Joanne Purcell, S. Jorge APFT(I) 6295 1. [A Madrinha] Era uma vez um pai que tinha muitos filhos e era muito pobrezinho. E já tinha vergonha de ir convidar madrinhas para os filhos porque já tinha muitos. E olhou para a mulher e disse: Ó mulher, eu vou caminhar amanhã por essa estrada adiante. A pessoa que eu encontrar é que vou convidar ou velho ou novo, é a primeira pessoa que eu encontrar. Assim fez. Caminhou, foi andando, andando, chegou lá a um lugar a um portão, viu agora uma velhinha muito velha, diz ele bem consigo: Bem, eu dei palavra que era a primeira que eu encontrasse. Chegou ao pé: Ó senhora, a senhora quer ser madrinha de uma menina que eu tenho lá? era uma pequena. Sim, senhor, o senhor para que dia é que quer baptizar a criança? Pois, a senhora é que há-de dizer. Diz ela: Bem, olhe, então, fica para tal dia. Olhe, escusa de fazer enxovalho 1 que eu hei-de levar um enxovalho para se baptizar a criança e eu hei-de aparecer lá. Sim, senhor. O homenzinho virou para trás e veio-se embora para casa. Mas, já sabe, a sua casa era muita pobreza que viviam e ele disse à mulher assim que ele chegou: E então? Eu convidei uma velhinha muito feia, mas não interessa, ela diz que sim, tal dia que é o baptizado. Ela diz que trazia um enxovalho para a menina. E gente sempre há-de ver se faz para aí uns docezinhos para quando ela chegar. Chegou-se ao dia, a mulher fez lá uns docezinhos conforme podia que eram muito pobrezinhos e estavam com a pequena à espera, mas a madrinha não aparecia, a velhinha não aparecia. Dizia a mulher: Ó homem, só se tu... tu não convidaste ninguém? Ó mulher, convidei, ela há-de vir. Esperaram, esperaram, nada, não aparecia a madrinha, a velhinha. E a pobre da mulher vinha à janela vigiar, não aparecia. Ó homem, tu não convidaste foi ninguém? Ó mulher, convidei, ela há-de vir. Chegou-se lá a uma certa hora a mulher veio e vê vir agora uma carruagem muito linda, uma bela carruagem. Diz: Ó homem, bela carruagem vem ali, é uma princesa. E o homem vem à janela e disse: Eh, aquilo é uma carruagem de uma princesa, mas não penses que é a comadre que vem para se baptizar a pequena que era uma velha. Ó homem, eu também não digo isso mas viu que aquilo é uma bela carruagem. A carruagem chegou, quando foram da porta dos pobrezinhos e parou. Desapeou-se uma princesa, bateu à porta. Diz a mulher: 1 Enxovalho: Enxoval.
