BARRAGENS EM RIOS INTERNACIONAIS COM EFEITOS TRANSFRONTEIRIÇOS INDUZIDOS POR ACIDENTES GRAVES. A EXPERIÊNCIA IBÉRICA

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Transcrição:

BARRAGENS EM RIOS INTERNACIONAIS COM EFEITOS TRANSFRONTEIRIÇOS INDUZIDOS POR ACIDENTES GRAVES. A EXPERIÊNCIA IBÉRICA Teresa Viseu 1, Sílvia Amaral 2, Adelaide Gonçalves 3 1,2 e 3 Departamento de Hidráulica e Ambiente, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Av. do Brasil, 1700-066 Lisboa, 1 tviseu@lnec.pt; 2 samaral@lnec.pt, 3 mgoncalves@lnec.pt RESUMO Portugal e Espanha partilham uma extensa área de fronteira o que por um lado pode causar conflitos, nomeadamente pela necessidade de partilhar recursos hídricos em bacias hidrográficas internacionais, mas por outro, é uma base sólida para a criação de políticas de cooperação transfronteiriça, para planeamento e desenvolvimento de projetos de interesse comum. Entre diversos convénios inseridos numa política de cooperação transfronteiriça, surgiu a Convenção Sobre a Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso- Espanholas (Convenção de Albufeira), assinada por Portugal e Espanha, em 1998. Para garantir a aplicabilidade desta convenção foi criada a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC) composta por vários Grupos de Trabalho (GT). Em particular, o GT de Segurança de Infraestruturas Hidráulicas e Cheias dá resposta ao art.º12 da Convenção de Albufeira, que define que Espanha e Portugal devem desenvolver conjuntamente programas específicos sobre a segurança das infraestruturas hidráulicas e a avaliação dos riscos que, em caso de rotura ou de acidente grave, possam originar efeitos adversos significativos sobre qualquer das Partes, assim como a avaliação dos riscos potenciais. Neste artigo apresenta-se a experiência na identificação das barragens portuguesas cuja rotura poderia originar efeitos adversos também em Espanha. Esta experiência foi adquirida na sequência da análise realizada pelo GT de Segurança de Infraestruturas Hidráulicas e Cheias. Assim, são apresentadas metodologias para o estudo de cheias induzidas por roturas de barragens que permitem identificar aquelas que ainda originam efeitos adversos na zona transfronteiriça luso-espanhola. Dá-se ênfase aos métodos simplificados mas também se apresenta, para um caso de estudo, uma abordagem baseada na utilização de um modelo hidrodinâmico de simulação de cheias - o software de utilização livre HEC-RAS. Trata-se do estudo da cheia induzida pela rotura da barragem de Pedrógão, localizada na bacia hidrográfica internacional do rio Guadiana. PALAVRAS-CHAVE Convenção de Albufeira, cooperação transfronteiriça, cheias induzidas pela rotura de barragens.

