Segurança das barragens de mineração no Brasil um problema importante. Paulo Afonso C. Luz

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Transcrição:

Segurança das barragens de mineração no Brasil um problema importante Paulo Afonso C. Luz

SEGURANÇA DAS BARRAGENS DE MINERAÇÃO NO BRASIL UM PROBLEMA IMPORTANTE Paulo Afonso C. Luz Professor de Engenharia Mackenzie/FAAP Mestre em Geotecnia 1 INTRODUÇÃO Barragens são aterros compactados construídos de terra (solo fino) ou enrocamento (blocos de rocha com núcleo de solo fino ou laje de concreto) destinados a barrar o curso de água de um rio e, portanto, formar um reservatório. Como no Brasil ocorrem solos em abundância, esses dois tipos de barragens são os mais comuns, constituindo cerca de 90% dos casos. Existem também barragens de concreto tipo gravidade e de concreto compactado a rolo (CCR), mais são mais raras no Brasil. As barragens possuem as seguintes finalidades: Geração de energia elétrica Abastecimento de água Regularização de cheias de rios Disposição de rejeitos de mineração As duas primeiras finalidades envolvem empresas geradoras de energia elétrica (hidrelétricas) e de fornecimento de água aos municípios. Em ambas as finalidades, as barragens constituem o item primordial do empreendimento, pois se traduzem na sua fonte direta de lucro. Deve-se observar que a maior parcela da matriz energética do Brasil corresponde à energia produzida nas hidrelétricas. Nas barragens com a terceira finalidade, não há um objetivo de lucro direto, mas sim o de evitar prejuízos decorrentes das enchentes de rios para as cidades e parte da população rural, que margeiam o rio, pois elas possuem reservatórios que funcionam como amortecedores da onda de cheia provocada por uma chuva intensa. Por sua vez, as barragens de rejeito, também denominadas como barragens de mineração, correspondem a um aspecto da legislação ambiental que as empresas mineradoras são obrigadas a cumprir executar a disposição permanente do rejeito de mineração num reservatório, para evitar a poluição de cursos de água ou do lençol freático. Desta forma, as barragens de rejeito são encaradas pelas mineradoras como um passivo (prejuízo) que elas necessariamente têm que executar, pois não geram lucro algum. Este aspecto faz com que boa parte das barragens de mineração não sejam estudadas, construídas e operadas com o mesmo nível de cuidado dos outros tipos de barragens. 2 BARRAGENS DE REJEITO As barragens de rejeito são construídas sempre com solo fino compactado, no vale de um rio, com a função de armazenar rejeitos de mineração (solos finos argilas e siltes, junto com areia fina), que são o material que possui baixo teor de minério e que deve ser descartado permanentemente em um reservatório.

Resumidamente, a sequência de operação de uma mina pode ser assim descrita: Extração do material da cava da mina, através de explosivos (escavação a fogo). Transporte do material escavado através de caminhões do tipo fora de estrada, do interior da cava até o local do processamento de separação do minério. O beneficiamento do minério consiste na separação do produto bruto em um concentrado, que consiste em um material com alto teor de minério, com valor econômico, e no rejeito, que é um material que possui baixo teor de minério, sem valor econômico. No caso do rejeito, para o qual não compensa economicamente a extração do minério, é necessário que ele seja descartado em um local seguro, para não provocar danos ambientais. O processo mais comum para o descarte e armazenamento do rejeito é sua disposição nas assim denominadas barragens de rejeito. Para ser descartado, primeiramente o rejeito é misturado com água, transformando-se numa suspensão fluida (sólidos mais água), também denominada como polpa, de forma que possa ser transportada do local do processamento de separação da mina até o reservatório da barragem, através de tubulações, canaletas ou até túneis. Desta forma, o rejeito ficará armazenado para sempre dentro do reservatório. Quando a barragem de rejeito for desativada, ou seja, quando não houver mais disposição de rejeitos dentro do seu reservatório, a tendência é que o nível de água existente no reservatório de rejeitos vá baixando com o tempo, através de um eficiente sistema de drenagem interna da barragem, de forma que no final o rejeito fique mais seco dentro do reservatório. O aspecto final da superfície do reservatório seco assemelha-se a uma praia de areia fina, praticamente horizontal e com pequenas ondulações, sobre a qual é possível caminhar inclusive. Para otimizar os custos de implantação, as barragens de rejeito nunca são construídas até sua altura final em uma única etapa, como numa barragem tradicional para geração de energia elétrica, por exemplo. Na prática, é usual que as barragens de rejeito sejam construídas por etapas, de acordo com o planejamento operacional de extração de minério de cada mina. Tais planejamentos são realizados para períodos futuros e longos, da ordem de 20 a 30 anos. Existem três tipos de alteamento possíveis para uma barragem de mineração: Por montante Por linha de centro Por jusante Os tipos de alteamento mais comuns são: por montante e por jusante. 2.1 Alteamento por Montante Consiste na execução de um dique (aterro) de partida inicial, constituído por solo fino compactado, com altura variável de 10 a 15 m. Este dique permite que seja iniciado o despejo do rejeito num ponto a montante do reservatório, ao longo do curso do rio. Quando o reservatório for sendo alteado e o nível de rejeitos começar a ficar próximo da parte mais alta do dique (crista), é executada a 2ª etapa de alteamento da barragem, através da execução de um novo dique, que tem uma pequena parte da sua base assentada na crista do dique de 1ª etapa e na maior parte da sua base, esta fica apoiada

