FENÔMENO DE SANARELLI-SCHWARTZMAN A PROPÓSITO DA LEPRA DE LUCIO (*)



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Transcrição:

FENÔMENO DE SANARELLI-SCHWARTZMAN A PROPÓSITO DA LEPRA DE LUCIO (*) ARGEMIRO RODRIGUES DE SOUZA (**) Desde 1946 temos seguido de perto, no Sanatório "Santo Ângelo", um caso de lepra cujo quadro clínico evolutivo se afastava dos comumente observados até então, muito embora fosse classificado estruturalmente na forma lepromatosa. Fenômenos vasculares necrosantes dominavam a cena, o que nos permitiu particularmente situar estas manifestações cutâneas no fenômeno de Schwartzman-Sanarelli, cujo campo de aplicações clínicas tem se tornado cada vez mais vastos a partir das experiências primitivas destes autores em 1929 e mais tarde com os estudos de Urbach, Gotthieb, Bordet, Gougerot, assim como ultimamente de S. Lewi (1949). Desejamos a priori relatar os fatos observados por Sanarelli em 1924 e por Schwartzman em 1929, para se chegar a compreender exatamente os fenômenos no organismo humano. Torna-se forçoso salientar entretanto que estas experiências foram retomadas e reproduzidas por nós em colaboração com Naylor Foote no Sanatório "Santo Ângelo" para a demonstração da existência de proteínas específicas na lepra (Rev. Brasil. Leprol., vol. IX, março de 1941). FENÔMENO DE SANARELLI Um coelho preparado mediante uma injeção de uma dose inframortal de vibriões coléricos, morre em poucas horas ao receber, no dia seguinte, uma injeção endovenosa de cultura de colibacilos ou de bacilos proteus numa dosagem que, em animal não preparado, não provoca distúrbios sérios. A autópsia revela a existência de lesões hemorrágicas difusas. Se a segunda injeção se fizer depois de 72 horas da primeira, o fenômeno não se produzirá; Este não é específico da combinação vibrião colérico-filtrado colibacilar, porém pode reproduzir-se com os mais diversos micróbios ou infiltrados microbianos. (*) Trabalho apresentado à Sociedade Paulista de Leprologia na sessão de 10-9- 51. (**) Médico do Sanatório "Santo Ângelo" do Departamento de Profilaxia da Lepra, São Paulo, Brasil.

162 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA FENÔMENO DE SCHWARTZMAN OU DE SCHWARTZMAN-HANGER Se a injeção preparante se faz ao nível do derma ou em uma determinada víscera, a ulterior injeção desencadeante endovenosa provoca uma reação hemorrágica intensa localizada no local da injeção na pele ou na víscera que recebeu a primeira injeção. Este é o fenômeno de Schwartzman. Lewi, que se dedicou ao estudo acurado do fenômeno de Sanarelli-Schwartzman, diz que o mesmo pode ser procado também por gelóse, amido e neoarsenobenzol e que a reação produzida não é em nenhum caso carácterística da ação tóxica das substâncias preparantes ou desencadeastes; pois nenhuma delas mesmo em dose mortal provoca as lesões hemorrágicas observadas. Acrescenta ainda que estes fenômenos nada têm a vêr com as reações alérgicas de ambas as substâncias. Trata-se de uma reação vascular brutal, fortemente congestiva, habitualmente hemorrágica, produzindo geralmente necrose do tecido. Além do mais, não se logrou até hoje a transferência passiva da reatividade tecidual anormal. A neutralização precoce das toxinas microbianas pelo sôro específico correspondente inibe tanto o poder preparante como o desencadeante da injeção. No Sanatório "Santo Ângelo" conseguimos realmente neutralizar a reação pela titulação com sôro imune de leprosos. A reação não foi neutralizada pela titulação com sôros sanguíneos normais usados para contrôle (foram usados coelhos para estas experiências). Na clínica vamos encontrar explicação para muitos fatos que permaneciam obscuros e sem interpretação