Junho 2013 Direito do Trabalho A Livraria Almedina e o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados celebraram em 2012 um protocolo de colaboração para as áreas editorial e de formação. Esta cooperação visa a divulgação periódica de artigos breves e anotações nas plataformas electrónicas e digitais da Livraria Almedina. Para aceder, clique aqui. COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO N.º 4/2013 UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA SUBSÍDIO DE DESEMPREGO Tiago Patrício, Advogado, Abreu Advogados Comentário: O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se, em sede de recurso, para uniformização de jurisprudência, sobre a oposição de acórdãos acerca da mesma questão de direito proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no processo n.º 100/109.8BEPRT, de 23.3.2012 (que concedeu provimento ao recurso do acórdão de 20.10.2010 do Tribunal Central Administrativo e Fiscal do Porto, revogando a decisão) e o Acórdão da mesma Secção de Contencioso Administrativo do TCAN, no processo n.º 491/08.1BEPRT, de 13.05.2011. A questão objecto dos mencionados acórdãos residia em determinar se o exercício de uma actividade enquanto Membro dos Órgãos Estatutários (MOE) duma empresa, concretamente da gerência, ainda que não remunerada, constitui ou não impeditivo do recebimento do subsídio de desemprego, nomeadamente pela não verificação de uma situação de inexistência total de emprego, no domínio dos DL 119/99, de 14.4 e 220/2006, de 3.11. O Acórdão recorrido, proferido no processo n.º 100/109.8BEPRT, julgou procedente uma acção administrativa especial para anulação de um despacho que declarou nulo o acto de atribuição de subsídio de desemprego e determinou a restituição das quantias abonadas ao recorrido. O acto anulatório contenciosamente impugnado baseou-se no facto de, sendo o recorrido, entre 11.7.2002 e 31.5.2007, gerente de sociedade comercial, não cumpria, ao tempo em que beneficiou do referido subsídio de desemprego, um pressuposto fundamental dessa prestação social: a inexistência total de emprego. O mencionado acórdão rejeitou esse entendimento, considerando que a situação em que se encontrava, quando requereu e lhe foi concedido o subsídio de desemprego, correspondia à previsão do art.º 6, n.º 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e que o facto de ser membro de órgão estatutário de pessoa colectiva, sem qualquer remuneração, não era impeditivo do recebimento, pelo mesmo interessado, daquele subsídio. 1/5
Já o mencionado acórdão fundamento que a entidade recorrente invocou como fundamento de admissibilidade de recurso de uniformização de jurisprudência respeita a situação idêntica, porque apreciou recurso de decisão pela qual foi julgada improcedente acção administrativa especial para anulação de despacho que revogou o acto pelo qual fora atribuído subsídio de desemprego, determinando a devolução das quantias a esse título recebidas, uma vez que à data da atribuição do subsídio em causa o beneficiário era sócio gerente de uma sociedade por quotas. O que, segundo o acto anulatório contenciosamente impugnado, afastava a verificação nessa data 27.2.2007 do pressuposto fundamental para atribuição de tal subsídio: a inexistência total e involuntária de emprego. Sucede que o acórdão fundamento decidiu em sentido inverso ao acórdão recorrido, reiterando a ratio da decisão judicial recorrida, a qual, relativamente à questão de saber se o Autor, sendo sócio gerente de uma sociedade comercial, da qual não recebe qualquer remuneração, cai (ou não) na previsão do art. 2º, n.º 1 do Decreto-Lei 220/2006, de 3 /11, deu resposta negativa, entendendo que o Autor era já sócio gerente da sociedade quando ( ) ocorreu a cessação do contrato de trabalho com a sua entidade patronal; tinha assim um emprego ( ). E porque assim é, forçoso é concluir que a sua situação não tem enquadramento na previsão do art. 2º, n.º 1 do Decreto-Lei 220/2006, de 3/11. E contra tal não se argumente ( ) que não exercia de facto a gerência da sociedade, nem era por tal remunerado. É que o referido preceito apenas faz depender a existência de uma situação de desemprego da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário e não também da inexistência de remuneração e/ou exercício efectivo da actividade. Temos assim que os referidos acórdãos decidiram em sentidos diferentes e entre si opostos a mesma questão fundamental de direito a de saber se a condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem que haja lugar a qualquer remuneração, afasta ou não a verificação da situação de inexistência total e involuntária de emprego, enquanto pressuposto legal de atribuição de subsídio de desemprego, estabelecido nos artigos 6º, n.º 1, do DL 119/99, de 14/4, e 2º, n.º 1, do DL 220/2006, de 3/11. De mencionar, conforme se refere no Acórdão, que não obsta ao reconhecimento da oposição de julgados a circunstância de os acórdãos em confronto terem feito interpretação e aplicação de normas legais diversas, uma vez que tais normas contêm regulamentação jurídica essencialmente idêntica. 2/5
