1 CONHECENDO AS MÃES DA PRAÇA DE MAIO: ENSAIO DO PERFIL DA ASSOCIAÇÃO. Natasha Dias Castelli 1 Universidade Federal de Pelotas natasha.dias.castelli@hotmail.com Resumo: O presente trabalho busca, através de fontes secundárias e o auxílio bibliográfico (majoritariamente argentino), ensaiar o perfil da associação civil Madres de Plaza de Mayo sob aspectos políticos e socioeconômicos: qual o envolvimento e experiência política destas mulheres, também analisar a procedência social das mesmas. Ainda visa desenvolver a questão da influência da condição materna na construção da imagem do grupo e no trabalho do mesmo. Palavras Chaves: Argentina - Ditadura civil militar - Madres de Plaza de Mayo. Este trabalho incorpora e retoma temas já abordados em meu Trabalho de Conclusão de Curso que se propunha a realizar uma pesquisa mais ampla traçando um perfil (socioeconômico e político) sobre as integrantes da Associação Civil Madres de Plaza de Mayo. Este é um pequeno e primeiro passo, bastante introdutório. Inicialmente é preciso destacar algumas obras de maior importância para o desenvolvimento desta pesquisa; como as do advogado e jornalista argentino Ulisses Gorini (2006; 2008) que possui considerável produção sobre a Associação Madres de Plaza de Mayo. Especialista em direitos humanos, Gorini tem acesso a uma série de documentos dos arquivos da Associação e também depoimentos das mães envolvidas em todo o processo de construção do grupo. Através destas obras foi possível observar depoimentos das Madres, reproduções de documentos referentes à associação, fotografias e fazer uma breve análise sobre o perfil do grupo. Evidencio aqui que a escolha das obras deste escritor deve-se principalmente pelo acesso a esta documentação. Para construir a discussão acerca da influência da maternidade, as principais autoras escolhidas foram Elisabeth Badinter (1985) e Ana Maria Colling (1997). Ainda é imprescindível citar as revistas produzidas pela Fundação da Associação: Sueños Compartidos que retratam a utilização constante da socialização da maternidade, termo este bastante utilizado pelas Madres e que de certa forma despertou interesse também para 1 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pelotas.
2 a pesquisa. Essa é identificada como a exposição e o compartilhamento do sentimento da maternidade com todos, dentro e fora do contexto da família de sangue, abrangendo a sociedade em geral. Um exemplo muito claro deste processo é a utilização de vocabulário próprio da condição materna para falar de assuntos dos mais variados. Introdução: breve contextualização do movimento Madres de Plaza de Mayo. Conhecida por vivenciar um dos mais violentos e cruéis regimes civil militares (1976-1983) da América Latina, a Argentina foi marcada pelo número abusivo de desaparecimentos forçados, em contraponto às outras particularidades relevantes em outros regimes ditatoriais do Cone Sul, certamente não foi um caso isolado, mas, infelizmente tem o regime mais lembrado pelos desaparecimentos os números são assustadores e emblemáticos. Esta particularidade foi imprescindível para o surgimento de muitas organizações de luta pelos direitos humanos, os grupos formados por familiares de desaparecidos, bem como, as Mães. As mães de desaparecidos tiveram talvez a maior representatividade, em se tratando de movimentos de luta pelos direitos humanos e por resposta aos crimes cometidos. Participavam de grupos de familiares de desaparecidos, porém, acabaram construindo seus próprios caminhos e bandeiras por que lutar, constituindo-se num eficaz meio de resistência ao modelo político. As Madres de Plaza de Mayo ficaram internacionalmente conhecidas por suas intervenções distintas em meio ao espaço público e diante do governo repressor, alcançaram notoriedade e respeito, tornaram-se ameaça a ordem vigente e protagonizaram a primeira manifestação pública contra a ditadura militar. (TACCA, 2009.) A data de criação do grupo foi convencionada no dia da primeira intervenção organizada das mães na Praça de Maio, a primeira de muitas, três décadas depois o processo ainda se repete, todas as quintas-feiras às 15h30 lá estão elas. No ano em que o regime ascende - 1976, as mães destes desaparecidos (até mesmo anteriormente ao golpe) 2 inconformadas, agiam individualmente buscando informações 2 Segundo Marcos Ribeiro, anteriormente ao golpe, durante o terceiro governo de Perón (1973-1976) a extrema direita já se organizava clandestinamente (longe da legalidade) com grupos paramilitares que agiam com o aval do governo. A Triplo A, Alianza Anticomunista Argentina, foi articulada sob coordenação do Ministério do Bem Estar Social e era formada por militantes de órgãos políticos do peronismo, civis, e também pela direita católica. Com a incumbência de desarticular as forças políticas de esquerda
