O EFEITO DA ILHA DE CALOR URBANA SOBRE OS FLUXOS DE CALOR ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DO MODELO RAMS. Edmilson Dias de Freitas e Pedro Leite da Silva Dias



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Transcrição:

O EFEITO DA ILHA DE CALOR URBANA SOBRE OS FLUXOS DE CALOR ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DO MODELO RAMS Edmilson Dias de Freitas e Pedro Leite da Silva Dias Departamento de Ciências Atmosféricas IAG USP Rua do Matão, 1226, Cid Universitária, São Paulo, SP, 05508-900 e-mail: efreitas@model.iag.usp.br ABSTRACT Results of a 2 km resolution assimilation cycle, by use of RAMS, centered in the Metropolitan area of São Paulo are discussed. The topography file used is a global DEM with a horizontal grid spacing of approximately 1 km. Information about the soil occupation is based in AVHRR data. The model's ability in to represent the effect caused by urban heat island is analyzed through the comparison between simulations using the urban region and without it. The mainly features observed are the difference in the heat fluxes from the surface and convergent/divergent zones near to and over the urban region. INTRODUÇÃO A região metropolitana de São Paulo (RMSP) constitui o maior pólo industrial da América Latina. A grande diversidade das fontes de poluição (indústrias de grande e médio porte, veículos com diferentes tipos de combustível, etc.) somada à uma dinâmica extremamente complexa da circulação local, face ao tipo de topografia e a proximidade do mar, torna o monitoramento da poluição atmosférica bastante complicado. Tendo em vista as considerações feitas acima, está em andamento um projeto temático (nº 96/1403-4 - Meteorologia e Poluição Atmosférica em São Paulo) que, dentre outros aspectos, objetiva entender os aspectos meteorológicos na RMSP durante o inverno através de observações e simulações. Um dos objetivos de projeto é o de calibrar um modelo numérico regional com observações detalhadas da estrutura dinâmica e termodinâmica da Camada Limite Planetária (CLP), para calcular as trajetórias de parcelas de ar emergentes de regiões de interesse e dar subsídios à interpretação das medidas de aerossol e de oxidantes fotoquímicos. A Cidade de São Paulo é circundada por florestas, grandes represas, montanhas e, constitui uma enorme ilha de calor associada a malha urbana. A temperatura média anual em um centro urbano é tipicamente mais alta que a de suas redondezas. Em alguns dias esse contraste pode atingir cerca de 10º C ou mais. Este contraste de temperatura forma uma circulação convectiva que contribui para a concentração de poluentes sobre as grandes cidades. Vários fatores contribuem para o desenvolvimento de uma ilha de calor urbana. Um deles é a concentração relativamente alta de fontes de calor nas cidades (construções, carros, indústrias, etc.). As propriedades térmicas dos materiais das construções urbanas também facilitam a condução de calor mais rapidamente que o solo e vegetação das áreas rurais, contribuindo para um aumento no contraste de temperatura entre essas regiões. A perda de calor durante a noite por radiação infravermelha para a atmosfera e para o espaço é parcialmente compensada nas cidades pela liberação de calor das construções e ruas. Durante o dia, os altos edifícios entre ruas relativamente estreitas aprisionam energia solar através de múltiplas reflexões dos raios solares. Na cidade, a taxa de evapotranspiração tipicamente mais baixa acentua ainda mais o contraste de temperatura com suas redondezas. O sistemas de drenagem (bueiros) rapidamente removem a maior parte da água das chuvas tal que, apenas uma pequena parcela da radiação absorvida é utilizada para evaporação (calor latente) e a maior parte dessa radiação é utilizada para aquecer a terra e o ar diretamente (calor sensível). Por outro lado, as superfícies úmidas das áreas rurais (lagos, riachos, solo, vegetação, etc.) aumentam a fração de radiação absorvida que é utilizada para evaporação. A razão de Bowen (razão entre calor sensível e calor latente), portanto, é maior na cidade do que no campo. Uma ilha de calor urbana se desenvolve, na maioria das vezes, quando ventos de escala sinótica são fracos (fortes ventos misturariam o ar da cidade e das áreas rurais e diminuiriam o contraste de temperatura). Nessas condições, em algumas grandes áreas metropolitanas, o aquecimento relativo da cidade, comparado com seus arredores, pode promover uma circulação convectiva do ar: Ar relativamente quente sobe sobre o centro da cidade e é trocado por ar mais frio e mais denso, convergente das zonas rurais. A coluna de ar ascendente acumula aerossóis sobre a cidade 3566

