Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Artigo Original 6 Andrade et al. Stents Farmacológicos Versus Cirurgia de Revascularização Miocárdica: meta-análise de ensaios clínicos prospectivos Drug-Eluting Stents Versus Coronary Artery Bypass-Graft Surgery: meta-analysis of prospective clinical trials Pedro José Negreiros de Andrade, Ricardo Pereira Silva, Antonio Augusto Guimarães Lima, Antonio Thomaz de Andrade, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho Resumo Fundamentos: Quando se comparam intervenção coronariana percutânea (ICP) e cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), os resultados são controversos. Objetivo: Realizar meta-análise de ensaios clínicos que compararam ICP usando stents farmacológicos (SF) e CRM. Métodos: Foram pesquisados em bases de dados eletrônicos ensaios clínicos, publicados entre janeiro 2000 e dezembro 2011, que tivessem realizado essa comparação. Nove ensaios clínicos foram identificados: ARTS II, ERACI III, LE MANS, SYNTAX, CARDia, PRECOMBAT e os estudos de Boudriot et al., Thiele et al. e Hong el al. Resultados: A agregação dos nove estudos (n=5179 pacientes) não mostrou diferenças significativas na mortalidade em um ano (2,8% vs. 3,6%, p=0,1) ou em 2-3 anos (5,7% vs. 5,8%); nem na incidência de infarto do miocárdio não fatal (6,7% vs. 5,3%; p=0,12). Houve significativa maior incidência de acidente vascular encefálico (AVE) no grupo cirúrgico (0,4% vs. 1,5%; p<0,001) e maior incidência de nova revascularização no grupo ICP (10,5% vs. 4,3%; p<0,001). A incidência de morte, AVE ou infarto do miocárdio foi igual nos dois grupos (9,9% vs. 10,3%; p=0,9). A análise individual dos resultados mostrou que a ICP teve melhores resultados nos pacientes com baixa complexidade angiográfica e a CRM nos pacientes com alta complexidade angiográfica. Conclusão: ICP com uso de stents farmacológicos mostrou-se comparável à CRM em termos de desfechos adversos maiores (morte, infarto e AVE) nos nove ensaios clínicos prospectivos avaliados. Cirurgia continua a ser o procedimento de revascularização preferencial em pacientes com elevada complexidade angiográfica, sendo superior na capacidade de evitar novos procedimentos de revascularização. Abstract Background: Comparisons between percutaneous coronary intervention (PCI) and coronary artery bypass graft surgery (CABG) result in controversial findings. Objective: To conduct a meta-analysis of clinical trials comparing PCI with drug-eluting stents (DES) and CABG. Methods: Electronic databases were searched to identify clinical trials published between January 2000 and December 2011 presenting this comparison. Nine clinical trials were found: ARTS II, ERACI III, LE MANS, SYNTAX, CARDia and PRECOMBAT, as well as studies by Boudriot et al., Thiele et al. and Hong et al. Results: Overall, these nine studies (n=5179 patients) did not indicate any significant differences for one year mortality (2.8% vs 3.6%; p=0.1) nor for the 2-3 year mortality rate (5.7% vs 5.8%). There was no difference in the non-fatal myocardial infarction rate (6.7% vs 5.3%; p=0.12). The incidence of stroke was significantly higher in the surgery group (0.4% vs 1.5%; p<0.001) with more revascularization procedures in the PCI group (10.5% vs 4.3%; p<0.001). The rates for death, stroke or non-fatal acute myocardial infarction were similar in both groups (9.9% vs 10.3%; p=0.9). Individual analyses of the findings suggest that PCI posted better outcomes in patients with less angiographic complexity and CABG for patients with more angiographic complexity. Conclusion: PCI with drug-eluting stents proved comparable to CABG in terms of more serious adverse outcomes (death, infarction and stroke) in the nine prospective clinical trials assessed. Surgery remains the preferred revascularization procedure for patients with greater angiographic complexity, being better able to avoid new coronary artery bypass graft surgery. Serviço de Cardiologia - Hospital Universitário Walter Cantidio - Universidade Federal do Ceará (UFCE) - Fortaleza, CE - Brasil Correspondência: Pedro José de Negreiros de Andrade E-mail: pedroneg@gmail.com Rua Francisco Holanda, 992 ap 1101 - Dionísio Torres - 60130-040 - Fortaleza, CE - Brasil Recebido em: 29/02/2012 Aceito em: 18/05/2012 210
