Estudo da Leishmaniose Tegumentar Americana através de geotecnologias no município de Ubatuba SP. Ana Elisa Pereira Silva ¹ Helen da Costa Gurgel ¹, ²



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Transcrição:

Estudo da Leishmaniose Tegumentar Americana através de geotecnologias no município de Ubatuba SP Ana Elisa Pereira Silva ¹ Helen da Costa Gurgel ¹, ² ¹Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE Caixa Postal 01-12630-970 Cachoeira Paulista - SP, Brasil (ana.silva@cptec.inpe.br) ²Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em Saúde Brasília - DF, Brasil (helen.gurgel@gmail.com) Abstract. The American Cutaneous Leishmaniasis (ACL) is an infectious, however not contagious parasitic illness, transmitted for known mosquitos as phlebotomines. The distribution of this vector can vary according to the geographical location. The insect develops the ingested parasite, becoming infective to the human beings, causing injuries in the skin and mucosa (nose, mouth), that it made this illness to be known as "wounded brave". The ACL is a illness which can affect all human being that is in present in places whose environment is populated by mosquitoes. The majority of the cases occur in Northern parts of Brazil, although in the north of the Sao Paulo coast line, a touristic area, the number of cases are also high. In 2003 the number of cases reach its peak and this reason motivated the development of this assignment. The spatial and temporal distribution of the registered cases during the period 1998-2006 in Ubatuba county, Sao Paulo state, were analyzed using geoprocessing techniques and land cover information. The results showed that the illness seems to affect workers in general (masculine). It was found that the affected people usually live close to the forest and the land cover dynamics seems to play significant role in the contamination cycle. The results also showed that the illness contamination can be affected by economical and geographical factors once people choose their house in accordance with their income. Palavras-chave: geoprocessing, remote sensing, analysis space-time, geoprocessamento, sensoriamento remoto, análise espaço-temporal. 1. Introdução Doença parasitária capaz de causar lesões na pele e mucosas, a Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) tem atingido o mundo inteiro com estimativa de 1,5 milhão de novos casos por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). É uma doença reemergente de alta relevância para a Saúde Pública, principalmente com as mudanças causadas no meio ambiente. Seu ciclo biológico alberga um hospedeiro reservatório (mamífero), um hospedeiro intermediário (inseto vetor) e um hospedeiro acidental (homem) no qual ocorre a manifestação da doença. A transmissão se dá através do vetor que adquire o parasito ao picar reservatórios, transmitindo-os ao homem (Ministério da Saúde, 2006). Há várias espécies do inseto vetor Lutzomyia envolvidas na transmissão desta doença e cada uma está associada a uma espécie do protozoário Leishmania, de acordo com a sua localização geográfica (NEVES, 2005). A fim de melhor compreender a influência destas mudanças ambientais na dinâmica da LTA, técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto estão sendo utilizadas como ferramenta para a análise de parâmetros ambientais relevantes para a saúde pública (CORRÊA, 2007). No Brasil, a maior incidência de casos ocorre na região Norte. Entretanto, a região Sudeste também vem apresentando grande número de registros de Leishmaniose. Os municípios do Litoral Norte Paulista, pertencentes à Regional de Saúde de São José dos Campos durante o período de 1998 a 2006, apresentou um forte crescimento no número de casos de LTA, registrando 8% dos casos notificados no estado de São Paulo, sendo a quarta regional mais atingida nesse período (CVE, 2007). Dentre os municípios desta região, 7595

