INATIVAÇÃO DE INDICADORES PATOGÊNICOS EM ÁGUAS CONTAMINADAS: USO DE SISTEMAS COMBINADOS DE TRATAMENTO E PRÉ-DESINFECÇÃO BILOTTA, Patrícia*; DANIEL, Luiz Antonio*. *Laboratório de Tratamento Avançado e Reuso de Águas Departamento de Hidráulica e Saneamento Universidade de São Paulo - Brasil Resumo O presente estudo apresenta uma nova proposta metodológica para o controle de indicadores patogênicos. O procedimento consiste na aplicação de dois estágios de desinfecção conjugados em oposição a um único estágio no método convencional. Para simulação do sistema em condições reais, foi instalada uma unidade piloto em fluxo contínuo junto à estação de tratamento de esgoto da Universidade de São Paulo campus I São Carlos, Brasil. O efluente de reator UASB (upflow anaerobic sludge blanket) respondia pela alimentação da unidade experimental, cuja seqüência de etapas incluía pré-desinfecção com ozônio (baixa dosagem), tratamento secundário em filtro biológico e desinfecção final, novamente utilizando gás ozônio (elevada dosagem). O desempenho do método foi avaliado em exames microbiológicos para determinação de colifagos, Clostridium perfringens e coliformes totais. Os resultados revelaram níveis de inativação superiores com o uso do método combinado. A aplicação de apenas 1mg de O 3 /L, na primeira etapa de desinfecção, reduziu o número de colifagos e Clostridium perfringens em cerca de 1log, indicando eficiência 10 vezes superior ao método convencional. Os dados apresentados são de particular relevância visto a reconhecida resistência de ambas espécies aos procedimentos de desinfecção com uma única etapa. Portanto, considerando-se a baixa dosagem inicial de ozônio e as limitações do sistema real investigado (elevada demanda química de oxigênio e concentração de sólidos suspensos totais) os valores obtidos sugerem efetiva potencialidade do método alternativo proposto, comprovando sua viabilidade técnica na desinfecção de esgoto sanitário. Palavras-Chave: Desinfecção, esgoto sanitário, ozônio, sistemas combinados, indicadores de contaminação. 1. Introdução Nas últimas décadas a crescente demanda por fontes de água pura aliada ao contínuo comprometimento da qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos mundiais tem incentivado estudos em busca de mecanismos tecnológicos promotores do
desenvolvimento social sustentável. Assim, questões associadas à reutilização desses recursos têm sido tratadas com especial atenção por parte de organizações governamentais a eles vinculadas. Neste contexto surgiu o interesse no tema de investigação aqui apresentado, visando o controle microbiológico de indicadores patogênicos presentes em águas contaminadas pelo contato humano de modo a enquadrá-las nos padrões de emissão estabelecidos pela legislação vigente no Brasil e viabilizar seu reuso. Além dos métodos convencionais de desinfecção, como ozônio, cloro, radiação UV, ácido peracético, entre outros, a literatura científica tem reportado a potencialidade promissora do uso combinado de dois ou mais agentes químicos ou físicos, demonstrando alcançar níveis superiores de inativação microbiana. Acredita-se que o fato se deve à ação sinergística do primeiro agente aplicado, favorecendo o surgimento de lesões graves em grupos funcionais vitais, dificultando, assim, sua reabilitação e sobrevivência ao segundo agente germicida. (EPA, 1999) 2. Objetivos O objetivo central deste estudo é apresentar uma proposta alternativa para inativação de microrganismos comumente encontrados em esgoto sanitário, cujo desempenho mostrou-se superior ao alcançado nos procedimentos em uso. O método empregado se baseia na introdução de uma etapa intermediária de prédesinfecção do efluente doméstico, após tratamento preliminar, combinada ao tratamento biológico e desinfecção convencional. A eficiência do processo foi monitorada por meio de exames microbiológicos para determinação quantitativa de bactérias (coliformes totais), vírus (colifagos) e protozoários (bactérias Clostridium perfringens).
