CONTO DO NÃO-PAULO (Mauricio Rodrigo Ferreira)



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CONTO DO NÃO-PAULO (Mauricio Rodrigo Ferreira) *troquei os móveis de lugar cerca de vinte vezes nesse último mês. No final de semana, devido a cabeça estar menos ocupada, chegava a alterar as mobílias duas vezes ao dia. Nem a insípida água se safou, pois passei a alterar, adicionando um torrão de açúcar, os indiferentes copos d'água. Até sair rua à fora com as meias de pé uma de cada cor eu tentei, e nada. Nada parecia adiantar, e sabia que mesmo mais dessas manias súbitas não me ajudariam a romper com aquela angustia bizarra. Queria não ser eu. Qualquer outro. Não era caprichoso, não carecia ser pessoa famosa, artista de TV ou modelo internacional. Foram tantas as bizarrices que cometi por causa dessa paranoia que se eu continuar a contar capaz que chegue ao limite de minha própria credibilidade como um ser lúcido. Já desesperançado, dei-me como última alternativa, antes de procurar um psicólogo, psiquiatra ou outra coisa que o valha, fazer uma viajem. Decidi à noite, e quando bocejou a manhãzinha nublada, mala pronta num instante, saí porta à fora. A rua silenciou-se querendo ouvir os meus passos loucos. A grama umedecida pelo sereno debochava das minhas meias coloridas; não dei a eles nem bola nem quadrado, segui contente pela calçada gorda. O que me combinei foi o seguinte: chegar à rodoviária e escolher a cidade que carregasse o nome mais esquisito, e para lá mesmo que eu me despacharia. Ingenuamente, pensei que seria fácil escolher, com exceção de Rolândia, Cubatão, Curralinho e Pau Grande que foram as primeiras a serem - de imediato - descartadas... Já as outras, como Campos do Jordão, Macedônia e Rincão - pareciamme muito distante; Juiz de Fora - não me passou muita confiança; Alto Alegre - lembrou-me alguém insuportável; Ilha Solteira - preferi esperar até que assumisse compromisso com a Ilha Bela; Lagoinha - já que ia viajar queria mais que apenas molhar os pés; Matão - Se possuísse ao menos um canivete...; Divinolândia - seguramente não era o céu, no máximo uma comunidade repleta de testemunhas de Jeová. Por fim classifiquei duas feiosas, Brodowski e Neiva. A primeira foi eliminada porque me remeteu a um escritor que detesto, e mesmo que fosse o meu preferido, o objetivo era seguir a algo totalmente novo, que não tivesse ligação alguma comigo. Embarquei, portanto em um ônibus de aparência velha, rumo a Neiva. A escolha se deu justamente porque não me remetia a nada e nem a ninguém, ou talvez porque a paupérrima fosse bonita de tão feia. Ninguém consegue, quando detém o poder de escolha, escolher o mais feio, convenhamos...

