CONDICIONANTES GEOMORFOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS DA PROGRESSÃO REMONTANTE DE VOÇOROCAMENTOS EM CABECEIRAS DE DRENAGEM, MÉDIO VALE DO RIO PARAIBA DO SUL.

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Transcrição:

1 CONDICIONANTES GEOMORFOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS DA PROGRESSÃO REMONTANTE DE VOÇOROCAMENTOS EM CABECEIRAS DE DRENAGEM, MÉDIO VALE DO RIO PARAIBA DO SUL. Otavio Miguez da Rocha Leão - Doutorando-PPGG/UFRJ orochaleao@hotmail.com Paulo Jorge Vaitsman Leal - MestrandoPPGG/ UFRJ pjleal@centroin.com.br Daniel Meirelles Preza - Estagiário do GEOHECO/ UFRJ dpreza@ufrj.br Julia Manso Paes de Carvalho - Estagiária do GEOHECO/UFRJ juliamanso@bol.com.br Ana Luiza Coelho Netto - Professora Titular DEGEO/ UFRJ ananetto@globo.com APOIO FINANCEIRO: FAPERJ; CNPq; PRONEX-CNPq. 1 INTRODUÇÃO Esse trabalho discute os processos geomorfológicos e hidrológicos associados a expansão remontante de voçorocas situadas em cabeceiras de drenagem, estando inserido no programa de pesquisas do Laboratório de Geo-Hidroecologia-GEOHECO/UFRJ. O regime de chuvas e a redistribuição da precipitação durante os eventos chuvosos são investigados para se decodificar as relações entre os fluxos hidrológicos nas encostas e o ritmo de recuo remontante de um voçorocamento localizado na Estação Experimental da Fazenda Bela Vista (Bananal, SP). Discute-se o papel das chuvas na geração de cargas de poro-pressão positiva em cabeceiras de drenagem, apontando a influência do aqüífero regional. Discute-se também, o papel das chuvas locais na geração de um aqüífero temporário, localizado na base dos depósitos quaternários no contato com a rocha alterada, que produz fluxos sub-superficiais que exfiltram na parede do voçorocamento, constituindo-se no principal mecanismo erosivo envolvido na propagação do voçorocamento. Discute-se ainda, o papel exercido pelos níveis de base locais que parecem controlar o ritmo da incisão linear no interior da voçoroca, estando relacionado a aceleração das taxas de recuo do voçorocamento. Na região de Bananal a maioria dos voçorocamentos desenvolvem-se em fundos de vale preenchidos com espessos depósitos quaternários. Segundo Coelho Netto (1999) a propagação desses voçorocamentos corresponde, em grande parte, a expansão da rede de canais, que se desenvolve em paralelo aos sets de fraturamento, mostrando um forte controle lito-estrutural. Coelho Netto (op cit) ressalta a existência de fluxos subterrâneos ascendentes (artesianismo) no compartimento de colinas através de fraturamentos subverticais, em associação ao elevado gradiente hidráulico na escala da bacia de drenagem principal. Nas voçorocas o mecanismo erosivo principal é associado à exfiltração de fluxos subsuperficiais (seepage erosion) sendo a lavagem superficial e os movimentos de massa mecanismos secundários na remoção dos materiais (Coelho Netto et all, 1988 e Coelho Netto & Fernandes, 1990). As taxas de recuo de uma voçoroca característica, inserida na Estação Experimental Bela Vista (EEBV), vem sendo monitoradas desde 1982 por Coelho Netto e colaboradores, demonstrando uma aceleração do recuo nos últimos anos (Coelho Netto 1999, Rocha Leão e Coelho Netto 2001). Um dígito tributário da porção superior da voçoroca-controle vem acelerando as taxas de recuo com a aproximação dos divisores e a conseqüente diminuição da área de contribuição. Dentre as hipóteses levantadas para justificar a intensificação da dinâmica hidro-erosiva com a aproximação dos divisores

2 destacam-se: 1) Rebaixamento de níveis de base locais com aumento do gradiente topográfico das encostas (Rocha Leão e Coelho Netto 2001); 2) Possibilidade de a incisão, ao funcionar como exfiltração do aquífero regional, favorecer a pirataria de água subterrânea dos vales vizinhos; 3) a resistência diferencial dos materiais 4) Variação na pluviometria local e/ou regional. 