3. Metodologia Os experimentos realizados neste estudo foram desenvolvidos em duas etapas: I) ensaios de pré-desinfecção e II) ensaios de desinfecção. O fluxograma representado na Figura 3.1 ilustra a seqüência de eventos envolvidos na simulação do procedimento proposto. (Bilotta, 2006) Figura 3.1: Diagrama em blocos da seqüência de investigação experimental. 3.1 Ensaios de Pré-Desinfecção Para alimentação da unidade piloto da etapa I foi utilizado esgoto sanitário efluente de reator UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) construído em escala real na Universidade de São Paulo campus I São Carlos, em regime contínuo de operação. O tempo de detenção hidráulica estimado nesta fase permaneceu próximo de 12 horas. Para estudo de caso, o gás ozônio foi escolhido como agente germicida devido ao seu elevado poder oxidativo mesmo frente a espécies mais resistentes como Clostridium perfringens. Na pré-desinfecção a concentração de ozônio aplicado, em fluxo constante, se manteve em 1mg/L. A transferência gás-líquido era promovida pelo arraste da fase gasosa com o deslocamento do efluente do primeiro reservatório para a câmara de contato, como descreve a Figura 3.2. Figura 3.2: Descrição simplificada da etapa I de experimentação.
Após a pré-desinfecção o efluente era bombeado para o filtro biológico, construído em PVC e preenchido com carvão ativado granular (Figura 3.3). Pretendeu-se, desse modo, prolongar o período de contato gás-líquido, intensificando a ação indireta do ozônio sobre a estrutura celular dos microrganismos atingidos, e estimular a fixação e crescimento de parte da biomassa ativa, na superfície do carvão, para favorecer a decomposição da matéria orgânica residual. O tratamento secundário foi mantido sob aeração permanente com ar atmosférico pressurizado de modo a fornecer aproximadamente 50 kpa na entrada da coluna (Figura 3.2). Figura 3.3: Representação esquemática do filtro biológico. O tempo de detenção hidráulica no filtro biológico foi estimado a partir da vazão de entrada do efluente anaeróbio na coluna e do volume total por ele ocupado (somatória dos volumes de carvão ativado e dos vazios), calculado em 4,6 horas. 3.2 Ensaios de Desinfecção
Para simulação da segunda etapa da pesquisa foram realizados ensaios em batelada com amostras coletadas semanalmente após o filtro biológico. A câmara de ozonização em acrílico, com 100 mm de diâmetro interno, possuía um difusor localizado na extremidade inferior da coluna para dispersão da fase gasosa nela introduzida. Os elementos componentes da câmara de contato empregada na etapa II estão representados na Figura 3.4. Figura 3.4: Ilustração da câmara de ozonização empregada na etapa II.
Preenchida a coluna com o efluente coletado na saída do tratamento biológico o registro (d) era fechado, o gerador de ozônio ligado e o registro de agulha (a) aberto, iniciando-se, assim, a ozonização. O gás ozônio não consumido na coluna (off-gas) era retido em solução iodeto de potássio 2% no frasco lavador (f). Concluído o tempo de contato, o ozonizador era desligado e os registros de esfera (d) e (g) abertos para escoamento do efluente ozonizado. Para calibração do equipamento gerador de ozônio e determinação da concentração de off-gas foi utilizado o método iodométrico, enquanto a concentração de ozônio residual pelo método índigo blue. (APHA, 1995) 3.3 Parâmetros Experimentais Na Tabela 3.1 estão relacionadas as variáveis operacionais estabelecidas para execução das etapas I e II da fase experimental. Tabela 3.1: Dados operacionais relativos à fase experimental da pesquisa. Pré-Desinfecção Dose teórica aplicada: 1,0mg/L Vazão de ozônio: 9,0L/min Desinfecção Final Dose efetiva aplicada: 30±4,0mg/L Tempo de contato: 5, 7 e 10 min Vazão de efluente: 6,8m 3 /h Volume de efluente: 2,0L Amostras de efluente coletadas em diferentes pontos das unidades de experimentação foram submetidas a análises físico-químicas e exames microbiológicos para avaliação quantitativa do desempenho alcançado no método convencional e combinado, são elas: demanda química de oxigênio (processo oxidativo), ph, alcalinidade (titulação potenciométrica), concentração de coliformes totais (membranas filtrantes em meio de cultura Chromocult ), colifagos (Cetesb LS.225-1990) e Clostridium perfringens (tubos
