FOLICULOGÊNESE: DA MIGRAÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS À APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS EM MAMÍFEROS



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Transcrição:

Foliculogênese: da migração das células germinativas primordiais à aplicação de tecnologias..., p. 35-44 FOLICULOGÊNESE: DA MIGRAÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS PRIMORDIAIS À APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS REPRODUTIVAS EM MAMÍFEROS Paulo Henrique de Almeida Campos Júnior* Carolina Marinho de Assunpção** João Henrique Moreira Viana*** RESUMO Durante a formação dos ovários em fêmeas de mamíferos, as células germinativas primordiais migram do saco vitelínico, sofrem sucessivas mitoses e se diferenciam em oogônias. Posteriormente, iniciam a divisão meiótica, formando o oócito, permanecendo estacionadas na prófase I até o momento da ovulação. Durante a colonização do ovário, as oogônias são envolvidas por um cordão de células somáticas, formando o folículo ovariano. A foliculogênese, desenvolvimento do folículo primordial em primário, secundário, multilaminar e antral, associada à maturação do oócito e ovulação, é um processo determinado pela interação das células somáticas da parede folicular com o oócito, responsável pela comunicação entre folículos e endócrina. O interesse por esses mecanismos sempre foi grande, porém atualmente aumentou devido à aplicação na produção animal, principalmente na bovinocultura e na conservação de espécies selvagens ameaçadas de extinção. Palavras-chave: Oócito. Folículo. Biotecnologia. ABSTRACT During mammal ovaries formation, primordial germ cells migrate from the yolk sac, suffering successive mitosis and finally differentiate in oogonies. Thereafter, these cells begin the meiotic division, originating the oocyte, and remaining in prophase I phase until the moment of ovulation. In the ovary colonization, the oogonies are surrounded by somatic cells cords, forming a structure called ovarian follicle. The folliculogenesis, which consist of the development of primordial follicles in primary, secondary, * Graduando do curso de Ciências Biológicas do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq ** Aluna do curso de Farmácia e Bioquímica da UFJF. Bolsista de Iniciação Científica da FAPEMIG *** Professor Dr. do Curso de Ciências Biológicas do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF) 35 Juiz de Fora, 2009

Paulo Henrique de A. Campos Júnior, Carolina Marinho de Assunpção, João Henrique Moreira Viana multilaminar and antral follicles, associated oocyte maturation and ovulation, is a process determined by the interaction of somatic cells of the follicle wall with the oocyte, which is responsible for the communication among follicles and endocrine signaling. There was always a great interest in these mechanisms, which is increasing nowadays due to the range of possible applications in animal production, mainly in bovine, and also in endangered species preservation. Keywords: Oocyte. Follicle. Biotechnology. 1 INTRODUÇÃO Para a perpetuação das espécies foi essencial o desenvolvimento de formas de reprodução que possibilitassem o aumento do número de descendentes. Inúmeras formas de reprodução foram desenvolvidas durante a evolução. Formas mais simples, como a divisão binária, foi a estratégia encontrada por organismos como bactérias e algas, mas apresentava o inconveniente de produzir descendentes geneticamente idênticos ao progenitor, não gerando, assim, variabilidade dentro da espécie. Com o decorrer do processo evolutivo, esses organismos tornaram-se capazes gerar indivíduos geneticamente diferentes, reproduzindo-se por conjugação (GOULD, 1996). Diferentes formas de reprodução foram desenvolvidas nos diversos grupos de animais, cada uma relacionada ao modo de vida e ao habitat deles. É possível observar, dentre os organismos, diferentes modos de fecundação. A fusão dos gametas, por exemplo, pode ocorrer fora do corpo do organismo, típica de animais de ambiente aquático e semi-aquático, ou dentro do corpo. São observadas várias formas de desenvolvimento embrionário, que podem ocorrer totalmente no exterior do corpo do progenitor ou parcial ou totalmente no interior do organismo, havendo, nesse caso, um processo extremamente elaborado de trocas de substâncias entre ambos (DAWKINS, 1979). Existem também diferenças quanto ao cuidado parental desses animais com suas ninhadas, do investimento energético com relação à cópula e prole e, principalmente, em relação ao cortejo e acasalamento (MOTTA; PETERS; GUERRA, 2000). Por fim, os animais também apresentam formas diferentes de produção de gametas. Essas diferenças não são observadas apenas entre espécies mas também dentre os sexos da mesma espécie. Para a produção dos gametas, é necessária a geração de células através de meiose, a fim de se poder formar gametas haplóides que, após a fecundação, originarão um organismo diplóide e geneticamente diferente de qualquer outro. Nesse aspecto destacam-se os mamíferos, nos quais este mecanismo já é mais bem conhecido e há uma grande diferença entre os sexos. Os CES Revista, v. 23 36