1. INTRODUÇÃO A rotura de uma barragem gera uma cheia que é frequentemente mais perigosa do que as cheias naturais por duas razões distintas: primeiro, porque a existência de uma barragem a montante de uma localidade pode dar uma falsa perceção de segurança à população e resultar no esquecimento de práticas correntes e tradicionais de prevenção de cheias; e segundo porque podem ser macro cheias (caracterizadas por valores pouco usuais de alturas de água e de velocidades do escoamento) ou ainda cheias abruptas, cuja subida dos níveis de água é mais rápida do que a subida associada a uma cheia natural, o que diminui o tempo disponível para aviso e evacuação da população que habita no vale a jusante. A rotura de uma barragem é um acidente com muito baixa probabilidade de ocorrência, no caso de uma barragem projetada e construída de acordo com as normas e conhecimentos atuais. Contudo, caso a rotura ocorra, as consequências da onda de inundação resultante podem ser graves, dependendo das características da barragem e da albufeira e, muito especialmente, das características de ocupação do vale a jusante. A rotura provoca prejuízos económicos no vale a jusante da barragem, para além dos associados à destruição da obra propriamente dita e à consequente interrupção do funcionamento do aproveitamento. Não obstante o risco de um acontecimento deste tipo ser extremamente diminuto, deve sempre admitir-se a possibilidade da sua ocorrência sendo, por isso, importante definir as medidas de prevenção e de proteção a tomar em função da análise das suas consequências. Estas medidas, além de poderem reduzir a probabilidade de rotura, permitem atenuar significativamente as consequências do acidente. No caso de barragens localizadas em rios internacionais, estas medidas de prevenção e/ou mitigação dos danos podem ser de implementação mais complexa uma vez que é necessário articular as entidades de vários países envolvidos, de acordo com as respetivas atribuições e responsabilidades, nomeadamente, as entidades exploradoras das barragens e as entidades de resposta a emergências. A presente comunicação apresenta um conjunto de metodologias realizadas para identificar as barragens portuguesas cuja rotura poderia causar inundações em Portugal e Espanha. Dá-se ênfase aos métodos simplificados para análise de cheias induzidas mas apresenta-se, igualmente, uma abordagem baseada na aplicação do modelo HEC-RAS, que é um software de utilização livre. O artigo termina com a apresentação de um dos estudos conduzidos para as barragens pré-identificadas com maior impacto: a barragem de Pedrógão, localizada na bacia internacional do Rio Guadiana. 2. METODOLOGIA DO TRABALHO 2.1. Abordagem do estudo O estudo para identificação das barragens portuguesas cuja rotura teria impacto em Espanha foi conduzido em três fases distintas: 1ª Fase - breve análise para identificação das infraestruturas portuguesas com potencial para originar efeitos adversos significativos de dimensão transfronteiriça; nesta primeira fase, o único critério que esteve na base da identificação preliminar das barragens portuguesas foi a localização das mesmas (em rios internacionais) e a sua proximidade geográfica da fronteira luso-espanhola; 2ª Fase - avaliação, com base numa metodologia simplificada, do caudal máximo que aflui à fronteira decorrente das cheias provocadas pela rotura das barragens identificadas na 1ª fase; tratou-se de um cálculo expedito do caudal máximo efluente na secção da barragem, considerando um cenário de rotura total e instantânea, e do seu amortecimento ao longo do rio a jusante (cf. 2.2); 3ª Fase - simulação completa das cheias induzidas para as barragens identificadas na 2ª fase, com a modelação do processo de formação das mesmas nas secções das barragens em rotura e do processo da propagação pelos respetivos vales a jusante (vide 2.3 e exemplo apresentado no ponto 3). Note-se que o estudo da cheia induzida pela rotura da barragem obriga à modelação de dois processos distintos: o processo de formação da cheia induzida (i.e., o desenvolvimento da brecha e o cálculo do hidrograma de cheia efluente da barragem em rotura) e o processo de propagação da mesma.

