessado pelo movimento da chamada Linguística. Com o ensino de Lacan, as questões relacionadas à linguagem se tornam necessárias. O que Lacan elabora, no seminário nº 2 (1985), é o percurso que Freud faz da consciência. É a partir desse trabalho que Freud vinha fazendo sobre a consciência que este descobre o inconsciente. Freud não consegue, em sua elaboração teórica, situar a consciência, chegando à conclusão de que ela é insituável. Segundo Lacan, foi tentando situar a consciência, pensando o estudo da subjetividade, que Freud vai descobrir que o eu (indivíduo) e o sujeito são distintos, não se confundem. O eu (indivíduo), na teoria psicanalítica, é situado no nível da razão, da inteligência, em um plano objetivo. Segundo Lacan, o sujeito é: Freud nos diz- o sujeito não é a sua inteligência, não está no mesmo eixo, é excêntrico. O sujeito como tal, funcionando como sujeito, é algo diferente de um organismo que se adapta. É outra coisa, e para quem sabe ouvi-lo, a sua conduta toda fala a partir de um outro lugar que não o deste eixo que podemos apreender quando o consideramos como função num indivíduo, ou seja, com um certo número de interesses concebidos na areté individual. (LACAN, 1981: 16) Aquilo para o que Lacan aponta, nesse seminário, é que, para marcar a diferença trazida por Freud com relação ao eu e ao sujeito, diferença feita pela psicanálise, é preciso considerar o que diz respeito à instância do inconsciente, o que até então não era nomeado, nem tampouco considerado. O eu era a razão, a consciência, assim era entendido pela Filosofia. O eu (indivíduo), em psicanálise, não é totalmente consciente; ele é o outro. Aqui, trata-se do outro como o seu semelhante. O eu na teoria lacaniana é a pura função imaginária, é uma ilusão, ainda que no eu se determine a estruturação do sujeito, pois o sujeito se coloca como operante no momento em que entra o sistema simbólico. Essas são elaborações que nos colocam a pensar o Real, o Simbólico e o Imaginário, registros que Lacan (1974) vai trabalhar e articular em sua teorização. O Real, o Simbólico e o Imaginário fazem parte da operação da constituição do eu e do sujeito. Porém, o sujeito acaba ficando como uma problematização, pois, em [34]
psicanálise, o sujeito é efeito de linguagem, ele não está pronto, aparente; ele é uma operação dos registros, mas atravessado por um conceito caro à psicanálise: o desejo. O sujeito, em psicanálise, é o do desejo, puro nada, movimento, insistência. O conceito de desejo daria um outro trabalho, mas, como outros, é um conceito que se faz fundamental para melhor abordar a noção de sujeito. Desejo, para Freud (1950 [1895]), era tratado como uma realização. Um sonho poderia, no tempo de Freud, ser interpretado como a realização de um desejo. Freud, já em sua obra, vai colocar o sujeito como o do desejo e o do inconsciente. Porém, Lacan avança com relação ao desejo, pois ele invente o que é chamado o objeto pequeno a, objeto que é equivalente a uma inscrição de perda. O objeto pequeno a é o objeto que não há, ele é resto dessa operação da constituição do sujeito. É o objeto pequeno a que coloca o sujeito como pura insistência; não existe o objeto do desejo em psicanálise, desejo é movimento. Quando alguém diz que quer alguma coisa, deseja alguma coisa, podemos, em psicanálise, dizer que não está no campo do desejo e, sim, da demanda, quer realizar um tipo de satisfação. O desejo tem como representação o puro vazio, nada, desejo é desejo de nada. Os objetos que despertam interesse nos humanos representam o que em psicanálise se chama falta. Na falta de objeto se quer ter um, vários, buscamos satisfação. Em psicanálise, se usa uma expressão famosa, que é: o sujeito é dividido, sujeito barrado. O que isso quer dizer? Um das formas como podemos responder a isso é a partir do que já foi citado acima: o eu é aquele que é um, consciente, razão, ainda que seja uma ilusão. Essa ilusão é a de unidade, de identidade, eu sou. O sujeito é o que não se sabe, é o que emerge do inconsciente, é o que não se conhece. Referências LACAN, Jacques. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. São Paulo: Pontes, 2012. [35]