UM MENINO NO ESPAÇO. 2ª parte



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UM MENINO NO ESPAÇO 2ª parte

CELSO INNOCENTE Um menino no espaço. 2ª parte ISBN 978-85-914107-1-2 1ª edição Innocente, Celso Aparecido Penápolis SP - Brasil 2012

Sumário Prefácio: ---------------------------------------------- 9 De volta ao lar ---------------------------------------- 11 Um novo amiguinho --------------------------------- 37 O disco voador --------------------------------------- 47 Um pouco feliz --------------------------------------- 63 Fora de rota ------------------------------------------- 79 Um planeta ideal -------------------------------------- 95 Os alienígenas------------------------------------------ 115 Um acidente ------------------------------------------- 131 Chegada a Suster -------------------------------------- 151 Encontro com o robô --------------------------------- 165 Notícia triste ------------------------------------------- 177 Pequena viagem -------------------------------------- 197 O novo dormitório ------------------------------------ 219 Telepatia ----------------------------------------------- 237 De volta à escola -------------------------------------- 255 Quem é o mais esperto, o menino ou o robô? ----- 265 Sobre o autor ------------------------------------------ 279 Outros trabalhos --------------------------------------- 281

Este é o segundo volume da estória composta por: - Regis um menino no espaço, - Um menino no espaço, 2ª parte, - O retorno do menino do espaço, - Regis um menino do planeta Terra. Portanto, é recomendado que se leia o 1º volume antes. Na primeira história, Regis fôra levado à Suster, um planeta imortal, a oitenta e sete anosluz da Terra, sendo devolvido um ano depois, sem ter envelhecido um minuto sequer.

P r e f á c i o A pós ter sido sequestrado na Terra e permanecido por quase um ano no distante planeta Suster, onde era amado por seus habitantes, humanos semelhantes aos terráqueos, não suportando a saudade, Regis um simples menino de nove anos de idade, foi devolvido à seus familiares e amigos. Aos poucos, ele vai se adaptando a sua rotineira vida terráquea, com amigos de brincadeiras e de escola, alem de pessoas que investigam sua longa viagem interplanetária. Aqueles alienígenas, humanos imortais, não suportando viver assim, distante do filho que cativaram, resolvem buscá-lo novamente para que permaneça de maneira definitiva em seu mundo perfeito, onde não há dores, crimes, guerras ou tristezas. Mas como Regis, filho da Terra, poderia lhes dar amor e alegria se ele mesmo, não conseguia ter felicidade? Será que se pode haver felicidade em um mundo perfeito, sem que exista a simplicidade ou mesmo peraltice de uma criança? Por que a vida lhes privara deste pequeno privilégio, símbolo de amor e esperança entre as pessoas?

Qual a troca que aqueles seres humanos imortais, darão ao menino para convencê-lo a viver e ser feliz por toda uma eternidade em seu avançado mundo distante da Terra? Acompanhe a continuação das aventuras deste simples menino terráqueo, em um mundo aonde parecia impossível de se alcançar, devido às muitas complicações de se fazer uma viagem em distâncias incalculáveis. Foto capa: Sweetie187 For NASA

De volta ao lar E ram pouco mais das onze horas da noite, quando, com a bolsa de materiais e trajando uniforme escolar (short curto azul marinho e camisa branca, com emblema GEMT, bordado em azul no único bolso), adentrei a varanda de minha casa, que até parecia morta, sem nenhuma luz acesa. Com certeza, todos dormiam. Bati na porta e segundos depois, ela se abriu, onde pensando ser um bonito sonho, mamãe me abraçou chorando: Meu filhinho! Não é possível! Você aqui! Era possível sim. Fazia quase um ano em que me encontrava ausente, sem que eles tivessem quaisquer notícias. Agora ali, com o coração até descompassado, eu também chorava de alegria. Ouvindo o barulho, papai também se levantou e como mamãe, me abraçou emocionado. Filho, onde você estava? Nós ficamos quase loucos, procurando por você em todos os lugares deste mundo! Seria muito difícil explicar a eles o que se passara. Eu retornava de uma longa viagem (longa mesmo). 11

Um menino no espaço 2ª parte Regis, faz um ano que você sumiu de casa! Alegou mamãe. Um ano sem dar notícias, filho! O que houve com você? Você fugiu de casa? A senhora não acreditará em mim! Foi por causa de eu ter lhe castigado naquele dia! Não foi? Onde você se escondeu por todo esse tempo? Eu não fugi de casa, mamãe! Acredite em mim! Claro que acreditaremos em você, filho! Exclamou papai. Onde você esteve todo esse tempo? Estive muito longe daqui! Longe, onde? Perguntou-me papai. Estive em outro planeta, que está a oitenta e sete anos-luz daqui. Outro planeta! Admirou-se papai. Como assim? Não importa filho! Alegou mamãe, talvez não acreditando muito. O importante é que você voltou. Deve estar cansado. Vamos dormir um pouco. Não estou cansado! Mas gostaria de um banho! Fazem setenta dias que não tiro estas roupas. Guardei meu material escolar, que ainda estava em minhas mãos e em poucos minutos, desfrutava de um delicioso banho, no melhor chuveiro do mundo, da melhor casa do mundo, no melhor ambiente do mundo, na melhor família do mundo... Mais de trinta minutos de banho, papai abriu a porta destrancada do banheiro e cobrou: Já não basta? 12

Celso Innocente Faz muito tempo que não tomo um banho gostoso assim, papai! Insinuei rindo, desligando o registro da água. Vai se gastar, com tanta água! Me embrulhei na toalha e segui para meu antigo quarto, onde, observado por meus pais, Leandro e Leticia, me enxuguei e devido o calor penapolense, vesti um antigo pijama curto, que me fôra entregue por mamãe. Logo depois, ainda cercado por todos, abobados e ainda não acreditando em meu retorno surpresa, fui dormir na mesma caminha de outrora. Como eu era apenas um menino e devido o prazer do aconchego de meu lar, acabei por adormecer rapidamente; porém, meus pais, devido o acontecido e com certeza, radiantes de felicidades, provavelmente passaram a noite toda, sem conseguir fechar os olhos. Na manhã seguinte, levantei-me às nove horas, vesti uma de minhas antigas roupas, que sempre consistia em short muito curto, que me fizera ganhar do amigo adulto Luciano, o apelido de francesinho e camiseta, desta feita sem cavas, já surrada pelo uso constante; na cozinha, encontrei meus cinco irmãos reunidos com mamãe, que naturalmente, tentavam juntos entender, o que teria acontecido comigo e meu feliz retorno surpresa. O fujão voltou pra casa. Insinuou Carlos Henrique, meu irmão mais velho, com sorriso irônico. Depois de um breve oi e receber um abraço apertado e demorado, apenas de Paulinho, meu querido carrapatinho, fui direto ao banheiro, onde tomei um novo, porem rápido 13

Um menino no espaço 2ª parte banho matinal, escovei muito bem meus dentes e em seguida, de volta à cozinha, observado por todos, tomei dois copos de café com leite e dois grandes pedaços de pão caseiro, dos que a própria mamãe fazia, recheado com manteiga original em lata e que estava a maior delícia do mundo, pois aquilo era algo que não fazia a um ano. O maninho tá morrendo de fome. Tornou brincar Carlos Henrique. Faz um ano que você não come? Deste pão, faz! Dei de ombros. Após este café, mamãe me abraçou, perguntando-me: Como você foi parar neste tal planeta, que você disse? Fui raptado mamãe, por Tony e Rud, em uma gigantesca espaçonave preta e dourada. A Beth, que estava comigo, veio da escola por outro caminho e então, eles me raptaram. Te raptaram por quê? Eles te maltrataram? Não, me batendo. Te tratavam bem? Cuidavam de você? Eu sofri muito, mas foi de saudade. Por que te levaram? Porque eles me amam muito, mamãe. Te amam? É! O senhor Frene, me ama como a um filho e todos os outros Susterianos também. O senhor Frene, me vê na Terra, a todo o momento. Agora por exemplo, com certeza ele está nos vendo. Ele só me devolveu, pra demonstrar uma grande prova de amor. 14

Celso Innocente Naquela mesma manhã, devido a saudade, fui andar na antiga bicicleta marca Phillips de papai, seguindo pela rua da casa de Beth, onde acabei encontrando-a, que pensando ser um fantasma, se assustou, a me ver. Regis, onde você esteve? É uma longa história, Beth. Eu achava que você tivesse morrido naquele mato. Não morri! Vê? Ironizei rindo. Estou aqui em carne e osso! As pessoas te procuraram muito, por todo lado, mas nunca te encontraram. Achavam que algum maníaco tivesse te matado e escondido o corpo. Credo! Maníaco? Eu hem! Ninguém some assim! Como você fez! Não sou tolo pra cair nas garras de um maníaco! Neguei com sorriso, tentando mostrar esperteza. E foi tolo caindo nas garras de quem? Riu também ela, com sarcasmo. Você cresceu Beth! Era de meu tamanho! Agora está maior! Você é que não cresceu nada! Continua igual ao dia em que desapareceu. É! Onde eu estava, às pessoas não crescem assim tão rápido! Eu já estou no quarto ano e você repetiu. É claro! Eu sei! Você faltou à aula hoje? Não! Estou estudando à tarde! Você não estudará mais comigo! 15

