Cadernos do CNLF, Vol. XIII, Nº 04

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Transcrição:

O PROCESSO DE GRAMATICALIZAÇÃO DO ELEMENTO DE REPENTE Aline Pontes Márcia Peterson (UFRJ) marciapetufrj@hotmail.com INTRODUÇÃO Este estudo tem por objetivo focalizar o processo de gramaticalização das construções com o elemento de repente, com base na análise de dados levantados de entrevistas, orais e escritas, realizadas com falantes das seguintes cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Natal, Juiz de Fora e Rio Grande. O presente trabalho é desenvolvido à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Teoria Funcionalista, especialmente no que concerne à gramaticalização (cf. principalmente Heine, 2003; Bybee 2003). Os funcionalistas concebem a língua como um sistema de comunicação e têm como foco principal investigar a função das formas linguísticas no ato comunicativo. Entende-se por gramaticalização o processo pelo qual a gramática se forma e é renovada. Segundo estudos funcionalistas sobre gramaticalização, parte da estrutura gramatical é proveniente do uso, um item que aparece muito tem mais probabilidade de se gramaticalizar. Conforme Bybee (2003), a frequência exerce um papel muito importante nos processos de gramaticalização. Desse modo, neste trabalho, será analisada a frequência de ocorrência do elemento de repente, ou seja, quantas vezes ele aparece nos corpora com sentido de tempo, de dúvida ou com outro valor semântico. Além disso, serão investigados em que contextos ele expressa tempo, funcionando como adjunto adverbial de tempo (definição tradicional), e em que contextos ele expressa outros valores frequência de tipo. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 937

O TRATAMENTO DE DE REPENTE O elemento de repente, do latim repente, de súbito, de repente substantivo que significa ímpeto; irrefletido; ato repentino, quando mencionado nas gramáticas tradicionais, encontra-se apenas enquadrado nas locuções adverbais, sem muitas explicações. Assim, constata-se que não há uma descrição relevante acerca desse termo. Alguns estudos têm sido realizados no que concerne ao processo de gramaticalização de advérbios. Contudo, estudos referentes à gramaticalização do termo de repente não foram encontrados. Desta forma, neste trabalho, estudam-se os usos que o item de repente apresenta. Para a investigação deste fenômeno, parte-se da hipótese de que o item de repente apresenta mais de um sentido. A- lém do seu sentido tradicional (locução adverbial de tempo), esse constituinte, em decorrência do uso, pode exercer uma outra função, como a de adjunto adverbial de dúvida, como no exemplo: João não foi trabalhar, de repente ele está doente ou com outros valores. Uma segunda hipótese é a de a que a posição em que o elemento de repente aparece, e o modo verbal seriam relevantes na sua significação. METODOLOGIA O Corpus O presente trabalho é constituído por quatro corpora do Grupo de Estudo Discurso & Gramática (D&G), são eles: A língua falada e escrita na cidade do Rio Grande; A língua falada e escrita na cidade de Juiz de Fora; A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro e A língua falada e escrita na cidade de Natal. Os corpora são compostos por falantes de todos os níveis de escolaridade, os informantes cursavam diferentes séries da escola regular. Vale ressaltar que só foram entrevistados estudantes das últimas séries de cada segmento. Cada um destes produziu cinco tipos distintos de textos orais e, a partir destes, cinco textos escritos. Os tipos de textos selecionados foram: narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e relato de opinião. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 938

Para a elaboração deste trabalho, foram recolhidas todas as ocorrências do elemento de repente nos corpora analisados. ANÁLISE DOS DADOS Cumpre salientar que os corpora compostos por dados coletados nas 4 cidades citadas anteriormente forneceram um total de 81 ocorrências do elemento de repente. Vale ressaltar que, se comparado ao número de textos orais e escritos produzidos (5 de cada), o número de realizações do elemento de repente foi pouco considerável, por isso, houve a necessidade de se juntar os 4 corpora. Computando-se os dados gerais do item de repente encontrados no corpus de cada uma das quatro cidades selecionadas, verificase (cf. Tabela 1) o predomínio da frequência de ocorrência deste item na modalidade oral (81%). O corpus do Rio de Janeiro e o de Natal foram os que mais apresentaram o elemento de repente, 34 e 29 o- corrências, respectivamente. Dados do elemento de repente encontrados nos corpora Cidade Oral Escrita Total Rio Grande 4 2 6 Natal 27 2 29 Rio de Janeiro 25 9 34 Juiz de Fora 10 2 12 Totais de ocorrências 66 15 81 Percentuais 81% 19% 100% Tabela 2 No que diz respeito aos tipos de textos produzidos pelos informantes de cada cidade (cf. Tabela 2), destaca-se a alta frequência de ocorrência do item de repente na narrativa de experiência pessoal, tanto na parte oral (34,8%), quanto na escrita (60%). Nota-se que, de todos os tipos de textos analisados, este é o que apresenta maior probabilidade do uso da linguagem informal, visto que se relata uma experiência vivida pelo informante, então, o relato tende a ser natural. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 939

