OS LIMITES DA PESQUISA MINERAL COM GUIA DE UTILIZAÇÃO



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Transcrição:

OS LIMITES DA PESQUISA MINERAL COM GUIA DE UTILIZAÇÃO Marcos Paulo de Souza Miranda Coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais. Professor de Direito do Patrimônio Cultural e de Direito Processual Ambiental. Secretário da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente. SUMÁRIO: 1. A FINALIDADE DA PESQUISA MINERAL. 2. A GUIA DE UTILIZAÇÃO. 3. EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E AMBIENTAIS PARA A PESQUISA MINERAL CLÁSSICA. 4. EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS PARA A PESQUISA MINERAL COM GUIA DE UTILIZAÇÃO. 5. CONCLUSÕES. 1. A FINALIDADE DA PESQUISA MINERAL Segundo o Código de Mineração (art. 14), entende-se por pesquisa mineral a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico. Ainda segundo a norma, a pesquisa mineral compreende, entre outros, os seguintes trabalhos de campo e de laboratório: levantamentos geológicos pormenorizados da área a pesquisar, em escala conveniente, estudos dos afloramentos e suas correlações, levantamentos geofísicos e geoquímicos; aberturas de escavações visitáveis e execução de sondagens no corpo mineral; amostragens sistemáticas; análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos de sondagens; e ensaios de beneficiamento dos minérios ou das substâncias minerais úteis, para obtenção de concentrados de acordo com as especificações do mercado ou aproveitamento industrial. Nos termos do art. 22, 2º. do Código de Mineração, é admitida, em caráter excepcional, a extração de substâncias minerais em área titulada, antes da outorga da concessão de lavra, mediante prévia autorização do DNPM, observada a legislação ambiental pertinente. Obviamente que essa exceção está vinculada ao atendimento dos objetivos finalísticos da pesquisa mineral, quais sejam: a definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico Por isso, a pesquisa mineral não pode ser desvirtuada para, faticamente, corresponder a uma verdadeira lavra, que consiste no conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas (art. 36 do Código de Mineração). Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência: O Alvará de Pesquisa não é suficiente para permitir a lavra do recurso mineral consistente no "conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas" (artigo 36), sendo necessária a autorização do Ministro das Minas e Energia, conforme disposto no artigo 43 do Código de Mineração. (TRF 3ª R.; ACR 18633; Proc. 2001.61.05.002522-8; SP; Primeira Turma; Relª Desª. Fed. Vesna Kolmar; DJU 08/02/2008; Pág. 1888) Embora comprovada a autorização para pesquisa no local, esta não é suficiente para que se possam explorar os minerais, havendo necessidade de concessão de lavra, de acordo com o Código de Mineração. Recurso não provido. (TJMG - APELAÇÃO CÍVEL N 1.0568.08.010010-6/001 Rel. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA. J. 09/06/2009); Entretanto, verifica-se, na prática, que é muito comum a extração de substâncias minerais em larga escala, ainda na mera fase de pesquisa, em total desconformidade com os objetivos de tal instituto, constituindo-se, em verdade, em uma antecipação da fase de lavra, em que as exigências ambientais são muito maiores (Resoluções CONAMA 09 e 10, de 1990). A extração, por anos a fio, de quartzito no Sul de Minas Gerais e de granito na região do Vale do Jequitinhonha, substâncias minerais conhecidas na região há décadas e sabidamente objeto de grande procura comercial no mercado nacional e internacional, são exemplos contudentes de como a guia de utilização tem sido utilizada indevidamente em nosso