Ah, homem e trazia o enxovalho no braço Eh, homem, tu estás pegado de cabeça! Vais agora convidar uma princesa para ser madrinha da nossa filha e a gente na nossa casa tanto pobrezinho que até é uma vergonha! Ó mulher, convidei foi uma velhinha. Ó homem, tu estás a ver mas abriram a porta. A princesa olhou para ele e disse: Olhe, compadre, cá estou para a gente ir baptizar a pequena. E a mulher olhou para o marido, mas já não disse nada. Cá está o enxovalho para a minha afilhada vestir. Ora, enxovalho de luxo, vestiram a pequena foram para a igreja baptizar. Vieram para cá, mas ela trazia doces dentro da carruagem, a carruagem trouxe tudo quanto era necessário. Comeram, acabaram de comer, de fazer os festejos, diz ela, a princesa olhou e disse: Olhe, compadre, eu fui madrinha do seu filho [filha], mas é com um contrato, assim que ela tiver sete anos, vai-me a levar ao lugar de onde me convidou para eu ser madrinha, ao mesmo sítio, olhe bem. Sim, senhora, comadre. Ela pegou em si, meteu-se dentro da carruagem e foi-se embora. A mulher depois da comadre se ir embora diz: Ai, homem, mas que desgraça, e a gente vai ficar sem a nossa rica filha! Diz o homem: Ó mulher, não te agonies, ela vai com uma princesa e vai tanto bem que a gente aqui somos tão pobrezinhos e ela vai-se consolar. Bem, a pequena foi crescendo, foi crescendo e a mãe, já depois de ela ter entendimento e falar, a mãe olhava para a pequena e dizia: Olha, Maria o nome dela era Maria Olha, Maria, quando fores para casa de tua madrinha e tua madrinha te perguntar o que é que se passava aqui em nossa casa, como somos muito pobrezinhos não se diz. Dizes assim à madrinha: Eu nada vi e nada sei e nada tenho para dizer foi ensinando sempre aquilo à pequena. Bem, chegou aos sete anos. Ora, a mãe começou a chorar muito, despediu-se da filha, o pai vestiu-a, pegou nela pela mão e caminhou. Foi andando, andando, andando e chegou ao mesmo portão, lá estava a mesma velhinha, já não era a princesa era a mesma velhinha quando ele a tinha convidado. Bem, o compadre foi pontual, foi um homem de palavra. Deixe ver cá a sua filha e vaia-se embora descansado que ela fica muito bem. Ele despediu-se da filha e foi-se embora para casa. Bem, a madrinha pega nela pela mão e levou-a por ali dentro, chega a um palácio, um palácio muito lindo. Disse: Olha, Maria, anda cá, olha, este palácio é teu. Tens tudo quanto precisas aqui dentro, nada te falta. Ora bem, pega lá as chaves deste palácio todo. Mas olha, esta chave, anda cá, é daquela porta, nunca se vai acolá dentro. Sim, senhora. Ó Maria, e como é que em casa como é que tu passavas? Ó madrinha, eu nada vi, nada sei e nada tenho para dizer. Diz ela: Está bem. Olha, adeus, não me tornas a ver e desapareceu. Ela ficou sozinha dentro do palácio, mas levantava-se, água para se lavar, sabonete, toalha, tudo a modo. Ia para a mesa, a comida a modo para ela comer, a roupa, aparecia-lhe a roupa para ela se vestir, e ela corria o palácio todo, era seu. Ia para o jardim, um belo jardim. Corria aquilo tudo!
E um belo dia põe-se a imaginar e disse: Não, pois agora a minha madrinha deu-me as chaves do palácio todo e deu-me esta e diz que eu que não vá àquele quarto, mas eu vou ir ver. Tenho que ir ver o que é que está acolá dentro. Por curiosidade, pega em si, mete a chave à porta, abre a porta, empurra a porta e vê, agora, a princesa sentada numa cadeira e um príncipe sentado noutra, mas nisto faz um abalo muito grande e ela acha-se no meio de uma estrada. Achou-se no meio de uma estrada. Começa a olhar, uma estrada deserta, onde nunca tinha estado. Começa a olhar agora e vê agora vir a madrinha pela estrada para cá. A madrinha vem, chegou ao pé dela e disse: Bem, Maria, estás aqui, não é verdade? É verdade, madrinha. Eu não te avisei que não fosses àquele quarto? É verdade, a madrinha avisou-me! O que é que viste lá dentro? Ela disse à madrinha: Nada vi, nada sei e nada tenho para dizer. Diz ela: Sim, sim! Diz-me o que é que viste acolá dentro! Já disse à madrinha que nada vi, nada sei e