CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 12ª REGIÃO ASSESSORIA JURÍDICA. P A R E C E R (nº 004/2002)



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ASSESSORIA JURÍDICA P A R E C E R (nº 004/2002) ASSISTENTE SOCIAL. SIGILO PROFISSIONAL. QUESTÃO ÉTICA-JURÍDICA. ESTIPULAÇÃO DO CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL. PROIBIÇÃO DE DIVULGAR. Solicita a Sra. Valéria Cabral Carvalho, DD. Conselheira-Presidente do Conselho Regional de Serviço Social da 12ª Região, parecer desta Assessoria Jurídica a respeito do procedimento adequado que deve ter o profissional de Assistência Social frente à proibição de divulgar os dados, decorrentes do sigilo profissional e uma intimação judicial para prestar esclarecimentos referentes à paciente. Primeiramente salientamos que o sigilo profissional se constitui em sua essência, na obrigação legal de não se divulgar informações referentes a conhecimentos advindos do exercício da profissão. Constitui-se, assim, um problema ético-jurídico, de difícil equacionamento. O sigilo traduz, com maior rigor, o segredo que não pode nem deve ser revelado, importando o contrário, assim, em quebra do dever imposto à pessoa, geralmente em razão de sua profissão ou ofício.

Essa prerrogativa profissional visa a proteção do paciente e de seus familiares, bem como a preservação da confiança do mesmo em relação ao seu confidente necessário, no caso a figura do Assistente Social. O Assistente Social, da mesma maneira que os médicos, os psicólogos, os advogados e outros profissionais, que pela natureza da profissão são considerados confidentes necessários, isto é, indivíduos perante os quais os pacientes depositam confiança sem restrições para que seus problemas possam ser solucionados, têm responsabilidade quanto a essas informações. Assim, o profissional toma conhecimento de detalhes da vida particular do paciente, ou de seus familiares, que se constituem de fatos que lhe povoam a vida. Surgiu desta maneira a necessidade de impor limites à faculdade de revelar estas informações, surgindo na legislação ordinária, bem como nos Códigos de Ética Profissionais, regulamentações que controlam e limitam essa prerrogativa. Há uma amplitude de ação, tornando o aspecto do sigilo profissional de tão transcendente atuação - tanto para o bem como para o mal - que desde a mais remota antigüidade, no campo moral e jurídico, se vem tentando regulamentar em ambos os campos: a obrigação de falar e a de silenciar. A orientação Pretoriana sofreu bruscas mudanças de posicionamento. Na jurisprudência francesa, temos que em 1477, sob Luis XI, os tribunais decidiram pela abolição do segredo nas razões do Estado. Já em 1593, um aresto do Tribunal de Paris, multou e confiscou os bens e ainda cassou o registro profissional de um farmacêutico que revelara a natureza venérea dos males de um clérigo, seu cliente.

Conhecemos igualmente o caso de um cirurgião de Evreux, no ano de 1774, que apresentou a nota de honorários especificando a natureza venérea da enfermidade, e que por tal circunstância sofreu processo, sendo condenado a 12 libras de multa, 1.000 libras de danos e prejuízos, além de 6 anos de interdição e pedido de desculpas públicas. Quando o médico Dupuytren, em 1832, andou às voltas com a polícia, tendo o Comissário indagado se no hospital haviam insurretos, respondeu com a célebre frase: Je n nei pas vu d insurgés dans mes salles d hôpital, je n ai vu que des blessés. Deste modo, exemplificamos como a orientação jurisprudencial oscila, ora num sentido ora noutro. Impõe-se analisar, destarte, a legislação hoje em vigor. Assim, estipula o art. 144 do Código Civil Pátrio: Art. 144 - Ninguém pode ser obrigado a depor de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo. Tecendo seus comentários a este dispositivo, o consagrado civilista J. M. DE CARVALHO SANTOS deixou assente, ad litteram : Tão rigorosa deve ser a observância do segredo profissional que a obrigação de depor não pode ser imposta nem quando aquele que confiou o segredo consinta na revelação (MANZINI, Trattato di Diritto Penale, vol. IV, pág. 788). Isto porque a obrigação do segredo é estabelecida no interesse geral: sua violação não fere somente a pessoa que confiou o segredo, mas à sociedade inteira, porque atinge as profissões, nas quais a sociedade deposita uma confiança que não deve faltar,