Andrade et al. Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Palavras-chave: Stents farmacológicos; Revascularização miocárdica; Metanálise; Ensaios clínicos/métodos Keywords: Drug-eluting stents; Myocardial revascularization; Meta-analysis; Clinical trials/methods Introdução Intervenção coronariana percutânea (angioplastia ou ICP) e cirurgia de revascularização miocárdica (cirurgia ou CRM) são procedimentos efetivos de revascularização miocárdica. Grande número de ensaios clínicos comparou as duas terapêuticas. A subdimensão desses ensaios para encontrar diferenças pequenas em eventos como morte, AVE e IAM não fatal levou à realização de meta-análises que tentaram encontrar diferenças não identificadas nos estudos isolados. Os resultados mostraram maior morbimortalidade imediata com a cirurgia, igual mortalidade em um ano, maior mortalidade tardia com a angioplastia (devido principalmente a estudos da era cateter-balão) e uma clara superioridade da cirurgia na capacidade de evitar novos procedimentos de revascularização 1-4. O principal problema dessas meta-análises é que podem ser consideradas desatualizadas, por terem envolvido estudos da era pré-sf e incluído doentes menos complexos que os atualmente considerados para cirurgia. O objetivo do presente trabalho foi efetuar uma revisão sistemática dos principais ensaios clínicos prospectivos que compararam ICP utilizando SF e CRM. Metodologia Os estudos foram levantados nas bases de dados MEDLINE, Cochrane Database of Systematic Reviews e Google Medical selecionando-se aqueles que compararam intervenção coronariana percutânea com stents farmacológicos e cirurgia de revascularização miocárdica, publicados entre janeiro 2000 e maio 2011. A data de início se justifica devido ao fato de os stents farmacológicos terem se estabelecido como método terapêutico a partir dessa data 5. Na busca foram utilizados os seguintes termos: percutaneous coronary intervention, coronary artery bypass surgery, drug-eluting stent e clinical trial. Após o levantamento inicial que considerou também referências bibliográficas de trabalhos de revisão e meta-análises sobre o assunto, utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão para os ensaios clínicos: ter sido desenhado para comparar angioplastia com cirurgia coronariana, ter seguimento de pelo menos seis meses, ter utilizado stents farmacológicos e ter sido publicado em revistas com impacto superior a 2,0. Foram então identificados nove ensaios: LE MANS 6, SYNTAX 7-11, CARDia 12, PRECOMBAT 13, o estudo de Boudriot et al. 14, o estudo de Hong et al. 15, o estudo de Thiele et al. 16, o ERACI III 17 e o ARTS II 18. Os sete primeiros estudos foram ensaios clínicos randomizados; os dois últimos, ensaios clínicos prospectivos não randomizados, delineados como extensão de ensaios clínicos randomizados prévios. Neles o grupo cirúrgico foi obtido a partir de ensaios clínicos randomizados prévios 19,20, enquanto o grupo angioplastia foi obtido de uma série consecutiva de pacientes similares, oriundos das mesmas instituições e coordenada pelos mesmos autores. Avaliaram-se os seguintes desfechos: mortalidade, acidente vascular encefálico (AVE), infarto do miocárdio não fatal e nova revascularização. Para AVE, infarto do miocárdio e nova revascularização foram considerados os resultados de até um ano. Para a mortalidade foram considerados os resultados de até um ano e de até três anos. Na ausência de resultados de um ano 15 