ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS DE ÓLEOS VEGETAIS MISTURADOS AO DIESEL ESTÃO CONFORME O REGULAMENTO DA ANP: ADULTERAÇÃO OU POSSIBILIDADE DE USO COMO COMBUSTÍVEL? Ana Rita F. Drummond 1, Givaldo Oliveira Melo 2, Leydjane Marília Almeida 1, José Anacleto de Melo 1. 1Instituto de Tecnologia de Pernambuco, 2 Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, drummond@itep.br, givaldo.melo@bol.com.br RESUMO - O óleo vegetal in natura quando utilizado como combustível, ou diluído com o Diesel mineral em qualquer que seja a proporção é uma questão polêmica. No contexto de busca por métodos analíticos, para identificar o percentual de biodiesel (B100) que é adicionado ao Diesel, ou mesmo para verificar se ao invés de biodiesel foi utilizado óleo vegetal, vários métodos foram propostos por outros grupos de pesquisa, utilizando equipamentos de alto custos e vários pré-tratamentos químicos, o que pode ocasionar erro e ser laboriosa. O uso de óleos vegetais como combustíveis não é novidade, o motor a Diesel foi inventado, por Rudolf Diesel, para ser abastecido por óleo de amendoim. O objetivo deste trabalho é verificar em quais proporções misturas de óleo vegetal/diesel (mamona, algodão e fritura), apresentam as propriedades físico-químicas de acordo com o limite estabelecido pela agência reguladora de combustíveis comercializados no Brasil, a ANP. Os óleos de sementes de mamona, algodão e o óleo de fritura em proporções de até 5%, diluídas ao Diesel, estão conforme os ensaios físico-químicos (acidez, corrosividade ao cobre e viscosidade) da ANP. O óleo vegetal pode ser tido como um lubrificante, quando em concentrações inferiores à 5% no Diesel de petróleo. Palavras-chave: óleo vegetal, adulteração de diesel, biocombustíveis. INTRODUÇÃO O marco legal do uso do biodiesel foi respaldado pelo Congresso Brasileiro e regulamentado pela Lei 11.097 de 13/janeiro/2005. Essa lei introduz o biodiesel na matriz energética brasileira e estabelece o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo Diesel fixado em 2% desde janeiro/2008. Para 2013 a adição prevista é de 5% obrigatório e 8% facultativo. O processo para a transformação do óleo vegetal em biodiesel por transesterificação consiste na reação do triglicerídio com um álcool na presença de um catalisador, em geral uma base. Após a reação há formação de ésteres de monoalquílicos (biodiesel) e glicerina. A glicerina formada corresponde de 15 à 20% da molécula de óleo vegetal. Durante o processo de transesterificação, a glicerina é removida do óleo vegetal (PARENTE, 2003). A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é o órgão que regula as especificações de combustíveis no Brasil. De acordo com a ANP, a adição de óleo vegetal ao Diesel, figura como uma adulteração. Por outro lado, por motivo de redução de custos, certos transportadores da frota brasileira utilizam óleo vegetal misturado ao Diesel em proporções superiores a 50%, após o refino do óleo vegetal para reduzir os problemas causados no bico injetor (SILVA, 2007).