formando uma nuvem de poeira (poluentes). Deste modo, aerossóis podem tornar-se muitas vezes mais concentrados sobre uma área urbana do que sobre as áreas rurais. Numerosas investigações tem sido aplicadas aos efeitos de ilhas de calor urbanas. Lombardo (1984) observou, através da utilização de imagens de satélite e observações de campo, altas concentrações de poluentes associadas ao efeito da ilha de calor para várias localidades na região metropolitana de São Paulo. Verificou também que a intensidade da ilha de calor é altamente influenciada pela condição sinótica atuante. Os maiores gradientes de temperatura encontrados entre a área urbana de São Paulo e as áreas rurais atingiram valores superiores a 10º C no período de inverno. Para esse período os maiores gradientes térmicos são verificados entre às 15 e 21 h (hora local). Fujibe e Asai (1980), através de uma média de condições de fraco gradiente de pressão, detectaram padrões de convergência sobre a cidade de Tóquio. Baseado em médias diárias, Yoshikado e Tsuchida (1996) verificaram a presença de uma massa de ar frio sobre a porção central da planície de Kanto, Japão, acompanhada de condições calmas e estáveis, resultando em altos níveis de poluição sobre grande parte da planície. Em sua porção sudeste, essa massa de ar era bloqueada pela grande área urbana de Tóquio. Xavier et. al. (1994) sugerem a relação entre a ilha de calor e a evolução na precipitação diária para a cidade de São Paulo. Com o aumento da temperatura mínima durante a noite, reduz-se a possibilidade de saturação do vapor d'água no ar, além disso, com o aumento da poluição existem mais núcleos de condensação. O vapor que condensa se divide num número maior de núcleos, com menor massa de água por núcleo, donde uma probabilidade maior de ficar em suspensão e não precipitar. Dessa forma, a garoa típica de São Paulo, com acumulações inferiores a 2 mm foi gradualmente desaparecendo. Para chuvas fortes, pode haver uma sobreposição de efeitos locais e globais, não havendo uma distinção clara. Conforme trabalhos, citados pelos autores, para outras localidades, o efeito urbano pode contribuir tanto para um aumento na precipitação, através do aumento das correntes convectivas sobre o centro urbano, como servir de barreira originando uma bifurcação do escoamento em volta da área urbana, causando um déficit de precipitação sobre a cidade. Enfatizam a necessidade de estudos observacionais e de modelagem numérica para um maior entendimento sobre o papel da área urbana. Algumas das características das ilhas de calor diferem entre dia e noite. Por exemplo, a espessura da cobertura de material particulado é muito maior durante o dia quando o campo básico apresenta ventos calmos, podendo assim induzir circulações de escalas maiores (Yoshikado, 1992). Yoshikado (1994) ressalta que previsões mais realistas do efeito de uma ilha de calor urbana podem ser obtidas por modelagens utilizando condições mais detalhadas, tais como topografia, vegetação, etc. Silva (1986), estudou a relação entre a brisa marítima e o efeito de ilha de calor para a cidade de São Paulo através da utilização de um modelo bidimensional. Segundo o autor, a presença de uma região urbana age retardando a penetração da brisa marítima. O efeito da topografia se combina com o da ilha de calor para um maior desenvolvimento vertical da camada de mistura e, conseqüentemente, um aumento na sua temperatura média. Além disso, o efeito da topografia provoca uma intensificação geral da circulação associada à brisa marítima. Neste trabalho são abordados alguns aspectos relacionados com o balanço energético em superfície através da utilização do modelo RAMS (Regional Modeling Atmospheric System) em sua versão 4a. Este balanço é importante na geração de circulações locais, tendo portanto grande influência sobre a dispersão de poluentes, e tem impacto significativo em simulações e previsões numéricas de tempo. Para verificar o impacto causado pela da ilha de calor, foram utilizados na simulação, arquivos de ocupação do solo onde pode-se verificar a presença da malha urbana. Os resultados obtidos foram então comparados com outra simulação onde a cidade foi substituída pelo tipo de vegetação predominante nos seus arredores. DADOS E METODOLOGIA Para a caracterização da condição inicial do modelo foram utilizadas as análises do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos São Paulo) em grades com 1,875 graus de latitude/longitude. Essas análises possuem informações do campo do vento (u,v), geopotencial, temperatura e umidade relativa em 11 níveis de pressão e, ainda, a pressão atmosférica em superfície. Durante as simulações foi utilizado o processo de aninhamento de grades sendo a primeira com resolução de 8 km com 34 pontos nos eixos x e y. Na vertical foi utilizada uma grade com resolução variável iniciando em 200 m e aumentando gradativamente com um fator de 1.2 até atingir 1 km mantendo esse espaçamento até o topo rígido do modelo, totalizando 29 níveis. Aninhada a esta grade, foi incluída uma grade com resolução mais alta (2 km), tendo 58 pontos na direção x e 62 na direção y e com 34 níveis na vertical. As simulações foram feitas para o período de 02 a 04 de agosto de 1999, totalizando 48 horas de simulação, com ambas as grades centradas em 23,6 S e 46,7 W. Algumas características do modelo utilizadas durante as simulações são apresentadas na tabela 1. 3567