foram aceitos os resultados de seis meses, e na ausência de resultados de três anos 13 foram aceitos os resultados de dois anos. Os dados foram colhidos por dois investigadores, confirmados por um terceiro e colocados em planilhas Excel. Sempre que possível foram colocados os números absolutos fornecidos nas publicações. Caso contrário, os percentuais foram transformados em números absolutos. A seguir foi realizada agregação dos resultados (total de pacientes randomizados e total de desfechos), sendo o resultado final avaliado como se fosse um único ensaio clínico. Para avaliação do significado estatístico das diferenças entre o grupo intervenção percutânea e o grupo cirurgia foi usado o teste exato de Fischer. Tal procedimento se justifica pelos seguintes motivos: a) os estudos compararam os mesmos tipos de pacientes (situações de indicação de revascularização em que a escolha entre cirurgia e angioplastia era controversa) e avaliaram desfechos semelhantes; b) o número de pacientes foi semelhante nos dois grupos na quase totalidade dos estudos; c) os desfechos eram bem definidos (morte, AVE, infarto do miocárdio e nova revascularização). Para a representação gráfica da heterogeneidade dos estudos foi construido um gráfico tipo Forest 211
Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Andrade et al. Plot para a mortalidade em até um ano, tendo sido incluídos os subgrupos do SYNTAX, classificados conforme a complexidade angiográfica e a condição de lesões triarteriais ou de tronco 9-11. Nesse gráfico foi colocada a diferença de risco por ser um índice mais estável e de mais fácil entendimento 21. Resultados Características dos estudos As características dos ensaios clínicos estão sintetizadas no Quadro 1. Os estudos de Thiele et al. 16 e de Hong et al. 15 incluíram apenas pacientes com obstrução única proximal da artéria descendente anterior e utilizaram exclusivamente cirurgia minimamente invasiva. O ARTS II 18 avaliou pacientes bi e triarteriais, o ERACI III 17 avaliou majoritariamente bi e triarteriais, tendo incluído uma minoria (cerca de 5%) de pacientes com obstrução de tronco de artéria de coronária esquerda (TCE); o CARDia 12 avaliou diabéticos bi e triarteriais com uma minoria (cerca de 5%) de pacientes com lesão única proximal da descendente anterior; o LE MANS 6, o PRECOMBAT 13 e o estudo de Boudriot et al. 14 avaliaram apenas obstrução de tronco de coronária esquerda, associada ou não à obstrução de outras artérias. O ARTS II 18, o ERACI III 17, o estudo de Hong et al. 15, o de Thiele et al. 16, o SYNTAX 7-11, o PRECOMBAT 13 e o estudo de Boudriot et al. 14 utilizaram SF em 100% dos casos. O LE MANS 6 utilizou stent farmacológico de forma selecionada, em pouco mais de 1/3 dos casos (tronco com diâmetro inferior a 3,8mm) e o CARDia 12 em 2/3 dos pacientes. Quatro estudos (Thiele et al. 16, Hong et al. 15, o ERACI III 17 e o ARTS II 18 ) apresentavam pacientes semelhantes aos dos estudos da era pré-sf. Os outros cinco estudos apresentavam doentes bem mais complexos: o CARDia 12 avaliou diabéticos e teve predominio de triarteriais, o SYNTAX 7-11 incluiu obstrução de TCE e colocou 4,5 stents por paciente; os estudos LE MANS 6, PRECOMBAT 13 e de Boudriot et al. 14 incluíram apenas lesão de tronco, situações habitualmente excluídas dos estudos randomizados da era pré-sf. Os nove estudos incluíram 5197 pacientes, dos quais 2627 foram submetidos a ICP e 2570 a CRM. A média de idade dos pacientes foi 63 anos; 76% eram do sexo masculino e 34% eram diabéticos. Em termos de número de artérias comprometidas, 23% tinham doença biarterial, 46% triarterial, 25% tinham obstrução de TCE associada ou não à lesão de outras artérias e 6% tinham lesão única proximal da descendente anterior. Os grupos ICP e CRM foram muito semelhantes em todos os estudos, com exceção do ERACI III 17 cujo número de pacientes com angina