O desaparecimento de Deus

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O desaparecimento de Deus

Originally published in English under the title: The Disappearance of God by R. Albert Mohler Jr. Copyright 2009 by R. Albert Mohler. Published by Multnomah Books, an imprint of The Crown Publishing Group, a division of Random House, Inc. 12265 Oracle Boulevard, Suite 200, Colorado Springs, Colorado, 80921 USA. Published in association with the literary agency of Wolgemuth & Associates Inc. International rights contracted through: Gospel Literature International P.O. Box 4060, Ontario, California 91761 1003 USA. This translation published by arrangement with Multnomah Books, an imprint of The Crown Publishing Group, a division of Random House, Inc. Edição em português O desaparecimento de Deus 2010 Editora Cultura Cristã. Proibida a reprodução. Todos os direitos são reservados. 1ª edição - 2010-3.000 exemplares Conselho Editorial Adão Carlos do Nascimento Ageu Cirilo de Magalhães Jr. Cláudio Marra (Presidente) Fabiano Almeida de Oliveira Francisco Solano Portela Neto Heber Carlos de Campos Jr. Jôer Corrêa Batista Jailto Lima Mauro Fernando Meister Tarcízio José Freitas de Carvalho Valdeci da Silva Santos Produção Editorial Tradução Neuza Batista Silva Revisão Judith Arantes Wilton de Lima Editoração Lidia de Oliveira Dutra Capa Lela Design M7329d Moley Jr., R. Albert O desaparecimento de Deus / R. Albert Moley Jr.; Traduzido por Neuza Batista. _São Paulo: Cultura Cristã, 2010 144 p.; 16x23cm Tradução The disappearance of God ISBN 978-85-7622-341-6 1. Apologética 2. Vida Cristã I. Título 239 CDD EDITORA CULTURA CRISTÃ Rua Miguel Teles Júnior, 394 Cambuci 01540-040 São Paulo SP Brasil Fone (11) 3207-7099 Fax (11) 3209-1255 www.editoraculturacrista.com.br cep@cep.org.br 0800-0141963 Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

SUMÁRIO Agradecimentos...9 Prefácio...11 1. Um chamado para a triagem teológica Um chamado para a triagem teológica...13 2. Guardados mediante a fé Guardados mediante a fé Garantia e a doutrina da perseverança...19 3. Podemos ser bons sem Deus? Podemos ser bons sem Deus?...25 4. O desaparecimento do pecado O desaparecimento do pecado A fuga da realidade...31 5. O inferno sob fogo, parte 1. O inferno sob fogo, parte 1....35 6. O inferno sob fogo, parte 2. O inferno sob fogo, parte 2....41 7. Visão cristã da beleza, parte 1. Visão cristã da beleza, parte 1....47 8. Visão cristã da beleza, parte 2. Visão cristã da beleza, parte 2....53 9. Visão cristã da beleza, parte 3. Visão cristã da beleza, parte 3....59 10. O que devemos pensar sobre a igreja emergente? Parte 1 O que devemos pensar sobre a igreja emergente? Parte 1...65 11. O que devemos pensar sobre a igreja emergente? Parte 2 O que devemos pensar sobre a igreja emergente? Parte 2...71 12. Ortodoxia generosa Ortodoxia generosa É ortodoxia?...79 13. É necessário um para conhecer o outro É necessário um para conhecer o outro Liberalismo como ateísmo...85 14. A abertura de Deus e o futuro da teologia evangélica A abertura de Deus e o futuro da teologia evangélica...89 15. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 1. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 1....95 16. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 2. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 2....103 17. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 3. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 3....109 18. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 4. O desaparecimento da disciplina na igreja, parte 4....113 19. Escuridão ao meio-dia, parte 1. Escuridão ao meio-dia, parte 1. Uma era pós-cristã...117

6 O DESAPARECIMENTO DE DEUS 20. Escuridão ao meio-dia, parte 2. O fim de uma mentalidade pós-moderna...123 21. Escuridão ao meio-dia, parte 3. A comissão da igreja pós-aquiescente...129 22. Missões em risco A falta de coragem...135 23. A urgência da pregação...139

A Christopher Albert Mohler Filho pela carne, irmão no Espírito, orgulho de seus pais, amigo do meu coração.