Foliculogênese: da migração das células germinativas primordiais à aplicação de tecnologias..., p. 35-44 machos produzem e liberam grande quantidade gametas, cujas células menores são capazes de se locomover (flageladas). Já as fêmeas destinam um investimento maior na gametogênese, produzindo e liberando por ciclo um ou poucos oócitos (variando por espécies) de maior tamanho, desprovido de organelas relacionadas à locomoção e apresentando grande acúmulo citoplasmático de substâncias com função de substratos energéticos e de RNAs associados a genes de transição materno-zigótica, o que dará suporte ao desenvolvimento embrionário inicial (HAFEZ ; HAFEZ, 2004). O processo de geração de gametas ou gametogênese recebe a denominação de espermatogênese no macho e foliculogênese na fêmea. Buscando uma maior compreensão dos mecanismos embrionários, hormonais, genéticos e fisiológicos envolvidos nesse processo, este trabalho tem como objetivo elaborar uma revisão bibliográfica sobre o mecanismo de produção de gametas femininos e a relação deles com as células somáticas ovarianas durante seu desenvolvimento e maturação em mamíferos. Também serão abordadas possíveis aplicações de técnicas de manipulação da gametogênese feminina na produção e conservação animal. 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 FOLICULOGÊNESE A oogênese em mamíferos é associada à foliculogênese por acontecer dentro de compartimentos do ovário denominados folículos. Esses folículos estão diretamente relacionados a todo o processo de oogênese, atuando principalmente como uma glândula endócrina (produzindo esteróides) que estabelecerá comunicação não só com o oócito, mas também com a adenohipófise, hipotálamo e trato reprodutivo (HAFEZ; HAFEZ, 2004). Atuará também nos processos de nutrição e liberação de excretas do oócito, no processo de maturação, ovulação, fecundação e início do desenvolvimento embrionário (EPPIG, 2001; EPPIG; WIGGLESWORTH; PENDOLA, 2002). 2.1.1 Migração das células germinativas, formação das oogônias e folículos primordiais As células germinativas primordiais são originadas por mitoses. Em seguida migram através de movimentos amebóides do saco vitelínico, formando as gônadas e diferenciando-se em oogônias (SOTO-SUAZO; ZORN, 2005). As oogônias formadas são envolvidas por um cordão de células somáticas provenientes do mesonefro e a partir de então sofrem divisão meiótica e originam o oócito. No entanto, essa divisão 37 Juiz de Fora, 2009

Paulo Henrique de A. Campos Júnior, Carolina Marinho de Assunpção, João Henrique Moreira Viana passa pelas fases de leptóteno, zigóteno, paquíteno e é paralisada no diplóteno da prófase I, permanecendo até a maturação no chamado arresto meiótico (FREEMAN, 2003; VAN DEN HURK; ZHAO, 2004; CAMPOS-JUNIOR et al., 2008a). A partir da iniciação da meiose, observa-se que o oócito encontra-se envolvido por uma camada de células somáticas achatadas que passam então a ser chamadas de células da granulosa. Os folículos formados podem continuar seu processo de desenvolvimento no decorrer da vida da fêmea ou entrar em atresia (SOTO-SUAZO; ZORN, 2005). Durante muitos anos, acreditou-se que a reserva folicular ovariana fosse formada na embriogênese e que não haveria a possibilidade de renovação. Porém, com o avanço da ciência e consequente aumento de metodologias para o estudo da foliculogênese, a teoria se tornou alvo de grande controvérsia. Demonstrou-se, então, a possibilidade de renovação, todavia ainda não se sabe se ela realmente ocorre naturalmente e em quais condições poderia ocorrer (TILLY; JOHNSON, 2007). Este processo de diferenciação e formação do oócito é um evento mediado por diversos fatores, alguns atuando na formação das células germinativas primordiais (BMP-2/4/8b), outros atuando na sobrevivência (KL e LIF), migração (KL) e diferenciação (FGF-2, TNFα, PACAP). Alguns fatores atuam também na proliferação das oogonias (IL-4, KL), no processo de colonização das gônadas pelas células germinativas primordiais (B1-integrina) e posterior compactação delas (E-caderina) (VAN DEN HURK; ZHAO, 2004) No folículo primordial, já ocorre a esteroidogênese, todavia ela é independe de gonadotropinas (LH, FSH). Nesse estágio, o oócito e as células da granulosa ainda não expressam receptores e o controle da esteroidogênese se dá através de neurotransmissores. No entanto existem vários outros fatores que estão relacionados à sobrevivência e interação entre oócito-granulosa como o Fig-α e o TrkB (BUCCIONE; SCHROEDER; EPPIG, 1990). 2.1.2 Folículo primário A reserva folicular ovariana é composta por folículos primordiais, que podem ou não continuar o desenvolvimento e maturação. Alguns deles sofrerão degeneração (atresia), outros serão recrutados, desenvolvendo-se em folículos primários (FORTUNE, 2003; CAMPOS-JUNIOR et al., 2008a). Inicialmente, a diferença entre os folículos primordiais e primários se dá apenas no formato das células da granulosa que circundam o oócito e que constituem uma camada de células achatadas e cuboidais respectivamente, enquanto o oócito permanece com o mesmo diâmetro. Eventos marcantes dessa transição CES Revista, v. 23 38

