ENCARCERAMENTO FEMININO

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Transcrição:

Policy Paper - Segurança e Cidadania ENCARCERAMENTO FEMININO Rio de Janeiro FGV DAPP 2018 Policy Paper Encarceramento Feminino 1

Mulheres e Prisão O crime de tráfico de drogas é, atualmente, o principal responsável pelas prisões de mulheres no Brasil. Por trás disso estão instituições jurídicas e policiais que buscam controlar e punir os envolvidos com esse crime. Nesse sentido, este texto buscará analisar as estatísticas oficiais de encarceramento feminino a partir da abordagem conceitual de uma sociedade disciplinar [1], que lança mão de mecanismos para assegurar a ordem e o controle dos indivíduos. A busca pela diminuição do comércio ilícito de drogas a chamada Guerra às Drogas também impacta, de diversas maneiras, aqueles que fazem parte da vida do condenado ou da condenada por crimes relacionados a esse comércio, como, por exemplo, os seus familiares. Com base nessa premissa, serão levados em consideração dados sobre o perfil das encarceradas e a problemática materno-infantil existente na sua condenação, já que uma especificidade do encarceramento feminino é a relação dessas mulheres com os seus filhos quer seja porque estão grávidas ou porque são lactantes ou, ainda, porque seus filhos são menores de idade e ficam sozinhos, sem responsáveis diretos. Cabe ressaltar que, em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus coletivo para mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos de idade e que estivessem cumprindo prisão preventiva, gerando um grande debate, sobretudo nas redes sociais, sobre essa questão. É pertinente apontar que, entre os anos de 2005 e 2016, houve um crescimento vertiginoso das taxas de mulheres presas no país, como será mostrado a seguir, embora esses números de penalização permaneçam inferiores às taxas de aprisionamento masculino [2]. Nessa perspectiva, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas ( FGV DAPP) busca contribuir com todo esse debate, por meio da análise de dados inéditos cedidos pelo Centro de Estudos e Pesquisa da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), lançando um olhar sobre as mulheres que ingressaram no sistema carcerário fluminense no período de janeiro de 2013 até março de 2018. Da mesma forma, pretende-se estabelecer um cruzamento dessas informações com as publicadas sobre mulheres encarceradas no Brasil conforme dados do Infopen/Depen 2016, quando se olha o estado do Rio de Janeiro. O aprisionamento de mulheres no Brasil O interesse de pesquisadores [3] sobre o universo do encarceramento feminino vem crescendo no Brasil desde fins da década de 1990, momento em que se inicia uma escalada de aprisionamento de mulheres nas penitenciárias brasileiras. Esse olhar dos pesquisadores se insere em uma perspectiva interdisciplinar, que busca abordar aspectos sobre a imagem da mulher na sociedade contemporânea, além de pôr em perspectiva os números do país, já que 5,5% da população carcerária mundial é composta por mulheres, enquanto que 6,4% das pessoas presas no Brasil são do sexo feminino [4]. Policy Paper Encarceramento Feminino 2

Sabe-se que, com a promulgação da Lei 11.343 [5] em 2006, houve um endurecimento das penas contra o tráfico de drogas no país, fazendo com que aumentasse o contingente de indivíduos nas cadeias brasileiras a partir desse ano. No que diz respeito ao encarceramento feminino, entre os anos de 2000 e 2016, houve um crescimento de mais de 567% desse grupo nas penitenciárias, revelando que, nesses dezesseis anos, houve uma explosão da população carcerária feminina de 5.600 para 42.355 mulheres. O Gráfico 1, a seguir, revela que, em 2016, o Brasil estava em 3º lugar na lista dos países com maior número de mulheres encarceradas no mundo, quando se compara à taxa de 100 mil habitantes, ficando na frente da Rússia e da China, países com quantitativo populacional superior ao brasileiro. Gráfico 1 - Informações prisionais dos países com maior população prisional feminina (Janeiro/2016 a Março/2016, por taxa da população feminina residente) Fonte: Infopen/Depen, 2016, elaborado pela FGV DAPP. O Mapa 1 mostra os estados brasileiros com as maiores taxas de concentração de presas para o ano de 2016. Acre (7,1), Amazonas (9,2), Rondônia (8,2), Roraima (6,7) e Mato Grosso do Sul (11,3) são os locais que possuíam maior quantitativo de mulheres encarceradas. Policy Paper Encarceramento Feminino 3