AGRADECIMENTOS S alvo raríssimas exceções, livros representam uma conversa. Esta afirmação é certamente verdadeira no caso deste livro. Eu me sinto profundamente em débito para com as muitas pessoas com as quais discuti os assuntos, as doutrinas e as controvérsias abordadas neste volume. Em particular, sinto-me em dívida para com os colegas da faculdade The Southern Baptist Theological Seminary e do Boyce College. Esses dedicados profissionais representam um corpo de fiéis pensadores e professores cristãos. Também quero agradecer os muitos alunos para os quais lecionei em sala de aula. Ao ministrar aulas, ninguém aprende mais do que o professor. Igualmente, agradeço meus alunos internos, cuja inteligência e interesse são grandes dádivas. Agradeço alegremente a assistência incalculável prestada por Scott Lamb, diretor de pesquisa do meu escritório. A ajuda dele em preparar este projeto para publicação é grandemente apreciada. Também quero agradecer Jason Allen, assistente executivo do presidente, por seus grandes dons organizacionais e por me ajudar a tornar estes projetos de escrever uma prioridade especial. Finalmente, de modo muito especial, quero expressar gratidão do fundo do meu coração à minha esposa, Mary, e aos meus filhos, Katie e Christopher. O apoio deles é inestimável, a sabedoria não tem preço, o amor é espontâneo e a capacidade de desconcertar o marido e pai é indubitável. Além disso, também me ajuda o fato de me fazerem rir.

PREFÁCIO S erá que Deus desapareceu? A trágica realidade é que nós estamos vivendo numa época marcada por tanta confusão espiritual e teológica que o Deus da Bíblia praticamente desapareceu de vista substituído por divindades que demandam menos e que são mais propícias à mente moderna. Em certo sentido, estamos testemunhando o resultado da secularização e da evaporação do teísmo bíblico da nossa vida pública. A isto precisamos acrescentar a privatização da verdade e o fato de que milhões de americanos alegam ter direito divino ao seu casulo espiritual pessoal e ao seu próprio sistema de crenças. Como diz a canção, os americanos agora reivindicam seu Jesus pessoal. Esta visão pessoal de Jesus Cristo pode muito bem ter pouca ou nenhuma semelhança com o Jesus tal qual revelado na Bíblia. Na verdade, a abdicação da fé bíblica é uma das marcas da nossa época quer se prefira chamá-la hipermoderna, pós-moderna ou pós-pós-moderna. No entanto, uma vez que a fé é separada da autoridade da Bíblia, o cristianismo se torna essencialmente plástico; um sistema de crenças maleável e mutável que apenas implora por transformação em alguma outra forma e substância. A situação é ainda mais complicada pela adoção de uma abertura que não é aberta ao autêntico cristianismo bíblico. Tolerância se torna uma palavracódigo para evitar a verdade, e abertura significa nunca ter de fazer nenhum juízo sobre a verdade. O resgate desta situação difícil poderia parecer mais promissor se não fosse pelo fato de que a igreja, em grande parte, aparentemente se juntou à revolução. As novidades e modismos teológicos salpicam a paisagem religiosa americana e um número enorme de igrejas cristãs flertam com o desastre doutrinário. Como sempre, verdade é a questão essencial. Onde uma noção clara da verdade está ausente, o cristianismo torna-se mais uma atitude do que um

12 O DESAPARECIMENTO DE DEUS sistema de crenças. Contudo, a crença sempre esteve no centro do cristianismo, e crença pressupõe uma verdade que pode e deve ser conhecida. Os temas abordados neste livro são questões de preocupação constante dentro da igreja cristã. Cristãos inteligentes e fiéis precisam conhecer essas questões, e este livro se destina a ajudar os crentes a entender o que está em jogo. Afinal de contas, a esperança para a igreja é a esperança das nossas vidas - Jesus Cristo. Como o nosso Senhor prometeu, as portas do inferno não prevalecerão contra a sua igreja. Essa é uma promessa na qual podemos confiar, mesmo (e principalmente) diante das controvérsias e preocupações atuais. Deus certamente não desapareceu, mas a crença de que isso aconteceu nos coloca cara a cara com nosso desafio atual. Nós vamos descobrir em breve se esta geração de cristãos está à altura do desafio.