satisfatória, relacionando-os ao fenômeno de Sanarelli-Schwartzman, piretoterapia pela vacina antitífica, quadros graves verificados em várias moléstias infecciosas como sarampo, escarlatina, varicela, púrpura, apendicites hemorrágicas, necrose das placas de Peyer, síndromos malignos das toxi-infecções da infância que se apresentam "d'emblée" com um quadro grave caracterizado por um síndromo hemorrágico generalizado integrado por púrpura hemorrágica visceral. Na autópsia, característico é o achado de lesões congestivas e hemorrágicas generalizadas. Lewi crê que, no tampo das aplicações clínicas, o fenômeno de Sanarelli-Schwartzman é infinitamente mais vasto do que a princípio se acreditava. Até certo ponto o fenômeno de S.S. muito se assemelha à paralergia de Moro e Keller, porém esta não apresenta nunca os caracteres hemorrágicos do primeiro. Não poderíamos efetivamente entender os fatos observados na nossa doente sem que recordássemos as bases biológicas da aparição do fenômeno de Sanarelli-Schwartzman. Em nossa observação vamos encontrar precisamente reproduzido o fenômeno de S.S., isto é, a aparição de vascularites necrosantes numerosas, profusas, nos membros inferiores e erupções zosteriformes nos antebraços sabre uma lepromatose difusa, acidentes estes que bastariam, segundo Latapi e Zamora, para situá-la na chamada "Lepra de Lúcio".

A PROPÓSITO DA LEPRA DE LÚCIO 163 Vamos, em primeiro lugar, fazer a observação clínica do caso e, depois, procurar as possíveis relações dos fenômenos vasculares com a descrição clássica de Lúcio e Alvarado (1851) e as de Latapi e Chávez no Congresso de Cuba (1948). OBSERVAÇÃO H. G., 51 anos, brasileira, viúva, costureira, procedente da Capital, internada no Sanatório "Santo Ângelo" em 23-3-1936. Antecedentes hereditários Pai, de nacionalidade portuguesa, faleceu em conseqüência de uma operação da bexiga. Mãe, de nacionalidade espanhola, é sã e reside em Platina. Tem quatro irmãos sadios. Teve uma irmã que sofria de lepra e morreu neste Sanatório. Antecedentes pessoais Algumas moléstias peculiares à infância. Menarca aos 15 anos. Eumenorreica. Teve 5 filhos, dos quais um falecido de tenra idade e os demais residentes no Interior. Tem 2 filhas internadas neste Hospital. História de sua doença Informa que se iniciou em setembro de 1935 com o aparecimento de edema das pernas e mãos sem manchas ou adormecimentos. Depois de 4 meses surgiram-lhe bolhas numerosas nas pernas e pés de dimensões variando de uma noz a uma tangerina, acompanhadas de febre alta e queimação intensa. Esta não lhe permitia suportar nem o pêso do lençol. As bolhas no fim de 4 a 5 dias se esvaziavam, seu teto se desprendia, deixando por baixo uma superfície rubra e extremamente dolorosa. Permaneceu neste estado cerca de 40 dias, findos os quais, a conselho de especialista, se internou no Sanatório "Santo Ângelo". Aqui chegada um mês após, sobreveio-lhe um surto eruptivo composto de nódulos muito vermelhos, agudos, disseminados pelos membros superiores e inferiores. Logo após êste acidente notou que manchas de côr de café com leite lhe apareceram nos braços, antebraços, nádegas, coxas e pernas. Daí por diante, sofreu durante 6 anos de dores neuríticas, as quais muito a abatiam, perdendo peso progressivamente; tinha poucos e curtos intervalos de acalmia. Ultimamente, de 4 anos para cá, o quadro de sua doença modificou-se completamente. Na face, membros superiores e inferiores e principalmente nas pernas, presenciou o aparecimento sôbre as manchas ou em pele aparentemente sã, de pápulas superagudas, purpúricas umas, violáceas bem carregadas outras, seguidas de dores; estas lesões em poucos dias se ulceravam, supuravam, deixando escorrer um líquido