Deve-se apontar que, ao se observar o valor absoluto, o estado de São Paulo é o primeiro no ranking das encarceradas. Mapa 1 - Mapa da taxa por 10 mil mulheres presas no ano de 2016, por unidade da federação (Janeiro/2016 a Março/2016) Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016. Senasp, 2016. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015, elaborado pela FGV DAPP. Infogram: https://infogram.com/app/#/edit/275c4dfb-dd2c-4818-961c-56ee0dd9d783 Policy Paper Encarceramento Feminino 4

No que diz respeito aos tipos de crimes que causaram a condenação de mulheres, verificou-se que a maior parte delas é condenada por tráfico de drogas, o que vai ao encontro da publicação da chamada Lei de Drogas, anteriormente citada, que aumentou o quantitativo de entradas, sobretudo de mulheres, no sistema prisional brasileiro [6]. Gráfico 2 - Tipo de crimes que levaram à condenação de homens e de mulheres no Brasil (Janeiro/2014 a Dezembro/2014) Fonte: DATACRIME, elaborado pela FGV DAPP. Já, em relação aos tipos de presídios, é interessante observar que há um quantitativo maior de presídios mistos (17%), no Brasil, do que voltados especificamente para o encarceramento feminino (7%). Conforme evidencia o relatório Infopen Mulheres [7], publicado em 2014, 90% das unidades mistas são consideradas inadequadas para as gestantes encarceradas. Enquanto que nas unidades especificamente voltadas ao encarceramento feminino, esse número cai para 49%. Além disso, a presença de berçário e/ou centro de referência para mulheres nas unidades mistas era de 3%, enquanto que, nos presídios específicos para mulheres, esse percentual era de 32%. E, ao se tratar da existência de creches, Policy Paper Encarceramento Feminino 5

as penitenciárias mistas declararam não possuir esse recurso nas suas unidades. Em contrapartida, 5% das unidades femininas afirmaram possuir creches, o que ainda é um percentual baixo frente à necessidade de atendimento aos filhos de mulheres encarceradas, já que a maioria das presas aproximadamente 64% revelaram ter, pelo menos, um filho. Cenário do encarceramento feminino no Rio de Janeiro A situação da segurança pública no estado do Rio de Janeiro faz com que exista uma necessidade de se observar, por diferentes ângulos, a problemática relacionada à criminalidade nesse estado. Para tanto, em parceria com a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, a FGV DAPP buscou analisar dados sobre o perfil prisional das mulheres no estado fluminense, relacionando-os com o contexto nacional. O recorte temporal estabelecido nesta análise foi de janeiro de 2013 a março de 2018. Durante esse período, foram contabilizadas 32.897 mulheres encarceradas no estado do Rio de Janeiro. Desse grupo, 17.106 mulheres foram condenadas por tráfico de drogas, o que representa 52% do total de detentas. O tráfico de drogas figura, assim, como o principal responsável pelo encarceramento feminino no Rio de Janeiro, como pode ser observado no Gráfico 3. No entanto, devem se pontuar as formas de inserção dessas mulheres no mercado de drogas ilícitas, pois, como mostrou Chernicharo (2014, p. 3), na estrutura do mercado de drogas ilícitas, as mulheres ocupam as posições mais subalternas, como mula, avião, bucha, vendedora, fogueteira, vapor etc. [8]. Isso as torna mais vulneráveis frente a possíveis prisões, pois essas funções demandam contato direto com as mercadorias ou com serviços para traficantes. Policy Paper Encarceramento Feminino 6