Um menino no espaço 2ª parte Eu sei! Você tem dez anos e eu também! Só que aparento ter nove! Ah! De onde eu venho, eu já teria quinze anos! Deixe de ser mentiroso! Não é mentira não! Lá o ano é mais curto do que aqui e o engraçado é que o dia é bem mais longo e também não existem noites. Então deve ser muito gostoso por lá! Não vou relatar muitos detalhes, mas naquela mesma tarde, papai me explicou que teria feito certa promessa maluca, para que eu voltasse para casa e com isto eu teria que ser submetido a uma pequena cirurgia. Vê lá papai! Neguei. Não tenho nenhuma doença! Ele explicou que seria uma cirurgia muito simples e que me ajudaria na higiene pessoal. Que os judeus circuncidam seus bebês machos e em nosso caso, deixamos tal tarefa, a cargo dos médicos especialistas, que chamam o sacrifício de cirurgia de fimose e eu estaria condenado a pagar sua maldita promessa. Mas papai, Reclamei com lágrimas. se a promessa é do senhor, por que sou eu que terei que pagar? E depois de alguma insistência, acabei concordando com tal cirurgia, embora, apesar dele dizer circuncisão e fimose, meus simples dez anos de idade, ainda não me deixava saber, em que parte do corpo, teria que sofre nas lâminas de um afiado bisturi. Ao descobrir: 16

Celso Innocente Nunca! Protestei convicto. Não serei capado igual a um leitãozinho! Porem, não adiantava reclamar muito. Dez dias depois, devido insistentes apelos de papai, apesar de não ser judeu, não ter prometido nada a nenhum santo sanguinário e que meu pequeno probleminha, seria facilmente resolvido com a ajuda de mamãe, ou por mim mesmo, em simples massagem local, acabei mesmo, com muito medo, vergonha e algumas lágrimas, submetido a tal sacrifício, enfrentando injeção anestésica e bisturi afiado, de um tal doutor Rogério Bastos. Neste período também, com a ajuda de mamãe e carinho de dona Regina, a mesma professora do ano anterior, consegui retornar à escola; pois o ano letivo, mal se iniciara. Estávamos no final do mês de Fevereiro de oitenta e um. Beth, ainda era minha parceira de caminhada para a escola, porem, não colega de classe. Eu voltara a frequentar a mesma terceira série, com praticamente todos, novos colegas de sala, salvo Ricardo e Marcelo, que, assim como eu, teria reprovado no ano anterior. Desta feita, estudava no período da tarde, pois a escola resolveu separar as crianças por faixa etária: de primeira à quarta série, entre sete a dez anos de idade, no período da tarde e de quinta à oitava série, entre onze a quatorze anos, em média, no período da manhã. Devido contar passagens sobre meu sequestro a quase todos os meus amigos, a conversa, aos poucos, acabou indo parar nos ouvidos de repórteres de televisão, que abelhudos, ou simplesmente cumprindo seu dever, vieram investigar o ocorrido, acabando sendo mostrado não só para 17

Um menino no espaço 2ª parte o Brasil, mas até no exterior, onde, os governadores se interessaram e também vieram investigar. Com isto, minha história, acabou parando nos ouvidos de quem mais se interessava por etês e ovinis 1 : os engenheiros da NASA (americana). E foi por isto, que representantes do governo brasileiro, nos visitaram e disseram ao papai: O governo americano, convidou Regis e o senhor, pra fazer uma visita à NASA, com tudo pago. Antes que papai dissesse alguma coisa, decidi imediatamente: Não quero ir, papai! Como não, garoto! Estranhou o homem. Todos os garotos, sonham em conhecer a NASA. Eu não sonho! Neguei prontamente. Será importante pra a humanidade, menino! Eu não quero ir! Neguei, saindo da sala. Espere! Insistiu o homem. A NASA fica na Flórida... Orlando! E daí? Dei de ombros. Disneylandia! E daí? Papai continuou conversando com aquele engravatado e eu, sabendo que podia confiar nele, fui brincar com outros amiguinhos. Poucas horas mais tarde, retornando para casa, papai veio a meu encontro dizendo: Regis, nós viajaremos aos Estados Unidos, dentro de uma semana, mais ou menos. Nós, quem? 1 E.T e OVNI (Extra terrestre e objeto voador não identificado). 18

Celso Innocente Eu, você e o doutor Marcelo. Quem é doutor Marcelo? Aquele homem que esteve aqui. Eu não irei! Será importante filho! Ao mundo e a você! Importante pra mim! Me investigarem? Já passei por isto, papai! Me deixaram sem roupa! Não quero! Eles só querem te ouvir. Estudar alguma coisa que você viveu e aprendeu. Saber onde você realmente esteve... Como foi abduzido... Abi... Abid... O que? Abduzido filho! É a mesma coisa que arrebatar, roubar, levar... Coisas assim! E por que então o senhor não diz: como foi levado? Porque quando se refere a seres extraterrestres os cientistas usam este termo. Não quero ir, papai! Nós também queremos saber, onde você realmente esteve! Não acredita em mim? Eu acredito em você! Me abraçou. Mas precisamos saber mais! Já contei ao senhor, tudo o que passei. Se precisar saber mais é só me perguntar! Não aprendi nada que interessa a eles. Aprendeu sim, filho! Não vai te acontecer nada! Eles só irão conversar com você. Não quero ir! Neguei, fazendo careta. Você não estará sozinho! Insistiu papai. Eu também estarei com você! 19

Um menino no espaço 2ª parte Já disse que não quero ir! Disse que não iria, mas fui. Nunca vi um passaporte e um visto de entrada para os Estados Unidos da América (país rigoroso com a entrada de estrangeiros, diferente do Brasil, que fica de braços abertos para o mundo), ficar pronto em tão curto espaço de tempo. Era terça-feira de manhã, quando um carro do governo do estado de São Paulo, estivera em casa, com duas pessoas; uma delas apanhou um aparelho esquisito e dentro de casa, pediu licença e foi esfregando aquilo em mim. O que é? Perguntei-lhe. Testa pra ver se você está com radioatividade. Sai de mim, sô! Não tenho nada disso não! Precisamos examinar. Em Angra faremos um teste em seu sangue. Olhei triste para papai e reclamei indisposto: Já disse que não queria ir! Nada de mal vai lhe acontecer, garoto! Afirmou o homem. Pode acreditar! Já está acontecendo! Primeiro vem essa porcaria, depois, enfiarão agulhas em meu braço... Depois, com certeza, me mandarão ficar pelado... Não que seja mariquinha, mas já estava com lágrimas. Papai! Se existisse algum tipo de radiação em meu corpo ou organismo, já teria matado dezenas de pessoas. Já que alguém queria proteger o mundo, deveria ter feito tal exame em mim, no dia em que cheguei dos céus. Naquela mesma tarde, já em Angra dos Reis, no hospital da usina nuclear, foram feitos alguns testes em meu 20

Celso Innocente corpo, inclusive, como eu temia, tirando meu sangue e me fazendo fazer xixi, mesmo sem querer; depois, como eu já reclamara antes, não me fizeram ficar pelado, podendo permanecer apenas de cueca, para um pequeno exame ultrassonográfico. Mas felizmente, ou sei lá, nada de muito importante, foi encontrado em meu corpo, apenas vestígios de uma radiação inofensiva, presente em meu organismo. Na manhã de quarta-feira, já com os testes em mãos, seguimos para os Estados Unidos da América, rumo à NASA, aonde chegamos naquela mesma tarde. Ao contrário de que eu e papai esperávamos, ele com o doutor Marcelo, ficaram hospedados em um hotel muito chique, no mesmo complexo do centro espacial Kennedy, no Cabo Canaveral, em Orlando na Flórida e eu, no próprio edifício da NASA, no mesmo complexo, a apenas cem metros de distância. Foi Charles, de aproximadamente trinta anos de idade, moreno, que falava um português muito arrastado, que me levou a meus aposentos. A porta se abriu automáticamente e nós entramos. Era um quarto aconchegante, com televisão, telefone, banheiro, bonita cama de casal, frigobar de hotel, cheinho de guloseimas, entre doces, salgados e refrigerantes, alem de uma estante cheia de livros, todos escritos em Inglês. Acho que queriam me tapear, ou conquistar... É aqui que você ficará. Disse-me Charles. Até quando? No máximo uma semana. Por que papai não está comigo? Ele não ajudaria em nada! Talvez, até atrapalharia. 21

Um menino no espaço 2ª parte Por que então ele precisou vir? Quando terminarmos os estudos, você poderá ficar mais uma semana e então poderá passear com ele. Não, obrigado! Estamos na Disneylandia, o mundo mais cobiçado por todas as crianças do planeta! Quero ir embora logo! Por que tanta pressa? Quando vai começar os tais estudos? Amanhã cedinho. Não poderia ter ficado com meu pai no mesmo hotel? É tão próximo! É melhor você ficar aqui! Não tenha medo! É verdade que aqui o horário é diferente do Brasil? Sim, é verdade. Agora são oito e quinze da noite aqui; no Brasil, são dez e quinze. Na manhã seguinte, um robô que mais parecia uma grande caixa de metal inoxidável com rodinha, abriu a porta e entrou. Era mais ou menos, sete horas da manhã. Eu acabara de me levantar; ainda estava de pijamas. O robô me trazia uma farta refeição matinal, com frutos, suco de laranja, iogurte, pão, bolacha, café, leite e ovos mexidos. Liguei a televisão em qualquer canal e sem prestar atenção no que mostrava, aproveitando a fome, me alimentei muito bem. Logo depois, entrou Charles: Dormiu bem? Perguntou-me. Não muito! Neguei. Por que não? 22

