CONHECIMENTO TRADICIONAL DA UTILIZAÇÃO DE ARGILA E CINZAS DE CARVÃO VEGETAL NA PRODUÇÃO DE COMPÓSITO CIMENTO POR MORADORES DO INTERIOR DO PARÁ A. P. Oliveira, W. R. P. Coelho, J. M. H. de Souza Universidade Federal do Pará - Campus Ananindeua, BR 316 Levilândia, PA Conjunto Carneirinho - Rua T04, Quadra 7, nº 17 Parque Verde 66625-295, Belém/PA - Brasil dripimentel18@gmail.com RESUMO Com a intenção de criar novas alternativas em produzir um cimento não poluente foi possível abordar dois materiais: argila e cinzas de carvão vegetal, materiais que podem ser utilizados com responsabilidade ambiental, já que o cimento industrial gera impactos ambientais e sociais. Este trabalho apresenta o desenvolvimento de um compósito cimento produzido com cinzas do carvão vegetal e argila, sendo as cinzas provenientes do fogão a lenha de habitantes na vila de Bacuriteua, em Santarém Novo, no estado do Pará. Um compósito cimento com produção barata e que visa como alternativa o uso para a indústria da construção civil. Na produção utilizou-se 487g de cinzas as quais foram secas em temperatura de 105ºC. Os resultados obtidos mostraram a durabilidade do material coerente com o cimento industrial, além do mais não é poluente, chegando a uma possível aplicação em maior escala e apresentando custo-benefício favorável para o setor da construção civil. Palavras-chave: Compósito cimento, novas alternativas, produção artesanal. 3332
INTRODUÇÃO O cimento produzido pelas indústrias causa impactos ambientais, devido ao calcário e a argila que são bases extraídas da natureza. O processo de extração do calcário ocasiona desmoronamentos e erosões por causa das vibrações provocadas no terreno ou pelo abandono de pedreiras que foram exploradas, além do mais emitem gases poluentes. A poluição atmosférica resulta da emissão de gases poluentes ou de partículas sólidas na atmosfera, e pode provocar degradação de ambientais naturais e graves problemas a saúde de seres vivos, como doenças respiratórias (MAURY; BLUMENSCHEIN, 2012) (1). O cimento alternativo não ocasiona grandes impactos ambientais pois não há maneiras agressivas de retirar o material para produzi-lo e a quantidade utilizada nas construções de residências na região rural é considerada de pequena escala. A argila ou barro amarelo que está presente na constituição do compósito cimento é encontrada debaixo d aterra, necessitando apenas escavar e logo poderá ser encontrado. As cinzas são oriundas do carvão vegetal utilizado no fogão a lenha, uma prática comum nas localidades distantes da cidade para necessidades básicas como cozinhar. A descoberta desse compósito foi encontrada na vila de Bacuriteua, localizada no munícipio de Santarém Novo no Estado do Pará. Uma moradora da vila, senhora Maria Feliciana dos Santos teve a ideia de desenvolver um produto semelhante ao cimento comum logo após sua residência desabar devido a uma forte chuva na localidade em 2002, sendo assim construiu sua casa utilizando o material. As pesquisas também foram baseadas em uma entrevista realizada com esta moradora, que por ventura, a mesma pretende passar esta ideia adiante. MATERIAIS E MÉTODOS Os materiais utilizados para a produção desse compósito foram: 500ml de água, estufa, potes plásticos e peneira de 200 mesh. Inicialmente, a argila e as cinzas foram pesadas, e logo foi utilizado 487g de cinzas do carvão vegetal, conforme as figuras 1 e 2, respectivamente, este foi seco na estufa a uma temperatura de 105ºC, a quantidade de cinzas após a secagem foi 3333
242, 5g de material passante e 244, 5g de material retido numa peneira de 200 mesh. Figura 1- Amostra de argila, popularmente conhecida como barro amarelo. Fonte: Autores (2018) Figura 2- Cinzas do carvão vegetal antes de ser peneirado. Fonte: Autores (2018) Conforme a figura 3 o material passante foi misturado com 300g de argila, com auxilio uma colher de pedreiro. Por fim adicionou-se 500 ml de água e a mistura final obteve a consistência esperada, semelhante a consistência do cimento industrial, observado na figura 4. Figura 3- Processo de mistura das cinzas com argila. Fonte: Autores (2018) 3334