2 ÁREA DE ESTUDO Os estudos de campo estão sendo conduzidos na EEBV, localizada na bacia do Rio Piracema (180 km 2 ), um dos principais afluentes do rio Bananal, o qual drena da Serra da Bocaina para o médio curso do rio Paraíba do Sul, abrangendo os municípios de Bananal (SP) e Barra Mansa (RJ). O modelado regional do relevo apresenta dois compartimentos principais, um composto pelas escarpas íngremes das Serras do Mar e da Mantiqueira e um outro composto por colinas com feições convexas/côncavas. A historia quaternária recente dessa região foi revista pelos trabalhos de MEIS et al, (1975); MEIS (1977); MEIS e MACHADO, (1978); MEIS e MONTEIRO, (1979); MEIS et al. (1985). Nesses trabalhos demonstrou-se um padrão descontínuo e episódico de erosão e sedimentação nas encostas e ciclos de agradação e degradação nos vales fluviais. Esses episódios contribuíram para a formação dos denominados Complexos de Rampa que são superposições de camadas coluviais e alúvio-coluviais que se estendem desde os fundos dos vales até a média encosta, formando espessos pacotes sedimentares incoesos que entulharam a antiga rede de canais. COELHO NETTO et al (1994) através da datação de perfis estratigráficos demonstram que grande parte dos depósitos sedimentares acumularam durante um ciclo erosivo entre 10,000 e 8,000 anos A.P. (transição Pleistoceno-Holoceno), entulhando os vales principais até as cabeceiras de drenagem. Os autores destacam que um período de relativa estabilidade morfo-dinâmica prevalesceu durante o Holoceno, até ocorrer uma expressiva retomada erosiva, em escala regional, decorrente das transformações ambientais associadas ao Ciclo do Café (meados do século 18 até o final do século 19). DANTAS & COELHO NETTO (1995) baseados em documentos históricos, verificaram a ocorrência de alterações climáticas (chuvas mais intensas no verão) e ocorrência de rios de lama, indicando uma intensificação da erosão superficial. Tal fato implicou no aumento das descargas fluviais nos rios principais, induzindo uma retomada da expansào da rede de canais. COELHO NETTO et AL (1988) considera, no entanto, que a vegetação de gramíneas, associadas ao ciclo do gado iniciado em 1900, e a consequente proliferação de formigas Saúvas foram os principais responsáveis pela recarga dos aquíferos subterrâneos e a consequente reativação/expansão das voçorocas. 2.1. A Estação Experimental da Fazenda Bela Vista (EEBV) O mapeamento da cobertura vegetal demonstra que a maior parte do solo é recoberto por pastagens (73,6%) e que o voçorocamento em maio de 1999 já atingia 14% do anfiteatro. Pesquisas anteriores (DEUS, 1991 e CAMBRA, 1997) demonstram que a maior parte da água da chuva infiltra nos solos, recarregando fluxos subsuperficias que exfiltram nas paredes da voçoroca. O anfiteatro da EEBV é quase totalmente ocupado por vegetação herbácea rasteira introduzida para pastagem. Em alguns poucos trechos desenvolve-se agrupamentos de espécies pioneiras e secundárias. Segundo Deus (1991) as espécies vegetais se distribuem

3 na área obedecendo as diferentes situações de umidade, acompanhando a morfologia do terreno. Deus (op cit) em estudos hidrológicos conduzidos na EEBV indica que a atividade biogênica associada à cobertura de gramínea do anfiteatro favorece a infiltração da água no solo através da formação de pipe flow. Deus (op cit) mostra que os dutos escavados pela formiga saúva são um importante componente na determinação das rotas preferenciais de escoamento no topo do solo, gerando uma recarga do aqüífero temporário na base dos depósitos arenosos quaternários. Coelho Netto(1995) demonstra que a taxa de alargamento da voçoroca é superior ao recuo remontante, e que a cabeça do tronco principal desviou em 90 graus e avança aceleradamente (3,2m/ano) seguindo em paralelo a outro set de fraturamento em direção ao eixo de uma concavidade tributária de ordem 0. Rocha Leão e Coelho Netto (2001) em trabalho sobre o monitoramento da evolução da topografia do fundo do voçorocamento da EEBV indicam que houve um recuo remontante e uma incisão linear considerável do nível de base local. Essa migração tem um grande significado geomorfológico, pois é na base desse degrau interno (nível de base local) que se situa a zona de exfiltração da água subterrânea que é a responsável pela dinâmica hidro-erosiva acelerada. A migração remontante desse degrau associada a incisão linear motivada por esse recuo, provocam mudanças consideráveis no gradiente das encostas situadas a montante do voçorocamento, podendo ser essa alteração potencialisdora dos fluxos subsuperficiais responsáveis pelo voçorocamento. Além disso, essa mudança de gradiente pode influenciar a estabilidade das encostas situadas nas proximidades do divisor. 