Celso Innocente Preocupado com papai! Não precisa se preocupar! Ele está muito bem! Pra ser sincero, está melhor do que nós, pois está aproveitando o tempo pra passear, pode acreditar em mim. Afinal de contas, quero ser seu amigo. Será que quer mesmo? Duvidei. Que isso garoto? Assim você me ofende! É que às vezes fico pensando: Será que você quer mesmo ser meu amigo; ou apenas está interessado naquilo que aconteceu comigo? Saiba que eu adoro crianças! Tenho um filho de seu tamanho. Se você quiser, posso levá-lo pra conhecê-lo! Que horas? Quando concluirmos os estudos. A que horas iremos ao tal estudo? Assim que você se trocar. Levantei-me indo me trocar, me despindo daquele pijama e colocando um short, uma camiseta e um par de tênis. Está bom assim? Perguntei-lhe. Está ótimo! Vamos? Ainda não escovei os dentes! Segui ao banheiro par esta primeira higiene matinal. Cinco minutos depois estava pronto. Agora vamos? Chamou-me o homem. Senhor Charles! O que foi? Eles vão me mandar tirar a roupa? Claro que não! Por quê? Nada! Vamos! 23

Um menino no espaço 2ª parte Logo depois, na sala em que seria ouvido, fui apresentado a mais dois americanos: Josef, calvo, aproximadamente trinta e cinco anos e Mary, branca, de uns trinta anos de idade; além de Charles e o brasileiro Marcelo, que também se fazia presente. Deitei-me em uma cama de exames, semelhante à de hospitais, diante de todos. Mary sentou-se diante de um computador, para, talvez registrar tudo o que fosse falado. Percebi então, que o interlocutor seria Charles e por isso me senti mais seguro. Regis: Acalmou-me ele. Não tenha medo. Só lhe faremos algumas perguntas e você responderá com bastante calma. Continuei calado, admirando aquela gigantesca sala, repleta de equipamentos metálicos esquisitos. Josef se dirigiu a Charles, dizendo: Where you been for a year? Estive em Suster. Respondi. Já falei um milhão de vezes. Todos se admiraram e Charles me perguntou: Você entendeu a pergunta de Josef? Claro! Ele me perguntou, onde eu estive durante um ano. Mas ele formulou a pergunta em Inglês! E o que tem isso? Compreendo perfeitamente o que ele fala. Como assim? Você só tem dez anos e nunca estudou Inglês! Suponho. Eu entendo qualquer linguagem falada por humanos, senhor Charles. 24

Celso Innocente A partir de então, Charles, começou a falar em Inglês, com Josef e comigo. Como pode ser? Admirou-se ele. Sentei-me sobre a cama, puxei debaixo da camiseta, em meu peito, a caixinha em formato oval dourada, que ganhara de Tony e Rud, assim que entrara na espaçonave. Com isto! O que é isto? Perguntou-me Josef. É um aparelho que traduz qualquer linguagem humana, de qualquer lugar do Universo. Foi criada pelos Susterianos. Charles tirou o aparelho de meu pescoço e a partir de então, passaram a acreditar de verdade, em minha história sobre Suster. Com certeza, eles são bem mais avançados do que a gente. Insinuou Charles, em Português. Milhares de anos! Confirmei. Por que eles o levaram pra lá? Porque eles me amam! Por qual razão? A pessoa mais jovem em Suster, deve ter pelo menos, cinco mil anos. Insinuei. What? Admirou-se Josef em Inglês, que não entendi. O povo Susteriano é imortal. Morrer alguém por lá, é praticamente impossível. E não há crianças, Regis? Especulou-me o senhor Charles. Não senhor! 25

Um menino no espaço 2ª parte E por isso eles te raptaram? Queriam ter uma criança? Isso mesmo! O senhor Frene disse que eu os levaria paz, alegria, amor... Um sorriso de criança... Lá não existem homens e mulheres? Claro que sim! E sei o que o senhor vai dizer. Mas Deus lhes deu um presente: serem imortais. Só que se assim for e continuasse a nascerem crianças; hoje, com certeza não caberia mais ninguém por lá. Com isto, os homens e mulheres passaram a serem estéricas... Estéreis! Corrigiu-me o senhor Charles. Isso mesmo! Só fazem amor... Transam... Por diversão... Gesticulei, tentando me fazer de entendido. Sem vergonhice... Sei lá! O que mais você sabe sobre esse tal planeta? Pra quê? Vocês não estão pensando em atacar Suster! Estão? Eles são de paz. Claro que não, garoto! Só queremos aproveitar você e sua viagem, para aperfeiçoar nossos conhecimentos interplanetários. Como é a gravidade nesse planeta? Nem sei o que é isso! É a força que orbita nossos mundos! Quanto menor for à gravidade, mais leve se tornarão as coisas. Por exemplo: a gravidade na órbita da lua equivale à sexta parte da que existe aqui na Terra, portanto naquele satélite natural, você seria muito mais leve do que na Terra! Quanto você pesa em Suster? Trinta e três quilos! Aleguei convicto. Quanto pesa aqui na Terra? Ué! Gesticulei. Mesmo tanto! 26

Celso Innocente Com certeza, a gravidade é equivalente à nossa! Na lua você pesaria um pouco menos do que seis quilos! Acha! Fiz careta. Podes crer! Lá você conseguiria saltar mais alto do que uma casa. Deite-se. Pra quê? Não estou cansado! O que mais você sabe sobre Suster? Está a oitenta e sete anos-luz da Terra. É iluminado por dois sóis: um deles se chama Kristall e é cinco vezes maior que o nosso; o outro se chama Brina; é uma estrela azul-clara e três vezes maior que Kristall. Cada uma delas ilumina o planeta durante dezesseis horas, completando um dia de trinta e duas horas. Pô meu! Exclamou Marcelo. Você se transformou em um cientista sus-te-ri-a-no! Por quê? Franzi o nariz. Aprendeu tudo! Não se tinha muito que se fazer, durante setenta dias de viagem pelo espaço, a não ser perguntar. E a noite? Continuou Marcelo. Como é? Em Suster, não há noites, só dia. O planeta é cinco vezes maior do que a Terra e tem o mesmo formato. E a respiração? Nada de máscaras? Claro que não! A temperatura lá é de quase quarenta graus; a gente respira oxigênio e as plantas, o gáscarbônico e nitrogênio. A maior parte do oxigênio vem das plantas dos mares e rios. E por falar nisso: Sabe qual é o combustível da nave deles? Qual é? Perguntou-me Charles. 27

Um menino no espaço 2ª parte Gás-carbônico. Enquanto a gente está viajando na nave repleta de oxigênio, a gente produz seu combustível. What you did on this planet? Perguntou-me Josef, sem que eu entendesse patavina. O que você fazia nesse planeta? Traduziu Charles, aproveitando para devolver meu aparelhinho. Passeava... Ia à televisão... Conversava... Divertia. Eles construíram um parque de diversões só pra mim. O senhor Frene, me acompanha aqui na Terra, em todos os momentos. Nesse instante ele está nos vendo. Pode acreditar. Quem é o senhor Frene? Continuou Josef. O governo. Ora! Como ele pode estar nos vendo? Satélites! Ora! Aqui na Terra?! Insistiu Josef. Sim! Três satélites que vigiam toda a Terra e outro que vigia apenas minha cidade. Impossível garoto! Três satélites pra vigiar a terra inteira devem ficar na órbita geoestacionária, a trinta e seis mil quilômetros, lá em cima. Apontou ao céu, ainda Josef. Ele me disse que está a cinquenta mil quilômetros. Balancei os ombros. Não importa, é a mesma órbita. Nós temos uma rede de monitoramento espacial com vinte e nove estações, que monitoram todos os satélites e fragmentos deles ao redor da Terra. Mesmo que o satélite de seu alienígena sequestrador tivesse apenas cinco centímetros de diâmetro, não passaria despercebido em nosso sistema. Invisível! Dei de ombros. 28

Celso Innocente Como é esse planeta? Forçou a mudança de assunto Charles, percebendo que Josef estava me deixando nervoso. Tudo é construído de puro aço. Mas eu só conheço Malderran. Luecy me disse que Orington é a cidade mais bonita e avançada do Universo. Quem é Luecy? O robô! Foi construído em Merlin, do lado oposto de Malderran. E a alimentação? O que é? Não sei o que é! Mas tem os mesmos sabores daqui. Sabor de batata, maionese, laranja, jabuticaba, milho, polenta, leite de soja... Se o senhor Frene te ama tanto, gastou milhões do dinheiro dele pra te buscar... Como ele deixou que você voltasse? Por isso mesmo! Como eu sofria muito, devido a saudade, ele resolveu me dar uma grande prova de amor, me trazendo de volta. Ele me disse também, que se um dia eu quiser voltar pra lá, é só pedir, pois ele estará me ouvindo e me mandará buscar imediatamente. E você vai querer voltar? Jamais! Fiquei um pouco triste e olhando para o teto, como a falar com um amigo imaginário, continuei. Desculpe-me senhor Frene, mas preciso ficar aqui. Com quem você está falando? Senhor Frene! Insinuei. Você esteve um ano fora. É verdade que nesse período, você não sofreu nenhuma mudança. Não cresceu nada? 29