3 sobre seus filhos em diferentes instâncias governamentais. Com o tempo, passaram a se conhecer pelo constante encontro, trocar informações e por fim, organizar-se em revide aos graves acontecimentos que violavam todas e quaisquer possibilidades de Direitos Humanos. Algumas delas, em fevereiro de 1976, se reuniam com outros familiares de desaparecidos que coordenavam atividades conjuntas, este grupo posteriormente transformou-se em Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Políticas. As reuniões em grupo, com os familiares de desaparecidos, passaram a incomodar muitas mães; havia uma comissão para tratar de assuntos coletivos e que acabava intermediando todas as ações. Ainda havia aqueles que discutiam com maior propriedade, gente que tinha suas raízes em movimentos sociais, partidos políticos, eram militantes experientes. As mães acabaram se afastando do grupo e no ano de 1979 decidiram institucionalizar seu movimento próprio que já tinha quase três anos de luta, mesmo que não oficial, afrontando o regime mesmo após o duro incidente do sequestro de algumas mães. A ideia da formalização sugeria proteção, permitia mais do que documentar, admitia maior legitimidade as ações do grupo (sobretudo no âmbito judicial e burocrático) que sofria ameaças constantes. Criar uma associação civil que compartilhasse com outros grupos resistência, informações e lutas, que tivesse maior visibilidade nacional, e até mesmo, internacional, era uma chance de recorrer às Comissões de Direitos Humanos no exterior. O medo de que somente o simbolismo de suas ações fosse apagado pela ditadura também foi relevante. Havia certa resistência por parte dos grupos de familiares que entendiam aquela ação como um separatismo No se trataba de dividir nada ni a nadie sino de presentarse ellas con una identidad propia para que no se diluyera esa forma particular de llevar adelante el reclamo. (GORINI, 2006: 317) Conforme o grupo se consolidava legalmente, a associação crescia, eram mães simpatizantes e que aderiram ao movimento por todo o país, não apenas em Buenos Aires e região, muitas do interior também, fortalecendo a legião de familiares cujos parentes estavam desaparecidos. Com maior número de participantes, iniciaram as dissidências dentro do grupo, ainda mais no período de quase redemocratização, durante o governo de Raul Alfonsín (1983-1989). A luta das Madres aparentemente ganhava algumas contradições internas; um pequeno grupo com algumas Madres começou a se opor aos métodos do grande grupo e inclusive das decisões da presidente Hebe De Bonafini. Afirmavam que, o que estava ocorrendo era uma disputa política que a luta inicial por seus e impedir a participação popular na política argentina, a ação da Triplo A foi conhecida como laboratório do Terrorismo de Estado. O período foi altamente repressivo, Entre as ações de repressão perpetradas pela Triplo A está o saldo de aproximadamente 1.000 (mil) mortes oficializadas entre os anos que compreendem o triênio do terceiro governo peronista [...]. (2009:125)
4 filhos estava desaparecendo. Ainda houve discussões sobre as questões que envolviam a reparação econômica já que as mães pertencentes à associação civil não aceitam a ideia de que seus filhos estejam mortos, eles estão desaparecidos, até que se prove o contrário, e caso seja provada a morte, deverão ser tomadas as medidas cabíveis em relação à mesma. Logo, elas não podem e não querem receber as indenizações. As divergências do grupo que resultaram na formação de outro movimento conhecido como Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora e já foram tratadas como uma disputa de classes pela Asociación Madres de Plaza de Mayo. Segundo essas, as mães que se retiraram do grupo inicial reproduziam lutas da burguesia, e a divisão do grupo era explicada de forma mais fiel, se interpretada pelo viés da luta de classes. 3 Os resultados e conclusões que a pesquisa visa são inteiramente construídos em cima do grupo que constitui a Associação Mães da Praça de Maio, apenas citando e incorporando a Linha Fundadora quando necessário para compreensão do contexto. A relevância do status materno na luta deste grupo Trabalhando com esta temática foi notório que a representatividade do papel da mãe, mesmo para a ideologia do regime militar, causava certo desconforto, e ainda dificuldade no sentido de legitimar a contenção do grupo. É imprescindível trabalhar com alguns detalhes que esta relação mães x ditadura proporciona, a autora Ana Maria Colling trata da relevância que a figura materna assume frente a este contexto [...] os agentes repressores tem mães, o que deve ter algum significado moral e ético. Não é um advogado ou uma liderança política que está reivindicando a liberdade de um prisioneiro: é uma mãe [...] (COLLING, 1997:67). A instituição materna é tomada por associações religiosas, morais, educacionais, culturais... que neste caso, ultrapassam a relação de autoritarismo criada entre repressor e reprimido. A figura materna como conhecemos, que protege sua ninhada sob qualquer circunstância advém do núcleo familiar burguês na sociedade do século XVIII. Elisabeth Badinter trabalha com a questão dos papéis assumidos pelos membros de uma família (no seu sentido mais clássico com figura materna de filho legítimo - paterna e dos filhos) de acordo com os valores atribuídos pelas sociedades a cada membro familiar, sua relevância é mais ou menos destacável. 3 A separação do grupo em dois novos movimentos não será amplamente discutida por não caracterizar-se como foco da pesquisa.