nada tenho para dizer. Está bem. Olha, tu agora não tornas mais para o palácio. Tu agora caminhas e vais para tal lugar, para tal reinado, vais para lá porque têm falta de uma criada e tu vais para lá servir. E adeus e desapareceu. E ela caminhou por aquela estrada adiante, foi andando, andando, andou muito. Chegou lá aquele lugar, perguntou onde é que havia ali o reinado do rei, disseram-lhe e ela foi lá. E disse: Têm falta de uma criada? O rei disse que sim. Ela entrou ao serviço do rei. Bem, o rei tinha um filho, e o príncipe e começa-se a engraçar com a rapariga. Foi ter com o pai: Olhe, pai, eu gosto daquela nossa criada e eu gostava de casar. Diz o rei: Tu casares? Casares com uma criada? Não consinto isso. Sabe-se lá quem é e quem não é, e eu ia consentir? Ó pai, mas então eu gosto muito dela, com ela é que tenho de casar! Diz o rei: Não te arrependas. Deixar, eu gosto muito dela. Diz o rei: Pois casa. Ele vai e casou com a rapariga. Bem, ao cabo de tempos o marido, que era marido dela, e foi numa caçada. Durante essa caçada levou dias [e] a mulher teve um menino. Vai um ano para cuidar do menino e de noite a ama e pega no sono. O menino estava no berço, a ama pegou no sono e ela estava na cama acordada quando a madrinha aparece, diz: Ó Maria, tens um menino muito lindo. É verdade, madrinha. Olha, vais-me dizer o que é o que viste aquele dia naquele quarto, quarto que eu te avisei que não fosses lá ver.
Ela disse: Ó madrinha, nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. Diz ela: Sim, olha, vou-te levar o teu filho diz a madrinha. Leve. Ela pega no pequeno, embrulhou o pequeno, e caminhou. Nisto a ama que estava acorda, e olha para o berço não vê o pequeno... mas ela deixou um rasto de sangue no quarto todo, e nas roupas, no berço, deixou tudo um rasto de sangue. Ora, a ama começou a gritar até que veio o sogro, o rei, e a rainha vêm cá e disse: Acordei, só passei pelo sono... acordei e está nesta maneira. E diz o rei: Bem, é uma gentia 2, comeu os meus filhos, tem que ir à morte, comeu o seu filho. Bem, bem disse ao meu filho que ele que não casasse com uma mulher sem a conhecer. Chega o marido. Diz o rei: Sabes, quando estiveste na caçada a tua mulher teve um filho uma coisa mais linda e comeu-o, matou-o e comeu. É uma gentia, portanto, tem que ir à forca. O marido gostava muito da mulher e vai ter com o pai e pede-lhe, e pediu-lhe, e pediu ao rei. O rei assim: Bem, eu por esta vez perdoo, mas por outra não, se tornar a acontecer outra. Ela vai, ficou perdoada. Dali a tempos, muito tempo, o marido outra vez, já sabe que a distracção dos reis era em caçadas, caçaram. A mulher, ele lá ausente na caçada [e] ela teve uma menina. Ora, o rei duas amas de vigilância para tomar conta, por causa para ver se ela não comia porque já tinha acontecido. Mas chegou-se às horas competentes, elas ambas pegam no sono. E a madrinha abre a porta do quarto e entrou, ela assim que viu a madrinha ficou... Ela foi, agasalhou a pequena e disse: Ah, linda menina, tens uma menina muito linda. É verdade, madrinha. Sempre me vais dizer o que é que viste naquele quarto, aquele dia que eu disse que não fosses lá, tu foste. Eu já disse à madrinha que nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. Ela disse assim: Olha, eu vou-te levar agora a tua menina. Pega nela, ala, caminhou. Ora, deixou outro rasto de sangue outra vez. Elas ambas acordaram, já depois de ela ter caminhado, era prometido assim mesmo, viram aquilo uma gritaria, vem o rei disse: Não, isto não pode ser, já comeu por duas vezes, um filho, agora, uma filha, isto não pode ser. Tem que ir à forca, não pode ser! O marido chegou: Sabes, isto é assim ela teve agora uma menina muito linda, matou-a, portanto, não pode ser. Ora, o pobre do marido, como gostava muito da sua mulher e vai para de roda do rei e torna-lhe a fazer outra vez um pedido. E o rei, custou-lhe muito, mas o rei lá lhe perdoou outra vez, a segunda vez. Diz o rei: Ao fim das três vezes, já não lhe posso perdoar. 2 Gentia: gigante, selvagem.