Um menino no espaço 2ª parte É verdade! Até meus cabelos, continuam do mesmo tamanho, desde que parti. Se eu continuasse por lá, seria eterno. Seria sempre um menino de pele lisa e os cabelos, iguais os de hoje. Suas unhas? Mostrei-lhe as mãos com as unhas aparadas. Faz um ano que não corto as unhas! Ri irônico. O que acha? Quantos dias demoram uma viagem daqui até Suster? Na nave deles? Sim! Uns trinta dias deles! Que é diferente dos dias nossos! O interessante é que para quem está dentro da nave, parece que são apenas poucas horas! Seria legal se vocês tivessem falado com Luecy. Por quê? Ele é muito inteligente! Saberia dizer qual é à distância daqui até lá, em quilômetros... Quanto tempo se demora... Até minha idade, em dias, horas, minutos e segundos, ele soube dizer. E olha que por lá, eu já teria quinze anos! Os anos em Suster, são mais rápidos do que aqui. Não sei por quê! E como ele te encontrou aqui na Terra? Questionou-me Josef. Eles acompanham minha vida por aqui, desde que nasci! Como? Satélites! Gesticulei. Já lhes falei sobre eles! 30

Celso Innocente Garoto, este papo de satélites é impossível! Reprovou Josef. Se sua viagem pelo espaço, demora pelo menos trinta dias dos deles, como você mesmo disse, a velocidades impossíveis, uma imagem de satélite, não seria assim como num passe de mágica. Demoraria pelo menos, igual. Oh, oh! Me espantei. Oh, oh, digo eu! Insistiu Josef. Eu não construí satélites! Eu não inventei nave espacial! Eu não pedi pra estar aqui! E não estou mandando ninguém acreditar em mim! Fiquei bravo de verdade. Calma menininho! Tentou apaziguar Charles. Você realmente aprendeu muito sobre tal mundo colonizado. Não ligue para Josef não! Acho que no fundo ele está é com inveja de você, por ele nunca ter ido, sequer à fronteira de nossa órbita terrestre. Tá com inveja?! Dei de ombros. Vá com Deus! Quer que eu chame o senhor Frene? Não dá! Negou Marcelo, com sorriso. Josef não é criança! Aquelas pesquisas duraram ao todo uma semana, porem, sem grandes novidades, pois tudo o que havia de importante, eu já contara no primeiro dia. Como eu reclamara a ausência e saudade de papai, passei a acompanhar o senhor Marcelo, indo todas às tardes para o mesmo hotel em que eles estavam hospedados. Mas praticamente não passeava. Saía do hotel à noite para jantar em restaurante no próprio andar térreo e de manhã para ir ao prédio da NASA, onde inclusive almoçava. 31

Um menino no espaço 2ª parte O cientista americano Josef, sempre foi o que mais duvidava de tudo o que eu falava, sempre me deixando muito revoltado. Já no último dia, praticamente quando diriam que acabou me questionou drasticamente, sempre em inglês: Você chega aqui e tenta me convencer que esteve em um lugar muito distante da Terra, em uma viagem impossível, em apenas setenta e um dias. Diz-me que o tal planeta maior do que a Terra, com um período de rotação de mais de cinquenta horas, o que eu devo concordar, pois se o planeta é maior, com certeza seu período de rotação será maior, mas ao mesmo tempo você me diz que este planeta está muito mais distante de suas estrelas mães do que a Terra está do Sol, no entanto o ano é de pouco mais de duzentos e trinta e quatro dias. Pois bem: eu estudo o Universo desde que praticamente tinha sua idade e sei muito bem que isto é impossível, pois quanto mais distante o planeta está de sua estrela mãe, maior será o período de translação. E também: como se faz o movimento de translação, entre duas estrelas, em posições opostas ao tal planeta? Olhei muito sério para ele e até mesmo assustado, neguei: Não estou entendendo nadinha do que o senhor está falando! Estou dizendo que você está querendo nos fazer de idiotas! Eu não compreendo nada do que o senhor quer insinuar! 32

Celso Innocente Ele só quer questioná-lo, de que se o tal planeta Suster, está mais longe de suas estrelas, que você disse se chamar Brina e Kristall, isto implica que o ano deveria demorar mais dias do que o ano na Terra. Explicou melhor Charles. Exemplo: Mercúrio é o planeta mais próximo de nosso Sol e demora oitenta e oito dias para dar esta volta; Júpiter que está bem mais distante, demora quase doze anos. Fiz careta, como quem não entendeu patavina. O que Josef não prestou atenção é que você só tem nove anos de idade, para saber destes detalhes. E também não estou mandando ninguém acreditar em mim! E também não pedi pra vir aqui! E já completei dez anos... Se tivesse pousado uma nave interplanetária em sua cidade, Continuou Josef. com certeza, ela traria impregnada em seu exterior, milhões de vírus e um nível de radiação tão elevado, que com certeza dizimaria toda sua população. Dizi... o quê?! Não compreendi patavina, mesmo. Com certeza, uma criança não inventaria toda essa história, senhor Josef. Articulou Marcelo em inglês arrastado. E depois, percebemos algo estranho em seu organismo. E como ficaria a força gravitacional? Insistiu Josef. Como assim? Não entendeu Marcelo. Regis disse que pesa em Suster, o mesmo que pesa na Terra! Ou seja: Ele está desafiando as leis de Newton. Se 33

Um menino no espaço 2ª parte ele pesa trinta e três quilos na Terra, Quanto pesaria em Suster? Responda pra mim, menino! Acho que o senhor é biruta mesmo! desafiei-o. Você não é bom de matemática? Trinta e três vezes cinco! Por que vezes cinco? Continuava sem entender. De onde ele tirou o número cinco? Discordo um pouco do senhor. Retrucou Charles. A força gravitacional de um planeta não está apenas em seu tamanho. Precisávamos conhecê-lo melhor pra saber qual é sua relação quanto a tamanho, massa, densidade. Não quer dizer que só porque o planeta Suster seja cinco vezes maior do que a Terra, Regis pesaria por lá, cinco vezes mais. O mais divertido, fôra 2 às visitas em que eu fazia em todo complexo da NASA, espalhado em diversos pontos distantes dos Estados Unidos; inclusive, conhecendo seu administrador: senhor James Beggs, que me informou o verdadeiro nome daquele órgão do governo americano, fundado em vinte e nove de Julho de mil novecentos e cinquenta e oito, dizendo chamar-se National Aeronautics and Space Administration. E embora Charles prometesse, não fui nenhuma vez à sua casa, visitar seu filho de meu tamanho. Nem fiquei 2 Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro, preferi adotar o tal acento circunflexo em fora. 34

Celso Innocente sabendo se era de minha idade. Só descobri que se chamava Mike. O que descobri de mais importante, foi que meu organismo, ainda estava infectado pela tal radiação de Suster e que seria disseminada aos poucos e com isto, eu ainda, por algum tempo, não envelheceria. Mas não era nada preocupante. Terminado todos os ditos exames e entrevistas, teria mais uma semana, para que fosse aproveitada em passeio aos parques temáticos da Disney, ali mesmo em Orlando, em distâncias em torno de apenas cinquenta quilômetros. Mas nem sei por que, recusei. Na saída daquele digamos, laboratório de pesquisas, me despedi de todos, inclusive Josef, que em sorriso fechado me pediu: Espero que você perdoe minhas atitudes ranzinzas. Acho que no fundo estava mesmo era com inveja de suas aventuras por um lugar aonde jamais irei. Já disse que posso indicá-lo ao senhor Frene! Com certeza ele não me quer lá! Me abraçou, ficou de cócoras e pediu: Podemos ser amigos? Tá! Concordei, franzindo os lábios. Me deixou, abriu um armário, apanhou uma caixa em embrulho de presente e me entregou: Pra você! Tenho certeza de que vai gostar! Puxa! Exclamei muito feliz. Obrigado! Rasguei apressadamente aquele papel, encontrando uma caixa com a foto de um aparelho preto, desconhecido para tal menino paupérrimo e um nome: Atari. Abri-a 35