O uso de óleos vegetais como combustíveis não é novidade, o inventor do motor de combustão interna por compressão, o alemão Rudolf Diesel apresentou um motor abastecido com óleo de amendoim em uma exposição em Paris em 1900. O óleo vegetal in natura quando utilizado como combustível, ou mesmo diluído com o Diesel mineral em qualquer que seja a proporção é uma questão polêmica. No contexto de busca por métodos analíticos, para identificar o percentual de biodiesel (B100) que é adicionado ao Diesel, ou mesmo para verificar se ao invés de biodiesel foi utilizado óleo vegetal, vários métodos foram propostos por outros grupos de pesquisa: (a) a técnica de espectrometria de massa foi utilizada como ferramenta para identificação e quantificação de óleo vegetal presente no biodiesel (B100) e mistura de biodiesel em Diesel (CATHARINO et al., 2007); (b) Guimarães et al. (2007) propõem a espectrofluorimetria para verificar adulterações de biocombustíveis, ou seja, a adição ao Diesel de óleo vegetal ao invés de biodiesel; (c) através da espectrofotometria de infravermelho associada a análise multivariada, o grupo de Pimentel (2006) desenvolveu a metodologia para determinar o teor de biodiesel adicionado ao Diesel; (d) Corrêa et al. (2006) determinam o teor de biodiesel em Diesel através de ultravioleta-visível, após a reação do ésteres com cloridrato de hidroxilamina em meio alcalino e outras reações químicas. A maioria desta técnica utiliza equipamentos de custo elevado e de difícil operação; técnicas simples como ultravioleta-visivel, necessitam de pré-tratamento de amostras com várias etapas de reações químicas, podendo ocasionar erro e ser laboriosa. O objetivo deste trabalho é verificar quais as proporções misturas de óleo vegetal/diesel apresentam as propriedades físico-químicas de acordo com o limite estabelecido pela agência reguladora de combustíveis comercializados no Brasil, a ANP. MATERIAL E MÉTODOS As amostras de Diesel e biodiesel (B100) foram cedidas pela empresa Petrobras localizada no Porto de SUAPE, a 60 km do Recife. As amostras de óleo da semente de algodão (OSA) e de óleo de semente de mamona (OSM) foram de Limoeiro (80 km do Recife) e de Brejo da Madre de Deus (180 km do Recife), respectivamente. A amostra de óleo de fritura (OF) foi obtida através de coleta em condomínio de edifício em Recife. As amostras de OSA e OSM foram obtidas brutas, para assim melhor avaliar as suas propriedades físico-químicas em mistura com o Diesel, com menor custo possível, ou seja, o mais próximo possível de um óleo in natura, sem refino e sem tratamento. A amostra de OF antes de ser misturada ao Diesel, passou por um simples processo de decantação e separação da borra (partículas pretas provenientes em frituras caseiras).
Para cada amostra pura, ou seja, na concentração de 100% (Diesel, biodiesel, OSM, OSA, OF), como também para as amostras de OSM, OSA e OF diluídas com Diesel nas concentrações de 2, 3, 5, 8, 10 e 20% v/v (volume/volume), foram determinados o índice de acidez por titulação, a corrosividade ao cobre em banho à 50 C por 3 horas e a viscosidade cinemática à 40 C, seguindo as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBR 14248, NBR 14359, NBR 10441 respectivamente, recomendadas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP, 2008). Também foi determinada a viscosidade cinemática a 60 C, tendo o conhecimento que esta é a temperatura mais próxima quando o motor Diesel está em operação. RESULTADOS E DISCUSSÃO A adulteração de combustível é tida uma prática criminal, de acordo com ANP; segundo esta Agência, é observada no mercado nacional que o óleo usado em fritura, ou óleo residual, seja utilizado como um possível adulterante (SILVA, 2007). Existe no Brasil grande variedade de oleaginosas que se adaptam à produção do biodiesel, entretanto o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) escolheu inicialmente quatro dessas oleaginosas para incentivo à sua produção: dendê, girassol e soja, e para o Nordeste a mamona. Adicionalmente, o Nordeste, em particular Pernambuco (PE), já foi grande produtor de algodão. Como os óleos obtidos das