Foliculogênese: da migração das células germinativas primordiais à aplicação de tecnologias..., p. 35-44 são o aparecimento da zona pelúcida, uma camada de proteínas que circunda o oócito durante todo o desenvolvimento folicular, ovulação e durante o início do desenvolvimento embrionário, e o surgimento de outra linhagem de células somáticas, a teca, exterior às células da granulosa. Vários fatores estão relacionados à ativação do folículo primordial, sendo de destaque membros da família TGF-β como a proteína morfogenética do osso (BMP), ativina e o fator de crescimento e diferenciação (GDF) (FORTUNE, 2003; VAN DEN HURK; ZHAO, 2004; CAMPOS-JUNIOR et al., 2008b). 2.1.3 Folículo secundário Após a transição primordial-primária do folículo, o oócito também começa a crescer em diâmetro, há o aumento da taxa de mitose das células da granulosa. Com o aumento do metabolismo do oócito, há um acréscimo no número de junções do tipo gap entre oócito e células da granulosa, que atuam na comunicação bidirecional, na transferência de nutrientes, metabólitos (nucleotídeos e aminoácidos), fatores de estimulação e/ou inibição da meiose, além de fatores de crescimento, neurotropinas e hormônios (FORTUNE, 2003; SENEDA; BORDIGNON, 2007). Ocorre também aumento da vascularização do folículo, possibilitando a atuação de sinais endócrinos. O oócito, então, já se torna sensível a gonadotropinas como o FSH. As células da teca aumentam o número de receptores de LH, iniciando a síntese de andrógenos, convertidos em estrógenos pela enzima aromatase que, por sua vez, aumentam o número de receptores de FSH nas células da granulosa, amplificando a ação desta gonadotropina (BUCCIONE; SCHROEDER; EPPIG, 1990; SENEDA; BORDIGNON, 2007). 2.1.4 Folículo antral Após o aumento do número de camada de células somáticas que envolvem o oócito, o folículo é preenchido por um líquido denominado fluido folicular, importante em mecanismos de regulação e modulação de substâncias provenientes das células foliculares e da comunicação endócrina que o folículo começa a estabelecer. Pouco se sabe, no entanto, dos mecanismos de sinalização responsáveis pela formação deste antro. KL, ativina, LH e FSH são os possíveis responsáveis pelo processo (FORTUNE, 2003; VAN DEN HURK; ZHAO, 2004). Nesse estágio, o oócito já se encontra com o maior diâmetro possível e cessa completamente a transcrição nuclear, atingindo, então, competência para concluir sua divisão meiótica e, em seguida, para ser fertilizado e desenvolver-se em blastocistos 39 Juiz de Fora, 2009