Tipo de texto Parte oral Parte Escrita Apl/T Freq. Apl/T Freq. Narrativa de exp. pessoal 23/66 34,8% 9/15 60% Narrativa recontada 15/66 22,7% 4/15 26,6% Descrição de local 1/66 1,5% 0/15 0% Relato de procedimento 5/66 7,5% 0/15 0% Relato de opinião 22/66 33,3% 2/15 13,3% Tabela 2 No que concerne à posição do elemento de repente, antes ou depois do verbo (cf. Tabela 3), verifica-se um alto índice percentual (96%) de ocorrência quando este item posiciona-se antes do verbo, e um índice pouco significativo (4%) quando o mesmo está depois do verbo. Dessa forma, quanto à variável ordem, constata-se que, com base nos dados analisados, a posição anterior ao verbo é a que se mostra mais frequente. Posição do elemento de repente Apl./T Freq. Antes do verbo 78/81 96% Depois do verbo 3/81 4% Tabela 3 Com relação ao valor semântico do item em estudo (cf. Tabela 4), encontrou-se 52 realizações com sentido de tempo, 25 com sentido de dúvida e 4 com função de marcador discursivo (elemento basicamente interativo que assume a função de preenchedor de pausa). Considerando-se o valor semântico do elemento de repente, verifica-se que seu sentido tradicional, tempo, foi o que mais pareceu na amostra analisada (64%). Entretanto, deve-se destacar seu uso com sentido de dúvida (31%), possivelmente proveniente de um processo de gramaticalização. Além disso, foram encontradas 4 ocorrências com função de marcador discursivo, que totalizaram um percentual de ocorrência de 5%. Valor Semântico Apl./T Freq. Tempo 52/81 64% Dúvida 25/81 31% Marcador discursivo 4/81 5% Tabela 4 Vale ressaltar, de acordo com o observado na Tabela 5, que a Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 940

maioria dos verbos aos quais o elemento de repente está relacionado se encontra no modo indicativo. Ligado ao verbo neste modo, o item apareceu em sua grande parte com valor temporal, totalizando 68,5%, em seguida, tem-se o valor de dúvida, 26,3% e, por fim, seu uso como marcador discursivo, 5,2%. Exemplo: ela estava no... no prédio do amigo dela... de repente ela viu uma... uma/ um negócio de sangue... uma/ como se fosse um monte de pingo de sangue seguindo pro túnel... (Valor temporal, trata-se de um adjunto adverbial de tempo verbo no modo indicativo) É interessante notar que as 5 únicas ocorrências do de repente ligadas aos verbos no modo subjuntivo tiveram sentido de dúvida, o que perfaz um total de 100%. Exemplo:... sai um... um cara mal preparado... aí entra o outro mal preparado... e o outro mal preparado... porque... eu acho que o Brasil... de repente... seja um dos países assim que::... a pessoa entra pra política só por visão de/ ô... vou entrar para a política... tá? está na hora de eu me estabelecer... e... entra com esse/ com essa int/ intuição... sabe? não é pra vo/ não é pra um lance de melhorar o Brasil... (Valor de dúvida, trata-se de um adjunto adverbial de dúvida verbo no modo subjuntivo) Dessa forma, constata-se, com base nos dados observados, que o modo indicativo favorece não só o uso tradicional do elemento de repente como também seu processo de gramaticalização. Valor semântico do elemento de repente em relação ao modo verbal Modo verbal Tempo Dúvida Marcador discursivo Apl./T Freq. Apl./T Freq. Apl./T Freq. Indicativo 52/76 68,5% 20/76 26,3% 4/76 5,2% Subjuntivo 0/5 0% 5/5 100% 0/5 0% Tabela 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora o corpus selecionado tenha sido limitado em virtude de um número reduzido de dados, a análise permitiu que se chegassse à confirmação da hipótese de que há mais de um valor semântico para o elemento de repente, tendo em vista que além do seu valor Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 941

tradicional locução adverbial de tempo, ele também exerce a função de adjunto adverbial de dúvida. Vale ressaltar que em alguns casos o item foi utilizado apenas como um preenchedor de pausa, exercendo a função de marcador discursivo. BIBLIOGRAFIA BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In: Joseph, Brian & Janda, Richard (eds). A handbook of historical linguistics. Blackweel, 2003. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da língua portuguesa. 4ª ed. Fename, 1977. HEINE, Bernd. Grammaticalization. In: Joseph, Brian D. & Janda, Richard D. The handbook of historical linguistics. Oxford: Blackweel, 2003. MARTELOTTA, Mário et alii. Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. Anais do XIII CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2009, p. 942