3 METODOLOGIA 3.1. Chuvas - As entradas de chuva no anfiteatro da EEBV estão sendo mensuradas através de um pluviômetro e um pluviógrafo que estão em funcionamento desde novembro de 1999 com registros contínuos. O pluviógrafo é automático e fornece dados sobre total pluviométrico e intensidade da chuva em todos os eventos de chuva ocorridos na EEBV. O pluviômetro é manual e é medido pelo operador de campo após cada evento de chuva. Além disso, também foram instalados 40 pluviômetros de 10cm de diâmetro ao longo da EEBV. Para correlacionar as chuvas às cargas de pressão positiva da água subterrânea foram utilizados registros fornecidos pelas estações meteorológicas de Bananal (1939-2001) e Bocaina (1982-2001). 3.2. Água Subterrânea - Foram obtidas cargas de pressão em um piezômetro localizado a montante do dígito ativo do voçorocamento. O piezômetro situa-se no saprolito, a 12 metros da superfície do solo, mensurando as cargas de pressão do aquífero regional. Os registros são obtidos diariamente pelo observador de campo. As medições iniciaram-se em fevereiro de 2000 e foram encerradas, para o presente trabalho, em março de 2002. No total existem 12 pontos de monitoramento de água subterrânea na EEBV, mas apenas a estação 1 teve registro contínuo durante o desenvolvimento desse trabalho, sendo que nas demais estações, tantos os piezômetros quanto os poços medidores de profundidade do nível dágua, permaneceram secos durante a maior parte do período, evidenciando uma situação de retração do aquífero regional, devido a escassez de chuvas.

4 3.3. Monitoramento Hidrológico do metro superior do solo - O molhamento e a drenagem do metro superior do solo estão sendo registrados através de uma rede de 27 baterias de tensiômetros de mercúrio (10, 30, 60 e 90cm) que foram instalados em diferentes posições de encosta no vale não canalizado que está sendo revegetado. Essas profundidades foram selecionadas, pois representam trechos do perfil do solo que apresentam variações nas propriedades relevantes a infiltração. As baterias estão funcionando desde janeiro de 2000 e espera-se registrar modificações nas cargas de sucção em diferentes profundidades após a introdução da revegetação induzida. As leituras são realizadas diariamente pelo operador de campo 3 horas após a calibragem. Em cada sítio amostral foram instalados três parcelas de escoamento superficial (3m 2 ) e dez pluviômetros para o registro de todos os eventos chuvosos. Além disso, a EEBV possui um pluviógrafo que registra a intensidade e a duração de cada chuva. De cada parcela é retirada uma amostra de 500ml do escoamento superficial para obtenção da carga de sedimentos transportados pelo escoamento. Os pluviômetros fornecem um valor médio de precipitação terminal (Pt) que é relacionado à vazão de escoamento (Q) para obtenção da relação Q/P. Esse valor é expresso em porcentagem e revela o quanto do volume precipitado sobre a parcela escoa superficialmente. As entradas de chuva no anfiteatro da EEBV estão sendo mensuradas através de um pluviômetro e um pluviógrafo que estão em funcionamento desde de março de 2000 com registros contínuos. O pluviógrafo é automático e fornece dados sobre total pluviométrico e intensidade da chuva em todos os eventos de chuva ocorridos na EEBV. O pluviômetro é manual e é medido pelo operador de campo após cada evento de chuva. 3.4. Monitoramento Topográfico - Foram calculadas as taxas de recuo do voçorocamento entre 1982 e 2001 através da digitalização de uma série de levantamentos do contorno da voçoroca realizados pelo laboratório de Geo- Hidroecologia/UFRJ. Foram utilizados os contornos obtidos em: 1982; 1984;1987;1994 e 2001, sendo esse último levantamento realizado na presente pesquisa. Todos os contornos foram obtidos por topografia convencional, com a realização de poligonais executadas com teodolitos, com exceção do último, que foi obtido através da utilização de DGPS. Após a digitalização dos contornos no Autocad foram obtidas as taxas de recuo em m 2 /ano. 4 RESULTADOS 4.1. Análise do Regime de Chuvas - O regime de chuvas é um fator controlador das taxas de recuo dos dígitos do voçorocamento, na medida em que determina a quantidade e a intensidade dos eventos de chuva. Além disso, a umidade antecedente dos solos, bem como a profundidade do nível freático e as cargas piezométricas respondem as entradas de chuvas na escala regional. A análise dos dados pluviométricos revelam pequenas oscilações entre os períodos estudados. Embora em todos os intervalos tenha se repetido a tendência de chuvas concentradas no verão com períodos menos chuvosos, principalmente nos meses de inverno. Em termos de aceleração nas taxas de recuo do voçorocamento, nota-se uma relação entre os períodos mais chuvosos com as maiores taxas. A série temporal disponível para estação Bananal revela um total anual médio de 1356 mm de chuvas que caem