Dali a tempos outra vez, ele ausente, o marido, outra vez numa caçada. E ela tem outro, um menino. O rei: Mais vigilância para tomar conta para ela não comer o outro filho mas não serviu de nada. Chegou-se à hora competente elas pegam no sono e a madrinha entrou e disse: Ah, Maria, agora é um menino muito lindo. Olha, sempre me vais dizer o que é que viste naquele dia, naquele quarto? E ela disse à madrinha que nada viu... Nada sei, nada tenho para dizer. Disse: Olha, diz-me o que é que viste que eu deixo-te o filho e ainda vou-te restituir os dois que te levei e venho-tos trazer. E tu diz-me o que é que viste. Já disse á madrinha que nada vi, nada sei, e nada tenho para dizer. Ela disse: Está bem, olha, então, vou-te levar outra vez o teu menino e pegou nele e levou-o. Deixou outra vez sinais de sangue. Ora, elas acordaram, assim que viram, oh, uma gritaria, vem o rei e disse: Não, agora eu não lhe posso perdoar. Prisão. Já não esperou até pelo filho, pegou nela, mandou-a meter na prisão. O filho chegou, diz o rei: Olha, perdoei-lhe duas vezes. Disse que ao fim das três que não lhe perdoava, ela está presa. Teve um filho, matou-o. Agora vai à forca. Bem, já o marido não podia fazer bem nenhum, já o pai não lhe perdoava. Bem, chegou-se o dia antes de ela ir para a forca, ela estava na prisão. A madrinha aparece-lhe dentro da prisão, diz: Olha, Maria, eu posso-te livrar da forca se quiser. Diz-me o que é que viste naquele dia naquele quarto. Disse à madrinha que nada vi, nada sei e nada tenho para dizer. E ela: Está bem, então, tu vais ir a enforcar. Olha, mas diz ao rei, pede ao rei que o rei é obrigado a fazer-te tudo, a uma pessoa que vai a enforcar eles fazem tudo quanto o enforcado lhe pede, diz ao rei que queres que ele arme a tua forca em tal sítio assim, assim. E que há-de ir assistir toda a gente que vais a enforcar, pedes isto ao rei. Sim, senhora. E adeus pegou em si foi-se embora. Bem, chegou-se ao dia da que era no outro dia lá, o rei foi fazer a forca onde ela tinha mandado, onde ela disse. Toda a gente, ora aquele povo toda a ver enforcar a princesa. E o rei disse... olhou para o marido, disse: Também tens que ir. O rei olhou para o marido e disse: Também tens que ir. Diz o marido que não queria e que o pai que o dispensasse. Ele disse: Não, tens que ir ver enforcar aquela mulher que comeu os filhos. Tens que ir. E ele não teve outro remédio e foi. Bem, depois de chegarem lá, dali a pedaço ela vinha entre o meio da tropa para vir para a forca. Começou a subir os degraus da forca, chegou ao último degrau da forca e olhou para ver o marido se estava ali entre o meio daquela multidão de gente, olhou. E nisto a
madrinha aparece. A madrinha apareceu-lhe, mas nem o rei nem ninguém a viu, só ela é que tinha o poder de a ver. A madrinha disse: Olha Maria, estás no último degrau da forca e eu livro-te aqui, do último degrau da forca. Tu diz-me o que é que viste naquele quarto que eu te disse que não fosses lá. Ela disse à madrinha que: Nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. Diz ela assim: Então vais a enforcar, adeus. E assim que disse adeus, há um abalo muito grande e agora a forca fica em cheio em cima de um cais, armada em cima de um cais. E vê agora vir uma lancha para cá. O povo começou tudo a olhar porque ficaram abismados porque aquilo fez um abalo ali e ficou um cais formado. E vinha uma lancha de onde vinha a madrinha, o príncipe e três aias cada uma com a sua criança nos braços. E chegaram ao pé do rei e disseram: Cá está os seus netos, eu é que os levei ela não os comeu. Eu é que os levei! Mas se ela me diz o que é que tinha visto no quarto eu matava-a, porque eu fiquei desencantada agora e era debaixo de um segredo, ela aguentou este segredo sempre, desencantou-me. Portanto está aqui os seus porque eu já matei sete afilhadas, já tive sete e matei-as porque elas não guardavam um segredo e eu queria ser desencantada. Portanto, está aqui. E ela ficou livre da forca. 