instável foi menor no grupo ICP, enquanto o de triarteirais foi maior; e do ARTS II 18 cujo percentual de triarteirais foi maior no grupo ICP. A maioria dos pacientes nos estudos apresentava fração de ejeção preservada e, em quase todos, a história de revascularização prévia foi critério de exclusão. Os desfechos estão mostrados nas Tabelas 1 a 4 e na Figura 1. Não houve diferença global na mortalidade em um ano (2,8% vs. 3,6%; p=0,1). Observa-se melhor resultado da angioplastia na maioria dos estudos, com exceção do CARDia 12 em que os resultados foram iguais em ambos os tratamentos, e do SYNTAX 7-11 em que a cirurgia mostrou menor mortalidade. O estudo que mais contribuiu para melhor resultado da angioplastia foi o ERACI III 17, enquanto o que mais contribuiu para um melhor resultado da cirurgia foi o SYNTAX 7-11. A Figura 1 mostra que os resultados de Quadro 1 Características dos ensaios clínicos analisados Estudos Origem Vasos envolvidos ICP (n) CRM (n) Randomizado Thiele et al. 16 Alemanha 1 artéria: DA proximal 65 65 Sim Hong et al. 15 Coreia 1 artéria: DA proximal 119 70 Sim ERACI III 17 Argentina 2 ou 3 artérias 225 225 Não ARTS II 18 EUA e Europa 2 ou 3 artérias 607 605 Não LE MANS 6 Polônia Tronco de CE 52 53 Sim SYNTAX 7 EUA e Europa 2 ou 3 artérias ou Tronco de CE 903 887 Sim CARDia 12 Reino Unido 2 ou 3 artérias 256 254 Sim Boudriot et al. 14 Alemanha Tronco de CE 101 100 Sim PRECOMBAT 13 Coreia Tronco de CE 300 300 Sim ICP=intervenção coronariana percutânea=angioplastia; CRM=cirurgia de revascularização miocárdica; DA=artéria descendente anterior; CE=artéria coronária esquerda 212
Andrade et al. Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Tabela 1 Desfechos (%) encontrados nos estudos analisados em até um ano Estudos e Mortalidade AVE (%) Nova Infarto do número de (%) revascularização (%) miocárdio (%) pacientes ICP CRM ICP CRM ICP CRM ICP CRM Thiele et al. 16 (130) 0 1,5 0 0 6,2 0 6,2 0 Hong et al. 15 (189)* 1,7 4,3 0 1,4 1,7 5,9 1,7 5,9 ERACI III 17 (450) 3,1 7,6 1,3 0 8,9 4,4 8,9 4,4 ARTS II 18 (1212) 1,0 2,7 0,2 1,0 7,4 3,7 7,4 3,7 SYNTAX 7 (1800) 4,4 3,5 0,6 2,2 14,2 6 4,8 3,3 LE MANS 6 (105) 2 8 0 4 29,9 6,4 13,6 6,4 CARDia 12 (510) 3,2 3,2 0,4 2,8 11,8 2,0 9,8 5,8 PRECOMBAT 13 (510) 2,0 2,7 0 0,3 6,1 3,4 6,1 3,4 Boudriot et al. 14 (201) 2,0% 5,0% 0% 2,0% 13,0% 4,0% 13,0% 4,0% Total de eventos 73 91 10 39 275 110 177 136 Total de pacientes 2627 2570 2627 2570 2627 2570 2657 2520 AVE=acidente vascular encefálico; ICP=intervenção coronariana percutânea=angioplastia; CRM=cirurgia de revascularização miocárdica *resultados de seis meses Tabela 2 Subgrupos do estudo SYNTAX: desfechos adversos em até um ano Mortalidade AVE (%) Infarto do (%) miocárdio (%) n ICP CRM ICP CRM ICP CRM 3 vasos SYNTAX >23 352 2,8 4,2 0,6 1,9 3,3 4,2 3 vasos SYNTAX: 23-32 415 4,4 3,0 1,5 2,0 5,8 2,0 3 vasos SYNTAX >32 285 6,5 1,2 0 1,2 6,5 1,9 Tronco SYNTAX >23 221 0,9 3,0 0 2,0 1,7 2,0 Tronco SYNTAX: 23-32 287 1,0 6,7 0 2,0 2,9 3,4 Tronco SYNTAX >32 321 9,7 4,1 0,7 3,4 6,1 7,5 AVE=acidente vascular encefálico; ICP=intervenção coronariana percutânea; CRM=cirurgia de revascularização miocárdica. Fonte: Serruys 9 Tabela 3 Mortalidade em até três anos Estudos (nº de pacientes) ICP (%) CRM (%) Thiele et al. 16 (130) 1,5 3 ERACI III 17 (450) 5,7 9,8 ARTS II 18 (1212) 3,0 4,4 SYNTAX 7 (1800) 8,6 6,7 PRECOMBAT 13 (510)* 2,4 3,4 Total de eventos 121 121 Total de pacientes 2100 2092 ICP=Intervenção coronariana percutânea; CRM=cirurgia de revascularização miocárdica *resultados de dois anos mortalidade desfavoráveis à angioplastia se deveram aos subgrupos de triarteriais com escore SYNTAX alto (>32) ou intermediário (22-33) e ao subgrupo de tronco com escore alto (>32). Nos demais estudos, assim como nos outros subgrupos do SYNTAX, os resultados se mostraram favoráveis à ICP. Em relação à incidência de AVE, os resultados foram consistentemente favoráveis à ICP, com exceção do ERACI III 17, em que houve mais AVE com a angioplastia e do estudo de Thiele et al. 16 em que não houve eventos nos dois grupos. Os estudos que mais contribuíram para maior incidência de AVE 213
Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Andrade et al. Tabela 4 Mortalidade em três anos: subgrupos do SYNTAX Triarteriais Tronco de coronária esquerda ICP (%) CRM (%) p ICP (%) CRM (%) p SYNTAX <22 7,3 6,8 0,86 2,6 4,3 0,44 SYNTAX 22-32 10,3 5,7 0,09 4,9 12,4 0,06 SYNTAX >32 11,1 4,5 0,03 13,4 7,6 0,10 ICP=intervenção coronariana percutânea; CRM=cirurgia de revascularização miocárdica Fonte: Serruys 10,11 no grupo cirúrgico foram o SYNTAX 7-11 e o CARDia 12. No conjunto de resultados, a diferença entre os dois grupos foi altamente significante (0,4% vs. 1,5%; p<0,001). Em relação à incidência de nova revascularização, os resultados foram consistentemente favoráveis à cirurgia. No conjunto de resultados a diferença a favor da cirurgia se mostrou altamente significativa (10,5% vs. 4,3%; p<0,001) e quanto ao infarto do miocárdio não fatal não mostrou diferença (6,7% vs 5,3%; p=0,11). A incidência de morte, IAM não fatal ou AVE também foi semelhante nos dois grupos (9,9% vs 10,3%; p=0,6). Discussão O principal diferencial da presente revisão sistemática é o fato de ela ter incluído exclusivamente estudos da era stent farmacológico, ao contrário de trabalhos similares que avaliaram exclusivamente, ou Figura 1 Mortalidade em até um ano nos ensaios clínicos que utilizaram stents farmacológicos, com os resultados do SYNTAX estratificados em subgrupos. O tamanho das caixas é diretamente proporcional ao número de pacientes dos estudos e o das barras inversamente proporcional. Barra que cruza a linha média significa que a diferença não foi estatisticamente significativa. CRM=cirurgia de revascularização miocárdica; ICP=intervenção coronariana percutânea; IC=intervalo de confiança; 3vd=triarteriais; LM=tronco de artéria coronária esquerda. Diferença de risco >0 favorece a cirurgia e <0 favorece a angioplastia. 214
Andrade et al. Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 predominantemente, estudos da era pré-stent farmacológico 1-4. Nos estudos pré-sf os pacientes com obstrução de tronco costumavam ser excluídos e os biarteirais e uniarteriais predominavam sobre os triarteriais. Na presente revisão, os triarteriais e as obstruções de tronco, situações ainda hoje considerados como preferencialmente cirúrgicas 22-26, representaram 71% dos pacientes, predominando sobre os uni e biarteriais. Considerando que 1/3 dos demais pacientes eram diabéticos, assim como o elevado percentual de lesões complexas nos estudos de lesão única proximal de DA, poder-se-á concluir que a maioria dos pacientes nos ensaios clínicos avaliados seria cirúrgica pelos critérios clássicos de indicação. Apesar disso houve similaridade dos resultados de mortalidade, tanto em até um ano quanto em até três anos. Houve também similaridade dos resultados na incidência de infarto não fatal, exceto em estudos mais recentes, em que houve melhores resultados com a cirurgia. A maior incidência de AVE no grupo cirúrgico, algo que já havia sido sugerido pelo SYNTAX 7-11 e em revisões sistemáticas prévias 3,4, parece ter ficado bem estabelecido, embora isso não tenha ocorrido nos dois estudos de lesão única proximal de DA. O único elemento em que a superioridade da cirurgia continua incontestável é na incidência de novas revascularizações, ainda que essa diferença tenha sido menor que a dos estudos da era pré-sf, que geralmente se situava na casa dos dois dígitos. Nota-se além disso que a maioria das novas revascularizações nos estudos da era SF foi uma segunda intervenção percutânea. O que mais chama a atenção na presente revisão é a grande heterogeneidade dos resultados no desfecho mortalidade, na