Um menino no espaço 2ª parte imediatamente e me deparei com tal aparelho e três peças retangulares com seus referidos nomes: Space invaders, Pacman e fishing derby. Como o melhor jeito de se fazer amizade com uma criança é corrompendo-a, acho que naquele momento, esqueci todas as rixas que vinha tendo com aquele homem e tornei a abraçá-lo como se fosse o melhor de todos os meus amigos. Nunca vou me esquecer do senhor, senhor Josef, mesmo que tenha brigado comigo. Principalmente por causa de termos brigado bastante é que você não se esquecerá de mim! Riu ele. Claro que o presente ajudará um pouco. Durante viagem de retorno ao Brasil, já a bordo de um aero líneas, com papai e doutor Marcelo. Ele me dizia: Sabia que este presente que você ganhou, ainda nem existe no Brasil? Não? Fiz minha tradicional careta de admiração E acho que ainda vai demorar um pouco! Acho que sou pre... preligi... Privilegiado! Completou papai. Qualquer garoto, gostaria de ter tido a sua sorte! Insinuou Marcelo. Por quê? Este planeta é um verdadeiro paraíso! Quem sabe! Exclamei rindo. Outro garoto, jamais iria querer voltar! Isso é o que o senhor pensa! 36

Celso Innocente Um novo amiguinho D e volta à minha cidade, aos poucos minha vida foi voltando ao normal. Nos primeiros dias, meus coleguinhas enciumados, me especulavam sobre a NASA americana, mas quase nunca sobre o planeta Suster. Já alguns jornalistas, ainda persistiam em saber mais detalhes, tanto sobre a viagem aos Estados Unidos da América, quanto e principalmente ao cosmos. Com o passar dos dias, o assunto foi ficando sem interesse e praticamente ninguém mais se lembrava do ocorrido. Ao sair da escola, às dezessete horas, sem a companhia da colega Beth, seguia de volta para casa, quando um garoto, andando depressa, me chamou: Regis. Virei-me. Era um menininho branco, de cabelos negros, lisos, nove anos de idade, que estudava comigo. Posso ir com você? Me perguntou. Onde? Pra casa! Continuamos andando. 37

Um menino no espaço 2ª parte Onde você mora? Perguntei-lhe. Perto do Santuário de Fátima. Como você se chama? Erick! Você tem nome estrangeiro! Seus pais são Americanos? Acenou que sim, embora, sem muita certeza. Eu estive nos Estados Unidos, na NASA! E no outro planeta? Deve ter sido legal à beça. Foi sim! Mas eu não quero morar lá! Eu gostaria de morar lá! Exclamou ele. Já imaginou ser sempre criança! Nada de escola pra encher o saco! Nada de outros moleques... Outros moleques fazem falta! Insinuei convicto. Gosto de ficar sozinho! Se você quiser, peço ao senhor Frene, pra levá-lo com ele. Ia ser um barato! Você tem muitos brinquedos? Perguntei-lhe. Claro! Tenho um quarto cheio! Seus pais são bons pra você? Magníficos! Meu pai viaja muito pros Estados Unidos. E sua mãe? Minha mãe? Pensou um pouco. Cuida de nossa casa. Qualquer dia, você deixa eu ir à sua casa ver seus brinquedos? Qualquer dia... E você tem muitos brinquedos? 38

Celso Innocente Não muito! Neguei um pouco triste. Meus pais são pobres e não podem comprar brinquedos. E...eles são bons? São! Meus pais me amam muito! Principalmente após eu ter voltado de Suster. Antes eles não te amavam? Sempre me amaram! É que agora eles pensam que sou feito de louça. Ri de minha própria metáfora. Chegando à frente de uma belíssima casa, atrás da igreja Nossa Senhora de Fátima, com a parede frontal, embora pintada em cinza bem claro, feita de tijolos à vista, Erick parou e me disse: É aqui que eu moro. Tchau! Puxa! Exclamei. Sua casa é bonita! Será que eu não posso entrar e ver seus brinquedos? Não! Negou ele sério. Meu pai não gosta que eu leve ninguém pra mexer em meus brinquedos. Prometo que não estrago. Terei muito cuidado. Não posso te levar hoje. Meu pai tem uma reunião importante. Ele não está viajando? Hoje não! A gente não faz barulho. Não! Agora você precisa ir embora! Está bem! Tchau! Segui para casa, com certa ponta de inveja, daquele menino rico, com um quarto cheio de brinquedos, sendo que em casa tínhamos alguns poucos, que eram repartidos entre nós irmãos e a maioria, ainda estavam quebrados. 39

Um menino no espaço 2ª parte Na tarde seguinte, ao voltar da escola, ele tornou a me acompanhar pedindo: Regis, posso ir a sua casa, ver seus brinquedos? Ora Erick, eu tenho poucos brinquedos! Meus pais não podem comprar muitos! Mesmo assim, eu gostaria de ir. Você promete que não vai reparar? Claro que não! Somos amigos! Sua mãe não vai se preocupar, por você se atrasar? Já disse a ela que iria à sua casa. Então vamos! Chamei-o. Mas eu moro longe. Sua mãe não vai brigar com você? Por quê? Levar gente na sua casa! Ela gosta que eu tenha amigos! Chegando a minha casa, segui com Erick, direto a meu quarto, coloquei o material escolar sobre a cômoda, abri o guarda-roupas, apanhei uma caixa de papelão, cheia de tranqueirada, despejando tudo no chão, onde sentamos. Erick, apesar de menino rico, ficou encantado com minha coleção de super-heróis de plástico, como Hulk, homempássaro, Spiderman, superman, Batman, Robin, homem submarino, zorro, fantasma, mulher maravilha Carrinhos de fricção em miniatura e outros, sem fricção; meus gibis do Batman, Durango Kid, Fantasma, Tarzan, Tio Patinhas, Flash Gordon, Brasinha... Cadernos usados da primeira e segunda série; o presentinho feito para minha mãe na primeira série e que ainda continuava comigo; um cartão com as impressões digitais de minhas mãos e pés, quando eu era ainda bem 40

Celso Innocente pequeno; uma mecha de meu primeiro cabelo, que na época era quase loiro e muitas outras bagunças. Meia hora brincando e mamãe entrou no quarto, ordenando: Regis, tire essa roupa da escola! Levantei-me, tirei aquelas roupas, vesti apenas um short surrado preto e uma camiseta amarela, sem cavas e voltei a brincar com meu novo amiguinho; desta feita na sala, jogando Pacman, no moderníssimo e invejado videogame Atari. Seis e meia da tarde, já escuro, mamãe voltou e pediu: Regis, guarde essa bagunça e venha com seu amiguinho jantar. Ajudado por Erick, guardei o vídeo game na estante da sala, depois, todos os brinquedos, que estavam espalhados pelo chão do quarto e fomos para a copa, onde sentamos para o jantar. Não se usa lavar as mãos? Caçoou mamãe. Corremos lavar as mãos e voltamos rápido. O jantar era simples: arroz, feijão, salada de alface e carne de panela. Erick, porém, comeu duas vezes, sem reparar. Tomou um copo de suco e chamou-me: Vamos jogar vídeo game! Seus pais não vão se preocupar com você? Perguntei novamente. Vai nada! Os pais dele sabem que ele está aqui? Perguntou-me mamãe. Não vão se preocupar? Eles não sabem não, mamãe! Neguei. Nós viemos direto da escola. 41

Um menino no espaço 2ª parte Que isso menino! Assustou-se mamãe. Vá logo pra sua casa. Eles devem estar loucos, te procurando. Não estão! Negou Erick. Durante vários dias, tentei convencer Erick, em deixar-me ver seus brinquedos, mas ele sempre recusava, alegando seu pai, não permitir. No entanto, ele ia constantemente à minha casa comigo, permanecendo por lá, até por volta de oito horas da noite, afirmando já ter avisado sua mãe. Passado uns dez dias, tive uma surpresa. Após ter-lhe dito tchau, na porta de sua casa, fingi ter ido embora e me escondi; ele parou no portão da casa, aguardou um pouco, depois retornou, no sentido da escola. Na esquina seguinte, sem perceber que estava sendo seguido, subiu; no meio da quadra, entrou em uma casa pequena, sem reboco e com as janelas, tapadas por plástico velho; então me aproximei, aguardei alguns segundos e o chamei em voz alta: Erick! Já sem camisa e de short, me atendeu, acompanhado por uma mulher de seus quarenta anos de idade. O que você veio fazer aqui? Perguntei-lhe. O que você quer, garoto? Perguntou-me a mulher. Ele mora aqui! A senhora é a mãe dele? Perguntei-lhe. Eu cuido dele! A mãe dele é uma biscate, que ninguém sabe onde está! Não dá a mínima pra ele. Minha mãe não é biscate! Negou bravo, o menino. É sim! Por acaso você sabe por onde ela anda? 42

Celso Innocente Está viajando! Disse ele, ainda bravo. Viajando atrás de macho! E seu pai, Erick? Perguntei-lhe. Que pai, garoto? Nem a mãe dele, sabe quem é o pai dele! Vá embora daqui, Regis! Ordenou-me o garoto. Quem mandou você vir xeretar aqui? Eu não sabia o que dizer ou o que fazer. Acho que só soube mesmo, ir embora. Chegando em casa muito triste, papai, que não era nada bobo, percebeu logo. Entrei em meu quarto, joguei meu material escolar sobre a cômoda, troquei de roupas, apanhei nosso cachorrinho paulistinha marrom, de nome Jerry e sentei-me na cama. Papai entrou, sentou-se a meu lado, pedindo: Vamos lá Regis, desabafe. O que houve? Não falei nada! E precisa? Alguém brigou com você na escola? Sabe o Erick? Seu amiguinho! É! Ele não é rico não, papai! E daí? Você descobriu que ele é pobre e brigou com ele? Não! Neguei ainda triste. Ele não tem pai! A mãe dele vive Sabe... Assim... Com outros homens Papai sentiu. Me abraçou com carinho e continuou: E ele? Com quem vive? Com uma mulher, boca suja! Como assim? Fica falando besteiras! 43