No caso do processo de formação da cheia induzida, as abordagens usuais são as seguintes: modelos baseados em equações empíricas de previsão que utilizam expressões que relacionam o caudal máximo efluente da brecha com as características da barragem; modelos paramétricos em que o modelador define a geometria da brecha (a largura e a forma final) e o tempo de rotura, fazendo uso do tratamento estatístico da informação que é obtida das roturas históricas (protótipos) ou de resultados experimentais (modelos físicos); os softwares comerciais DAMBRK (BOSS DAMBRK, 1991) e HEC-RAS (USACE, 2002), de utilização corrente no meio técnico-científico, utilizam esta abordagem; modelos baseados em métodos físicos que simulam a evolução da brecha e calculam o hidrograma resultante da rotura de barragens de aterro usando modelos de erosão baseados na realidade física do problema, ou seja, em princípios de hidráulica, transporte sólido e mecânica dos solos; o software comercial BREACH (Fread, 1988) utiliza esta abordagem. No caso do processo de propagação da cheia induzida, as abordagens usuais são: modelos baseados em equações empíricas de previsão; modelos numéricos desenvolvidos para as equações que regem os escoamentos e que podem ser modelos hidrológicos ou hidráulicos; note-se que os já citados softwares HEC-RAS e DAMBRK utilizam esta abordagem. 2.2. Modelo simplificado Para avaliar se as cheias induzidas pela eventual rotura das barragens portuguesas pré-identificadas se fazem sentir em território espanhol foram tidos em consideração, numa 2ª fase, os seguintes aspetos: cálculo do caudal máximo efluente da barragem em rotura, que define a magnitude da cheia induzida e se relaciona com o tipo e a dimensão da barragem, (em particular, altura e volume armazenado); avaliação da distância percorrida pela cheia induzida, que avalia o respetivo amortecimento; identificação das condições de fronteira a jusante, que podem implicar a atenuação significativa da cheia induzida (por exemplo, a confluência com um rio de maior dimensão ou a existência de uma albufeira a jusante, com poder de encaixe da cheia induzida). A abordagem simplificada para efetuar a simulação do processo de formação da cheia induzida pela rotura da barragem consiste no uso de equações empíricas de previsão, i.e., expressões que relacionam o caudal máximo efluente da brecha de rotura com as características da barragem ou da albufeira (geralmente altura da barragem, capacidade da albufeira ou uma variável que compreenda estas duas características). Esta abordagem empírica baseia-se essencialmente na análise estatística de dados obtidos a partir de roturas históricas documentadas ou de trabalho experimental. Assim, o caudal máximo efluente da secção de uma barragem em rotura pode ser calculado pela expressão proposta por Hagen (1982): Q = (1) 0,48 max 1,205(HbarrValb ) onde H barr é a altura da barragem e V alb a capacidade da albufeira. O valor do caudal máximo efluente na secção da barragem, Q max, vai-se reduzindo ao longo do vale devido ao amortecimento. Assim, a caracterização do processo de atenuação da cheia induzida pode ser realizado por recurso à expressão proposta por USBR (1989), que relaciona o caudal máximo numa secção que dista x quilómetros da barragem, com a distância percorrida pela frente da onda. Qmax Q max (x) = (2) 0,0124x 10 onde Q max - caudal máximo efluente na secção da barragem em rotura (m 3 /s) x - distância entre a secção de cálculo e a barragem (km) Q max (x) - caudal máximo numa secção à distância x km da barragem (m 3 /s)

2.3. HEC-RAS O software de utilização livre, HEC-RAS foi desenvolvido pelo U.S. Army Corps of Engineers (USACE, 2002). Permite calcular e apresentar graficamente o perfil da superfície livre de escoamentos em rios de secção natural ou regularizada, para vários valores de caudal, apresentando ou não singularidades tais como pontes, diques longitudinais e barragens. As versões mais recentes deste software incluem algoritmos que permitem modelar roturas por galgamento e por erosão interna. No caso de roturas por galgamento, a crista da barragem é modelada como um descarregador; no caso de roturas por erosão internas, o escoamento através da brecha é tratado como o escoamento através de um orifício. A rotura é simulada considerando o alargamento da brecha ao longo do tempo. O cálculo assenta na subdivisão do rio ou canal em troços cujos comprimentos