em cima do rejeito existente no reservatório. E assim sucessivamente, como está indicado na Figura 1. Reservatório Aterro 3ª Etapa Aterro 2ª Etapa Aterro 1ª Etapa Fundação = sólidos + água Figura 1 Alteamento por Montante Seção Típica Este tipo de alteamento é o mais econômico dos três, em função do pequeno volume de aterro da barragem necessário para os sucessivos alteamentos. Por outro lado, este processo traz maiores riscos de ruptura que os outros dois processos, conforme será descrito mais adiante. Isto se deve a dois aspectos desfavoráveis para um bom funcionamento da barragem. O primeiro deles corresponde ao fato de a linha freática (linha de água no interior da barragem) ficar próxima do talude de jusante (externo) da barragem, em vários pontos do aterro da barragem. O segundo aspecto consiste no fato de a maior parte da base do aterro de uma etapa de alteamento ficar assentada sobre o reservatório de rejeito da etapa anterior. Esses aspectos podem trazer problemas sérios ao aterro da barragem, tais como: Surgências de água no talude de jusante da barragem caracterizadas pelo aparecimento de regiões úmidas na face externa da barragem. Piping erosão interna regressiva, ou seja, a água arrasta os grãos de solo para fora do maciço da barragem. Pode ser observado pelo surgimento de pontos no talude de jusante da barragem, nos quais está saindo água suja (água com grãos de solo). Liquefação solo do aterro da barragem passa ao estado líquido (resistência nula), devido aos elevados valores de pressões neutras (pressões da água no interior do aterro da barragem), acarretando uma ruptura brusca (rápida) do maciço da barragem como um todo. Este último evento é catastrófico, com a possível perda de vidas humanas, além de causar danos materiais e ambientais. 2.2 Alteamento por Linha de Centro Sua execução é similar ao processo anterior, com um dique de partida inicial, em solo fino compactado, mas os alteamentos sucessivos são executados de forma que seja mantido o eixo vertical da barragem constante. Neste tipo de alteamento, a maior parte do dique de 2ª etapa é constituído por aterro compactado, assentado sobre o dique de 1ª etapa, ficando uma pequena parte apoiada em cima do rejeito existente no reservatório. Desta forma, são executados os alteamentos sucessivos, conforme está apresentado na Figura 2.

Reservatório Fundação = sólidos + água Aterro 1ª Etapa Aterro 2ª Etapa Aterro 3ª Etapa Figura 2 Alteamento por Linha de Centro Seção Típica Este tipo de alteamento é mais caro que o anterior, pois exige um volume maior de aterro da barragem para os sucessivos alteamentos. Porém este processo envolve riscos de ruptura menores que o de alteamento por montante, pois a linha freática fica mais afastada do talude de jusante da barragem, e a maior parte do aterro de uma etapa de alteamento fica assentada sobre o aterro da etapa anterior. 2.3 Alteamento por Jusante Consiste na execução de um dique de partida inicial, em solo fino compactado, sendo que os alteamentos sucessivos são executados de forma que o aterro de uma etapa de alteamento da barragem fique apoiado integralmente sobre o aterro da etapa anterior. Desta forma, o maciço da barragem nunca fica apoiado em cima do rejeito já depositado no reservatório. E assim, são executados os alteamentos sucessivos, conforme está apresentado na Figura 3. Reservatório Fundação = sólidos + água Aterro 1ª Etapa Aterro 2ª Etapa Aterro 3ª Etapa Figura 3 Alteamento por Jusante Seção Típica Este tipo de alteamento é o mais caro dos três, pois necessita de maior volume de aterro para os sucessivos alteamentos da barragem, em relação aos dois processos anteriores. Entretanto, é considerado o processo mais seguro de todos, com menor risco de ruptura