Um menino no espaço 2ª parte E o que a gente pode fazer? Podíamos trazer ele pra morar conosco. Admiro seu ponto de vista. Riu meio triste, papai. Mas não pode ser assim, Regis. Nossa família já é grande. Não podemos arcar com mais essa responsabilidade. Uma vez vi falar que onde comem sete, pode comer oito! Insinuei triste. Já somos oito! Ironizou papai. E depois, criança não é igual um cachorrinho, que se dá pra outra família! Alguém deve gostar de Erick. Duvido! Antes do início das aulas, no dia seguinte, tentei falar com Erick, mas não o encontrei; pensei que tivesse faltado, mas na aula ele estava presente. No intervalo do recreio, procurei-o, mas ele desapareceu. À tarde, ao sairmos, ele andou depressa na frente; então corri em seu encalço, chamando-o: Erick, espere. Ele não respondeu e não esperou. Continuei correndo e ao alcançar-lhe, ele gritou: Me deixe em paz! Eu sou seu amigo, Erick! Não é mais! Por quê? O que eu te fiz? Se você continuar no meu pé, vou te dar um murro na boca! Não quero brigar com você! Neguei. Só quero ser seu amigo! 44

Celso Innocente Enfiei a mão na bolsa, retirei um carrinho Passat à fricção e lhe estendi, dizendo: Olha, é um presente pra você! Nervoso, ele deu um murro no carrinho, jogando-o longe. Não quero porcaria nenhuma! Não sou criancinha, pra brincar de carrinho idiota! Continuou andando e eu parei. Apanhei o carrinho e suas rodinhas, que se soltara no chão. Tornei a encaixá-las e testei a fricção. Já não funcionava. No outro dia, quem o evitou fui eu. Se bem que ele também não me procurou. Na sala de aula, às vezes ele me olhava e às vezes eu o olhava disfarçadamente. Porém, sem fazer muita questão, da amizade perdida. Na saída das aulas, às dezessete horas, esperei por Beth, para minha companhia. O que houve Regis? Por que você me esperou hoje? Perguntou-me ela. Brigou com seu novo amiguinho? Ele é um idiota e mentiroso! E eu? Por que você nunca mais me esperou? Desculpe-me! Não tive essa intenção! Não se preocupe. Eu não fiquei com raiva. Você é menino e deve mesmo fazer amizade com outros meninos. Na outra tarde, enquanto esperava por Beth, Erick se aproximou e sem me olhar, disse: Desculpe ter jogado o carrinho. Tudo bem! Dei de ombros. Ele se quebrou? 45

Um menino no espaço 2ª parte Não funciona mais, a fricção. Acho que estava nervoso. Beth chegou dizendo: Já voltou à amizade? Erick, eu e a Beth, temos que ir. Insinuei. Venha com a gente! Chamou Beth. Ele nos acompanhou calado, até a esquina de sua casa. Tchau! Despediu-se de nós. Quando você quiser ir à minha casa pra brincarmos, pode ir. Convidei-o a meu jeito. Não estou de mal de você. Ta bom! Tchau! No retorno à nossas casas, Beth, perguntou: Ele é muito pobre? Não tem pai e nem mãe que presta! 46

Celso Innocente O disco voador T odos os dias, reservava alguns minutos para falar com meu amigo, senhor Frene; geralmente, quando ia me deitar. Enquanto as demais crianças faziam suas preces a Deus, eu me sentava na cama e passava pelo menos uns dez minutos, naquela monótona conversa, com aquele amigo distante. Monótona sim, mas sabia que ele estava me ouvindo. O horário girava sempre entre nove e meia e dez horas. Até este horário, geralmente visitava meu amigo, senhor Luciano, esposa Sara e filho ainda bebê, que nascera quando eu estava em Suster e por isto, em minha homenagem, recebera o nome Regis Gabriel; depois, ficava na rua brincando com meus irmãos e dezenas de outros amiguinhos da vizinhança. Assim que terminava a novela, mamãe nos chamada para dormir. Já tínhamos tomado banho, mas geralmente voltávamos dessas brincadeiras, todos suados, então mamãe nos obrigava a ir de volta ao chuveiro, de dois em dois, para, pelo menos uma ducha. Não 47

Um menino no espaço 2ª parte fosse ela obrigar, iríamos para a cama daquele jeito mesmo e aí, quem consegue dormir? Eu, geralmente tomava esse segundo banho, acompanhado por Paulinho de seis anos, que também passou a dormir comigo. Até meu retorno, ele dormia em um berço, no quarto de meus pais. Geralmente esperava ele dormir, depois me sentava na cama e em voz alta, com mamãe, papai e os demais irmãos, cada qual em suas camas, mas geralmente me ouvindo; eu dizia: Boa noite senhor Frene. Sei que o senhor me protegeu durante todo o dia de hoje. Obrigado! É engraçado, mas quando eu estava aí, sentia muita saudade da Terra, agora que estou aqui, sinto saudades de Suster, do senhor e de todos os outros. Só que não quero voltar aí. Desculpe-me dizer assim, mas é que se eu for pra í, não terei mais meu pessoal da Terra e estando aqui, o senhor pode me ver e me amparar. Obrigado por isso. Eu amo muito o senhor e todos daí. Dê lembranças ao Tony, ao Rud, a Leandra, ao Luecy. Espero que o senhor não tenha reprogramado ele, pra que se esqueça de mim. Dê lembranças pra todos os que conheci e mesmo os demais, que também gostem de mim. Agora vou dormir. Vou rezar primeiro, depois irei dormir. Sei que o senhor estará olhando por mim. Não me esqueça nunca, pois eu juro que jamais irei me esquecer do senhor. Boa noite e um beijo. Quando começara a rezar a Deus, percebi que papai entrara no quarto e sentara a meu lado. Interrompi a oração e perguntei: O que foi papai? Filho: acho que já está na hora, de você deixar de conversar com seu amigo do outro planeta. 48

Celso Innocente Por quê? Será bem melhor, se você começar a esquecer o que se passou. Papai: Insinuei triste. Mesmo que eu quisesse, nunca conseguiria esquecer o que se passou. Você sente falta de lá? Nããão! Neguei. Sinto saudades da amizade criada lá! Mas só sinto falta daqui! Tem certeza? Não quero voltar pra lá! Mas nunca irei esquecer Papai se levantou, me deu um beijo no rosto, disse tchau e um pouco desnorteado, voltou a seu quarto. Fiz uma oração de cinco segundos para Deus, deiteime e em menos de dois minutos, estava dormindo. E assim, devagar os dias passaram. Fazia agora, cinco meses que eu retornara à Terra. Estávamos em vinte e seis de agosto, quarta-feira. Antes de seguir para a escola, perguntei à mamãe: Mamãe, o que aconteceria se o senhor Frene, resolvesse me buscar novamente na Terra? Nem pensar! Se desesperou ela. Você não pediu isso a ele! Pediu? Claro que não, mamãe! Só estou insinuando. Não quero sair da Terra, nunca mais! Acho bom você parar de falar com esse homem imaginário! Infelizmente ele não é imaginário, mamãe! Ele é muito real! E muito poderoso! 49

Um menino no espaço 2ª parte É melhor você parar de falar com ele, Regis. Pro seu bem! Por que mamãe? Por que meus irmãos estão falando que fiquei biruta, depois que voltei! Não é nada disso! Eles não entendem! Sou eu e seu pai, que queremos. Não posso! Prometi a ele, que jamais o esqueceria! Mas, pro seu bem e nosso também, é melhor você esquecê-lo. Não se preocupe mamãe! Já vou pra escola! Dei-lhe um beijo, rindo, disse-lhe tchau. Ela ainda completou: Se você não esquecê-lo, pode ser perigoso; quando crescer, por um simples desentendimento conosco ou com alguma namoradinha, acabe querendo voltar pra lá. Não se preocupe mamãe! Eu não voltarei pra lá! E depois, o senhor Frene, me quer criança. Quando eu crescer, ele não vai me querer mais! Saí ao encontro de Beth e em seguida para a escola. Às dezessete horas, ao terminar mais um dia de aula, esperei por Beth, que não aparecera; aproximei-me de Luciano, que fôra meu colega de classe no ano anterior e agora estava na quarta série e perguntei-lhe: Luciano, por que a Beth ainda não saiu? Ela foi embora depois do recreio. Disse-me ele. Ela pediu pra ir embora, pois estava doente. O que houve com ela? Não sei! Acho que estava com febre. Tudo bem então. Tchau! 50