Estado, com os conseqüentes reflexos negativos para o meio ambiente, posto que tais atividades não são precedidas dos necessários estudos de impacto ambiental. O discurso segundo o qual atividades de pesquisa minerária não causam impactos ambientais negativos padece de sustentação. Aliás, a própria Lei 7.805/89, preocupada com as agressões decorrentes de atividades de pesquisa, normatizou: Art. 17 - A realização de trabalhos de pesquisa e lavra em áreas de conservação dependerá de prévia autorização do órgão ambiental que as administre. Art. 18 - Os trabalhos de pesquisa ou lavra que causarem danos ao meio ambiente são passíveis de suspensão temporária ou definitiva, de acordo com parecer do órgão ambiental competente. Art. 19 - O titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavra garimpeira, de concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de mina responde pelos danos causados ao meio ambiente. 1. A GUIA DE UTILIZAÇÃO Para fins de se viabilizar a extração excepcional de substância mineral durante a fase de pesquisa, foi instituída a Guia de Utilização, que é o ato pelo qual o DNPM outorga ao minerador o direito de, excepcionalmente, repita-se, e sob determinadas condições, proceder à lavra de substâncias minerais durante o período de pesquisa da jazida. Em nível regulamentar, a Portaria DNPM n 144, de 03 de maio de 2007, trata da extração de substâncias minerais antes da outorga de concessão de lavra, e estabelece, em seu art. 2º., que para efeito de emissão da Guia de Utilização serão consideradas como excepcionais as seguintes situações: I aferição da viabilidade técnico-econômica da lavra de substâncias minerais no mercado nacional e/ou internacional; II a extração de substâncias minerais para análise e ensaios industriais antes da outorga da concessão de lavra; e III a comercialização de substâncias minerais face à necessidade de fornecimento continuado da substância visando garantia de mercado, bem como para custear a pesquisa. Nada temos a opor em relação aos incisos I e II, posto que amparam situações excepcionais compatíveis com os objetivos da pesquisa mineral, já analisados. Entretanto, não cremos ser necessário maior esforço exegético para se concluir que o inciso III, ao fazer menção à comercialização de produtos minerais e ao custeio das pesquisas, extrapola e muito o poder regulamentar para, em verdade, criar novas hipóteses para a uso da Guia de Utilização em total descompasso com o seu objetivo previsto em lei. Ora, o princípio da legalidade, que rege a atuação da Administração Pública, impõe que sua vontade decorra exclusivamente da lei, ou seja, só poderá fazer o que a lei permite. Por isso, não existe permissivo legal para que seja concedida guia de utilização para fins diversos daqueles previstos no Código de Mineração. Logo, a nosso sentir, o inciso III mostra-se como dispositivo absolutamente inválido, por inovar o ordenamento jurídico em total desconformidade com atos normativos superiores. Como já decidido pelo TRF-2 acerca de Instrução Normativa do DNPM: Não pode a Administração Pública sob a justificativa de se encontrar atuando no exercício do poder regulamentar que lhe é conferido, contrariar o que está disposto na Lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições ou penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da legalidade (TRF 2ª R.; APL-MS 2003.50.01.004861-0; Sétima Turma Especializada; Rel. Des. Fed. Theophilo Miguel; DJU 27/01/2009; Pág. 74) Em verdade, tal dispositivo abre a possibilidade de aventureiros da mineração, que sequer têm condições de arcar com despesas básicas do empreendimento, desenvolver verdadeiras atividades de lavra a fim de obter lucros imediatos que jamais retornarão sequer para a recuperação da área degradada pela atividade minerária. Sabem bem disso os profissionais que militam na área e enfrentam dificuldades imensas para a recuperação de passivos ambientais deixados por esses indivíduos que auferem expressivos lucros, mas cujos prejuízos são herdados pela coletividade.

Permitir o uso das Guias de Utilização para tal finalidade é descumprir os mandamentos legais sobre o tema e permitir a degradação do meio ambiente com base em subterfúgios censuráveis. Por isso é preciso separar o joio do trigo. Lavra de minérios exercida sob o manto de pesquisa é atividade ilícita, que pode e deve ser objeto de suspensão administrativa ou mesmo judicial, já havendo precedentes a respeito: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LAVRA - EXTRAÇÃO DE ARGILA PARA FINS COMERCIAIS - ALVARÁ DE PESQUISA - DANOS AMBIENTAIS - PEDIDO DE LIMINAR - PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES - PRESENÇA DOS REQUISITOS - DECISÃO MANTIDA. - A concessão de liminar em ação civil pública demanda a presença dos requisitos consistentes no fumus boni iuris e periculum in mora, de modo que se a agravante possui somente autorização para exercer a atividade de pesquisa, o trabalho de lavra é irregular, devendo ser interrompido, mormente se existentes fortes indícios de danos ambientais. (TJMG - AI N 1.0411.10.004554-0/001 REL. DES. ARMANDO FREIRE. j. 28/06/2011) AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE LAVRA - AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA - ATIVIDADE CLANDESTINA. A atividade de lavra mineral desenvolvida apenas com a Autorização de Pesquisa, concedida pelo DNPM, é irregular e clandestina. Pelo que deve ser mantida decisão que, em antecipação de tutela, impede a continuidade das atividades. (AGRAVO Nº 1.0000.00.344908-9/000 - COMARCA DE PERDIZES - Relator: Des. JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES - Data do Julgamento: 09/03/2004) 1. EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E AMBIENTAIS PARA A PESQUISA MINERAL CLÁSSICA As principais exigências administrativas para o desenvolvimento da pesquisa mineral são as seguintes: Alvará de Pesquisa outorgado pelo DNPM (art. 15 do Código de Mineração), após a apresentação de toda a documentação exigida pelo art. 16 da mesma norma e pela Portaria DNPM 144/2007. Anotação de responsabilidade técnica pelos trabalhos, que deverão ser realizados sob a responsabilidade de engenheiro de minas ou geólogo (art. 15, parágrafo único do Código de Mineração). Autorização do órgão administrador da unidade de conservação (art. 17 da Lei 7.805/89 e art. 28 da Lei 9985/2000) em caso de pesquisa no seu interior ou em sua área de entorno ou zona de amortecimento. Declaração do município no sentido de que as atividades de pesquisa estão de acordo com as suas normas e de que a sua realização é possível (arts. 23, XI da Constituição Federal e 2º., XIII da Lei 10.257/2001). Além disso, as pesquisas minerais devem ser precedidas das autorizações ambientais pertinentes a cada caso concreto, tais como autorização para supressão de vegetação, outorga para uso de recursos hídricos etc. 1. EXIGÊNCIAS AMBIENTAIS PARA A PESQUISA MINERAL COM GUIA DE UTILIZAÇÃO