da barragem, por causa de dois aspectos favoráveis a um funcionamento adequado da barragem. O primeiro deles consiste no fato de o aterro compactado da barragem estar totalmente construído sempre em cima de outro aterro compactado, executado na etapa anterior de alteamento. O segundo aspecto é o fato de a linha freática estar mais afastada ainda do talude de jusante, em comparação ao alteamento por linha de centro. Assim sendo, estes dois aspectos contribuem para minimizar a possibilidade de ocorrência de surgências de água no talude de jusante, piping no interior do aterro da barragem e ruptura da barragem por liquefação do seu aterro, desde que a estabilidade da barragem tenha sido verificada de forma adequada no seu projeto, e sua construção tenha sido executada de forma satisfatória, com uma fiscalização (de execução e de controle tecnológico) eficiente. 3 ACIDENTES EM BARRAGENS DE REJEITO Já aconteceram alguns acidentes com rupturas parciais ou totais de barragens de rejeito no Brasil, sem ter provocado grande destaque no meio técnico da Engenharia Civil, nos meios de comunicação e na opinião pública, em função de sua gravidade ter sido menor. Entretanto, ocorreram duas rupturas recentes e de grandes proporções em barragens de rejeito, descritas a seguir, que chamaram muito a atenção para este tipo de problema, em termos nacionais. A primeira delas é a ruptura da Barragem de Fundão, situada em Mariana (MG), ocorrida em 05/11/2015, com 19 vítimas fatais; destruição de dois vilarejos (distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo) e de várias propriedades rurais, situados a jusante da barragem; e poluição total do Rio Doce até sua foz no Oceano Atlântico, na cidade de Linhares (ES), ao longo de mais de 600 km de extensão do rio. Esta ruptura causou o que é considerado atualmente como o maior impacto ambiental do mundo, envolvendo uma barragem de rejeito. A segunda ruptura é a da Barragem I da Mina do Feijão, situada em Brumadinho (MG), que ocorreu em 25/01/2019, com cerca de 280 vítimas fatais (entre mortos e desaparecidos); destruição de uma pousada e de várias propriedades rurais; e poluição de cerca de 80 km de extensão do Rio Timbopeba. Esta ruptura é considerada o maior desastre em barragens, em relação ao número de vítimas fatais (mortos e desaparecidos) no Brasil. Também é considerado o segundo maior desastre mundial em barragens de mineração, perdendo apenas para a ruptura da Barragem de Sgorigrad, na Bulgária, ocorrida em maio de 1966, em que morreram 488 pessoas. Ultrapassou o desastre da ruptura da Barragem de Stava, na Itália, ocorrida em julho de 1985, com 268 mortos. Deve-se observar que ambas as barragens foram construídas pelo processo de alteamento por montante, considerado o de menor custo, mas o de maior risco. No caso da Barragem de Mariana, ela ainda estava em operação, com rejeito sendo depositado no seu reservatório. No caso da Barragem de Brumadinho, ela estava desativada há três anos e meio.

4 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES É importante observar que o Brasil possui uma engenharia de barragens de qualidade técnica excelente, que é reconhecida internacionalmente. Basta ver os exemplos das barragens das hidrelétricas de Itaipu (2ª maior usina mundial em geração de energia 14.000 MW), Tucuruí (8.400 MW) e Belo Monte (3ª maior usina mundial em geração de energia 11.400 MW), entre outras. Também pode ser citada a barragem mais alta do Brasil, que é a da usina hidrelétrica de Campos Novos (SC), com 210 m de altura. Também vale a pena destacar que não são todas as barragens brasileiras de mineração que possuem problemas e alto risco de ruptura, mas sim uma pequena parcela delas, em especial aquelas construídas pelo processo de alteamento por montante. No caso da Barragem de Brumadinho, ela tinha cerca de 60 instrumentos instalados dentro do seu aterro e do reservatório, para monitoramento do seu comportamento, tais como: piezômetros (para medir pressões neutras) e medidores de nível de água, entre outros. As leituras desses instrumentos eram realizadas, analisadas e acompanhadas de modo rotineiro, além de haver inspeções visuais periódicas, conforme previsto na legislação de segurança de barragens. Essa barragem era classificada como sendo de baixo risco de ruptura, mas de alto risco de danos pessoais (vítimas fatais) e materiais. Infelizmente o risco de ruptura não era baixo, como ficou comprovado pelo rompimento, que ocorreu por liquefação. De fato, o risco de danos pessoais era alto, uma vez que as instalações do escritório e do refeitório dos funcionários da Mina do Feijão estavam localizadas a jusante da barragem, no caminho que o fluxo de lama proveniente da ruptura iria passar, como realmente aconteceu. Também houve relatos de execução de drenos no aterro da barragem, que ainda estavam sendo instalados até no dia da ruptura, indicando provavelmente que havia deficiências no sistema de drenagem interna desse aterro. Deve-se salientar que este artigo não pretende discutir as causas nem os responsáveis pela ruptura da Barragem de Brumadinho, uma vez tais aspectos serão fruto de uma investigação policial e um processo judicial, que estão em andamento. Este texto procurou enfocar os aspectos técnicos de uma barragem de rejeito (mineração) e seu funcionamento. Porém é importante observar que, depois da ruptura de Brumadinho, outras barragens brasileiras de mineração foram consideradas em situação crítica, o que é preocupante. Além disso, existem muitas barragens de rejeito que nunca foram inspecionadas, sendo uma boa parte delas já desativadas, que podem estar em situação de risco e estão abandonadas. Como recomendação, podemos sugerir que sejam discutidas alterações na Lei Nº 12.334/10, que instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), especialmente com relação aos seguintes aspectos: Alteração no protocolo técnico de verificação da segurança de barragens de mineração, tornando-o mais rigoroso. Não isenção da responsabilidade da empresa proprietária da barragem nos atestados de estabilidade das barragens de mineração, mesmo que estes sejam elaborados por uma empresa independente.

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