5 principalmente nos meses do verão. A análise dos dados indica a existência de anos secos ao longo de todo o período, embora a maioria dos anos não estejam nos extremos, tanto de excesso quanto de escassez de chuvas. Destaca-se o ano de 1996 como o mais chuvoso de toda a série histórica. De 1983, quando iniciaram-se os registros do recuo remontante do voçorocamento, até 2001, foram registrados três anos secos (84,90 e 94) e apenas um ano chuvoso (96). O período destacado apresenta um comportamento semelhante ao observado no início da série histórica (39 a 55). Entre os anos de 56 e 82 observa-se o maior acúmulo de anos chuvosos e o menor de anos secos, caracterizando esse período como o mais chuvoso. A média móvel para a série histórica revela uma nítida intercalação entre períodos mais úmidos e menos úmidos. Meis et al (1981) chegaram a resultados semelhantes para a região de Resende e apontam a ciclicidade dos períodos mais chuvosos como uma característica do regime de chuvas do médio vale do Paraíba do Sul. Destaca-se ainda, que o ano de 1996 (o mais chuvoso da série histórica) gerou um período chuvoso no final dos anos 90, coincidindo com o período de maior avanço do voçorocamento 4.2. Água Subterrânea - O período registrado com mensurações de campo demonstram que as cargas de pressão seguem a distribuição das chuvas, porém revela um intervalo de dois meses entre o pico da carga de pressão e o início do período chuvoso, evidenciando um atraso na resposta das cargas de pressão às entradas de chuva. O início do período amostral registra o maior evento de chuva, culminando um período chuvoso, em todos os compartimentos da bacia, o que condicionou a elevação das cargas piezométricas. A partir de meados de janeiro de 2000 as cargas de pressão diminuem sistematicamente durante todo ano, refletindo a escassez de chuvas nesse período em toda a bacia. Com as chuvas iniciadas em meados de outubro de 2000, diminui-se o ritmo de queda das cargas de pressão que param de cair somente no final do verão. Vale ressaltar que no período mais chuvoso do ano registraram-se as menores cargas de pressão, que só começaram a subir no final de Janeiro, num período de rápida ascensão atingindo o pico no mês de março de 2000, revelando um atraso de mais de três meses na resposta ao início das chuvas do verão. Esse fato demonstra que o aquífero estudado possui um comportamento regional, não respondendo imediatamente as entradas de chuvas. 4.3. Hidrologia do metro superior do solo - Com a análise da hidrologia subsuperficial, percebe-se que os valores médios de carga de pressão negativa, em quatro profundidades (10cm, 30cm, 60cm e 90cm), em três diferentes posições de encosta (baixa, média e alta encosta), indicam cargas mais elevadas em todas as profundidades para as vertentes situadas na alta encosta. A áreas de meia-encosta apresentam valores intermediários e os menores valores foram registrados nas áreas de baixa encosta. Os resultados obtidos nas parcelas de escoamento superficial demonstram a grande eficiência da cobertura de gramíneas no favorecimento à infiltração da água da chuva, tanto nas encostas quanto nos fundos de vale, com os valores médios variando entre 0.5 e 4% de escoamento superficial. As áreas de revegetação espontâneas (Formação Pioneira e Secundária Inicial) apresentam valores relativamente maiores, embora também se constituam em áreas altamente favoráveis à infiltração da água da chuva. Esse fato deve-se a substituição da cobertura de gramíneas por uma vegetação arbórea jovem onde o sistema radicular e a camada de serrapilheira ainda não atingiram as condições características de áreas florestadas.