87; S. Jorge, lado A [informante masculino adulto] O informante aprendeu este conto com o seu avô. APFT(I) 8131 38. [A Menina e a Madrinha] Ca-Ch 710 A [ ] eram muito pobrinhos e, agora, já tinham vergonha de ir pedir quem fosse madrinha dos seus bebés, porque tinham muitos. E um belo dia a mulher teve um bebé e ele disse: - Ó mulher, quem é que eu agora vou convidar para padrinho e madrinha desta criança? Já temos tantos, já temos tanta família aqui metida juntamente com a gente. Essas nossas comadres e compadres são tantos! Disse ela: - Ó homem, não sei como é que vai ser... E ele: - Olha, não há nada. Eu vou pelo caminho para lá. O que encontrar, ou velho ou novo, é que há-de ser madrinha da nossa filha. E caminhou, foi. Bem, chegou-se lá muito longe e onde avista vir uma carroça a largar as rodas e uma velha, muito velha, mais um velho em cima da carroça, muito velhos, já a querer cair a baba já da boca, muito velhos e ele chega lá ao pé deles, diz: - Ó senhora, eu tenho um bebé em casa, uma menina, e queria-a baptizar, mas já tenho tantos filhinhos, que já me custa a convidar. A senhora, se quisesse, era madrinha, mais esse senhor, padrinho daquele bebé...
- Credo, pois sim, senhor. Que dia é que o senhor quer que ele seja baptizado? Disse: - Ó senhora, podia ser daqui a uns oito dias. - Pois quando o senhor espere por a gente. Ao fim de oito dias, a gente vai lá para baptizar o seu bebé. Ora, ele voltou para trás e foi dizer à mulher: - Ó mulher, tu não sabes! Eu convidei uns velhos para a nossa filha, para padrinhos, que eles metem nojo! Estão agora a deixar-se babar, já não têm dentes, a deixarem-se babar, com as caras muitos enrugadas, mas paciência, tinha que ser. E responde a mulher: - Ora, fica ela com a sua alminha... Quer dizer: a alminha já está, mas sempre fica... Não sei bem como é que se diz. A língua, agora, não chega. - Olha, pois já sei. Bem, ao fim dos oito dias eles vêm-se a aproximar para a casa um casal muito lindo, dentro da carroça, mas uma carroça boa e uns cavalos mais lindos, muito bem tratados. E ele disse: - Olha, vem aí um casal dentro daquela carroça, mas não devem ser os que são para padrinhos, porque não pode ser. Eles são muito perfeitos e eu convidei foi gente velha. E ela disse-lhe: - Ora, seja lá quem for. Eles se vierem à nossa porta, eles é que hão-de ser padrinhos. Chega o casal e bateu à porta e disse que era o dia de baptizado da menina, que estavam ali presentes. E eles trouxeram muita boda, uma boda muito forte para aquele dia. Bem, baptizaram a menina. Quando chegaram à casa do baptizado, estiveram a comer uma coisinha e disseram que o contrato que queriam fazer que era ao fim de sete anos ir buscar a menina para a sua casa. E eles disseram: - Ah, pois sim, senhora. Eu custa-me muito a apartar-me da minha filhinha, mas, para bem dela, deixo-a ir. Eles foram-se embora para o seu lugar, os velhos, e ela ficou mais a sua filhinha. Foi criando a filhinha, mas agora, por exemplo, a mãe foi-lhe ensinando a dizer: «Nada sei, nada vi, nada tenho para dizer». Ora, a filhinha foi aprendendo aquele estilo da mãe. Foi-se criando e, ao fim de sete anos, a madrinha veio buscá-la e levou-a agora para um lugar que... para entrarem no palácio ela viu a estrada, mas, depois de estar no