sanguinolento (pus e sangue); ao fim de 15 dias estas pequenas úlceras se cicatrizavam, porém deixavam como resíduo uma mancha intensamente violácea ou pigmentada (processo nitidamente vascular). A multiplicidade destas manchas residuais conglomeradas e cíclicas conferiu com a evolução dos processos à pele das pernas a coloração que atualmente têm: um lençol em parte violáceo e purpuriforme e em parte pigmentado: esta pigmentação póde ser uniforme ou sobrelevar sôbre a coloração violácea. Em 17-7-1947 em revisão clínica e bacterioscópica procedida por nós, escrevíamos então: "dermatóse purpuriforme, nodular e papulosa de sede vascular, com tendência à supuração nos dois terços inferiores de ambas as pernas". Revisão em 8-5-49. Acha-se em reação leprótica tipo papuloso. Nas coxas, máculas eritêmato-violáceas grandes, sôbre as quais notam-se pápulas purpuriformes com tendência à ulceração. Nas pernas, máculas purpuriformes e pigmentadas extensas, residuais, hemo-sideróticas. Tem feito tratamento com Diasone (1 a 2 comprimidos diários). Revisão em 30-8-1948. Reação leprótica composta de pápulas e vesículas Conglomeradas aqui e ali, à maneira de zona ou "herpes zóster" localizada nos

164 REVISTA BRASILEIRA DE LEPROLOGIA membros superiores. Reação leprótica vascular, purpuriforme nas pernas, com supuração das pápulas. Revisão em 29-3-49. Aglomerados purpuriformes nos braços, antebraços, coxas e principalmente pernas. Cubital esquerdo doloroso. Dores intensas ao longo dos membros. Tratamento pela Diasone. Revisão em 17-8-1949. Alguns nódulos grandes reacionais nos braços. Pequenas pápulas agudas ao nível das máculas eritêmato-pigmentadas nos braços e coxas. Nas pernas, quadro residual (coloração violácea e pigmentada intensa). Revisão em 29-12-1949. Nota-se um pequeno nódulo no antebraço esquerdo. Cicatrizes nas pernas de coloração pigmentada ou inteiramente violácea por necroses vasculares (vascularite necrosante). Nas nádegas infiltração discreta. Revisão em 9-5-1950. O exame radiológico revelou a existência de tuberculose pulmonar, tendo feito uso intensamente do ácido paramino salicílico e estreptomicina, com os quais adquiriu pêso. Algumas máculas atróficas na face externa dos braços e antebraços. No terço inferior das coxas, máculas eritêmatovioláceas residuais de lesões agudas papulosas e vasculares. As lesões mais evidentes se achavam localizadas nas pernas e são de duas categorias: pigmentadas, ocres ou purpúricas e violáceas, extensas, segmentares; as pigmentadas preponderam sôbre as demais e se acham localizadas na face interna. As lesões violáceas são levemente escamosas. Troncos cubitais espessados, principalmente o esquerdo, o qual atinge as dimensões do dedo mínimo. Anestesia termo-dolorosa nos cotovelos, mãos, pernas e pés. Baciloscopia Os exames bacterioscópicos de pele e muco nasal, de intensamente positivos, com o tratamento pelas sulfonas a partir de outubro de 1947, passaram a negativos, coincidindo com o desaparecimento clínico das lesões ativas. Entrou em período quiescente. Duas curetagens nasais negativas. Histopatologia das lesões cutâneas - Biópsia da perna esquerda em 26-8-47. No córion infiltração lepromatosa perivascular e periglandular. Pesquisa de bacilos +++ (intensamente positivo). Biópsia da coxa direita em 20-1-50: lesão lepromatosa em regressão. Bacilos A.A.R. raríssimos e de aspecto granuloso- Biópsia em 20-4-50 da perna D. (nódulo vascular): o quadro histológico corresponde ao de um nervo angiomatoso. Pesquisa de bacilos negativa. Intradermo-reações Fernandes e Mitsuda: negativas. Reação de Medina positiva nas 6 horas. Tratamento Tomou 220 comprimidos de 0,50 de "Diasone" e 180 de "Diamidin" no período compreendido