sementes de mamona e semente de algodão e o óleo de fritura, são disponíveis em relativa abundância em PE, foi efetuado estudo de suas propriedades físico-químicas em concentrações de 100%, e em diluições com o Diesel mineral nas proporções de 2, 3, 5, 8, 10 e 20% v/v. Segundo as especificações técnicas da ANP, o biodiesel deve ter: viscosidade a 40 C de 3,0 à 6,0 mm 2 /s; índice de acidez até 0,50 mg KOH/g e corrosividade ao cobre máxima de 1 (ANP, 2008). Na Tabela 1 pode ser observado que todos os resultados da corrosividade ao cobre para os óleos em qualquer que seja a proporção foi de 1, ficando todos os óleos em estudo conforme as especificações da ANP. O ensaio de corrosividade ao cobre dá uma indicação relativa do grau de corrosividade do óleo em relação às peças metálicas confeccionadas em ligas de cobre que se encontram presentes nos sistemas de combustíveis dos veículos e equipamentos. A acidez indica a eficiência do processo de neutralização dos resíduos ácidos resultantes do uso e armazenamento do óleo, no tanque do veículo. A acidez de um óleo é uma das principais características e tem importante impacto sobre seu preço e aproveitamento na indústria. Vários fatores podem influenciar a acidez do óleo, mas o principal é o tratamento dado ao produto durante a colheita e o armazenamento. Também pode ser visto na Tabela 1 que, quanto ao índice de acidez, o OF está conforme as especificações da ANP nas concentrações de 2, 3, 5, 8 e 10%. O OSA apresentou a acidez não conforme com a ANP em concentrações superiores a 5%. O OSM (M100), apresentou a
acidez 65 vezes superior ao B100 e 121 vezes superior ao D100; quando ele foi diluído com o diesel (D100) nas proporções de 2 e 3%, tornou-se conforme as especificações da ANP. A viscosidade mede a resistência com que o óleo escoa; quanto mais viscoso for um óleo mais difícil de escorrer, e maior a sua capacidade de manter-se entre duas peças móveis fazendo a lubrificação. A viscosidade dos óleos não é constante, variando com a temperatura; quando esta aumenta, a viscosidade diminui e o óleo escoa com mais facilidade. Neste trabalho foram realizados ensaios de viscosidade a 40 C (especificado pela ANP) e a 60 C (temperatura mais próxima de um motor Diesel em operação). Verifica-se na Tabela 1, que em todas as proporções (de 2 à 20%) os OSA e o OF estão conforme as especificações da ANP. O OSM em concentrações inferior a 8% está conforme a ANP. A partir de 8% ele apresenta duas fases como pode ser visto na Figura 1, para M8 e M20; os ensaios não foram repetitivos para M8, M10 e M20. O OSM possui características químicas atípicas comparadas à maioria dos óleos vegetais, sendo um dos poucos ácidos graxos naturais cuja estrutura química possui três grupos funcionais altamente reativos: o grupo carbolina, a dupla ligação e o grupo hidroxila. O OSM é utilizado em inúmeras situações: lubrificantes, aditivos para tanques de combustíveis de aeronaves, medicamentos, tintas, vernizes, próteses ósseas, cosméticos, etc. Face as suas características de resistência a variações de pressão, temperatura, e alta viscosidade, o OSM é um lubrificante de mais alta qualidade (CHIERICE; CLARO NETO, 2001). Apesar de energeticamente favorável, o uso direto de óleo vegetal em proporções de 100%, como combustíveis para motores é problemático. Tendo altas viscosidades, veja na Tabela 1 as viscosidades para F100, M100 e A100, eles apresentam desvantagens: combustão incompleta, formação de depósitos de carbono nos sistemas de injeção, diminuição da eficiência de lubrificação, obstrução nos sistemas de injeção, comprometimento da durabilidade do motor e formação de acroleína (substância altamente tóxica e cancerígena) pela decomposição térmica do glicerol. CONCLUSÕES a) Os óleos utilizados neste trabalho, provenientes da semente de mamona (OSM), da semente de algodão (OSA) e o óleo de fritura (OF) em proporções de até 5%, diluídas ao Diesel, estão conforme os ensaios físico-químicos (acidez, corrosividade ao cobre e viscosidade) da ANP. b) O óleo de semente de mamona (OSM) não é miscível ao óleo Diesel de petróleo em proporções superiores a 5%.