palácio, não viu mais estrada. Era só o palácio e mais nada. Era só arvoredo e estava ali dentro. E só quem a servia era uma velha, mas tinha tudo quanto precisava: o comer pronto à hora de ela comer. Um belo dia, a madrinha chega e diz-lhe assim: - Olha, a madrinha vai a um lugar distante. Ficas aqui em casa sozinha, mas olha que não se vai àquele quarto. Olha bem. Ora, mas as crianças sempre são, às vezes, curiosas, até as mulheres, pessoas grandes. E ela disse assim: - Não, eu vou ver o que é que está naquele quarto. Abre a porta e vê um homem sentado numa cadeira, mas muito bem vestido, muito lindo, mas viu o homem e fechou a porta. Disse: - Está bem. Eu já sei o que é que está lá. Ora, a madrinha chegou a casa, foi ao tal quarto e essa criatura, esse homem, disse-lhe que ela tinha desobedecido, que tinha ido lá ao quarto. Ela vira-se para a afilhada e diz-lhe assim:
- Ó Maria, tu o que é que viste? - Ó madrinha, nada sei, nada vi, nada tenho para dizer. E ela disse-lhe: - Ó Maria, olha, se tu não me disseres o que viste naquele quarto, eu vou-te bater! - Ó madrinha, nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. Ora, a madrinha todos os dias lhe perguntava o que é que ela tinha visto no quarto e ela dava sempre a mesma resposta. Um belo dia, a madrinha disse: - Não, tu, para teu castigo, vou-te deitar entre meio das silvas. Tu hás-de dizer o que é que viste. - Ó madrinha, a madrinha faça-me o mal que quiser, mas eu não posso dizer uma coisa que não sei! E a madrinha, para castigo dela, mete-a entre meio da silva, um monte de silvas. Ela ficou lá enterradinha na silva. Bem, havia lá um príncipe que vai caçar mais outros amigos e levava um cão de caça. E calhou a ir passar por pé desse silvado. Ora, o cão, assim que farejou gente no silvado e começa a farejar e a ladrar contra o silvado. O príncipe, que vê o jeito do cão, disse: - Não. Eu vou saber o que é que está ali entre o meio do silvado. Vê aquela menina, mas uma menina muito linda, e pega na menina e leva-a para o palácio. Ora, chegou lá, a menina, já se sabe, foi crescendo e, se ela era bonita, depois de crescer foi-se tornando sempre mais bonita. E o príncipe entusiasmou-se com ela e quis casar com ela. A mãe mais o rei não queriam, porque não sabiam de quem de que linhagem era aquela, não queriam que ele casasse nem por nada. Ele disse: - Não. O meu pai, se me quer ver feliz, é eu casando com aquela menina. E casou com a Maria. Ora, ao fim de meses de estar casado, [Maria] ficou agora à espera de bebé. E o príncipe tinha que ir a outro lugar qualquer em cata de negócios. E chegou lá, e enquanto ele foi lá em cata desses negócios, a mulherzinha teve uma menina. Ora, a madrinha, que soube que ela tinha uma menina e vem cá e furta-lhe a menina. E diz-lhe: - Olha, Maria, a madrinha leva a menina enquanto não me disseres o que é que viste naquele quarto. - Ó madrinha, a madrinha leva-me a menina, mas eu não posso dizer o que não sei. Nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. Não sei de nada. - Bem, então levo a menina. Bem, a sogra vem cá dentro e não vê a menina. O que é que se lembra? - É ela que a comeu, mas ela está enganada, porque eu vou dizer ao meu filho e o meu filho vai-a mandar matar. Bem, o príncipe chega e vai ter com a mulher e não vê a menina. E a mãe dizlhe: - Estás enganado. É ela que a come. Ela é que come a menina, pois ninguém entra aqui no palácio. Foi ela que a comeu. E o príncipe disse: - Não, mãe. Eu não acredito que tenha sido a minha mulher que tenha comido a menina. Eu vou-me e de outra vez então que aconteça isso eu mando-a matar, mas por esta vez não.