1 UM CHAMADO PARA A TRIAGEM TEOLÓGICA E m cada geração, a igreja é exortada a batalhar pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos ( Jd 3). Isso não é tarefa fácil, e é complicada pelos múltiplos ataques à verdade cristã que marcam a nossa época contemporânea. Os ataques contra a fé cristã já não são dirigidos apenas a doutrinas isoladas. A estrutura inteira da verdade cristã se encontra agora sob ataque daqueles que se empenham em subverter a integridade teológica do cristianismo. Os cristãos de hoje enfrentam a difícil tarefa de elaborar estratégias para decidir que doutrinas cristãs e questões teológicas devem receber maior prioridade em termos do nosso contexto contemporâneo. Isso se aplica tanto à defesa pública do cristianismo, em face do desafio secular, quanto às responsabilidades em âmbito interno de lidar com as divergências doutrinárias. Nenhuma é tarefa fácil, mas a seriedade teológica e a maturidade demandam que consideremos as questões doutrinárias em termos de sua importância relativa. A verdade de Deus é para ser defendida em todos os pontos e em todos os detalhes, mas os cristãos responsáveis devem determinar quais são as questões que devem receber atenção prioritária em um momento de crise teológica. Uma passagem pelo pronto-socorro do hospital da cidade anos atrás me chamou atenção para um recurso intelectual que é muito útil no cumprimento de nossa responsabilidade teológica. Nos últimos anos, o pessoal da emergência médica vem lançando mão de uma prática conhecida como triagem - um processo que permite ao pessoal treinado fazer uma rápida avaliação da urgência médica relativa. Dado o caos de uma área de recepção de pronto-socorro, alguém

14 O DESAPARECIMENTO DE DEUS com conhecimento médico precisa fazer uma avaliação imediata da prioridade médica. Que pacientes devem ser prontamente encaminhados para cirurgia? Que pacientes podem esperar por um exame menos urgente? O pessoal médico não pode esquivar-se de fazer essas perguntas e de assumir a responsabilidade de dar aos pacientes com as necessidades mais críticas as prioridades maiores em termos de tratamento. A palavra triagem vem do francês trier, que significa classificar. Assim, o gestor de triagem no contexto médico é o agente de linha de frente que decide que pacientes precisam de tratamento mais urgente. Sem tal processo, um joelho esfolado receberia a mesma urgência de um ferimento à bala no peito. A mesma disciplina que impõe ordem na arena frenética do pronto-socorro pode oferecer grande ajuda para os cristãos que defendem a verdade no tempo presente. A disciplina de triagem teológica exigiria que os cristãos determinassem uma escala de urgência teológica que corresponderia à estrutura do mundo médico para prioridade médica. Com isto em mente, eu sugeriria três níveis diferentes de urgência teológica, cada um correspondendo a um conjunto de questões e prioridades teológicas encontradas em debates doutrinários na atualidade. O primeiro nível de questões teológicas incluiria aquelas doutrinas mais centrais e essenciais à fé cristã. Incluídas entre essas doutrinas mais cruciais estariam as doutrinas da Trindade, a plena divindade e humanidade de Jesus Cristo, a justificação pela fé e a autoridade das Escrituras. Nos primeiros séculos do movimento cristão, hereges lançavam seus ataques mais perigosos sobre a compreensão da igreja de quem é Jesus e em que sentido ele é o próprio Filho de Deus. Outros debates cruciais diziam respeito à questão de como o Filho está relacionado ao Pai e ao Espírito Santo. Os primeiros credos e concílios da igreja foram, em essência, medidas de emergência tomadas para proteger o cerne da doutrina cristã. Em momentos históricos decisivos, como os Concílios de Niceia, Constantinopla e Calcedônia, a ortodoxia foi justificada e a heresia condenada - e esses conselhos trataram de doutrinas de importância inquestionavelmente de primeira ordem. O cristianismo permanece ou cai na afirmação de que Jesus Cristo é plenamente homem e plenamente Deus. A igreja rapidamente se empenhou em afirmar que tanto a total divindade como a completa humanidade de Jesus Cristo são absolutamente necessárias à fé cristã. Qualquer negação do que se tornou conhecido como a Cristologia de Niceia-Calcedônia é, por definição, condenada como heresia. As verdades