Celso Innocente Sem minha companheira de sempre e mesmo sem meu amiguinho Erick, que, mesmo tendo passado meses, depois de se revelar muito pobre e desamparado pelos pais, andava me evitando, peguei meu caminho de volta ao lar. Por estar sozinho, pensei em seguir pelo aeroporto, mas acabei me desviando, pela antiga estrada boiadeira, de terra batida, que fica atrás da casa Anjo da Guarda. Foi exatamente naquela estrada deserta, onde ouvi um forte zunido conhecido e então, parado pelo temor, vi aquela mesma, antiga nave preta e dourada, que pousava diante de mim. Oh, oh... Balbuciei espantado. Acho que quis correr e não consegui. Acho então, que quis pensar e não consegui. Só consegui mesmo, ver a mesma porta se abrindo e o vulto do senhor Tony, aparecendo e me acenando para se aproximar. Enfeitiçado pelo encanto e brilho, daquela bonita nave, subi os degraus, que me levaram à entrada e ao encontro, daquele homem moreno, que aparentava uns vinte e cinco anos de idade, mas na realidade tinha uns cinco mil. Assim que coloquei os pés dentro da nave, a porta se fechou e Tony me abraçou apertado. O que o senhor está fazendo aqui? Perguntei assustado. Viemos buscá-lo novamente! Respondeu ele. Aquela resposta me assustou. Mais que assustou. Apavorou mesmo. Me buscar por quê? Morar novamente conosco, em Suster! Vejo que entende o que falo! Como pode? 51

Um menino no espaço 2ª parte Passei a mão direita sobre meu peito, acariciando o aparelhinho tradutor, que um dia ganhara deles e que nunca deixara de usar. Quem disse que eu quero ir? Questionei-o. Ouça Regis: a gente sente muita falta de você e precisamos levá-lo de volta. Vocês precisam de mim lá pra que? Eu fiquei um ano lá e não fiz nada de importante! Nós precisamos de você. Para lhe dar amor e carinho. Amor e carinho, eu tenho aqui na Terra! Na casa de meus pais! Ou o senhor acha que meus pais me odeiam? Claro que não Regis! Sabemos o quanto seus pais o amam! Pois é! Eu quero ficar aqui! Jamais quero voltar pro seu mundo! Nós já estamos a milhões de quilômetros, distantes da Terra! É mentira! Gritei, começando a chorar desesperado. Não é! Já estamos fora do sistema solar! Pois então, pode me levar de volta! Gritei. Agora! Já! Impossível! Negou ele sério. Impossível uma ova! Gritei. Vocês me pegaram na Terra, sem eu pedir. Podem me devolver, agora! Nada feito! Nada feito, uma ova! Anda logo! Estou mandando! Sinto muito, mas são ordens do senhor Frene. O senhor Frene, não manda em mim! 52

Celso Innocente Ele te ama muito! Nós te amamos muito! Mas eu odeio a todos vocês! Entendeu? Eu sempre vou odiar a todos! Odeia nada, Regis! Odeio sim senhor! Gritei chorando. Odeio!... Odeio!... Odeio! Fique quieto garoto! Odeio vocês! Gritei novamente. Não gosto de seu planeta! Não gosto de vocês e quero voltar agora, pra minha casa! Dá pra não gritar comigo? Por favor! Eu grito mesmo! Ninguém é dono de mim! Você está mudado! Está muito mal educado! Sabia? Sou mal educado mesmo! Quero ficar com meus pais! Não quero ir pra um local estranho! Ouça aqui: nós viemos te buscar, com ordens do senhor Frene. Não estou a fim de ouvir essas malcriações. Mesmo porque sou mais velho do que você e alem do mais, já estou cansado! E o senhor acha que estou mal educado! O senhor ainda não viu nada! Você é quem sabe! Também sei retribuir à altura. Fique sabendo, que não gosto de ser malcriado. Só que não gosto que me maltratem também! E vocês estão me maltratando. Ninguém está te maltratando! Que homem burro! Desanimei, fazendo micagem. O senhor não entendeu ainda, que estão me raptando e eu não quero ir? 53

Um menino no espaço 2ª parte Regis, nós o amamos! Disse-me ele calmamente. Pois vá amar o diabo! Gritei. Eu odeio vocês! Ele ficou nervoso e gritou: Ouça aqui moleque: não sou obrigado a ouvir suas malcriações! Vá já pro seu quarto! Logo! Minhas lágrimas de desespero aumentaram. Não vou! O senhor não manda em mim! Se você não vai, vou eu! E saiu apressado. Esmurrei com toda minha força, a parede interna da nave, onde seria a porta, mas que não apresentava nenhuma ranhura que indicasse isso e que também, nem mesmo barulho fez; depois me dirigi a um canto qualquer daquele grande hall, sentei-me no chão e continuei chorando sozinho. Sabia que de nada adiantaria aquelas lágrimas, mas o medo de ficar longe de casa era muito. Sabia que a decisão do senhor Frene, em me levar de volta à Suster, era pensada e o senhor Tony, jamais voltaria da metade do caminho, sem que eu estivesse à bordo. Eu era uma criança de dez anos de idade, com a mesma aparência dos nove de antes e eles me queriam a todo custo, devido a um prêmio que ganharam, de serem eternos no Universo e o alto custo: não poderem gerar mais filhos, sendo com isto, a pessoa mais jovem, estar acima dos cinco mil anos de idade. Eu seria por lá, a única criança e por isto, eles me amavam, talvez obcecadamente, como se eu fosse o filho de cada um de seus mais de três bilhões de habitantes. Por outro lado, eu estando lá, também seria eterno e jovem. Ou seja: passaria centenas e milhares de anos e eu continuaria vivo e com um delicado corpo de criança, sem um pêlo sequer (a não ser na cabeça); sem uma 54

Celso Innocente ruga e com a simplicidade infantil. Tudo isto, seria um prêmio, mas eu não queria e ali no canto da nave, que cortava o espaço sideral a uma velocidade, que na realidade, nem mesmo Luecy, que era o robô metido a inteligente, de Suster, pudesse calcular. Ali, eu, desesperado, continuava chorando e dizendo sozinho: Quero voltar pra casa! Por favor, senhor Frene: me deixe com meus pais! Não quero ir a seu mundo! Não posso! O tempo se passava lentamente e a cada segundo, me encontrava mais distante de casa. Sabia que por mais setenta dias, permaneceria enclausurado naquela estranha nave, sem ter o que fazer ou como voltar. As lágrimas continuaram por longo tempo; até que acabei adormecendo. Uma hora depois, acordei, me levantei devagar e segui para o que da outra vez, teria sido meu quarto. Sua porta se abriu sozinha e eu entrei. Aquele aposento estava igualzinho antigamente: paredes douradas e enfeitadas por vários espelhos; duas camas azuladas, feita com material em acrílico e forrada por ricos tecidos de lã e seda. Ainda soluçando, deitei-me sobre uma das camas e sozinho, permaneci durante muito tempo, até conseguir dormir novamente. Ao acordar, o outro susteriano, senhor Rud, moreno, com aparência de vinte e cinco anos, estava sentado a meu lado. A me ver abrir os olhos, me cumprimentou: Olá Regis! Como vai? Nada respondi. Estava bravo e triste. Não reconhece mais um amigo? Insistiu ele. Continuei calado. Acho que estava doente. Por que está agindo assim, Regis? 55

Um menino no espaço 2ª parte Por favor, senhor Rud, me leve de volta pra minha casa. Me entenda garoto. Eu não posso! Que horas são agora? Na Terra? É! Na sua cidade, são mais ou menos, três e meia da manhã. Já? Me espantei. É! Pra você parece apenas alguns minutos! É normal. Meus pais devem estar loucos a minha procura. Eles sabem que você está conosco. Como assim? Me admirei. Vocês o avisaram? Da outra vez em que lhe buscamos na Terra, nossa nave estava invisível aos demais. Porém, desta vez não! Todos nos viram: pousar e subir. Por quê? Pra que seus pais pudessem saber, que você se encontra conosco. Minha mãe está desesperada! Vocês não sabem que ela me ama muito? Sabemos, Regis! Mas nós precisamos de você! Eu não preciso de vocês! Antes eu os amava, agora eu os odeio! Não fale assim menino! Isso não é verdade! É sim senhor! Quem conhece meu coração sou eu! A gente conhece seu coração! 56

Celso Innocente Ainda hoje na escola, a gente leu uma mensagem da criança que diz: Não sou simples ornamento de seu carinho... E o que tem isso?... Não sou um brinquedo, que me usam, depois me deixam de lado! Sou humano! Tenho coração e sentimentos! Você ainda não comeu nada! E nem vou comer! Não quero! Só quero morrer de fome, pra não pertencer a vocês! Não sou objeto, pra ninguém mandar em mim! Regis, ninguém manda em você! Nós o amamos! Só isso! Quem me ama, não me faz sofrer! Por que o senhor não me deixa sozinho? Pra que? Pra que eu possa chorar sozinho! Realmente vou te deixar sozinho. Pra que você se acalme. Depois a gente conversa mais. Tá bom? Não quero conversar com ninguém! Sou um prisioneiro e não preciso gostar de quem me maltrata. Você não é prisioneiro, garoto! Me deixa em paz! Por favor! O senhor Rud, sabendo que de nada adiantaria ficar ali comigo, resolveu sair sem olhar para trás e dar mais um tempo, para que eu aceitasse a idéia de ser um filho deles. Eu, protegido por seu planeta, jamais fôra um menino mau; mas agora, não aceitava mesmo, o que eles estavam fazendo comigo. Jamais aceitaria a ideia, de passar milhares de anos, sem ver meus familiares, meus amiguinhos e colegas de escola. 57