Figura 4- Cinzas do carvão vegetal e argila misturadas com água já na fase de consistência. Fonte: Autores (2018) RESULTADOS E DICUSSÃO As cinzas foram levadas até a estufa por 24hs em temperatura de 105ºC, nesse período foi observado que o tempo e a temperatura foram essenciais para manter as cinzas em equilíbrio térmico. Logo após a peneiração, houve somente o uso das cinzas passantes, o material retido não foi utilizado para que não ocorresse a formação de pequenas boletas na mistura, pois o esperado é um material homogêneo, com a consistência de uma pasta semelhante ao cimento comum. Devido a essas observações, assim que se misturou com água o cimento alternativo apresentou uma mistura consistente como o esperado e logo endureceu comparado ao cimento industrial. Conforme a figura 5, mostra elevados teores de SiO2, Al2O3 e CaO de acordo com Mendes et al (1982) (2) e Assis et al (1982) (3) os quais analisaram as cinzas do carvão vegetal bruto produzido em 27 fornadas e do carvão vegetal bruto consumido pelo Alto-Forno #2 da Acesita. 3335
Figura 5 Análise química do carvão vegetal bruto de 27 fornadas (a) e do carvão vegetal do Alto-Forno #2 da Acesita Fonte: Mendes et al (1982) e Assis et al (1982). Estão em destaque alguns elementos como a sílica que é o principal constituinte do precursor geopolimérico e, portanto, em maior quantidade tem-se melhor resistência mecânica, desde que esteja disponível na forma de sílica reativa (FERNÁNDEZ-JIMÉNEZ; PALOMO, 2003) (4). Outro óxido que merece ser ressaltado é a cal e CaO, o cálcio presente na mistura pode reagir com os silicatos e aluminatos, paralelamente à formação do gel, formando silicatos de cálcio hidratados e aluminatos de cálcio, parecidos aos encontrados na pasta hidratada de cimento Portland, e podem contribuir no desenvolvimento de maiores resistências. Porém, ainda não existe concordância sobre sua ação na resistência do geopolímero, pois o excesso de cálcio interfere negativamente na polimerização (HARDJITO; RANGAN, 2005) (5). Compostos com capacidade de presa, isto é que atuam como cimento em agregados. Toda via o alto teor destes componentes, é notável o geopolímero, obtido da policondensação, ou polimerização inorgânica, de minerais aluminossilicatos em ambiente altamente alcalino. Tal processo permite transformar estruturas vítreas em 3336
compósitos compactos com propriedades cimentantes (PALOMO; GRUTZECK; BLANCO, 1999) (6). CIMENTO ALTERNATIVO COMO RECURSO SOCIAL O projeto visa desenvolver um compósito que pode ser utilizado como material de construção o qual não polua o meio ambiente já que os materiais são encontrados na natureza abundantemente, tornando assim um produto com formas sustentáveis de obtenção. Através do projeto inicial e com as pesquisas na vila de Bacuriteua em Santarém Novo no Estado do Pará, foi possível acarretar uma gama de conhecimento, dessa forma podemos mostrar que é viável a substituição do cimento comum pelo compósito, sendo perceptível a grande utilidade e vantagens do mesmo. Esse projeto é um recurso para ser usado em pequenas construções nessa localidade e em outras localidades distantes, que quando é necessário fazer algum tipo de obra ou reforma e não haja locomoção das pessoas até a cidade próxima, pois muitos não têm a facilidade de acesso a lojas de materiais de construção ou não têm recursos financeiros para comprar uma saca de cimento equivalente no mercado atual no valor de R$40,00. Além disso, por ter os materiais para a produção de fácil acesso, é possível reduzir os poluentes no meio ambiente, pois o mesmo também será útil como adubo em hortas, ou seja, há diversas possibilidades de uso do produto e por esse motivo a viabilidade dele é maior. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL Não podemos deixar de abordar nossa responsabilidade ambiental em um projeto de cunho técnico cientifico, estamos acompanhando os estudos desenvolvido com o intuito de reduzir os danos causados à natureza. Com a criação e desenvolvimento deste projeto, estamos contribuindo de forma responsável com um produto não agressivo ao meio ambiente e que se for investido possa gerar lucro para a população da vila de Bacuriteua, Santarém Novo/PA pelo fato de ser um produto de uso sustentável e por apresentar seus componentes que podem ser encontrados abundantemente e de forma responsável na natureza. 3337