5 Por exemplo, em sociedades latinas, que tem traços culturais fortemente embasados nos valores religiosos (cristãos, católicos em sua maioria), a figura da família constitui uma estrutura vital, e a imagem da mãe é fortemente associada à base familiar. A constituição argentina garante liberdade religiosa, contudo, obriga o governo a apoiar o catolicismo romano. Até 1994 o presidente deveria ser católico romano, caso não o fosse deveria se converter como pré-requisito para concorrer à presidência. Logo, sob esta ótica de influencia extremada da religiosidade, é perceptível que legadas à criação, educação de seus filhos, as mulheres argentinas e latinas, de uma forma geral, assumem a postura materna com veemência. O universo da religiosidade também é bastante presente na formação do grupo, a maioria das Madres se assumem como devotas e inclusive identificam-se em sua escritura constitutiva, Creyentes o no, adherimos a los princípios de la moral judeo-cristiana. Rechazamos la injusticia, la opresión, la tortura, el asesinato, los secuestros [...] la persecución por motivos religiosos, raciales, ideológicos o políticos (Copia da escritura em arquivo do autor. Original no Arquivo Histórico da Associação Madres de Plaza de Mayo apud GORINI, 2006:316) Laura Rossi afirma que essas mulheres aprenderam a se posicionar como a classe dominante defendendo seus filhos e inclusive correndo riscos por eles, e que exatamente por se posicionar desta forma, acabavam se vinculando às representações maternas dominantes (das classes dominantes) entrando em choque com o sistema (ROSSI apud GORINI, 2006). A ditadura vinculada às representações das classes dominantes se viu em contradição e com dificuldades de combater o movimento de mulheres que apenas exerciam seu papel de fato e de direito como mães. O questionamento da representação e prática materna foi fundamental para o surgimento do grupo, ocorreu um processo que as próprias Madres chamaram de socialização da maternidade. Esta é notória em praticamente todos os processos desenvolvidos por estas desde sua constituição como agente político na história argentina. Em uma rápida mirada a algumas revistas da Fundación Madres de Plaza de Mayo, Sueños Compartidos, é possível identificar diversos trocadilhos e metáforas a partir desta perspectiva. A chamada na revista para abordar os dez anos da Universidade Popular Madres de Plaza de Mayo é enfática: Una Universidad parida con amor (ZARRANZ, 2009:10). Outro exemplo é o título do caderno especial sobre os projetos da associação: Cortamos el cordón (VÁZQUEZ, 2010:01) referindo-se ao cordão umbilical e a crescente atuação do grupo em diversas áreas. Por fim um panfleto intitulado Especial 24 de marzo, em memória do 34º aniversário do golpe militar traz em letras garrafais: Somos hijas de nuestros hijos (IRAMAIN, 2010:03), difundindo o fato de que as mães surgiram como
6 resposta à desaparição de seus filhos e que sem eles e seu papel político, elas jamais teriam se desenvolvido. A Madre Hebe De Bonafini em entrevista ao Jornal do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro expõe como socializar a maternidade é importante para o grupo à medida que abrange o ideal de suas lutas e bandeiras. À medida que socializamos a maternidade também ampliamos nossa luta. Não ficamos apenas tentando saber quem são os assassinos de nossos filhos. Também acreditamos que os diretos humanos são violados quando uma pessoa não consegue trabalho ou quando uma criança morre de fome. (Jornal do CRP. Rio de Janeiro, 2005, n.8, p.10) Ensaiando o perfil destas mulheres Quando os desaparecimentos iniciaram, é fato que as inexperientes e desorientadas mães de desaparecidos não tinham dimensão do que estava ocorrendo em seu país, muito menos sabiam do grande processo sócio econômico por trás da implementação do regime ditatorial, sequer cogitavam que Videla sabia o que estava acontecendo. [...] Azucena pensaba que Videla no tenía noción de la verdadera dimensión del problema. Por eso se lo teníamos que demonstrar yendo a la Plaza de Mayo y escribiéndole una carta donde le solicitaríamos una entrevista para que viera lo que estaba pasando. (GORINI, 2006: 73) Muitas tinham informações adquiridas apenas