6 4.4. Propagação do Voçorocamento: recuo remontante da Voçoroca da EEBV - As taxas de recuo de um dígito ativo da voçoroca demonstram um processo intenso de remoção de materiais, com um forte papel desempenhado pelo recuo remontante de níveis de base locais, como apontado por ROCHALEÃO et al (2001). Os resultados obtidos após a integração dos levantamentos dos contornos da voçoroca, obtidos em diferentes períodos a partir de 1982. O dígito ativo demonstra uma aceleração nas taxas de recuo mesmo com a aproximação dos divisores e a conseqüente diminuição da área de contribuição. A concentração de concavidades não canalizadas a montante da cabeça desse dígito pode explicar essa aceleração em relação às taxas de recuo do dígito semi-estabilizado (Coelho Netto 1999). Nesse dígito se observa o desenvolvimento de uma revegetação espontânea incipiente, fato que demonstra a grande instabilidade do substrato disponível para a recolonização no interior do voçorocamento. O monitoramento da evolução da topografia do fundo do voçorocamento indica que houve um recuo remontante considerável do nível de base local. Essa migração tem um grande significado geomorfológico, pois é na base desse degrau interno (nível de base local) que se situa a zona de exfiltração da água subterrânea que é a responsável pela dinâmica hidro-erosiva acelerada. A migração remontante desse degrau associada a incisão linear motivada por esse recuo, provocam mudanças consideráveis no gradiente das encostas situadas a montante do voçorocamento (0.23-1982 e 0.31-2001), podendo ser essa alteração potencialisadora dos fluxos subsuperficiais responsáveis pelo voçorocamento. 5 DISCUSSÃO Os resultados obtidos na análise do regime de chuvas locais e regionais, associados aos registros de campo do comportamento da água subterrânea e do monitoramento do recuo do voçorocamento indicam a atuação de ambos os aqüíferos (regional e temporário) na propagação dos voçorocamentos em cabeceiras de drenagem. Os períodos de aceleração das taxas de recuo, muito embora possuam influência da evolução interna dos níveis de base locais e da possível contribuição de fluxos subterrâneos de vales vizinhos, demonstram correlação com os períodos mais chuvosos, tanto nos dados registrados na Estação Bocaina (compartimento montanhoso) quanto na estação Bananal (compartimento de colinas). Esse fato sugere que a ação combinada dos dois aqüíferos provocam a acentuação dos processos erosivos e resultam na aceleração do recuo remontante do voçorocamento. Quando chuvas intensas locais, que geram a formação do aquífero temporário, se combinam com períodos chuvosos com elevadas cargas piezométricas, formam-se as condições propícias para a aceleração nas taxas de recuo. Inversamente, chuvas intensas com cargas piezométricas reduzidas, como o observado no verão de 2000/2001, não incrementam a dinâmica hidro-erosiva subsuperficial, caracterizando esses períodos como de reduzidas taxas de recuo remontante do voçorocamento.