devem considerar as mudanças geométricas que ocorrem ao longo do vale para que a topografia seja modelada com precisão. Para aumentar a precisão o software faz a interpolação entre secções de cálculo. De uma forma geral, recomenda-se uma distância máxima de 200 m entre secções de cálculo e um período de simulação inferior a 6 h. Na quantificação das perdas de carga é utilizada a equação de Manning-Strickler. Os dados necessários dividem-se em dados gerais (como títulos do trabalho, variáveis de controlo para a execução do cálculo, coeficientes de rugosidade de Manning-Strickler, regimes do escoamento, etc.) e em dados relativos às secções de cálculo (número da secção, pontos definidores, distâncias, cota da face inferior do tabuleiro de uma ponte, etc.). Para a modelação da rotura é, igualmente, necessário especificar as características da barragem e do descarregador e as características da brecha (dimensões e tempo de rotura). Os resultados do cálculo consistem nos valores da altura do escoamento, cota da superfície livre da água, perda de carga por atrito, caudal total e dos leitos (menor e maiores), áreas das secções molhadas dos vários leitos, volumes de água acumulada no rio, velocidades médias nos vários leitos, etc. Adicionalmente é possível obter a representação dos perfis transversais utilizados no cálculo com as alturas de água e o desenho dos perfis longitudinais. Estes podem incluir, além do perfil da superfície livre, a linha de energia, a linha das energias críticas, a linha do talvegue, as linhas definidas pela cota máxima de cada uma das margens do leito menor e a linha definida pelas extremidades das margens direita e esquerda das diversas secções. 3. BARRAGENS COM EFEITOS TRANSFRONTEIRIÇOS 3.1. Identificação preliminar das barragens O número total de grandes barragens portuguesas inventariadas é, em Portugal, igual a 157, de acordo com os dados que constam do site do INAG http://cnpgb.inag.pt/gr_barragens/gbportugal. A localização destas barragens consta da Figura 1. Destas 157 barragens portuguesas foram identificadas, numa 1ª fase, as localizadas nas bacias internacionais luso-espanholas dos rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana que cumprem, simultaneamente, o requisito de se situar a montante da linha da fronteira luso-espanhola (ou mesmo na própria, no caso das barragens do Douro Internacional). Assim, tal como consta da Figura 1, é possível verificar que existem 21 barragens situadas em Portugal com potencial para gerar cheias induzidas com efeitos em Espanha, nomeadamente as seguintes: Pagade, localizada na bacia do rio Minho; Rego do Milho, Miranda, Picote e Bemposta, localizadas na bacia do rio Douro; Toulica, Idanha e Apartadura, localizadas na bacia do rio Tejo; Abrilongo, Caia, Monte das Espadas, Lucefecit, Roucanito, Alqueva, Pedrógão, Tapada Pequena, Tapada Grande, Finca Rodilhas, Odeleite, Beliche e Garoucha, localizadas na bacia do rio Guadiana. A barragem de Pedrógão constitui o caso de estudo apresentado na presente comunicação.

Figura 1 - Localização das grandes barragens portuguesas e das barragens com eventual impacto em Espanha. 3.2. Modelo simplificado para seleção das barragens A caracterização dos processos de formação e de atenuação da cheia induzida ao longo do vale a jusante foi realizada segundo o método apresentado em 2.2. Verifica-se que para aplicar este método é necessário conhecer a altura e a capacidade de armazenamento das barragens bem como a distância a que se encontram da fronteira luso-espanhola. Assim, para a caracterização das 21 barragens pré-identificadas, nomeadamente do perfil transversal e da curva de volumes armazenados das respectivas albufeiras, foram utilizados os elementos constantes do site http://cnpgb.inag.pt/gr_barragens/gbportugal/. A avaliação das distâncias das 21 barragens identificadas ao território espanhol foi definida com base na informação constante das cartas topográficas à escala 1:25 000 e no programa Google Earth (2007 Cnes/Spot Image). Na Figura 2 apresenta-se, a título de exemplo, o percurso associado à cheia induzida pela rotura da barragem de Pedrógão. Nesta figura de assinalar: a linha contínua a amarelo, representa a fronteira entre Espanha e Portugal; a linha ponteada a encarnado, representa o percurso da cheia induzida.