através de seus filhos que por vezes eram militantes da esquerda, ou simplesmente habitavam meios sociais em que conviviam com a realidade mascarada da violência. Em depoimento a Ulisses Gorini, elas comentam: En el movimiento de las Madres, no había ninguna que tuviera actuación política, ni alguien que hubiera sido una concejal, por ejemplo; nada (GORINI, 2006: 74). No princípio, até mesmo as Madres tinham ressalva em se considerar um movimento político, não se entendiam desta forma, eram apenas uma resposta imediata, uma resistência ao que vivenciavam. Orgulhavam-se em dizer que a calle (rua, em espanhol) havia lhes ensinado tudo, através das portas fechadas e dos grupos de familiares de desaparecidos (dos quais muitas mães faziam parte) foi possível aprender como se virar e que medidas tomar, inclusive judicialmente. No princípio, (atualmente soa estranho devido seu envolvimento político e
7 partidário, mas na época...) as mães tinham receio de que reunir-se com estes grupos podia reverter o foco da luta, torná-la politizada, influenciada pelos ideais comunistas desvirtuando a real busca pelos filhos. Era notório para elas que naquele ambiente de combate também havia espaço para os que estavam agregando diferentes lutas que faziam parte daquele processo histórico, mas isso poderia prejudicar suas ações, dar outras conotações para suas atitudes que segundo seu ponto de vista, deveriam ser restritas a conjuntura relacionada aos desaparecidos. É importante salientar também que certos contatos políticos poderiam ser perigosos para o grupo, elas poderiam ser associadas como pertencentes a estes grupos clandestinos sendo confundidas e até mesmo sequestradas e presas. [...] No queremos ser instrumentadas ni utilizadas con ninguna finalidade política o ideológica. Lo único que nos une es el dolor de nuestros hijos desaparecidos. Somos únicamente madres de desaparecidos que recorremos angustiosamente los despachos oficiales em procura de ayuda y que nos hemos encontrado, sin organización previa ni posterior alguna, en la Plaza de Mayo. [...] (Carta al señor Ministro del Interior, 26 de deciembre de 1977, en Archivo de la Asociación Madres de Plaza de Mayo. apud GORINI, 2006: 190) Por mais que existissem os casos de Madres com filhos ou familiares militantes da esquerda, não há nenhum indício de que elas tenham tido qualquer envolvimento partidário que as capacitasse à conduzir as atividades do grupo, bem como, articular os interesses comuns aos de determinadas bandeiras políticas. Relembrando o histórico do movimento, ao tratar da época em que houve a cisão do grupo (1985) surgindo a Línea Fundadora, havia sim uma disputa política em questão, por mais que fosse secundária, entre as críticas e o apoio aberto à Alfonsín, as Madres entenderam que por mais que tivessem objetivos comuns, tinham dissidências relevantes. Se ao longo da jornada do movimento houve contatos políticos, aproximações ou separações, essas ocorreram aliadas a outras necessidades, ou escolhas, que surgiam ao longo do processo. O grupo inicial era constituído de mulheres vindas de diferentes classes socioeconômicas, como elas mesmas se intitulam, fuimos mujeres que, desde distintos estratos sociales, dejamos nuestras casa para ir a luchar a la calle. Através de alguns trechos da bibliografia pesquisada foi possível encontrar uma descrição interessante sobre dois exemplos de Madres advindas de diferentes classes. Ulisses Gorini comenta sobre a trajetória de Maria Adela Gard de Antokoletz:
8 Maria Adela provenía de una família tradicional de la localidad bonaerense de San Nicolás, y toda su educación y lo que había aprendido hasta hacía poco tiempo atrás empezaba a tambalear. Entre tantas otras cosas, estaba aprendiendo a perderles el respecto a jueces e secretarios, para los cuales había trabajado desde hacía muchos años como empleada, primero en el Departamento Judicial de San Nicolás, luego en el de San Martín y finalmente en el de San Isidoro. (GORINI, 2006: 74) O outro exemplo, é o da Madre Hebe de Bonafini, ao descrever suas memórias de infância. Ela diz ter nascido no bairro El Dique, relata que suas manhãs eram preenchidas com o serviço de casa, de limpeza e organização. Enfatiza muito o