CONCLUSÃO A escolha desse tema foi para expandir as poucas pesquisas envolvendo dois ingredientes ricos na natureza; a argila e as cinzas do carvão vegetal, que normalmente sobra de guseiras, e uso rotineiro de fogão a lenha. O que se deu em um projeto que não agrida o ambiente e seja favorável a algumas aplicabilidades, entre elas o uso do produto como adubo em hortas, ou seja, inova-lo, e que a partir dessas inovações colocou todos os envolvidos no projeto um desafio para abordar de forma cientifica. Além do mais, incentivar a prática sustentável e ampliar o conhecimento de pessoas que moram em nossa região, gerando com isso formas sustentáveis de produtos não poluentes e vantajosos. Dessa forma estamos cumprindo a proposta do projeto, a criação deste compósito e a responsabilidade ambiental para tal comunidade, foi um projeto que nos trouxe enriquecimento de conhecimento pessoal e coletivo e podemos contribuir de forma positiva através de nossos estudos. AGRADECIMENTOS À senhora Maria Feliciana pelo apoio e confiança, em especial, pois ela é avó de Adriane Pimentel uma das autoras e então não poderão faltar agradecimentos e carinho a ela. Aos colegas, pois nesta jornada ficamos unidos aos nãos recebidos durante o projeto. 3338
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. MAURY. M.B; BLUMENSCHEIN. R.N. Produção de cimento: Impactos a saúde e ao meio ambiente. Sustentabilidade em Debate, Brasília, v.3, n.1, p. 75-96, 2012. 2. MENDES, M. G.; GOMES, P. A.; OLIVEIRA, J. B. 1982. Propriedades e Controle de Qualidade do Carvão Vegetal. Produção e Utilização de Carvão Vegetal. Série Publicações Técnicas. Belo Horizonte, Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais CETEC, volume 2, p. 77-89. 3. ASSIS, P. S.; MARINHO, L. Z. A.; PORTO, F. M. 1982. Utilização do Carvão Vegetal na Siderurgia. Produção e Utilização de Carvão Vegetal. Série Publicações Técnicas. Belo Horizonte, Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais CETEC, volume 2, p. 281-318. 4. FERNÁNDEZ-JIMÉNEZ, A.; PALOMO, A. Characterisation of Fly Ashes: potential reactivity as alkaline cements. Fuel, v. 82, n. 18, p. 2259-2265, 2003. 5. HARDJITO, B.; RANGAN, B. V. Development and Properties of Low-Calcium Fly Ash-Based Geopolymer Concrete. Research Report GC1. Faculty of Engineering, Curtin University of Technology. Perth, Australia, 2005. 6. PALOMO, A.; GRUTZECK, M. W.; BLANCO, M. T. Alkali-activated fly ashes: A cement for the future. Cement and Concrete Research, v. 29, p. 1323-1329, 1999. 7. LIMA, André Barbosa de. O processo produtivo do cimento portland. 2011. 38 f. Monografia (Especialização) Curso de Especialização em Engenharia de Recursos Minerais, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. 8. BRAGANÇA. S.R; ZIMMER. A; SANTOS. L.A; BERGMANN. C.P. Utilização da argila e da cinza de candiota em refratários densos. In: 49º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2005, São Pedro. Anais. São Paulo, 2005. 3339
TRADITIONAL KNOWLEDGE OF THE USE OF CLAY AND ASH OF COAL OF THE VEGETABLE COAL IN THE PRODUCTION OF ALTERNATIVE CEMENT IN THE INTERIOR OF PARÁ ABSTRACT With the intention of creating new alternatives to produce a non-polluting cement, it was possible to approach two materials: clay and charcoal ashes, materials that can be used with environmental responsibility, since industrial cement generates environmental and social impacts. This work presents the development of a composite cement produced with ash from charcoal and clay, and the ashes from the wood stove of inhabitants in the village of Bacuriteua, in Santarém Novo, in the state of Pará. A composite cement with cheap production and is an alternative use for the construction industry. In the production, 487g of ash were used which were dried at 105ºC. The results obtained showed the durability of the material consistent with the industrial cement, in addition it is not polluting, reaching a possible application on a larger scale and presenting a favorable cost-benefit for the civil construction sector. Key-words: Cement composite, New alternatives, Artisanal production. 3340