Paulo Henrique de A. Campos Júnior, Carolina Marinho de Assunpção, João Henrique Moreira Viana (SENEDA; BORDIGNON, 2007). A taxa de ovulação espécie-específica é determinada por mecanismos fisiológicos de seleção dos folículos em crescimento. Esse mecanismo envolve o estabelecimento de folículos dominantes, capazes de bloquear o crescimento e induzir a atresia dos demais folículos, denominados subordinados (VAN DEN HURK; ZHAO, 2004). Folículos dominantes e subordinados possuem aproximadamente o mesmo número de receptores de FSH, porém o folículo dominante possui mais receptores de LH que os subordinados. A dominância folicular envolve redução da secreção de FSH hipofisário, induzida pela inibina, e de GnRH hipotalâmico induzida pelo estradiol, atuando na regressão dos folículos subordinados (GINTHER et al., 1996). Com a redução na concentração endógena de FSH, induzida pelo mecanismo de dominância, os folículos subordinados regridem, enquanto o dominante continua seu desenvolvimento. 2.1.5 Maturação Antes de o oócito ser ovulado, ele necessita passar por uma fase denominada de maturação tanto nuclear quanto citoplasmática. A maturação também acarreta alterações na matriz extracelular, ocasionando a expansão das células do cúmulus pela secreção de ácido hialurônico. Esses processos são de grande importância tanto na ovulação quanto na fertilização, por bloquear a polispermia e facilitar a fusão dos prónucleos (VAN DEN HURK; ZHAO, 2004). A maturação nuclear se dá após o pico preovulatório de LH, quando o oócito consegue sair do bloqueio meiótico em que se encontra, ao deixar o diplóteno da prófase I (fase comparada com a G2 da mitose) e chegar à metáfase II, terminando, assim, a primeira divisão meiótica e consequente extrusão do primeiro corpúsculo polar. A penetração do espermatozóide causa oscilação na concentração de cálcio que acarreta em estímulos para que o oócito prossiga a divisão, terminando a segunda divisão meiótica, extrusão do segundo corpúsculo polar e início do desenvolvimento embrionário. Todavia a ativação do oócito pode ser induzida produzindo embriões haplóides denominados partenogenéticos ou partenotos, sendo essa estratégia reprodutiva utilizada em muitos invertebrados (GILCHRIST; THOMPSON, 2007; COSTA et al., 2008). A ativação partenogenética em mamíferos é largamente utilizada em experimentos em que se busca isolar o efeito paterno no desenvolvimento embrionário (COSTA et al., 2008). A maturação citoplasmática é necessária principalmente para o bloqueio da polispermia e, no caso de fertilização, permitir que a cabeça do espermatozóide descondense, liberando o prónucleo masculino para que ocorra a singamia. No CES Revista, v. 23 40

Foliculogênese: da migração das células germinativas primordiais à aplicação de tecnologias..., p. 35-44 processo também ocorre redistribuição das organelas com a migração das mitocôndrias para a região perinuclear e acúmulo de grânulos corticais no oolema. Também ocorre a inibição da secreção do LH e/ou inativação de seus receptores. Outro evento importante da maturação citoplasmática é interrupção da comunicação bidirecional direta entre o oócito e as células do cúmulus através do bloqueio das junções gap (HEIKINHEIMO; GIBBONS, 1998), além de ocorrer o acúmulo de mrna`s que darão suporte ao desenvolvimento embrionário até que ocorra a ativação do genoma embrionário, destacando-se os genes denominados de transição materno-zigótica como: MATER, ZAR-1, TEAD (FAIR et al., 2007). Todos os mecanismos estão relacionados à maquinaria molecular de maturação desencadeada pelo pico de LH, e envolvem processos como fosforilação e desfosforilação de proteínas (kinases e fator promotor de maturação) e variação nos níveis de AMPc e cálcio (HEIKINHEIMO; GIBBONS, 1998; VAN DEN HURK; ZHAO, 2004). 2.2 APLICAÇÃO DA MANIPULAÇÃO DA FOLICULOGÊNESE NA PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO ANIMAL O aumento do desmatamento somado ao aquecimento global e à interferência contínua do homem na natureza vem propiciando a redução do número de espécies de animais em todo o planeta, por uma redução do habitat e nicho desses espécimes. O fenômeno atinge de forma acentuada espécies de grande porte, ocorrendo, no entanto, grande desequilíbrio no ecossistema (DORST, 1998). O conhecimento do mecanismo de produção de gametas em fêmeas de mamíferos pode fornecer ferramentas para a manipulação in vitro (total ou parcial) do processo reprodutivo, possibilitando a geração de gametas e embriões e, consequentemente, indivíduos. Essa seria uma alternativa para repovoar uma população sem reduzir a variabilidade genética, uma vez que é possível se aplicar estratégias de cruzamentos entre os animais. Nesse contexto, destacam-se trabalhos que objetivam mimetizar as condições naturais do desenvolvimento embrionário em laboratório, além de estudos sobre gametogênese e fisiologia reprodutiva de animais selvagens (POPE, 2000). Desde meados do século passado, estudam-se com mais intensidade tecnologias reprodutivas aplicadas a animais de interesse zootécnico como bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos e equinos, tendo como principal objetivo acelerar o melhoramento genético do rebanho. Essas técnicas já são amplamente aplicadas em diversas regiões do mundo. O Brasil ocupa importante posto de o maior produtor mundial de embriões bovinos, respondendo por cerca de um quarto de toda a produção mundial (VIANA; 41 Juiz de Fora, 2009