dependência do tipo de estudo e de seus subgrupos. Nos estudos e subgrupos de estudos que envolveram doentes semelhantes aos da era pré-sf, nos estudos de Hong et al. 15 e de Thiele et al. 16 (que incluíram apenas lesão única proximal de DA), ARTS II 18, ERACI III 17 e no subgrupo de triarteriais de baixa complexidade do SYNTAX 7-11, houve tendência favorável à intervenção percutânea na mortalidade em um ano. No CARDia 12, que envolveu exclusivamente diabéticos, situação em que a cirurgia mostrava superioridade na era pré-sf, não houve diferença na mortalidade. Também houve tendência a menor mortalidade com a ICP nos subgrupos de obstrução de tronco com escore SYNTAX entre 22-32 e naqueles com escore <22, assim como nos estudos LE MANS 6, PRECOMBAT 13 e de Boudriot el al. 14, todos de lesão de tronco. Com os resultados desses quatro estudos randomizados parece claro que, pelo menos nos casos de lesão de tronco com boa anatomia, a cirurgia deixou de ser a única opção de revascularização miocárdica, algo que era quase consensual até recentemente 22,23. Já o resultado do subgrupo de triarteriais do SYNTAX 7-11 mostra superioridade da cirurgia naqueles com escore de SYNTAX entre 22-33, com a diferença atingindo significado estatístico naqueles com escore >32, assim como nos que apresentavam lesão de tronco e escore >32. Isso é particularmente relevante levando em conta o progressivo alargamento na diferença dos resultados entre cirurgia e angioplastia à medida que o SYNTAX 7-11 mostra resultados mais tardios. É bem verdade que a intervenção percutãnea continua a mostrar progressos, sendo possível que o uso de stents bioabsorvíveis e a utilização da técnica de reserva de fluxo fracional (a qual permite à ICP tratar apenas as lesões funcionalmente significativas) venham a melhorar os resultados desfavoráveis da angioplastia em pacientes angiograficamente complexos. O presente estudo apresenta importantes limitações. Trata-se de uma revisão sistemática de trabalhos publicados em periódicos indexados e não, como seria ideal, de uma meta-análise com dados fornecidos pelos próprios responsáveis pelos ensaios clínicos. Sendo assim não foi possivel separar subgrupos, como diabéticos, pacientes com função ventricular comprometida e bi e triarteiriais com obstrução proximal da descendente anterior. A inclusão do ARTS II 18 e do ERACI III 17 poderia ser motivo de críticas, tendo em vista a sua condição de estudos não randomizados e ao fato de o ERACI III 17 ter envolvido quase esclusivamente doentes agudos, os quais são atualmente tratados preferencialmente por intervenção percutânea. A inclusão de dois estudos que utilizaram stents não farmacológicos (CARDia 12 e LE MANS 6 ) também poderia ser motivo de crítica. Cabe ressalvar ainda que as conclusões dos ensaios clínicos não se aplicam a todos os pacientes com indicação de revascularização miocárdica, mas apenas àqueles em que a revascularização for possível por ambos os métodos, que não apresentem elevado risco cirúrgico, sem história de revascularização prévia e com os procedimentos sendo realizados em instituições de excelência. 215
Rev Bras Cardiol. 2012;25(3):210-217 Andrade et al. Conclusão Intervenção coronariana percutânea com uso de stents farmacológicos mostrou-se comparável à cirurgia de revascularização miocárdica em termos de desfechos adversos maiores (morte, infarto e AVE) nos nove ensaios clínicos prospectivos avaliados. Cirurgia continua a ser o procedimento de revascularização preferencial em pacientes com elevada complexidade angiográfica. É também indiscutivelmente superior na capacidade de evitar novos procedimentos de revascularização. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Hoffman SN, TenBrook JA, Wolf MP, Pauker SG, Salem DN, Wong JB. A meta-analysis of randomized controlled trials comparing coronary artery bypass graft with percutaneous transluminal coronary angioplasty: oneto eight-year outcomes. J Am Coll Cardiol. 