A saúde como direito de todos



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170 A saúde como direito de todos Juliana Grillo El-Jaick 1 A Constituição da República de 1988 garante a todos os cidadãos o direito à saúde, elencando-a em vários dispositivos constitucionais, nos quais se prescreve que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Em se tratando de normas constitucionais protetivas e efetivadoras do direito à saúde, o Título VIII, da Constituição Federal de 1988, intitulado Da Ordem Social, o qual, em seu capítulo II, Seção II, trata de forma específica da saúde, iniciando-se com o art. 196, o qual dispõe: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Entretanto, após todo o tempo decorrido da promulgação da CF, a saúde padece de enfermidades profundas, eis que esse direito fundamental ainda não alcançou a total efetivação prevista nos ditames constitucionais. Em outras palavras: não obstante o direito à saúde ser previsto constitucionalmente, as estatísticas referentes ao tema mostram a omissão e ineficiência do poder público. A esse respeito, não se pode esquecer que, na esfera jurídica, o direito à saúde se consubstancia como forma indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais, demonstrando-se, por conta disto, a absoluta imposição constitucional de o Estado garantir a todos e, portanto, a qualquer um indiscriminadamente o acesso a tudo que se encontra relacionado à saúde, de modo a não poder abster-se de forma alguma a cumprir tal mister. Ademais, deve-se ter em mente que, conforme impõe o art. 5º, 1 Juíza de Direito da 10ª Vara Cível de Niterói.

Série Aperfeiçoamento de Magistrados 6 Judicialização da Saúde - Parte I 171 1º, da nossa Magna Carta, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, afastada qualquer aplicação reducionista de tal direito fundamental. O fato é de que o Estado deve atuar positivamente na consecução de políticas que visem à efetivação do direito à saúde; no entanto, há uma gama de barreiras burocráticas, econômicas e políticas que emperram a efetiva aplicação do referido direito. Neste aspecto, insta ressaltar que acaso não seja o referido direito implementado pelos Poderes Executivo e Legislativo, caberá ao Poder Judiciário fazê-lo, sempre que provocado, sem que isso implique ofensa ao princípio da harmonia dos poderes, vez que o texto constitucional garantiu expressamente em seu artigo 2º, o princípio dos freios e contrapesos, de modo que tal atitude não demonstra intervenção de um Poder em outro, mas fortalecimento da democracia, através da implementação de um direito constitucionalmente assegurado. Por derradeiro, para que o Poder Judiciário possa implementar tais direitos, cabe-lhe lançar mão de meios processuais adequados, dentre os quais se pode destacar a multa, pelo não cumprimento de suas decisões ou pelo seu cumprimento tardio, bem como o bloqueio de verbas públicas, de modo a assegurar, de forma contundente, a Supremacia da Constituição. O USUÁRIO DE PLANO DE SAÚDE COMO CONSUMIDOR É inegável que o usuário de plano de saúde é um consumidor, titular dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990). Isso decorre da combinação dos artigos 2º e 3º do CDC, posto que o usuário é pessoa física que adquire e utiliza serviço como destinatário final (art. 2º do CDC), e o plano de saúde é pessoa jurídica de direito privado, que desenvolve atividade de comercialização e de prestação de serviço (art. 3º do CDC). A própria legislação específica em relação à saúde suplementar prevê a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde, de forma subsidiária. Aliás, a própria Lei 9.656/98 indica no art. 35-G que se aplicam subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de planos privados