Paulo Henrique de A. Campos Júnior, Carolina Marinho de Assunpção, João Henrique Moreira Viana CAMARGO, 2007). Dessa forma é possível a aplicação do conhecimento obtido em animais domésticos, em modelos de investigação de processos reprodutivos de animais selvagens, objetivando criar alternativas para reconstituir populações ameaçadas, assim como intercambiar material genético entre populações isoladas (POPE, 2000). 3 CONCLUSÃO Como descrito, o processo de formação de gametas em fêmeas de mamíferos é um processo complexo e ainda não totalmente dominado pela ciência, sendo assim uma área promissora para novos estudos. Fatores como o controle do processo de diferenciação folicular, o mecanismo de controle do recrutamento de folículos primordiais e de ativação e desativação de tantos genes ainda não são bem compreendidos. Outros pontos são motivo de intensa controvérsia, como a possibilidade de renovação do pool folicular e se essa renovação ocorre ou pode ser estimulada. O conhecimento desses mecanismos pode ser empregado no desenvolvimento de biotecnologias reprodutivas, aumentando o sucesso e possibilitando uma maior aplicação em mamíferos selvagens ameaçados, assim como otimizando as ferramentas já utilizadas para o melhoramento genético de animais de interesse zootécnico. Artigo recebido em: 12/09/2008 Aceito para publicação: 20/10/2008 CES Revista, v. 23 42

Foliculogênese: da migração das células germinativas primordiais à aplicação de tecnologias..., p. 35-44 REFERÊNCIAS BUCCIONE, R.; SCHROEDER, A. C.; EPPIG, J. J. Interactions between somatic cells and germ cells throughout mammalian oogenesis. Biology of Reproduction, v. 43, p. 543-547, 1990. CAMPOS-JÚNIOR, P. H. A.; MIRANDA, F. M.; BATISTA, R. I. T. P.; ASSUNÇÃO, C. M.; PAIM, C. A. S.; SOUZA, F. A. M.; VIANA, J. H. M. Quantificação e morfometria folicular de camundongos (Mus musculus) provenientes de cruzamentos outbreed. SEMANA DE BIOLOGIA, XXXI E MOSTRA DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA, XIV. Resumos... Juiz de Fora, UFJF - Diretório Acadêmico de Ciências Biológicas - Walter Machado Couto, 2008a. CAMPOS-JÚNIOR, P. H. A.; PAIM, C. A. S.; BATISTA, R. I. P.; MIRANDA, F. M.; SOUZA, F. A. M.; GHETTI, A. M.; VIANA, J. H. M. Caracterização morfométrica da população folicular ovariana de camundongos outbreed. In: CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS, XVII, 2008, Lavras. Anais... Lavras: [s.n.], 2008b. COSTA, F. Q.; SERAPIÃO, R. V.; CARVALHO, B. C.; PEREIRA, M. M.; CAMPOS- JÚNIOR, P. H. A.; SÁ, W. F.; VIANA, J. H. M.; NOGUEIRA, L. A. G.; CAMARGO, L. S. A. Fertilization and parthenogenesis of heat-stressed bovine oocytes. Acta scientiae Veterinariae, v. 36, p. 539, 2008. DAWKINS, R. O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p. 56-72. Dorts. J. Antes que a natureza morra. São Paulo: Edgard Blusher, 1971. EPPIG J. J.; WIGGLESWORTH, K.; PENDOLA, F. L. The mammalian oocyte orchestrates the rate of ovarian follicular development. Developmental Biology, v. 99, n. 5, p. 2890-2894, 2002. EPPIG J.J. Oocyte control of ovarian follicular development and function in mammals. Reproduction, v. 122, p. 829-838, 2001. FAIR, T.; CARTER, F.; PARK, S.; EVANS, A. C. O.; LONERGAN, P. Global gene expression analysis during bovine oocyte in vitro maturation. Theriogenology, v. 68, p. 91 97, 2007. FORTUNE, J. E. The early stages of follicular development: activation of primordial follicles and growth of preantral follicles. Animal Reproduction Science, v. 78, p. 135-163, 2003. FREMAN, B. The active migration of germ cells in the embryos of mice reproduction. Reproduction, v.125, p.635-632. 2003. 43 Juiz de Fora, 2009

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