Um menino no espaço 2ª parte Triste, de certa forma, revoltado e acho que mesmo adoentado, sem poder fazer nada, voltei a dormir. Dormi por mais algumas horas e tive pesadelos, a respeito de meus sequestradores. No sonho, me encontrava totalmente amarrado, preso a uma grande cama; os senhores Tony, Rud e Frene, juntos, me surravam com uma cinta cada um. Enquanto isto, Tony gritava: Seu cachorro! Você jamais voltará à Terra! Experimente roubar nossas naves, como fez da outra vez, que eu te persigo e te destruo no espaço, depois como sua carne assada no jantar! Entendeu? De repente, variando entre gemidos, acordei, tornando a ver Tony, que me disse: Calma, Regis: Você está com pesadelos. Olhei-o assustado e nada disse. O que houve com você? Perguntou-me ele. Não me bata, por favor! Pedi assustado. Ninguém vai te bater, bobinho! Eu não sentia fome, porém, estava com o corpo todo suado e com muita sede. Senhor Tony: O senhor pode me dar água! Claro! Exclamou ele, se levantando. Já vou buscar! Saiu pela porta, que se abriu depois se fechou atrás de si. Fiquei calado, pensando vazio e nem me mexi. Não se passou mais do que um minuto e ele voltou, com um copázio de água. Sentei-me na cama e bebi tudo. Você está com fome? Perguntou-me ele. Acenei que não. 58

Celso Innocente Já faz mais de quinze horas que você está aqui e ainda não comeu nada. Não tenho fome! Neguei. Em início de viagem espacial, seria natural qualquer viajante sentir fome, depois, o organismo se habitua e passa a se alimentar realmente muito pouco, em torno de uma vez por semana e assim mesmo, o equivalente a um copo de leite. Meu caso era diferente: trauma não deixa ter fome. Fui me deitar e ele, resolveu intervir: Levante-se garoto! Chega de ficar só deitado! Quero voltar pra casa! Insinuei ainda sentado. Ele me abraçou. Quando meu rosto tocou seu corpo, ele me disse: Nossa como você está quente! Você está doente? Não sei! Acho que sim! Deite-se. Disse-me ele, me deixando. Vou providenciar algo, pra você sarar. Senhor Tony: eu vou morrer? Que isso menino? Se espantou ele. Você vai ficar bom, e logo! Fique aqui que eu já volto. Saiu e em dois minutos, voltou mesmo. Consigo trouxe um copo, cheio de um líquido amarelo, como suco de laranja. Eu, que havia me deitado, tornei a sentar na cama, tomei aquele líquido, sem fazer perguntas e voltei a me deitar. Tony continuou ali, sentado ao pé da cama, me observando em silêncio. Não consegui mais dormir. Também quase não conversei. Não chorei e muito menos, sorri. Tony falava 59

Um menino no espaço 2ª parte sempre, tentando me conquistar para seu mundo. A cada cinco minutos, punha a mão em meu rosto e dizia: A febre já está mais baixa. Daqui a pouco você estará bom. Após ficar por mais de uma hora me pajeando, resolveu sair, dizendo: Preciso ir à cabine, auxiliar Rud. Que horas são? Perguntei-lhe. Na sua cidade, são umas nove horas da manhã! Vou ter que faltar a aula hoje? Não se preocupe com a escola, Regis. Descanse. Quando a porta já estava aberta e ele já se retirava, ainda me disse: Quando você quiser, vá até a cabine pra gente conversar. Eu deixo você controlar a nave. Não quero! Neguei. Quando tiver fome, você pode pegar qualquer alimento no armário e na geladeira. Você já sabe onde fica. Não sabe? Acenei que sim e ele saiu. Continuei na cama, pensando em vingança. Torcia para a nave pegar fogo e queimar Tony e Rud. Mas logo percebi que eu também estava nela. A princípio não me importei. Seria melhor morrer, do que nunca mais rever a Terra; depois já não queria mais, pois morrer queimado, com certeza deve doer muito. Pensei em: eu mesmo pegar alguma coisa e matar os dois, depois mudei de idéia. Se eu os matasse, teria que pilotar a nave, aí tornaria a me perder no espaço e talvez, acabasse no planeta dos gigantes e da garota Mira, onde a aranha gigante, quase me devorou e os 60

Celso Innocente gigantes, me deixavam pelado, para me estudar. Ou, mesmo que não me perdesse e chegasse à Suster, certamente o senhor Frene me bateria e me amarraria naquela cama quente. Alem do mais: como eu mataria Tony e Rud, se eles são imortais e também, me amam como a um filho? 61

Um menino no espaço 2ª parte 62

Celso Innocente Um pouco feliz A lgumas horas mais tarde, me levantei; ainda estava doente. Em passos lentos, me dirigi à porta que se abriu. Saí, indo até uma saleta, onde havia uma geladeira, idêntica à da Terra. Abri-a e apanhei um frasco de uma bebida, tipo iogurte. Abri-o, era verde como abacate; sem me importar com a cor, experimentei-o; apesar de estar com a boca amarga e dentes grossos por falta de higiene bucal, o gosto era bom e não pude identificá-lo; tomei tudo, depois tirei o papel tipo seda que envolvia o frasco e o devorei, pois era feito de um produto comestível, assim como casquinha de sorvete. Retornei, seguindo ao sentido da cabine da nave. Parei na porta de entrada e fiquei observando Rud e o espaço, através do visor frontal, como um pára-brisa de carro, só que bem maior e mais nítido. O espaço estava escuro e tudo que se podia ver, eram milhões de lampadinhas, que brilhavam a nosso encontro. Eu já sabia que eram as luzes das estrelas; pois com nossa enorme velocidade, parecia que as estrelas corriam conosco, mesmo 63

Um menino no espaço 2ª parte sabendo que elas estavam a milhares de anos-luz de distância. Entre, Regis! Chamou-me Rud. Sente-se na outra poltrona. Obedeci-o, calado. Você ainda está doente? Acenei que sim. Comeu alguma coisa? Não tenho fome! Neguei. Se continuar assim, não vai sarar nunca! Não me importo! Você quer morrer? Balancei os ombros, como a dizer: Tanto faz. Você precisa deixar desse bico e procurar ficar contente; afinal, você é o único menino de seu planeta, a ter uma aventura no espaço. Não pude me conter e recomecei a chorar. Pode parar com isso! Ordenou-me Rud. Vamos fechar essa torneirinha! Você só sabe chorar... Chorar... Não dá pra ficar feliz um pouco? Nesse momento, entrou Tony, que a me ver, disse à Rud: Não se importe muito com ele. Ele é um problema do Frene. Virou-se para mim, dizendo: Ouça aqui garoto: quero que você saiba que se dependesse de mim, jamais lhe buscaria novamente. Por isso, nada de brigar comigo. Sequestrador que faz o que outro manda, é bandido igual! 64

Celso Innocente Se eu fosse você, procuraria ficar um pouco feliz e aproveitar a viagem. Chegando a Suster, você convence o Frene, a te devolver à Terra e pronto. Daqui quanto tempo? Perguntei chorando. Um ano talvez! Com isto meus pais ficam loucos! Seus pais sabem que você está conosco, Regis. Insinuou o senhor Rud. E eles sabem que o amamos e o tratamos bem! Portanto, eles irão entender. Levantei e fui me retirando devagar. Regis. Insistiu o senhor Rud. Olhei para trás. Perdoe a gente; tá! Não respondi e saí devagar. Deixe, Rud. Pediu Tony. Logo ele ficará bom. Regis! Insistiu o senhor Rud. Olhei para trás e ele pediu: Vá ao banheiro e escove os dentes! Está com mau hálito. Apesar de eles serem duros na queda, sabia que no fundo, os dois me compreendiam e me davam razão em estar muito triste e revoltado. O tempo foi passando lentamente e eu continuava muito revoltado. Não aceitava a idéia de ter sido novamente retirado de meu mundo, como se fosse um objeto qualquer, fazendo sofrer, a todos a quem gosto, inclusive a mim próprio. Já havíamos viajado pelo menos umas quinhentas horas susterianas; o que significava pouco mais da metade do caminho, para Suster. Ou seja: uns trinta e sete dias 65

Um menino no espaço 2ª parte terráqueos de viagem. Para mim, não mais do que quatro ou cinco. Eu continuava triste e sem vontade sequer, de sair de meu quarto. Geralmente o senhor Rud me visitava e passávamos horas conversando, onde, quase só ele falava. Quando estava sozinho, passava o tempo lendo, escrevendo ou desenhando. Às vezes, ia até a cabine e ficava observando o espaço, que geralmente, estava escuro como trevas, mas às vezes, era dia como na Terra. Desta feita, o senhor Rud, entrou em meu quarto e me surpreendeu desenhando. Meu desenho era a espaçonave, na qual nós viajávamos. Não estava bonita, mas como os pais gostam de elogiar o trabalho dos filhos, ele disse: Que desenho lindo! Lindo nada! Neguei, como todo menino manhoso, costuma fazer pra chamar a atenção. Está horrível! Horrível? É a melhor obra de arte que eu já vi! Dei um sorriso forçado. 66