Tabela 1: Características do modelo RAMS utilizadas durante as simulações. Características Passo de tempo 20 s (gr 1), 5 s (gr 2) Número de pontos na fronteira lateral (nudging) 5 Escala de tempo do nudging na fronteira lateral 3600 s Escala de tempo do nudging no centro do 86400 s domínio Escala de tempo do nudging no topo do domínio 10800 s Esquema numérico Híbrido Opção Não hidrostática Equação da Continuidade Anelástica Tipo de radiação de onda longa e onda curta Parâmetros de difusão turbulenta Chen Deformação Anisotrópica (horiz. e vert dif) A especificação da topografia e ocupação do solo foi feita através da utilização de um modelo de elevação digital com resolução de aproximadamente 1 km obtido através do programa IGBP (International Geosphere Biosphere Programme) e disponível na página do USGS (U. S. Geological Survey) via internet (http://edcdaac.usgs.gov). Os parâmetros de ocupação do solo (vegetação, construções, represas, etc.) são baseados em dados com resolução de 1 km obtidos por radiômetros de altíssima resolução (Advanced Very High Resolution Radiometer - AVHRR). A figura 1 mostra a ocupação do solo vista pelo modelo na grade de menor resolução para as duas simulações realizadas. A diferença básica é a substituição da categoria deserto (região em cinza na figura) pelo tipo de vegetação predominante nos arredores. A categoria de vegetação tipo deserto foi classificada como região urbana. Testes de sensibilidade de diversos parâmetros (albedo, rugosidade, etc.) estão sendo realizados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Figura 1: Ocupação do solo vista pelo modelo RAMS. A barra de cores indica os tipos de ocupação disponíveis no modelo. Tendo em vista a necessidade da utilização de uma grade com alta resolução para verificar o impacto causado pela presença da cidade, serão apresentados aqui apenas os resultados obtidos através da utilização da grade de maior resolução, ou seja, a grade 2 com resolução de 2 km. A figura 2 mostra a topografia da região no domínio da grade 2. 3568