Como a pesquisa com guia de utilização implica na extração de recursos minerais, atividade sabidamente degradadora, as exigências ambientais são maiores. A Resolução CONAMA 09/1990 estabelece: Art 1º - A realização da pesquisa mineral quando envolver o emprego de guia de utilização, fica sujeita ao licenciamento ambiental pelo órgão competente. Parágrafo Único - O empreendedor deverá requerer ao órgão ambiental competente a licença de operação para pesquisa mineral, nos casos previstos no caput deste artigo, apresentando o plano de pesquisa mineral, com a avaliação do impacto ambiental e as medidas mitigadoras a serem adotadas. Pelo texto da norma resta evidente que a pesquisa mineral com guia de utilização deve ser precedida de avaliação dos impactos ambientais em sede de licenciamento ambiental, cujos objetivos básicos são: a) prevenção do dano ambiental; b) transparência administrativa; c) consulta aos interessados; d) decisões administrativas informadas e motivadas. Quando as atividades de pesquisa forem afetar áreas para as quais o EIA/RIMA for legalmente exigido (v.g., áreas circundandes de unidades de conservação, zona costeira, área de ocorrência de cavidades naturais), não é possível dispensar tal instrumento. Não sendo o caso de exigência legal de EIA/RIMA, o estudo ambiental apresentado como subsídio para a obtenção da licença deve ser apto a demonstrar, efetivamente, a avaliação do impacto ambiental e as medidas mitigadoras a serem adotadas. Em similitude com o EIA/RIMA (arts. 6º. e 7º. da Res. CONAMA 01/86), conquanto possam ser mais sintéticos, tais estudos devem ser realizados por equipe multidisciplinar e desenvolver, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. lv - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados. Na inexistência de norma federal particular sobre tais estudos, cremos ser salutar a sua normatização pelos demais entes federativos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA, editou a resolução n.º 85, de 17 de dezembro de 2004, que estabelece procedimentos e critérios ao Licenciamento Ambiental para a extração de bens minerais mediante guia de utilização. O estudo ambiental exigido para tanto é o Relatório Ambiental Preliminar, que conta com Termo de Referência específico para o tema.

Por questão de lógica e considerando os objetivos específicos da pesquisa mineral (que não pode ser transformada em lavra), entendemos que o prazo para a licença ambiental não pode ser superior à validade do alvará de pesquisa (prazo máximo de três anos nos termos do art. 22, III, do Código de Mineração) e sua renovação somente pode se dar de maneira excepcional e devidamente justificada, de forma a não dar amparo à atividade de uma verdadeira lavra mineral. A prorrogação injustificada de Guias de Utilização e a renovação de licenças ambientais para extração de minerais mediante o uso tal instrumento, quando, na verdade, o que ocorre é uma verdadeira atividade de lavra (para a qual a Resolução CONAMA 01/86 exige a elaboração de EIA/RIMA e o Código de Mineração exige Decreto de Lavra), são condutas ilícitas e se enquadram no tipo penal do art. 67 da Lei 9605/98: Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas, ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público: Pena - detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa. 1. CONCLUSÕES a) A pesquisa mineral consiste na execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico. b) Para fins de se viabilizar a extração excepcional de substância mineral durante a fase de pesquisa, foi instituída a Guia de Utilização, que é o ato pelo qual o DNPM outorga ao minerador o direito de, excepcionalmente, e sob determinadas condições, proceder à lavra de substâncias minerais durante o período de pesquisa da jazida. c) A concessão de guia de utilização está vinculada ao atendimento dos objetivos finalísticos da pesquisa mineral, quais sejam: a definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico d) Lavra de minérios exercida sob o manto de pesquisa é atividade ilícita, que pode e deve ser objeto de suspensão administrativa ou mesmo judicial. e) O inciso III do art. 2º. da Portaria DNPM n 144, de 03 de maio de 2007, ao fazer menção à comercialização de produtos minerais e ao custeio das pesquisas com fundamentos para a concessão de Guia de Utilização, extrapola o poder regulamentar e cria novas hipóteses para concessão do instrumento em total descompasso com o objetivo da pesquisa mineral previsto em lei. f) A realização da pesquisa mineral quando envolver o emprego de guia de utilização, fica sujeita ao licenciamento ambiental pelo órgão competente. g) Não sendo o caso de exigência legal de EIA/RIMA para o exercício de pesquisa mineral com guia de utilização, o estudo ambiental a ser apresentado como subsídio para a obtenção da licença deve ser apto a demonstrar, efetivamente, a avaliação do impacto ambiental e as medidas mitigadoras a serem adotadas. h) A prorrogação injustificada de guias de utilização pelo DNPM e a renovação de licenças ambientais para extração de minerais mediante o uso tal instrumento, quando, na verdade, o que ocorre é uma verdadeira atividade de lavra, são condutas ilícitas e se enquadram no tipo penal do art. 67 da Lei 9605/98.