Figura 2 - Percurso da cheia induzida pela rotura da barragem de Pedrógão até à fronteira no Pomarão Assim, de acordo com a metodologia simplificada adotada, verificou-se que apenas doze das vinte e uma barragens pré-identificadas têm, efetivamente, potencial para originar efeitos adversos de dimensão transfronteiriça, nomeadamente as seguintes (Quadro 1): Rego do Milho, Miranda, Picote e Bemposta, localizadas na bacia do rio Douro; Idanha e Apartadura localizadas bacia do rio Tejo; Abrilongo, Caia, Alqueva, Pedrógão, Odeleite e Beliche, localizadas na bacia do rio Guadiana. Da análise do Quadro 1 verifica-se que metade das barragens se situa na bacia do rio Guadiana, duas na bacia do rio Tejo e três no trecho internacional do rio Douro. Há ainda a registar que devido à sua dimensão a barragem de Rego do Milho situada no rio Minho tem um impacto reduzido. Quadro 1 - Características das cheias induzidas por barragens portuguesas com potencial para originar efeitos adversos de dimensão transfronteiriça (Viseu, 2007) Barragem Altura (m) Capacidade (x 1 000 m 3 ) Qmax (m 3 /s) Extensão do trecho de propagação até fronteira espanhola (km) Rego do Milho 25 1 880 5 802 5 km ao longo do Ribeiro do Milho e Ribeiras de Lamares e Cambedo Miranda 80 28 100 37 141 Barragem situa-se na linha da fronteira Picote 100 63 000 60 907 Barragem situa-se na linha da fronteira Bemposta 87 129 000 80 360 Barragem situa-se na linha da fronteira Idanha 51 78 100 48 876 49 km ao longo rio Ponsul Apartadura 46,5 7 465 15 150 12 km ao longo da Ribª Reveladas (2 km) e do rio Sever (10 km) Abrilongo 29 18 900 18 864 19 km Caia 52 203 000 78 031 14 km Alqueva 96 4 150 000 445 800 100 km até Pomarão Pedrógão 43 106 000 52 143 73 km até Pomarão Odeleite 65 130 000 70 126 9 km ( confluência com o rio Guadiana) Beliche 54 48 000 39 768 9 km (confluência com o rio Guadiana)

No caso da barragem de Pedrogão, o caudal máximo efluente da barragem é igual a Q max 52 143 m 3 /s. Trata-se de uma cheia significativa (note-se que os descarregadores da barragem estão dimensionados para 12 000 m 3 /s) mas que sofre um grande amortecimento ao longo do vale a jusante. A jusante da barragem, a cheia induzida percorre 78 km até à fronteira, junto ao Pomarão, onde o caudal máximo é igual a Q max (78 km) 5 623 m 3 /s. Na foz, 133,4 km a jusante de Pedrogão, o caudal é igual a 1 156 m 3 /s. 3.3. Modelação da cheia de rotura da barragem de Pedrógão Para as doze barragens identificadas na 2ª fase foi feita a simulação completa das cheias induzidas usando o software HEC-RAS, que permite a modelação do processo de formação das mesmas nas secções das barragens. Apresenta-se neste ponto o caso da barragem de Pedrógão, localizada no rio internacional do Guadiana. Trata-se de uma estrutura de betão compactado com cilindros. Apresenta um perfil de gravidade com 43,00 m de altura máxima acima das fundações e 106,0 hm 3 de volume armazenado. O coroamento situa-se à cota (93,00), sendo que este se desenvolve numa extensão de 448 m. As simulações da propagação da onda de cheia desenvolveram-se ao longo de 133,4 km desde a barragem de Pedrógão até à foz, junto a Vila Real de Santo António (Amaral et al., 2008). Entre o Pomarão e a foz, o rio Guadiana serve de fronteira entre Espanha e Portugal. Da análise dos elementos que caracterizam a configuração e a ocupação do vale a jusante, observa-se uma alternância de trechos muito encaixados, de vertentes abruptas, com outros trechos em que o vale é largo com margens de declive suave (Figura 3). Os valores de densidade populacional dos concelhos situados no vale a jusante da barragem de Pedrógão evidenciam uma ocupação humana reduzida. O povoamento do vale a jusante é do tipo concentrado pelo que grande parte da população reside nas sedes dos concelhos, existindo apenas algumas habitações dispersas em associação com o rio. Assim, nas margens do Guadiana, existem alguns núcleos populacionais, nomeadamente Pomarão, Mértola, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António. Todos estes aglomerados se situam na zona de menor risco do vale a jusante, nomeadamente devido à distância significativa que os separa da barragem de Pedrógão. Figura 3 - Aspeto do vale a jusante da Barragem de Pedrógão. Distâncias à secção de implantação da barragem: a) 0 km; b) 33 km; b) 43 km; c) 53 km.