principal prato servido por sua mãe, a sopa, que deixava o odor por toda casa. Seus pais, e as pessoas do bairro em geral, eram operários, Hebe conta como o bairro funcionava segundo as necessidades impostas pelo trabalho (BONAFINI, 2001). Há diferença entre os dois exemplos, por mais que careça de maiores informações e detalhes, é possível demonstrar dois universos distintos, duas mulheres advindas de classes diferentes que acabaram em circunstâncias parecidas perdendo seus filhos. Concretizada a efetivação de dois grupos, a Asociación Madres de Plaza de Mayo e Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora, o relevante em suas diferenças são suas lutas e prioridades, é difícil negar que a Associação tenha bandeiras de luta mais populares. O que fica consideravelmente claro é que o grupo das Madres de Plaza de Mayo se autodenomina popular, no âmbito social, e em geral é associado desta forma. Considerações Finais O mundo ocidental cristão tem em sua cultura, intrinsecamente, a figura materna como intocável, inquestionável, biologicamente amorosa, boa, educadora e fiel. A Argentina tem, e tinha na época da ditadura, um Estado fortemente regido pelos valores cristãos, católicos, é um país cuja religião oficial é o catolicismo e incentiva seu culto, difundindo suas crenças. Este ambiente propício à mistificação materna sediou apropriadamente as reivindicações de direito das mães. A discussão do mito materno, das teorias para o surgimento deste grupo bem como dos relatos reais que desenham aos poucos a constituição do movimento enriquecem a ideia de que, caso o vínculo materno não existisse, seria bastante provável que seu alcance, dimensão, e visibilidade fossem menores, como os próprios movimentos de familiares de desaparecidos. Com relação às questões maternas, é possível afirmar que foram fundamentais
9 para a criação do movimento. É perceptível que quando estas mães adentram o universo político, agregando-se aos grupos de familiares de desaparecidos elas procuram, de certa forma, diferenciar-se, almejam um trabalho próprio que respeite suas demandas e também sua desvinculação partidária, não querem seu nome atribuído a grupos de forças revolucionárias e fortificam sua resistência a partir da identificação do fator comum ao grupo: ser mãe. Muitos dos trabalhos desenvolvidos no início da jornada eram referentes a captação de outras mães que compartilhassem a mesma situação e por mais que o grupo tivesse outros familiares envolvidos o protagonismo sempre foi delas. O fator materno reforçou ainda considerável liberdade de expressão já que nem as forças repressivas sabiam como lidar com tal formação. Excluir o fator materno desta jornada seria indiscutivelmente falho, praticamente impossível, retirar o simbolismo e o peso da maternidade neste caso é como arrancar a principal marca, meio de luta e difusão deste movimento. Não obstante, também é preciso compreender que a permanência por mais de três décadas deste movimento se dá pelo exercício diário de luta destas mães que assumem seus mais diversificados papéis no processo de socialização da maternidade. Já no processo de caracterização do grupo através do perfil, é bastante interessante analisar como as mães pertencentes à Asociación se denominam (com orgulho e inclusive utilizam esta característica em prol das bandeiras de luta do grupo) mulheres de classes sociais inferiores. Em seus depoimentos, entrevistas e declarações públicas é notória a ênfase aos cuidados maternos com setores fragilizados pela sociedade, os grupos de minorias marginalizados pelo sistema capitalista. Foi possível identificar através dos depoimentos de algumas mães que elas advinham de várias camadas sociais e exemplificar isto nas figuras de Hebe e Maria Adela. Contudo, devido a insuficiência de fontes, não foi possível agregar nomes de outras Madres às suas condições socioeconômicas, muito menos foi possível correlacionar que a divisão dessas em: Associação e Linha Fundadora, advém de uma ruptura socioeconômica, uma possível luta de classes, como em alguns momentos o grupo da Associação sugere. Entretanto, há a possibilidade de afirmar que de fato nem todas eram de classe baixa, média ou alta, e sim que correspondiam a diferentes meios. Sua inexperiência política é comprovada nos primeiros anos de estruturação do grupo, e se reflete em seus atos guiados pelo desequilíbrio emocional aliado às suas experiências pessoais de vida e desorientação política. A busca por visibilidade era agregada ao fato de que Videla precisava saber o que estava acontecendo, elas acreditavam que o Estado não tinha noção dos eventos. O máximo contato político, segundo as mesmas, vinha das informações que os filhos passavam. Até mesmo a abordagem de sua