Agradecimentos: À Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB) pelo financiamento. À Petrobras (SUAPE-PE) pelo fornecimento das amostras de Diesel e Biodiesel (B100). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANP - Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Disponível em: <http:// www.anp.gov.br. > Acesso em: 02 abr. 2008. CATHARINO, R. R; GARCIA, C. M.; ABDELNUR, P. V. Biodiesel por ESI-MS: adulteração com óleos vegetais. CONGRESSO BRASILEIRO DE MASSESPECTROMETRIA, 2., 2007, Campinas. Anais... Campinas: SBEM, 2007. 1 CD-ROM CHIERICE, G. O.; CLARO NETO, S. Aplicação industrial do óleo. In: AZEVEDO, D. M. P. de; LIMA, E. F. (Ed.). O agronegócio da mamona no Brasil. Campina Grande: Embrapa Algodão; Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2001. p. 89-120. CORRÊA, R. A.; TAVARES, M. G. O.; ANTONIOSI FILHO, N. R. Determinação do teor de biodiesel em Diesel. CONGRESSO BRASILEIRO DE TECNOLOGIA DO BIODIESEL, 1., 2006, Brasília. Anais... Brasília: MCT/ABIPTI, 2006. p. 342-347. GUIMARÃES, A. K.; MUSSE, A. P. S.; QUINTELA, C. M. Proposta para identificar adulteração de biocombustível: adição ao diesel de óleos vegetais ao invés de biodiesel, CONGRESSO BRASILEIRO DE TECNOLOGIA DO BIODIESEL, 2., 2007, Brasília. Anais... Brasília: MCT/ABIPTI, 2007. PARENTE, E. J. S. Biodiesel: uma aventura tecnológica num país engraçado. Fortaleza: Tecbio, 2003. 68 p. PIMENTEL, M. F.; RIBEIRO, G. M. G. S.; CRUZ, R. S.; STRAGEVITCH, L.; PACHECO FILHO, J. G. A.; TEIXEIRA, L. S. G Determination of biodiesel content when blended with mineral diesel fuel using infrared spectroscopy and multivariate calibration. Microchemical Journal, v. 82, p. 201-206, 2006. SILVA, G. J. Transporte Óleo vegetal no motor. O Carreteiro, v. 392, p 14-17, 2007.
Tabela 1. Análises físico-químicas de Diesel, biodiesel (B100), óleos in natura e misturas de Diesel com biodiesel e com óleos vegetais nas proporções de 2, 3, 5, 8, 10 e 20%. AMOSTRA ACIDEZ mg KOH/g CORROSIVIDADE AO COBRE VISCOSIDADE A 40 C mm 2 /s VISCOSIDADE A 60 0 C mm 2 /s Diesel 100% (D100) Biodiesel 100% (B100) 0,15 0,28 1 1 3,6 4,4 2,4 3,0 Fritura 100% (F100) 2,4 1 34,8 18,8 Mamona 100% (M100) 18,2 1 258,3 86,7 Algodão 100% (A100) 7,4 1 36,4 19,6 Biodiesel 2% (B2) 0,32 1 3,9 2,7 Fritura 2% (F2) 0,36 1 3,9 2,7 Mamona 2% (M2) 0,45 1 3,6 2,5 Algodão 2% (A2) 0,17 1 3,5 2,4 Biodiesel 3% (B3) 0,34 1 4,0 2,6 Fritura 3% (F3) 0,41 1 4,1 2,8 Mamona 3% (M3) 0,50 1 3,7 2,4 Algodão 3% (A3) 0,27 1 3,7 2,6 Biodiesel 5% (B5) 0,17 1 3,6 2,4 Fritura 5% (F5) 0,46 1 4,2 2,8 Mamona 5% (M5) 0,79 1 3,9 2,6 Algodão 5% (A5) 0,35 1 3,8 2,6 Biodiesel 8% (B8) 0,32 1 3,8 2,6 Fritura 8% (F8) 0,34 1 4,2 2,8 Mamona 8% (M8) 0,91 1 Não repetitivo Não repetitivo Algodão 8% (A8) 0,97 1 4,5 2,9 Biodiesel 10% (B10) 0,32 1 3,8 2,6 Fritura 10% (F10) 0,34 1 4,4 3,0 Mamona 10% (M10) 0,99 1 Não repetitivo Não repetitivo Algodão 10% (A10) 1,17 1 4,8 3,1 Biodiesel 20% (B20) 0,34 1 3,8 2,7 Fritura 20% (F20) 0,64 1 5,6 3,7 Mamona 20% (M20) 1,07 1 Não repetitivo Não repetitivo Algodão 20% (A20) 1,64 1 5,9 3,8 Figura 1. Miscibilidade de misturas de Diesel com biodiesel e com óleos vegetais nas proporções de 5, 8 e 20% (superior: Diesel, biodiesel, B5, B8 B20 e inferior: M5, M8, M20, A5, A8, A20, F5, F8 e F20).