Ora, calhou a ficar outra vez para bebé. E chegou-se a esse tempo próximo para ela o ter e ele sai do seu lugar. Por sorte, ela tem o bebé. A sogra vê o bebé muito lindo, que era um menino muito lindo, muito lindo e a sogra vai-se embora. E a madrinha chega e diz: - Maria, o que é que viste naquele quarto? - Madrinha, nada sei, nada vi, nada tenho para dizer. Ela disse: - Maria, tu diz-me o que é que viste no quarto senão eu levo-te o menino. - Ó madrinha, a madrinha leve, mas eu nada vi, nada sei, nada tenho para dizer. E a madrinha pegou nele, levou o menino. Ora, o príncipe chegou a casa e a mãe, antes de ele ir ver a mulher, a mãe fritou-o. Disse que ele não era bom, porque se fosse bom não tinha uma mulher que matava os filhos, que ela não era de boa raça. E começou a tratá-lo muito mal, ao filho. E o filho disse: - Não, a mãe escusa de estar a ver se me vira. Eu até à terceira vez de ela ter algum bebé, eu não a mato. Então, à terceira vez de ela ter o bebé e o comer, então eu mato-a, mando-a matar. Bem, chegou-se à terceira vez de ela ter o bebé e ele fora de casa. Não via o que se passava. Ela teve mais um menino, muito lindo, e a madrinha veio buscá-lo. Mas disse-lhe [antes]: - Maria, o que é que viste naquele quarto? - Madrinha, não vi nada. Nada sei, nada vi, nada tenho para dizer. Não lhe posso dizer nada. Disse [a madrinha]: - Olha, eu levo o teu menino e tu vais a morrer. - Deixá-lo, madrinha, mas eu não posso dizer o que não sei. O que sei é que ela, a madrinha levou-lhe o menino. Ora, isto já ao fim de dar os três anos. [A madrinha] já tinha os meninos. Já deviam de ter uns três anos quando isto aconteceu, o que lhe vou contar. Ela depois vai para a forca. O marido chega a casa e começa agora, já se sabe, que ela ia a morrer, porque tinha matado os seus filhos. Não queria uma mulher assim. E ela vai agora para a forca. Ela estava em cima da forca e quando avista vir um barquinho por mar, um barquinho, a chegar-se um barquinho para ela. E eles [os carrascos] já a quererem-lhe deitar a corda no pescoço para a enforcar. E ouve uma voz dizer: - Basta! Não lhe toquem! E o príncipe ficou assim desorientado para saber de onde é que vinha aquela voz e quando aparece a madrinha dela com os seus meninos no barco e disse: - Maria, não podes ir a morrer. Estão aqui os teus filhos. E eu vim buscar-te para ver se tu tinhas coragem de descobrir o que tinhas visto no quarto. Não tiveste coragem de descobrires. Devias ter morrido e não descobriste. Tu desencantaste-me a mim, desencantaste o teu padrinho, desencantaste todo aquele lugar. Ficas agora a viver com os teus filhos e com o teu marido. Sejam muito felizes. E eu vou terminar a minha vida mais o teu padrinho e nós todos lá naquela freguesia. E lá estão. 95A; S. Jorge, lado A [informante feminina adulta]
A informante diz que aprendeu este conto com a sua mãe.