múltiplos - Cetesb L5.213). 4. Resultados e Discussões 4.1 Exames Microbiológicos Os valores indicados na Tabela 4.1 expressam em ordem de grandeza os resultados obtidos nos experimentos reproduzidos em duplicata (ensaio 1 e ensaio 2). Amostras cujo número de sobreviventes permaneceram abaixo do limite mínimo de detecção do procedimento analítico utilizado foram consideradas ausentes de contaminação (apresentados como valor zero). Tabela 4.1: Variação da população de C. perfringens, coliformes totais e colifagos. Método Convencional [a] Método Combinado [a] P1 [a] T(min): 5 7 10 5 7 10 C. perfringens (NMP/100mL) Ensaio 1: 10 4 10 1 10 3 10 3 10 2 10 2 10 2 Ensaio 2: 10 3 10 2 10 2 10 1 10 1 10 1 10 1 Colifagos (UFP/100ml) Ensaio 1: 10 3 0 10 1 10 1 0 0 0 Ensaio 2: 10 3 10 1 10 1 10 1 10 1 0 0 Coliforme total (NMP/100mL) Ensaio 1: 10 6 10 2 10 2 10 2 10 2 10 2 10 2 Ensaio 2: 10 5 10 2 10 2 10 3 10 2 10 2 10 2 P1: Efluente reator UASB. T: Tempo de contato. [a] Número de indivíduos sobreviventes em ordem de grandeza. Conforme dados da Tabela 4.1, a aplicação de apenas 1,0mg de O 3 /L, na pré-
desinfecção, promoveu a redução do número de colifagos e Clostridum perfringens sobreviventes em cerca de 10 vezes, comparativamente ao método convencional. Estes resultados são de grande valia, pois ambos indicadores apresentam relativa resistência aos métodos de desinfecção adotados em uma única etapa. O comportamento observado no sistema combinado, portanto, corrobora a hipótese originalmente formulada acerca do efeito sinergístico. O fato se deve ao enfraquecimento dos indivíduos expostos à pré-desinfecção e, conseqüentemente, a geração de organismos mais facilmente eliminados na etapa seguinte. As bactérias coliformes totais, todavia, mostraram-se pouco suscetíveis à utilização do método combinado. Portanto, neste caso, os resultados revelaram similaridade de desempenho entre as metodologias examinadas. A variação no tempo de exposição nos ensaios em batelada da segunda etapa não conduziu a mudanças significativas no número de indivíduos sobreviventes nas duas condições avaliadas. Sendo assim, as evidências indicam que 5 minutos de contato seriam suficientes para se alcançar os elevados níveis de inativação obtidos. As Figuras 4.1 e 4.2 representam graficamente a tendência da variável log N/N 0, considerando-se "N 0 = P1" e "N = T", onde P1 corresponde à concentração de indivíduos ativos na saída do tratamento primário, definido como ponto inicial, e T os três diferentes tempos de contato aplicados na segunda etapa da fase experimental (5, 7 e 10 minutos). Figura 4.1: Representação gráfica das frações sobreviventes no ensaio 1.
Figura 4.2: Representação gráfica das frações sobreviventes no ensaio 2. 4.2 Análises Físico-Químicas A concentração de matéria orgânica, avaliada através do parâmetro demanda química de oxigênio (DQO), sofreu constante variação ao longo da fase experimental, comportamento absolutamente coerente com a composição heterogênea e não uniforme do esgoto sanitário. As variações observadas revelaram caráter aleatório no consumo de DQO, sugerindo, portanto, a disponibilidade de ozônio para as reações de desinfecção. A Figura 4.3 descreve a distribuição dos resultados obtidos. Figura 4.3: Variação da DQO nas etapas I e II.
P1: Efluente anaeróbio. P2: Efluente do tratamento biológico no método convencional. P3: Efluente do tratamento biológico no método alternativo. T1: 5 min, T2: 7 min, T3: 10 min. Durante os ensaios o ph se manteve próximo de 6,4 ( 0,8) e a alcalinidade 144 32mg CaCO 3 /L previamente ao filtro biológico e 47 16mgCaCO 3 /L posteriormente a ele, condições estas bastante favoráveis ao crescimento da biomassa. 5. Conclusões Considerando a baixa dosagem de ozônio introduzida na pré-desinfecção e a constante variação na qualidade do efluente na entrada da instalação piloto, os resultados obtidos demonstraram efetiva potencialidade do procedimento combinado na inativação de espécies resistentes encontradas em esgoto sanitário, como colifagos e Clostridium perfringens, comprovando, portanto, sua viabilidade técnica para atingir os níveis de emissão estabelecidos na legislação ambiental brasileira. Pode-se concluir que o efeito sinergístico desencadeado na primeira etapa do método proposto de fato favoreceu a inativação microbiana, elevando a eficiência do processo. 6. Referências Bibliográficas APHA (1995): Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. American Public Health Association, American Water Works Association, Water Environment Federation. Washington, 19 ed., 1268 p. Bilotta, P. (2006): Inativação de indicadores patogênicos em sistemas combinados de tratamento e prédesinfecção de esgoto sanitário. Tese de doutorado, Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo, São Carlos, Brasil. EPA (1999): Alternative Disinfectants and Oxidants Guidance Manual. Environmental Protection Agency.