Obedecendo ao itinerário rotineiro, a primeira parada ocorreu após três horas de viajem, em uma lanchonete de traços típicos: xexelenta, onde tudo é absurdamente caro. Desci, comprei uma água. Um café com leite e um salgado oleoso taparam-me a barriga, depois, assim que o motorista ligou o motor da potente Mercedes, indicando que voltassem os passageiros, acendi, estrategicamente, um cigarro, próximo à porta do ônibus, para poder admirar as bundas das mulheres que subiam os degraus. Desconfortado na poltrona vinte e nove, observei até me doer a cabeça a paisagem que corria rápida do outro lado da janela. Para abstrair a dor, forcei um sono, dificilmente durmo em viagens, dessa vez até que cochilei tranquilo, mas de repente acordei em pulos por culpa de um senhor batendo forte a porta do banheiro, em seguida passou apressado pelo corredor do ônibus enquanto resmungava alguma coisa, supus que o banheiro estivesse interrompido. Chegando à porta que divide passageiros e motoristas, o velho começou a esmurrar o vidro ao passo que forçava cavalamente a maçaneta da porta, e gritava: Hôô, hôô, hôô!, o furor era grande, não demorou muito e o motorista auxiliar lhe afagou o desespero, o velho deu um passo adiante, a porta fechou às suas costas e por ora a cabine compôs-se em três. Foram-se dois minutos e o ônibus parou, aproximava-se uma hora da tarde, acostamento improvisado, lugar perigoso, olhei o relógio e depois pela janela. Pensei o comum: banheiro quebrado, apertado, novamente banheiro. Acontece que eu também estava com a bexiga cheia, pois já havia tomado toda a garrafa comprada na parada anterior. Fui até a cabine, os motoristas comentavam sobre o velho. - Um louco, véio louco esse, não entendi nada do que ele disse - Aproveitei para pedir licença para descer e tirar a água do joelho, e me intrometi: - Será que ele não estava apertado também, por que pararam o ônibus? - Sim, devia estar apertado, eu perguntei a ele: o senhor precisa ir ao banheiro, não está funcionando lá atrás?, e ele respondeu, cagá, cagá, em meio a outras coisas que não pudemos entender. Por isso parei o ônibus. - Ah, então é isso - respondi descendo os degraus. Assim que desci avistei o senhor caminhando apressado sobre um terreno a esmo. Mais ao fundo, via-se algumas árvores. O segui, naturalmente. Inusitadamente: - Decifra-me ou devoro-te! - Gritou o velho de trás de uma árvore, umas quatro adiante da minha. Fiquei assustado, pensei ter entendido errado - Como?, retruquei. Ele, respondeu qualquer coisa, não decifrei, daí quem resmungou sozinho fui eu enquanto regava uma planta ao pé da minha árvore. - Xixi nas estrelas! - Outra vez ecoou da árvore alheia.

Esse velho tá me zombando, zanguei-me, depois abstraí, pois me concentrava no esforço do último jato, tiro certeiro na folha esquerda da plantinha; de repente, quando eu pegava no zíper da calça, soou uma voz macia bem ao pé do meu ouvido, Tenho hepatite etílica. - Se tá ficando louco véio desgraçado? Me deixa mijar em paz, se é fantasma pra ficar dando susto nos outros? Vê se te manca, olha, me dá licença que o ônibus está esperando. - Mas você já perdeu o ônibus. - Amigo, tá bom, é, eu já perdi, boa sorte aí. Tchau. Despedi-me, emboquei na curta trilha que dava acesso a estrada, e pude perceber, ao levantar a cabeça, que realmente o ônibus tinha desaparecido. Fiquei lívido, estático. Olhei para os lados e não havia nem Mercedes nem fusca manchando os horizontes convergentes da pista. Que fim de mundo é esse?, pensei. Olhei para trás e lá estava o velho, escorando as costas no tronco da minha ex-árvore e sentado em cima dá planta que eu tinha acabado de urinar. - Vem cá, tio, qual é a tua, heim? Por que não avisou que o ônibus estava partindo? Eu tenho compromissos sérios lá aonde iria disse lá porque não me lembrava do nome da cidade... - Essa ideia ninguém me tira, matéria é mentira. - Meu Deus! Não tem diálogo com você. Fica falando essas coisas sem sentido. Não vou perder meu tempo com um lunático. - Você me decifrou, fez xixi e mentiu... não sou lunático. Uma amiga foi para Grécia, tirou uma foto vestida de astronauta, mandou-me um postal com saudações postas na foto assim: Lu-na-Ática. - Não menti não, enfim, já vi que o papo vai ser difícil. Eu preciso seguir, amigo. - Precisa nada, você quer ser eu. - O quê? Não quero não, de onde tirou isso? - Não se preocupa, isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é, ainda vai nos levar além. - Espera, não tinha dito que eu queria ser você? - É, ou menos. Tira daqui bota dali. - Se você continuar com isso eu vou embora. Não sei se você é louco ou quer só me azucrinar. Quem é você? Me chamo Paulo. - Joaquim Maria, prazer. - Prazer. Sabe onde está? Como vamos embora? - Sei, já vamos embora. Você quer ser escritor. - É uma pergunta ou uma afirmação? De qualquer modo, não, não quero e nunca quis. - Viu? Nada em vão.