Nesta figura também está indicada a localização da malha urbana da RMSP na malha do modelo. Pode-se identificar nessa figura, o padrão altamente complexo da topografia com altitudes variando entre 0 (região litorânea) e 1200 m (norte da RMSP). Na região urbana as altitudes variam entre 600 e 800 m. Na porção noroeste desta figura encontra-se o vale do Tietê. Esta região tem grande influência sobre o escoamento no sentido de acelerar o vento (canalização) e também na formação de circulações do tipo vale-montanha. Figura 2: Contornos de Topografia no domínio da grade 2 englobando a RMSP. A região sombreada indica a presença da malha urbana conforme vista pelo modelo. Na figura 3 verifica-se a diferença entre os fluxos de calor sensível e latente obtidos da simulação com a presença da malha urbana menos o da simulação sem a presença da mesma. Nesta figura nota-se a grande diferença simulada no período da tarde. Diferenças da ordem de +120 W/m 2 são identificadas nos fluxos de calor sensível às 15Z, indicando que na cidade existe uma grande transferência de calor sensível durante o dia. Por outro lado, neste mesmo horário, verificam-se diferenças de até 160 W/m 2 nos fluxos de calor latente, indicando que durante o dia a evaporação é bem menor na cidade. O resultado disso é que a razão de Bowen é muito maior na cidade do que em seus arredores, resultando na formação de circulações locais que podem ser fundamentais durante a realização de previsões de tempo na região. Para o horário das 18Z o padrão é o mesmo mas as diferenças se tornam maiores nos dois fluxos. Diferenças de +210 W/m 2 e 250 W/m 2 são encontradas nos fluxos de calor sensível e latente, respectivamente. Durante o período noturno, 03Z e 06Z, as maiores diferenças são encontradas nos fluxos de calor sensível (figura 4). Embora as magnitudes sejam bem menores, há uma inversão no sinal da diferença, indicando a inversão nos fluxos, e o aparecimento de regiões fora da malha urbana, principalmente corrente abaixo do centro da ilha de calor (o escoamento nesse horário e predominantemente de sudeste), mostrando que existem diferenças significativas não só na cidade mas fora dela também, ou seja, o impacto causado pela presença da cidade é sentido nos seus arredores. Resultados obtidos por Pereira Filho (2000), utilizando dados de radar, mostram esse efeito ocasionado pela ilha de calor. Como pode ser verificado na figura 5, essas diferenças podem estar ligadas à diferença no campo do vento. Verifica-se nessa figura diferenças de até 1 m/s no centro da malha urbana e também, principalmente no período noturno, grandes diferenças acompanhando a orientação do vale do Tietê, provavelmente decorrentes da interação não linear entre a malha urbana e a topografia que não ocorrem no caso da simulação sem a presença da cidade. Essas diferenças no campo do vento contribuem para a diferença em outros parâmetros, tais como a advecção de temperatura, e, conseqüentemente, ter impacto significativo nos fluxos de calor sensível. 3569

Figura 3: Diferenças nos fluxos de calor sensível e latente (em W/m 2 ) para os horários das 15Z (superior) e 18Z (inferior) no primeiro dia de simulação. As regiões em cinza indicam a presença de regiões urbanizadas. 3570

Figura 4: Diferenças nos fluxos de calor sensível (em W/m 2 ) para os horários das 03Z (esquerda) e 06Z (direita) no segundo dia de simulação. Figura 5: Diferença no campo do vento à 31 m da superfície para o segundo dia de simulação nos horários das 03Z (esquerda) e 06Z (direita). 3571

A figura 6 apresenta as diferenças no campo de advecção de temperatura para os horários das 03Z e 06Z do segundo dia de simulação onde podemos observar diferenças significativas entre as duas simulações. Durante a tarde do segundo dia de simulação os resultados são bastante semelhantes ao dia anterior (não apresentado). Diferenças nos campos de divergência/convergência de massa também são marcantes. A figura 7 apresenta os resultados para os horários das 15Z do dia 02 e 03Z do dia 03. Os campos de divergência/convergência foram calculados para a altura de 31 m. Juntamente nessas figuras está representado o campo do vento na mesma altura simulado com a presença da cidade. Às 15Z verifica-se a formação de zonas de convergência internamente as bordas da região urbana decorrentes da diminuição da velocidade do vento em resposta diferença na rugosidade da superfície. No centro da região urbana observa-se a formação de um pequeno núcleo de divergência em superfície. Ainda, externamente às regiões de convergência aparecem pequenos núcleos de divergência em toda a fronteira externa da região urbana. Semelhantemente ao fluxo de calor sensível, o padrão de zonas de divergência/convergência durante a madrugada é bastante complexo, dada a não-linearidade envolvida, e diferenças significativas são verificadas externamente à região urbana, principalmente corrente abaixo desta. Outro aspecto de grande importância, principalmente do ponto de vista da dispersão de poluentes, é a diferença encontrada nas simulações da altura da Camada Limite Planetária. A figura 8 apresenta a evolução temporal deste parâmetro para quatro localidades diferentes sendo duas dentro da malha urbana e duas fora dela. Dentro da malha urbana verifica-se uma diferença de 600 m numa das localidades (canto superior esquerdo) às 18Z do primeiro dia de simulação. No outro ponto escolhido dentro da malha urbana a diferença é bem menor ( 200 m). Fora da malha urbana as duas simulações apresentaram resultados similares. As maiores diferenças encontradas aparecem na região ao norte da RMSP no período noturno e durante a tarde do segundo dia de simulação. Outro fator importante é que durante o segundo dia de simulação ocorria a passagem de um sistema frontal, causando uma diminuição nas alturas máximas e até mesmo na diferença entre as simulações. Figura 6: Diferença no campo de advecção de temperatura (10-3 K s -1 ) à 31 m da superfície para o segundo dia de simulação nos horários das 03Z (esquerda) e 06Z (direita). 3572