entre junho de 1947 a junho de 1950. Não obstante não corresponder esta terapêutica As dosagens habituais, devido a acidentes na evolução de sua doença, H. G. se beneficiou enormemente com a mesma, como se pode aquilatar do quadro baciloscópico apresentado. E' fóra de dúvida, portanto, a presença entre outros sintomas, de vascularites necrosantes em grande número, a ponto de chamar a nossa atenção para êste fenômeno. Esta manifestação por si só, bastaria, de acôrdo com a opinião de Latapi e Zamora, exarada no Congresso de Cuba, em 1948, para enquadrar êste caso dentro da chamada "Lepra de Lúcio" que, esquecida depois da descrição clássica de Lúcio e Alvarado em 1851, foi retomada pelos referidos autores, que dela têm feito exaustivo estudo clínico, imunológico e histopatológico. Assim chamavam ales de fenômeno de Lúcio ao eritema necrosante, o qual constitui a mais típica reprodução clínica espontânea do fenômeno experimental de Schwartzman. O

A PROPÓSITO DA LEPRA DE LÚCIO 165 que Latapi e Zamora chamam de "Lepra de Lúcio" não é mais do que uma lepromatose difusa pura e primitiva com "poussées" de vascularites múltiplas necrosantes. Acompanhando estes sintomas, se acham telangiectasias, alopécias, positividade baciloscópica e imuno-alérgicas, manchas vermelhas e dolorosas que chegam à necrose. Notaram ainda a espetacular melhora pelos tratamentos sulfonicos, o que realmente observamos em nossa paciente. Estudaram também a chamada reação de Medina, que não é mais do que a de Mitsuda nas 6 horas e acharam-na positiva nos casos assinalados como sendo de "Lepra de Lúcio". Acompanhamos com grande interesse os estudos de Latapi e Zamora, porém discordamos dos mesmos no ponto em que desejam transformar em um novo tipo de lepra uma manifestação aguda da mesma, que os leprólogos mundiais concordaram em chamar de "reação leprótica". E' a primeira vez que verificamos tal fato, porém nós preferimos enquadrá-lo no fenômeno de Sanarelli-Schwartzman. Trata-se, nada mais, nada menos, de uma vascularite necrosante no decurso de uma reação leprótica em uma forma lepromatosa. Depois do Congresso de Havana, Dharmendra esteve no México, onde verificou os casos de Latapi e Chávez. Disse ele: "A Lepra de Lúcio, talvez melhor chamada de fenômeno de Lúcio, quero crer que se trate de uma variedade particular de reação leprótica em casos lepromatosos com lesões difusas. Em minha opinião não se trata de nenhum tipo novo de lepra". Dharmendra disse ainda que, quando de sua visita ao Brasil, Argentina e Nigéria, investigou a existência de sintomas similares, porém os leprólogos destes países nunca os observaram. Hector Fiol adota o mesmo parecer quando diz: "A lepra típica de Lúcio nunca foi vista por nós. Em minha opinião é uma severa reação em caso lepromatoso difuso mais manchas purpúricas e necrosantes". Quanto a nós, como já salientamos a priori, participamos do mesmo modo de pensar, ao interpretar os sinais clínicos apresentados por H. G. como pertencentes ao fenômeno de Sanarelli-Schwartzman. BIBLIOGRAFIA 1. Dharmendra Remarks on "Lucio and Lazarine Leprosy". Internacional Journal of Leprosy, 17:112, 1949. 2. Fiol, H. International Journal of Leprosy, 17:113, 1949. 3. Naylor-Foot, A. W. e Souza, A. R. Estudos experimentais para a demonstração de proteínas específicas na lepra. Rev. Brasil. Leprol., 9:68, 1941. 4. Latapi, F. e Zamora, A. C. La lepra "manchada" de Lúcio. Memória do V Congresso Internacional de Lepra, pág. 410, 1949. 5. Latapi, F. e Zamora, A. C. Interpretación actual de la lepra de Lúcio. Memóriado V Congresso Inter. de Lepra Cuba 1949 prig. 1019. 6. Vautrai, B.. F. Comentários sôbre a chamada "Lepra Lazarina". Rev Brasil. Leprol., 9:263, 1941.