10 luta se dava apenas por meios judiciais, os quais estavam tomados pela política do Estado Terrorista. A noção política partiu da necessidade, do sentimento de perda, das tentativas frustradas por justiça, das lições que a rua ensinava, do processo forçado de politização, de experiência e de militância. De fato é importante expor que devido aos perigos que se apresentavam àqueles que assumiam uma postura política muitas mães, em sua defesa, tiveram que eximir-se de atuar abertamente como agente político. Ainda é válido ressaltar que, em se tratando de um perfil político dos grupos formados a partir da dissidência do movimento das Madres de Plaza de Mayo temos visões opostas sobre o engajamento e a relação com a política. De um lado a Associación Civil Madres de Plaza de Mayo se apresenta como um movimento político e social que atualmente preferem salvar uma criança da fome, da ignorância, da marginalidade do que gastar seu tempo com uma questão que pode ser resolvida pelos advogados. Seu comprometimento é com uma luta ampla, globalizada e que prevê um projeto novo, contrário ao sistema capitalista. Em contrapartida, as Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora acreditam que, como seu nome propõe, a fundação, a origem do movimento é em prol dos desaparecidos forçados e que portanto, essa é sua bandeira, sua pauta, desvirtuar deste propósito é perder o foco, e de certa forma, o sentido de seus longos e intensos anos de reclamo. Bibliografia Geral AO VISITAR o Rio de Janeiro, a presidente das Madres de Plaza de Mayo concedeu entrevista. Jornal do CRP. Rio de Janeiro, 2005, n.8. BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BONAFINI, Hebe de. La convicción de las Madres: La cobardía del enemigo. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones de las Madres de Plaza de Mayo. 2001. 144p. COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à ditadura militar. São Paulo: Record. 1997. CONSTITUTION OF THE ARGENTINE NATION. Disponível em: http://www. argentina.gov.ar/argentina/portal/documentos/constitucion_ingles.pdf> Acesso em: 22 de novembro de 2011. GORINI, Ulisses. La Outra Lucha. Historia de las Madres de Plaza de Mayo.Tomo II
11 (1983-1986) Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2008. 508p. GORINI, Ulisses. La Rebelión de las Madres: Historia de las Madres de Plaza de Mayo. Tomo I (1976 1983). Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2006. 696p. IRAMAIN. Demetrio. Una historia de las Madres de Plaza de Mayo. Revista Sueños Compartidos. Buenos Aires, suplemento nº1, Agosto de 2009. IRAMAIN. Demetrio. Una historia de las Madres de Plaza de Mayo. Revista Sueños Compartidos. Buenos Aires, suplemento nº 6, Janeiro de 2010. IRAMAIN. Demetrio. Una historia de las Madres de Plaza de Mayo. Revista Sueños Compartidos. Buenos Aires, suplemento nº9, Abril de 2010. JELÍN, Elizabeth. La política de la memória. Puentes. [Buenos Aires], n. 4, p.72-91 Julio de 2001. RIBEIRO, Marcos Vinícius. De Perón a Videla: revisão histórica e historiográfica do Terrorismo de Estado na Argentina. 2009. 235 p. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós Graduação Strictu Senso em História, Poder e Práticas sociais. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Marechal Rondon. TACCA, Fernando de. Pañuelos. Arquivos da memória: Antropologia, Arte e Imagem. Lisboa. n. 5-6 (Nova Série), p. 223-225, 2009. Disponível em: http://www.fcsh.unl.pt/ revistas/arquivos-da-memoria/artpdf/fernandotaccaam5.pdf VÁZQUEZ. Inés. Cortamos el cordón. Revista Sueños Compartidos. Buenos Aires, suplemento nº2, Outubro de 2010. p.01 ZARRANZ. Luis. Una universidad que te hace diferente. Sueños Compartidos. Buenos Aires, n.1.2009. p.10