- Vão? Vão é tudo que não for prazer, repartido prazer entre parceiros. Nossa, o que foi isso? O que foi que eu disse?! - Pois, vãs todas as coisas que vão, como? O que foi isso o quê? - O quê? Você não me ouviu? Eu disse alguma coisa contra minha própria vontade, você está de sacanagem comigo, Joaquim? - Eu não ouvi nada além do seu nome e a parte em que você disse, nossa, o que foi isso?.... - Não, eu disse sim, eu disse alguma coisa antes sim. Você tá me deixando louco cara, eu vou embora! - Mas pra que tanta ameaça, toda hora fugir, parece uma estrela cadente, cara. - Estrela cadente me caiu ainda quente na palma da mão. Não! O que é isso gente, o que foi que eu falei, o que foi que eu disse seu Joaquim!? Alguma coisa tá errada! - Paulo, deixe disso, você está de brincadeira comigo? Metamorfose. - Você quem está brincando! Me fala, eu estou lhe dizendo algumas coisas sem sentido? Eu sei que me saiu, mas não sei o que é, é involuntário. O que isso, tô endoidando!? - Você não tem dito nada de anormal, não tô te entendendo, menino. - Tô sim! Eu disse coisas involuntárias! - Paulo, fique tranquilo, não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado, aquele dia, silêncio nós dois murmúrios azuis, eu e você dormindo e sonhado. - Seu Joaquim pare com isso, me ajuda, por favor! Nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia, nada como um dia indo atrás do outro vindo, você e eu sonhando e dormindo. - Parar com o quê? Você está me chateando, lhe meto a mão, rapaz! - Chutes de poeta, não levam perigo à meta. Joaquim! - Melhor eu ir embora. - Não, seu Joaquim! Eu queria ser tanto um poeta maldito, a massa sofrendo enquanto eu medito. Olha, de novo! Apagar-me, diluir-me, desmanchar-me, até que depois de mim, de nós, de tudo, não reste mais que o charme. - Sigo, à margem, você, marginaliza-se. Completamente assustado. Levantei a cabeça ao céu tentando achar explicações em nuvens. Enquanto falava sem parar e sem querer, virava a cabeça de um lado a outro, acompanhando as árvores preguiçosas sendo embaladas pelo vento e um grupo de pássaros coordenados - Outubro no teto passos pássaros gotas de chuva -. De repente, quando olho para o chão, o suposto Joaquim Maria havia sumido. A planta, a qual eu havia urinado, metamorfou-se em uma flor, branca, de inúmeras finas pétalas delicadas. Em seguida - Epitáfio para o corpo, aqui jaz um grande Poeta. Nada

deixou escrito. Este silêncio, acredito, são suas obras completas -. Espantei-me, mais ainda, largamente; quis correr, fui em direção às árvores, veio um momento de lucidez e voltei, corri para o asfalto, no chão, muitas das mesmas flores brotavam do asfalto, gritei - era para ser de pavor - mas - Poesia pichada, uma flor nasceu na rua!. Quase tive um colapso. No alto da minha transformação escuto um escandaloso barulho, acordo, era a porta do banheiro sendo aberta. A janela ainda estava ali, a paisagem ainda corria apressada, ombro babado, esfreguei a cara, olhei para o banheiro ao fundo do corredor, saía uma mulher e entrava outra que esperava desocupálo. Segurei, suspendendo-me no alto, nos apoios da poltrona, estiquei o pescoço procurando um rosto que portava um óculos de lentes em forma de ovo, com uma pequena flor presa a sua haste, e debaixo do nariz, o bigode mais esquisito que já vi, mas não avistei tal rosto nem o resto do corpo, respirei fundo e me deixei afundar lentamente no interior da poltrona. Cheguei depois de algumas horas à cidade feia, antes desejada, aliás, não desejava nem ela e nem mais nada. Desci do ônibus e segui direto para a bilheteria, comprei a passagem de volta para casa e sentei num banco de madeira que repousava em frente à terceira plataforma de embarque. Esses foram meus únicos passos dentro de Neiva. Enquanto esperei o ônibus, arrependi-me baixinho, mas o que é que eu tô fazendo aqui?. Não dormi sequer um segundo durante a volta para casa. Repousei a mala um passo à frente da porta, segui ao banheiro, juntei as mãos, fez-se uma cova, ela transbordou com água, encharquei o rosto, e enfim me olhei no espelho ainda a tempo de ver meu sonho virar pesadelo* * Uma das marcas do poeta homenageado era a ausência da letra inicial maiúscula e do ponto final.