Para uma melhor compreensão do thema decidendum, refira-se que o indicado art. 6º do pretérito DL 119/99, de 14/4 ( diploma que estabelece, no âmbito do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, o quadro geral da reparação da eventualidade de desemprego : art. 1º) dispunha: Artigo 6º 1 Para efeitos do presente diploma, é considerado desemprego toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho. Por seu turno, o art. 2º do DL 220/2006, de 3/11 que sucedeu ao DL 119/99 e que, como esse diploma legal, estabelece, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem : art. 1º) dispõe: Artigo 2º 1 Para efeitos do presente decreto-lei é considerada toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego. A questão suscitada pela interpretação destes preceitos legais é a de saber se, relativamente a trabalhador cujo contrato de trabalho por conta de outrem cessou, a condição desse mesmo trabalhador de gerente de sociedade comercial sem remuneração, obsta à ocorrência da eventualidade de «desemprego», tal como é caracterizada nos mesmos preceitos legais. Para o aresto em comentário não é aceitável o entendimento versado no acórdão fundamento, segundo o qual a ausência de remuneração não afasta a conclusão segundo a qual o interessado, enquanto gerente de uma sociedade comercial, tem «um emprego», não podendo por essa razão a respectiva situação enquadrar-se no conceito legal de «desemprego», para o qual apenas relevaria segundo tal tese a inexistência total e involuntária de emprego (de afectação profissional, leia-se) do beneficiário e não já a ausência de remuneração e/ou exercício efectivo de actividade. Segundo o acórdão de uniformização de jurisprudência, deve ter-se presente no apuramento do conceito de emprego relevante para a atribuição das prestações em causa o respectivo objectivo de, nos termos dos artigos 10º do DL 119/99 e 6º do DL 220/2006, compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante da situação de desemprego. 3/5
O próprio Acórdão não hesita em afirmar que o que releva para efeito de verificação do requisito de atribuição de subsídio de desemprego é, pois, a inexistência de emprego remunerado, enquanto elemento essencial do próprio contrato de trabalho (art. 1152º do Código Civil). Mais refere que o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego, estabelecido nos mencionados diplomas legais, parte da consideração de um contrato de trabalho por conta de outrem, cuja cessação priva o trabalhador da correspondente remuneração. Neste sentido, vejam-se as normas arts. 7º do DL 119/99 e 9º do DL 220/2006 que caracterizam o «desemprego involuntário», condição de atribuição do subsídio em causa, com referência a diferentes situações de cessação do contrato de trabalho. Para o mencionado Acórdão, sempre que nos referidos diplomas legais se alude a emprego ou desemprego está presente a ideia de contrato de trabalho, em que a actividade do trabalhador é prestada mediante retribuição. É o caso dos artigos 12º, n.º 1, e 14º, n.º 1, do DL 119/99, e 8º, n.º 1, e 19º, n.º 1, do DL 220/2006. Assim, a falta de referência à remuneração nos citados artigos 6º, n.º 1, do DL 119/99 e 2º, n.º 1, do DL 220/2006 não legitima a conclusão segundo a qual basta qualquer actividade (ou mesmo ainda a não actividade mas apenas uma mera posição formal, acrescente-se), ainda que não remunerada, para afastar a existência de situação de desemprego, relevante para efeitos de atribuição do correspondente subsídio. É que conforme salienta o acórdão recorrido, ao qual o aresto de uniformização de jurisprudência aderiu atentos os fins e pressupostos da reparação, quando aí se refere a inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário, está-se a referir a emprego resultante de contrato de trabalho por conta de outrem, que contém, como seu elemento essencial, retribuição. E é a cessação desta que justifica, desde logo, a atribuição ao desempregado, da prestação de subsídio de desemprego. De todo o modo, importa mencionar que a actual redacção do art. 2º do DL 220/2006 é diferente daqueloutra que se encontrava em vigor à data da ocorrência dos factos que estiveram na base da prolação dos arestos em causa. Com a publicação do DL 72/2010, de 18/6 (que entrou em vigor em Julho do mesmo ano), o mencionado art. 2º passou a ter a seguinte redacção: 4/5
Artigo 2º 1 Para efeitos do presente decreto-lei é considerado desemprego toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego. 2 (Revogado.) Bastando para a caracterização da eventualidade de «desemprego» a ocorrência de uma situação de perda involuntária de emprego do beneficiário, deixou de se exigir a inexistência total e involuntária de emprego e passou a fazer-se o enfoque na circunstância da perda (involuntária). O mérito desta decisão reside, desde logo, no facto de esclarecer o conteúdo do conceito de desemprego como eventualidade habilitante ao recebimento das respectivas prestações ao abrigo do disposto no DL 220/2006. O disposto na actual redacção do art. 2º do mencionado diploma em nada colide com o entendimento firmado na decisão em causa, antes se aproximando da mesma, porquanto ao deixar cair a expressão inexistência total de emprego contribuiu para fazer cessar dúvidas e incertezas que a mesma potenciava. Fica assim definido e firmado o entendimento jurisprudencial segundo o qual relativamente a trabalhador cujo contrato de trabalho haja cessado (perda involuntária de emprego) a condição desse mesmo trabalhador enquanto membro de órgão estatutário (MOE), sem remuneração, não impede a verificação e o reconhecimento de uma situação de desemprego, nos termos e para os efeitos e enquanto pressuposto legal de atribuição do respectivo subsídio ao abrigo do DL 220/2006. 5/5 Este Fórum Jurídico contém informação e opiniões de carácter geral, não substituindo o recurso a aconselhamento jurídico para a resolução de casos concretos. Para mais informações, por favor contacte-nos através do email apdt@abreuadvogados.com ABREU ADVOGADOS JUNHO 2013 Lisboa Porto Funchal LISBOA PORTO MADEIRA Av. das Forças Armadas, 125-12º 1600-079 Lisboa, Portugal Tel.: (+351) 21 723 1800 Fax.: (+351) 21 7231899 E-mail: lisboa@abreuadvogados.com Rua S. João de Brito, 605 E - 4º 4100-455 Porto Tel.: (+351) 22 605 64 00 Fax.: (+351) 22 600 18 16 E-mail: porto@abreuadvogados.com Rua Dr. Brito da Câmara, 20 9000-039 Funchal Tel.: (+351) 291 209 900 Fax.: (+351) 291 209 920 E-mail: madeira@abreuadvogados.com WWW.ABREUADVOGADOS.COM ANGOLA (EM PARCERIA) BRASIL (EM PARCERIA) CHINA (EM PARCERIA) MOÇAMBIQUE (EM PARCERIA) TIMOR-LESTE (EM PARCERIA)