2003;41(8):1293-304. 2. Daemen J, Boersma E, Flather M, Booth J, Stables R, Rodriguez A, et al. Long-term safety and efficacy of percutaneous coronary intervention with stenting and coronary artery bypass surgery for multivessel coronary artery disease: a meta-analysis with 5-year patient-level data from the ARTS, ERACI-II, MASS-II, and SoS trials. Circulation. 2008;118(11):1146-54. 3. Bravata DM, Gienger AL, McDonald KM, Sundaram V, Perez MV, Varghese R, et al. Systematic review: the comparative effectiveness of percutaneous coronary interventions and coronary artery bypass graft surgery. Ann Intern Med. 2007;147(10):703-16. 4. Andrade PJ, Medeiros, MM, Andrade AT, Lima AA. Angioplastia versus cirurgia de revascularização miocárdica: revisão de estudos randomizados. Arq Bras Cardiol. 2011;97(3):e60-9. 5. Sousa JE, Costa MA, Abizaid AC, Rensing BJ, Abizaid AS, Tanajura LF, et al. Sustained suppression of neointimal proliferation by sirolimus-eluting stents: one-year angiographic and intravascular ultrasound follow-up. Circulation. 2001;104(17):2007-11. 6. Buszman PE, Kiesz SR, Bochenek A, Peszek-Przybyla E, Szkrobka I, Debinski M, et al. Acute and late outcomes of unprotected left main stenting in comparison with surgical revascularization. J Am Coll Cardiol. 2008;51(5):538-45. 7. Serruys PW, Morice MC, Kappetein AP, Colombo A, Holmes DR, Mack MJ, et al; SYNTAX Investigators. Percutaneous coronary intervention versus coronaryartery bypass grafting for severe coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(10):961-72. 8. Morice MC, Serruys PW, Kappetein AP, Feldman TE, Ståhle E, Colombo A, et al. Outcomes in patients with de novo left main disease treated with either percutaneous coronary intervention using paclitaxeleluting stents or coronary artery bypass graft treatment in the Synergy Between Percutaneous Coronary Intervention with TAXUS and Cardiac Surgery (SYNTAX) trial. Circulation. 2010;121(24):2645-53 9. Serruys PW. SYNTAX in left main subsets. [Abstract]. Proceedings of the 20th Annual Scientific Symposium; 2008 Oct 12-17; Washington, DC, USA. Transcatheter Cardiovascular Therapeutics Conference (TCT). New York: ACC; 2010. 10. Serruys PW. Three years outcomes from a prospective trial of paclitaxel eluting stents in subsets with left main coronary artery disease. [Abstract]. Proceedings of the 22nd Annual Scientific Symposium; 2010 Sep 21-25; Washington, DC, USA. Transcatheter Cardiovascular Therapeutics Conference (TCT). New York: ACC; 2010. 11. Serruys PW. Three years outcomes from a prospective trial of paclitaxel eluting stents in subsets with triple vessel coronary artery disease. [Abstract]. Proceedings of the 22nd Annual Scientific Symposium; 2010 Sep 21-25; Washington, DC, USA. Transcatheter Cardiovascular Therapeutics Conference (TCT) 2010. Available from: <http://www.tctconference.com> 12. Kapur A, Hall RJ, Malik IS, Qureshi AC, Butts J, de Belder M, et al. Randomized comparison of percutaneous coronary intervention with coronary artery bypass grafting in diabetic patient. 1-year results of the CARDia (Coronary Artery Revascularization in Diabetes) trial. J Am Coll Cardiol. 2010;55(5):432-40. 13. Park SJ, Kim YH, Park DW, Yun SC, Ahn JM, Song HG, et al. Randomized trial of stents versus bypass surgery for left main coronary artery disease. N Engl J Med. 2011;364(18):1718-27. 14. Boudriot E, Thiele H, Walther T, Liebetrau C, Boeckstegers P, Pohl T, et al. Randomized comparison of percutaneous coronary intervention with sirolimuseluting stents versus coronary artery bypass grafting in unprotected left main stem stenosis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(5):538-45. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2011;57(17):1792. 216
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