destaca-se Ubatuba que registrou o maior número de casos de LTA para o período em estudo, com aumento significativo a partir de 2003. Devido a importância deste município para o Litoral Norte Paulista, que tem sua principal fonte de renda no turismo, o presente estudo tem o objetivo de fornecer informações sobre o aumento do número de casos da doença nos últimos anos e suas principais variáveis associadas, visando melhorar a qualidade de vida da população local mais carente, que é também a mais atingida, e garantir a expansão turística e imobiliária da região. 2. Metodologia O local de estudo é a região do Litoral Norte Paulista, mas especificamente o município de Ubatuba (Figura 1), onde foram analisados os dados de casos notificados da doença, cujo monitoramento entre 1998 a 2006 esteve sob a responsabilidade da Direção Regional de Saúde de São José dos Campos. Situado a leste do Estado de São Paulo (23º75 00 S e 45º04 00 W), o município possui área territorial de 712km² e ocupa a maior área do litoral paulista. Do ponto de vista ambiental, é a região mais preservada, apresentando ainda vastas extensões de Mata Atlântica. O turismo veranista é seu principal fator de desenvolvimento. Figura 1: Localização do município de Ubatuba Imagens do satélite Landsat abrangendo o município de Ubatuba (cena 218/76) foram obtidas no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e utilizadas para observar o uso do solo das áreas próximas aos locais de casos notificados e a distância entre a residência do indivíduo com LTA e a mata, analisando vasta região de uma só vez, como, por exemplo, o município inteiro. Teve-se ainda a vantagem de comparar imagens entre vários anos diferentes (2002, 2004 e 2006), para verificar possíveis modificações que possam ter contribuído na dinâmica da doença. Através da classificação do tipo supervisionada, foram identificadas áreas urbanizadas e áreas de mata. Através da consulta via internet aos dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, buscou-se conhecer o perfil da população local e fazer uma análise da situação sócio-econômica encontrada nesta região de grande ocorrência da LTA. Para analisar os dados de casos notificados da LTA e relacioná-los com fatores sócio-ambientais, foram utilizadas técnicas de análise espacial e Sensoriamento Remoto através do uso do Geoprocessamento. Os casos foram espacializados de acordo com a localização geográfica do endereço de cada caso notificado. Esta localização geográfica foi obtida através do Google Earth, de mapas de zoneamento urbano obtidos na Secretaria de Arquitetura e Urbanismo de Ubatuba, e em trabalho de campo com o uso do GPS (Sistema de Posicionamento Global). 7596

3. Resultados e Discussão 3.1 Dinâmica da LTA entre 1998 e 2006 Durante o período de estudo, 183 casos foram notificados ao Ministério da Saúde pelo município de Ubatuba. Desde 1998 até 2002, Ubatuba apresentava poucos casos notificados, sendo no ano de 2003 o maior registro para o período em estudo: 59 casos que foram diminuindo nos anos seguintes. Em todos estes anos, os indivíduos do sexo masculino foram os mais atingidos pela doença. Lonardoni et al.(2006) e Martins et al.(2004) também encontraram resultados semelhantes a estes. Através da contagem da população realizada pelo IBGE, nota-se um aumento maior que 36% no número de pessoas do município de Ubatuba entre os anos de 1996 a 2007. Este aumento foi significativo principalmente entre a população feminina que cresceu mais do que a população masculina, caracterizando uma mudança no perfil da população. A distribuição da LTA se apresenta heterogênea quando abordada sobre o aspecto da faixa etária. Ubatuba apresentou número significativo de casos em crianças com idade escolar e também entre os maiores de 60 anos. Mas a população mais atingida foi a economicamente ativa, ou seja, idade entre 15 e 49 anos. Outros estudos também apontaram predomínio de casos de LTA nesta faixa etária (CARFAN et al., 2004; CORTE et al., 1996). De acordo com dados do Censo Demográfico de 2000 realizado pelo IBGE, das 31.297 pessoas com rendimento mensal em Ubatuba, 43% recebiam até dois salários mínimos. Estes valores mostram a situação econômica vigente em 2000 no município quando a população total era de 66.861 habitantes. Vanzeli e Kanamura (2007) mostraram que os pacientes infectados com LTA no município de Ubatuba em 2003, escolheram seus locais de moradia motivados pelo problema econômico. Estas informações confirmam o que o Manual de Controle da LTA (2000) elaborado pelo Ministério da Saúde constatou: que as populações atingidas são, em geral, de baixo padrão sócio-econômico. 3.2 Aspectos ambientais: uso do solo O município de Ubatuba apresentou um aumento populacional significativo ao longo dos anos em estudo. Cercada por floresta e mar, com o crescimento da cidade a periferia urbana se aproximou da mata, local de grande número de insetos devido às condições favoráveis para sua proliferação. Com a espacialização dos casos notificados segundo o endereço residencial dos pacientes, foi observada a distribuição da doença em todo o município, desde a área central e mais urbanizada até ao litoral, de norte à sul do município (Figura 2). Figura 2: Total de casos notificados de LTA em Ubatuba 7597