172 de saúde as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Por se tratarem de normas protetivas do consumidor, a subsidiariedade consiste na agregação dos direitos garantidos pelo CDC aos já previstos na legislação específica. Pelo direito à informação, que decorre do inciso III do art. 6º do CDC, o usuário do plano de saúde tem direito, quando da contratação, a todas as informações sobre seus direitos e deveres, o que deve compreender, dentre outros, os procedimentos cobertos, a forma para solicitar procedimentos e consultas e a forma para reclamar seus direitos perante a própria empresa. Ainda, a Resolução 08/1998 do Conselho Nacional de Saúde Suplementar CONSU, através do art. 4º, impôs às operadoras de planos de saúde o dever de fornecer ao consumidor laudo circunstanciado, quando solicitado, bem como cópia de toda a documentação relativa às questões de impasse que possam surgir no curso do contrato (...). Por meio da Lei 9.961/2000, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, entidade autárquica, cuja função é regulamentar e fiscalizar o desenvolvimento das atividades do setor. Essa intervenção se fez necessária porque a maioria dos contratos celebrados na área de saúde são de consumo e o consumidor estava desprotegido, pois era obrigado a contratar por ser tratar de serviço de natureza pública e essencial, submetendo-se, em muitos casos, à imposição de cláusulas abusivas impostas em seu desfavor, dificultando-lhe a prestação dos serviços contratados (...). 2 A ANS mantém postos em praticamente todos os Estados, para atender às demandas dos consumidores dos planos de saúde e fiscalizar a atividade das operadoras, inclusive aplicando sanções, quando necessário. Quando o direito do consumidor dos planos de saúde não é respeitado, 2 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de direito do consumidor. Barueri: Manole, 2006, p. 424.

Série Aperfeiçoamento de Magistrados 6 Judicialização da Saúde - Parte I 173 nem solucionado administrativamente, o mais comum é propor ação para o cumprimento do contrato, pleiteando que o juiz determine a autorização que foi negada. Entre as características dos empreendimentos tipicamente mutualistas podem ser mencionadas: a retenção do risco, a homogeneidade das coberturas, mecanismos de financiamento mais solidários para o pagamento dos prêmios e coberturas mais amplas. A utilização da lógica atuarial para o cálculo das prestações dos planos e uma seleção de riscos mais rigorosa, por sua vez, são atributos inerentes ao subsegmento securitário. Sob a ótica dos técnicos de gestão de riscos, a autogestão é recomendada apenas para estabelecimentos empresariais de grande porte. De acordo com a lei dos grandes números, as variações no risco de despesas assistenciais são menos intensas para um determinado patamar de pessoas cobertas. Contudo, as estratégias de determinados segmentos socioocupacionais, especialmente do setor público, para obtenção de acesso a uma assistência diferenciada subvertem o receituário econômico-atuarial. O subsegmento comercial está integrado por aproximadamente 1.200 empresas 800 empresas de medicina de grupo, 360 cooperativas médicas e 30 seguradoras e responde pela cobertura de 2/3 do total de clientes do mercado de planos de saúde. As Unimed s possuem 25% dos clientes de planos de saúde e se organizaram a partir da iniciativa de médicos, em oposição às ameaças de perda da autonomia da prática médica e mercantilização da medicina, que optaram por se associar a entidades mais afeitas a preservação dos cânones liberais. Todas as operadoras de grande porte do segmento comercial disponibilizam ao mercado um elenco CE planos coletivos e individuais, de tipo executivo, intermediário e básico. Contudo apenas três medicinas de grupo, três cooperativas e quatro seguradoras possuem acima de 300.000 clientes. A grande maioria das medicinas de grupo e Unimed s têm pequeno porte e propiciam coberturas contratualmente homogêneas, através de redes de serviços bastante diferenciadas e localizadas. Mais que 60% dos planos de saúde registrados pela ANS restringem as coberturas para um único município (11%) ou a um grupo de cidades vizinhas (51%).

174 OS IDOSOS E OS PLANOS DE SAÚDE Os idosos, entendidos como pessoas que têm mais de sessenta anos de idade, são os consumidores mais prejudicados por uma série de fatores. Primeiro porque, em regra, precisam utilizar mais o plano, sendo que os problemas costumam surgir quando a necessidade se manifesta. Segundo, porque têm eles muitas dificuldades em trocar de plano, em razão da idade, o que lhes retira parcela significativa da liberdade de escolha. Terceiro, porque, não raro, são portadores de doenças crônicas que, por serem consideradas preexistentes, acabam sendo abrangidas por carências e justificando a não cobertura de gastos. Em função dessas dificuldades extras os consumidores idosos têm também a proteção extra do Estatuto do Idoso, Lei nº 10741, de 1º de outubro de 2003, que, reconhecendo a hipossuficiência do idoso, trouxe algumas consequências aos planos de assistência à saúde, dentre elas a mudança de faixas etárias estabelecidas nos contratos de prestação de serviços com operadoras de planos de saúde e vedações de reajuste das mensalidades de planos de assistência à saúde quando o beneficiário possuir 60 (sessenta) anos ou mais. As operadoras de planos de saúde, como já disposto, são reguladas e fiscalizadas pela ANS Agência Nacional de Saúde, autarquia especial da União, por meio de suas resoluções e instrumentos competentes. Referidas resoluções são direcionadas pela Lei n 9.656/98, que dispõe sobre os planos de saúde, e de forma subsidiária, pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme estabelece o artigo 35G da mesma lei. Importante ressaltar que, atualmente, a Lei n 9.656/98, bem como as resoluções publicadas pela ANS regulamentam tão somente os contratos de planos de saúde firmados a partir de 01 de janeiro de 1999, data da vigência da lei ou contratos adaptados à essa lei. Os contratos firmados antes da vigência da Lei n 9.656/98 (01.01.99) eram regulados pela ANS, conforme previsão do artigo 35 E:

Série Aperfeiçoamento de Magistrados 6 Judicialização da Saúde - Parte I 175 Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados anteriormente à data de vigência desta Lei que: I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS; II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regulamentação da matéria pela ANS; III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos de que tratam o inciso I e o 1º do art. 1º desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei; Tal dispositivo traz inovações no âmbito da assistência à saúde, confrontando-se com a Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e suas normas complementares, que autoriza os planos de saúde a cobrar mensalidades distintas, em função da idade distribuída em 7 (sete) faixas, correspondendo o valor da última faixa em até 6 (seis) vezes o valor da primeira. O Supremo Tribunal Federal definiu pela não retroatividade da Lei 9.656/98, o que anula os benefícios previstos no parágrafo 3º do artigo 15 do Estatuto do Idoso para aquelas pessoas que sejam beneficiárias de planos antigos. Ainda assim, a irretroatividade apreciada pelo STF foi quanto à Lei 9.656/98, e não quanto ao Estatuto do Idoso. O teto de cobrança em até seis vezes da mensalidade da última faixa, em relação à primeira, foi uma conquista do consumidor, para impedir os abusos que as operadoras de plano de saúde cometiam, assim como a garantia legal de um plano-referência, sem limites de consultas, exames ou internações. São benefícios que protegem a vida do hipossuficiente na relação consumerista.

176 O mesmo pensamento se aplica ao impedimento de reajuste das mensalidades por mudança de faixa para aqueles usuários que completam 60 (sessenta) anos, com mais de 10 (dez) anos no plano de saúde. Este direito se fulcra, principalmente, na compensação do montante pago pelo consumidor (mínimo de 120 mensalidades), que estabelece o equilíbrio contratual em qualquer cálculo atuarial realizado pela operadora de plano de saúde. Em ações judiciais, como é comum às leis de proteção ao hipossuficiente nas diversas relações jurídicas (ECA, CDC, CLT, EI, etc), as normas deverão ser interpretadas de forma que beneficie o lado mais fraco da relação. Reforce-se que a aplicação do Estatuto do Idoso não é apenas uma questão legal, mas também moral. As mensalidades cobradas na última faixa (acima de 70 anos), em regra, são extremamente altas. Alegam os planos de saúde, com certa razão, que reduzir os preços dos idosos poderia representar aumento para as faixas mais jovens, uma vez que os custos médico-hospitalares permaneceriam os mesmos. Aliás, esse anelante equilíbrio contratual é discussão antiga das operadoras, que suportam o ônus da desinformação dos usuários e da ambição de alguns profissionais de saúde. Entretanto, existem alternativas que podem viabilizar o direito do idoso, sem onerar em demasia o contrato. Exemplos, até praticados por alguns planos de saúde, são a adoção de uma rede referenciada, negociando os valores da prestação de serviços; acompanhamento eficaz do consumo do usuário; investimento em sensibilização e motivação do usuário, conscientizando-o da importância de uma utilização responsável; cobrança ao Estado de órteses e próteses cobertas pelos planos de saúde em função da gratuidade insculpida no 2º do artigo 15 do EI, entre outras medidas que mitigam, em médio e longo prazo, o impacto nas contas. Por certo, outras alternativas serão propostas para se concilie o direito à prática, garantindo perenidade para as operadoras e uma assistência à saúde digna e viável para os maiores idosos.