como muito bem diz FAUSTIN HÉLIE (Théorie du Code Penal, vol. VI, pág. 537). (in Código Civil Brasileiro Interpretado, Ed. Freitas Bastos, 6ª edição, 1958, vol. III, p. 222) Assim o profissional de Assistência Social não é obrigado - pela lei civil - a relatar fatos que digam respeito a seus pacientes. É visível a manifestação legal de proteção ao profissional e ao paciente. Além da relação tipicamente civil, temos igualmente que se constitui como crime a divulgação de segredo profissional. Analisando o Código Penal, em menção ao assunto no tópico do crime atinente à Violação de Segredo Profissional, traz a seguinte redação no seu art. 154: Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único. Somente se procede mediante representação. Assim caso a revelação do profissional venha a causar danos ao paciente ou a outrem, pode o informante vir a ser responsabilizado criminalmente.

A proteção inclui igualmente o segredo deduzido, e aquele obtido sem que o interessado o desejasse revelar ao agente, sendo suficiente o nexo causal. O elemento normativo sem justa causa faz com que seja atípica a conduta quando a causa for justificável. Exemplo disso são aquelas motivações previstas na Lei, tal como a obrigação do médico de comunicar as doenças de notificação compulsória (Art. 269, do CP), etc. Encontramos também referências ao assunto no art. 207, do Código de Processo Penal, no capítulo referente às testemunhas: Art. 207 - São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. A proibição atinge somente aqueles fatos obtidos em razão da função, ministério, ofício ou profissão, ou seja, não atinge aos fatos obtidos fora do atendimento profissional. Neste diapasão, tomamos a liberdade de transcrever os ensinamentos doutrinários do Desembargador EDUARDO ESPÍNDOLA FILHO, in verbis : É lição de MANZINI (Trattato di diritto processual penale italiano, secondo il nuovo Codice, vol. 3º, 1932, pág. 227) que a dispensa é fundada, não na qualidade social do

profissional, e sim no fato de ter recebido, no exercício da profissão, uma confidência determinada pela confiança, necessária ou quase-necessária, ou de ter, de outra forma, mas em razão do exercício profissional, obtido o conhecimento de determinados fatos; donde, não alcançar a dispensa aquilo que o profissional pode vir a saber independentemente de assistência profissional verdadeira e própria. (in Código de Processo Penal Brasileiro, Ed. Borsoi, 1960, vol. III, p. 113) Em relação à consulta formulada, importante acrescentar que o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais (Resolução CFP nº 273, de 13 de março de 1993), em seu art. 16, seguindo a mesma orientação, exara o seguinte: Art. 16 - O sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo que o Assistente Social tome conhecimento em decorrência do exercício da atividade profissional. Em caso análogo na jurisprudência podemos constatar que o rompimento do sigilo profissional em determinados casos é permitido, embora com reservas, vejamos: O sigilo médico embora não tenha caráter absoluto, deve ser tratado com a maior delicadeza, só podendo ser quebrado em hipóteses muito especiais; tratando-se de investigação de crime, sua revelação deve ser feita em termos, ressalvando-se os interesses do cliente, pois o médico não se pode transformar em delator de seu paciente. (STF - RT 562/407).

A valoração deve ser feita pelo próprio profissional, pela análise subjetiva, consoante o Art. 18, do mesmo Código de Ética, posto que a quebra do sigilo só será admissível, quando se tratarem de situações cuja gravidade possa, envolvendo ou não fato delituoso, trazer prejuízo aos interesses do usuário, de terceiros e da coletividade. A revelação deverá ser feita dentro do estritamente necessário. regra geral. Tal circunstância é sempre excepcional, prevalecendo todavia o sigilo como De qualquer modo, o Assistente Social, apontado como testemunha de fatos de que tenha conhecimento no exercício de sua profissão, uma vez que venha a ser intimado a prestar depoimento, deve comparecer perante a autoridade para declarar que está ligado à obrigação do segredo profissional. Evidente que tais colocações não se aplicam na hipótese do Assistente Social ser nomeado como perito. Neste caso tem a obrigação de descrever no laudo a exposição dos fatos de que teve conhecimento. Nesta hipótese os fatos revelados pelo profissional não foram conhecidos em razão da assistência por ele prestada ao assistido, causa determinante da sua obrigação de guardar segredo. Por esta razão é que existe a vedação (Art. 20, a, do Código de Ética) de ser perito em pessoa por ele atendida ou em atendimento. Estas são nossas considerações, S.M.J., Florianópolis, 18 de novembro de 2002 Luís C. Fritzen OAB/SC 4443