No que diz respeito às características da brecha considerou-se a rotura simultânea de duas zonas não contíguas da estrutura da barragem, correspondendo a primeira aos blocos compreendidos entre as juntas 4A e 5B e, a segunda, aos blocos compreendidos entre as juntas 7 e 9 (Figura 4) e adotou-se uma brecha de geometria retangular de largura igual a 124 m e altura igual a 43 m. No que respeita ao tempo de rotura da barragem, Viseu (2006) propõe um valor da ordem da dezena de minutos para as barragens do tipo gravidade. Para a rotura da barragem de Pedrógão adotou-se um tempo de rotura de 12 min. MD 1 2 3 3A 4 4A 4B 5 5A 5B 6 6A 6B 7 7A 8 9 10 11 12 13 ME 64,5 m 59,5 m Figura 4 - Vista frontal da barragem de Pedrógão. Brecha de rotura considerada. Note-se que a geometria da brecha de rotura considerada, assim como o tempo de rotura adotado configuram um cenário de rotura parcial da barragem, tal como seria de esperar para uma barragem do tipo gravidade. O cenário cujos resultados se apresentam seguidamente, corresponde a um cenário mais provável de rotura, embora no estudo de base se tenha igualmente realizado a simulação para um cenário de rotura mais gravoso, o qual correspondeu à rotura total da barragem. Os resultados da simulação da rotura mais provável da barragem de Pedrógão por recurso ao modelo HEC- RAS são apresentados na Figura 5, onde constam os hidrogramas de cheia em diversas secções de cálculo localizadas ao longo do rio Guadiana a jusante da barragem de Pedrógão (Amaral et al., 2008). 35 000 15 000 30 000 14 000 Q (m 3 /s) 25 000 20 000 Q (m 3 /s) 13 000 12 000 15 000 11 000 10 000 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 8.00 9.00 10.00 t (h) Pedrógão 11 km 19 km - Ribª do Enxoé 28 km 43,2 km - E.H. do Pulo do Lobo 10 000 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 5.00 6.00 7.00 8.00 9.00 10.00 t (h) 47 km 63 km - Mértola 78 km - Pomarão 96 km - Alcoutim 127 km - Castro Marim 133,4 km - V.R.S. António Figura 5 - Rotura mais provável da barragem de Pedrógão. Hidrogramas de cheia em várias secções do vale a jusante da barragem (Amaral et al., 2008). Da análise destes elementos, verifica-se que o caudal de ponta na secção da barragem é igual a Q máx = 32 850 m 3 /s (37% inferior ao caudal estimado com o método simplificado). A cheia induzida percorre 78 km até à fronteira, junto ao Pomarão, onde o caudal máximo é igual a Q máx 78 km = 13 604 m 3 /s (58% superior ao caudal estimado com o método simplificado). A jusante da barragem, na foz, a cheia induzida apresenta um caudal de ponta igual a 12 591 m 3 /s (80% superior ao caudal estimado com o método simplificado). Estas diferenças de resultados iriam naturalmente ter expressão na delimitação das áreas de inundação caso se optasse pelo método simplificado, o que se traduziria numa maior abrangência no trecho inicial do vale a jusante (ou seja, a favor da segurança das populações), mas numa muito menor abrangência no trecho mais a jusante. No trecho de montante, parte da diferença de resultados está associada ao facto do modelo simplificado considerar uma rotura total da barragem, enquanto o modelo HEC-RAS considera uma rotura parcial. Já no trecho de jusante, apenas o modelo HEC-RAS considera a topografia do vale e as perdas que advêm da rugosidade do mesmo, para além de considerar o efeito de maré que tem uma influência condicionante no presente caso de estudo.