Figura 7: Diferenças nos campos de divergência/convergência de massa (em 10-3 s -1 ) e campo do vento obtido pela simulação com a presença da cidade para os horários das 15Z do dia 02 (esquerda) e 03Z do dia 03 (direita). CONCLUSÕES Simulações com o modelo RAMS utilizando dados de topografia e ocupação do solo com resolução espacial de 1 km, foram realizadas, em uma grade com 2 km de espaçamento horizontal, com o objetivo de verificar a habilidade do modelo em representar os efeitos causados por uma ilha de calor urbana. Como demonstrado na seção anterior, a especificação correta da ocupação do solo é fundamental nas condições iniciais e durante toda a simulação com o modelo. Nesta resolução, o modelo RAMS mostrou-se altamente sensível à essas diferenças, evidenciando sua grande habilidade em simulações sobre o efeito da ilha de calor urbana. Grandes diferenças foram encontradas nos fluxos de calor e no campo do vento, criando zonas de divergência/convergência e formando circulações locais bastante complexas dada a não linearidade das interações envolvidas. Embora o custo computacional envolvido seja relativamente alto (para simular as 48 h foram gastas 12 h e 44 min utilizando 5 processadores em paralelo de um computador IBM-SP2), as diferenças encontradas mostram que simulações em alta resolução podem fornecer resultados muito mais realistas durante previsões de tempo. Outra diferença que pode ser bastante significativa é o impacto causado na dispersão de poluentes, tendo em vista a formação de circulações locais dentro da cidade e a possibilidade de uma condição desfavorável a dispersão. Conforme apresentado, diferenças significativas foram encontradas nas simulações da altura da CLP dentro e fora da cidade. Embora as simulações tenham sido feitas para o período de inverno, fica evidente que, durante o período de verão, o efeito causado pela ilha de calor, se identificado corretamente nas previsões, pode ser de fundamental auxílio previsão de tempestades. AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por financiar esta pesquisa. (Bolsa de doutorado do 1º autor e Projeto Temático nº 96/1403-4) 3573

Figura 8: Evolução temporal da altura da CLP durante 48 h de simulação para 4 localidades, sendo duas dentro da malha urbana e duas fora dela. As linhas em vermelho indicam os resultados obtidos pela simulação com a cidade e, em preto, pela simulação sem a cidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FUJIBE, F. and ASAI, T. Some Features of a Surface Wind System Associated with the Tokyo Heat Island. J. Meteor. Soc. Japan, 58, 149-152. 1980. LOMBARDO, M. A. A Ilha de Calor da Metrópole Paulistana. 1984, 210 pp. Tese de Doutoramento do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. PEREIRA FILHO, A. J. Chuvas de verão e as enchentes na Grande São Paulo: El Niño, Brisa Marítima e Ilha de Calor. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 11, 2000, Rio de Janeiro. SILVA, H. S. Estudo da Circulação Associada a uma Ilha de Calor Urbana com um Modelo de Simulação da Brisa Marítima. 1986, 86 pp. Dissertação de Mestrado do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo. XAVIER, T. M. B. S., XAVIER, A. F. S. e SILVA DIAS M. A. F. Evolução da Precipitação Diária num Ambiente Urbano: O Caso da Cidade de São Paulo. Rev. Bras. Meteor., 9(1), 44-53. 1994. YOSHIKADO, H. Numerical Study of the Daytime Urban Effect and its Interaction with the Sea Breeze. J. Applied Meteor., 31, 1146-1164. 1992. YOSHIKADO, H. Interaction of the Sea Breeze with Urban Heat Islands of Different Sizes and Locations, J. Meteor. Soc. Japan, 72, 139-143. 1994. YOSHIKADO, H. and TSUCHIDA M. High Levels of Winter Air Pollution under the Influence of the Urban Heat Island along the Shore of Tokyo Bay. J. Applied Meteor., 35, 1804-1813. 1996. 3574