UM CHAMADO PARA A TRIAGEM TEOLÓGICA 15 essenciais da encarnação incluem a morte, sepultamento e ressurreição corporal do Senhor Jesus Cristo. Aqueles que negam essas verdades reveladas são, por definição, não cristãos. O mesmo se aplica à doutrina da Trindade. A igreja primitiva esclareceu e codificou sua compreensão do único e verdadeiro Deus afirmando a completa deidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo enquanto insistia que a Bíblia revela um Deus em três pessoas. Além disso, para as doutrinas cristológica e trinitária, a doutrina da justificação pela fé deve também ser incluída entre essas verdades de primeira ordem. Sem essa doutrina, só nos resta a negação do evangelho em si e a salvação é transformada em uma estrutura de justiça humana. A veracidade e a autoridade das Sagradas Escrituras devem também ser classificadas como doutrinas de primeira ordem, pois sem uma afirmação da Bíblia como sendo de fato a Palavra de Deus não nos resta nenhuma autoridade suficiente para distinguir a verdade do erro. Essas doutrinas de primeira ordem representam as verdades mais fundamentais da fé cristã e negá-las representa nada menos que a negação definitiva do próprio cristianismo. O conjunto de doutrinas de segunda ordem é diferenciado do conjunto daquele de primeira ordem pelo fato de que os cristãos crentes podem discordar sobre as questões de segunda ordem, embora este desacordo vá criar barreiras significativas entre os crentes. Quando os cristãos se organizam em congregações e denominações, essas barreiras se tornam evidentes. Questões de segunda ordem incluiriam o significado e o modo do batismo. Batistas e presbiterianos, por exemplo, discordam fervorosamente sobre o entendimento mais básico do batismo cristão. A prática do batismo infantil é inconcebível para a mente batista, enquanto que os presbiterianos relacionam o batismo infantil ao entendimento mais básico da aliança. Ao permanecerem juntos nas doutrinas de primeira ordem, os batistas e os presbiterianos prontamente reconhecem uns aos outros como cristãos crentes, mas reconhecem que os desacordos sobre questões desta importância impedem a comunhão em uma mesma congregação ou denominação. Os cristãos de uma vasta gama denominacional podem permanecer juntos nas doutrinas de primeira ordem e reconhecer uns aos outros como cristãos, ao mesmo tempo em que entendem que a existência de desacordos de segunda ordem impede a proximidade da comunhão que de outro modo desfrutariam. Uma igreja

16 O DESAPARECIMENTO DE DEUS reconhece o batismo infantil ou não. Essa escolha imediatamente cria um conflito de segunda ordem com aqueles que tomam a outra posição por convicção. Nos anos mais recentes, a questão acerca de mulheres servindo como pastoras emergiu como outra questão de segunda ordem. Novamente, uma igreja ou denominação ordena ou não mulheres ao pastorado. Questões de segunda ordem representam resistência ao acordo por aqueles que preferem uma ou a outra abordagem. Muitas das divergências mais acaloradas entre os crentes sérios se passam no nível de segunda ordem, pois essas questões emolduram nossa compreensão da igreja e sua ordenança pela Palavra de Deus. As questões de terceira ordem são doutrinas sobre as quais os cristãos podem discordar e permanecer em comunhão íntima, mesmo dentro das congregações locais. Eu colocaria a maioria dos debates no campo da escatologia, por exemplo, nesta categoria. Os cristãos que confessam o retorno de Jesus Cristo corporal, histórico e vitorioso podem diferir sobre a época e a sequência sem romper a comunhão da igreja. Os cristãos podem discordar em um grande número de questões relacionadas com a interpretação de textos difíceis ou de compreensão de questões de desacordo mútuo. Contudo, se permanecem juntos em assuntos de importância mais urgentes, os crentes são capazes de aceitar uns aos outros sem transigir quando assuntos de terceira ordem estão em pauta. Uma estrutura de triagem teológica não implica que os cristãos podem tomar qualquer verdade bíblica como algo menos importante. Nós temos a responsabilidade de abraçar e ensinar a abrangência fiel da fé cristã conforme revelada nas Escrituras Sagradas. Não existem doutrinas insignificantes reveladas na Bíblia, mas existe um fundamento essencial da verdade que cinge o sistema inteiro da verdade bíblica. Essa estrutura de triagem teológica pode ajudar também a explicar como a confusão pode, com frequência, ocorrer no meio de um debate doutrinário. Se a urgência relativa dessas verdades não for levada em consideração, o debate pode rapidamente se tornar inútil. O erro do liberalismo teológico se encontra evidente no desrespeito básico pela autoridade bíblica e pelo tesouro da verdade da igreja. A marca do verdadeiro liberalismo é a recusa em admitir até que existam questões de primeira ordem teológica. Os liberais tratam as doutrinas de primeira ordem como se elas fossem meramente de terceira ordem em importância e a ambiguidade doutrinária é o resultado inevitável.

UM CHAMADO PARA A TRIAGEM TEOLÓGICA 17 O fundamentalismo, por outro lado, tende ao erro oposto. O erro de julgamento do fundamentalismo verdadeiro é a crença de que todas as divergências dizem respeito às doutrinas de primeira ordem. Desta maneira, problemas de terceira ordem são promovidos à importância de primeira ordem, e os cristãos são errada e negativamente divididos. Vivendo numa época de ampla negação doutrinária e intensa confusão teológica, os cristãos maduros devem se colocar à altura do desafio da maturidade cristã, mesmo no meio de uma emergência teológica. Nós devemos classificar as questões com uma mente treinada e um coração humilde a fim de proteger o que o apóstolo Paulo chamou de tesouro que nos foi confiado. Dada a urgência deste desafio, uma lição do pronto-socorro pode até ajudar.