Assim, ressalva-se o facto de os resultados obtidos com o modelo simplificado pressupõem a admissão de uma série de simplificações. Com este último tipo de modelo pretende-se essencialmente obter resultados do lado da segurança, ou seja, estimar valores de caudais e de alturas de água mais elevados (e tempos de chegada da cheia induzida mais reduzidos) do que os obtidos com um modelo conceptualmente mais completo. Este pressuposto tem a sua génese na filosofia de que se à priori se sabe que as estimativas efetuadas têm associados erros mais sensíveis, então é desejável que elas sejam estimativas que garantam uma proteção (por excesso) da população. Assim, a utilização de métodos simplificados deve ser adotada nos casos de análises preliminares do risco ou ser reservada para pequenas barragens, em que as consequências da rotura sejam menores. Para as maiores barragens, a análise das cheias induzidas deve aumentar de complexidade e englobar o máximo de informação possível da barragem e do vale a jusante da mesma, deste modo conseguem-se condições de simulação mais realistas obtendo-se, naturalmente, resultados mais rigorosos. Note-se que a simulação da cheia induzida por recurso a um modelo numérico é, igualmente, a única metodologia que permite o traçado do mapa de inundação ao estimar os níveis máximos atingidos pelo escoamento em diversas secções do rio a jusante da barragem. Com efeito, a delimitação da área de inundação pode ser vetorizada sobre a base cartográfica georreferenciada, recorrendo à informação sobre a cota máxima atingida pelo escoamento em cada perfil transversal, dando origem à cartografia temática representativa desta área de risco. A Figura 6 ilustra, para o caso em estudo, um estrato do mapa de inundação, junto ao local de Pedrógão. Figura 6 do mapa de inundação junto a Pedrógão. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS No âmbito do GT Segurança de Infraestruturas Hidráulicas e Cheias, criado no âmbito da Convenção de Albufeira, foi realizado um estudo que permite identificar as infra-estruturas portuguesas com potencial para originar efeitos adversos significativos de dimensão transfronteiriça, neste caso particular, em Espanha. Numa primeira fase, o único critério de base para identificação destas barragens foi a respetiva localização geográfica, que permitiu pré-identificar 21 barragens. Numa segunda fase, foi realizada uma análise simplificada, com base nas características das cheias induzidas e dos respetivos vales a jusante, tendo sido possível concluir serem doze as barragens portuguesas com potencial para originar efeitos adversos em Espanha.

Desta forma, foram conduzidos, numa terceira fase, estudos baseados em modelos hidrodinâmicos de simulação de cheias induzidas provocadas pela rotura das doze barragens identificadas. Estes estudos, conceptualmente mais abrangentes, permitiram o desenvolvimento de planos de emergência específicos para algumas destas barragens, nomeadamente para as barragens do Alqueva e de Pedrógão, em Portugal, e para a barragem do Chança, em Espanha. Para as barragens com efeitos transfronteiriços, pretende-se que as entidades responsáveis de ambos os países tenham conhecimento das normas de exploração relativas às infraestruturas e dos respetivos planos de emergência, para que seja possível, em particular, a concertação de mecanismos de atuação em situação de cheia. Note-se que, os aspetos fulcrais dos planos de emergência são tratados de forma similar em Espanha e Portugal. Este facto permite concluir que não se afigura ser muito difícil a definição de procedimentos semelhantes para tornar os planos de emergência de cada um dos dois países em planos de emergência internacionais, ou seja, associados às barragens com efeitos transfronteiriços. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amaral, S., Viseu, T., Charneca, N., Fernandes, J.P., Palma, J., Oliveira Costa, C. e Tavares de Castro, A. Plano de emergência interno da barragem de Pedrógão. Caracterização da barragem, dos recursos, da onda de inundação e do vale a jusante. Volume I. Tomos I.1 e I.2. Texto e desenhos. Relatório LNEC 164/08, 2008. BOSS DAMBRK User s Manual. Boss Corporation. USA, 1991 Fread, D.L. Breach: An Erosion Model for Earthen Dam Failures. National Weather Service, July, 1988. Hagen, V.K., Re-evaluation of design floods and dam safety. 14º Congresso das Grandes Barragens, Q.52, Rio de Janeiro, 1982. USACE HEC-RAS River Analysis System User s manual. U.S. Army Corps of Engineers, Hydrologic Engineering Centre (HEC), 2002 USB Policy and procedures for dam safety modification decision-making. Department of the Interior, Denver, USA, 1989. Viseu, T. Segurança dos Vales a Jusante de Barragens. Metodologias para Apoio à Gestão do Risco. Tese de doutoramento, IST, Lisboa, 2006. Viseu, T. Identificação das infra-estruturas hidráulicas portuguesas com efeitos transfronteiriços induzidos por acidentes graves. Grupo de Trabalho sobre Segurança de Infra-estruturas Hidráulicas e Cheias, CADC, Madrid, Novembro, 2007.