Esta mesma distribuição pôde ser analisada temporalmente, onde foi observado não só o aumento do número de casos, mas também o deslocamento da doença ao longo dos anos. É notável que a partir de 2003 a representação dos casos vai se direcionando da região norte para a região oeste do município e migrando cada vez mais para dentro da mata (Figura 3). Apesar de visualmente a partir de 2003, surgirem vários casos notificados na região central e urbana de Ubatuba, neste ano o maior número de casos ocorreu ainda na região norte do município. Isto se deve ao fato de que várias pessoas na mesma moradia foram acometidas pela doença, registrando o mesmo local de residência para mais de um caso, ou ainda moradias muito próximas com registro de casos da doença. Porém, já a partir de 2004 a expansão da doença passou a ser mais expressiva na região oeste, com número de casos notificados cada vez maior nas áreas próximas ou dentro da floresta densa. Nas duas regiões mais atingidas pela LTA (norte e oeste) há realidades opostas em relação ao uso do solo: na primeira os domicílios estão à beira da praia, cercados pela mata ou inseridos nela, enquanto na segunda a expansão imobiliária aumenta a área desmatada de floresta ao redor da Rodovia Oswaldo Cruz SP 125. Sugere-se que esta expansão imobiliária associada ao aumento da população do município possa ter contribuído para o deslocamento dos casos notificados de LTA da região norte para a região oeste. Através da classificação supervisionada feita nas imagens de satélite, foi observado que mesmo em várias regiões do município houve aumento da área antropizada ao longo dos anos. Na figura 4 é possível observar a perda da vegetação densa durante o período de aumento do número de casos de LTA. Em 2002, a área antropizada ocupava 34,83 km², isto é, 5% do total do município. Em 2004, este valor aumentou para 49,95 km² abrangendo 7% de Ubatuba. Algumas dessas áreas foram regeneradas até o ano de 2006 onde houve aumento da vegetação com relação ao ano de 2004. Por isso, a área antropizada em 2006 diminuiu e passou a ocupar 47,39 km², ou seja, 6,8% da área territorial de Ubatuba. A área regenerada foi muito menor num período de dois anos (2004-2006) do que à área desmatada no mesmo período de tempo (2002-2004). Este desmatamento é devido em grande parte ao aumento do número de moradias que estão adentrando a mata. Os núcleos urbanos do Litoral Norte Paulista apresentam extensa área de cobertura vegetal preservada, parte integrante da reserva florestal da Mata Atlântica (BRITO et al., 2002). O indicativo de vegetação densa é um parâmetro importante a ser considerado no caso do estudo da LTA, pois é habitat para vetores e reservatórios da doença (CORRÊA, 2007). A ocupação do solo para fins de implantação de moradias quando não é planejada, favorece a formação de núcleos residenciais muito próximos das matas, permitindo a existência de manchas residuais de mata entre as moradias (BRITO et al., 2002). Com o crescimento do município de Ubatuba, a periferia urbana se aproximou da mata, local de grande número de insetos devido às condições favoráveis para sua proliferação (SILVA et al., 2007). Follador et al. (1999) encontrou diferença estatística significante entre sadios e doentes analisando o local das moradias. Havia no grupo de doentes forte predomínio de moradores em local de alteração ambiental acentuada, com desmatamentos e maior proximidade da mata às casas. Segundo Aparício (2001), os modos de transmissão ocorrem primeiro naqueles locais próximos aos habitats naturais dos mosquitos, que são os remanescentes de florestas, e depois em locais onde os mosquitos já se adaptaram ao ambiente peridomiciliar. As regiões norte e oeste de Ubatuba apresentavam características ambientais diferentes, porém ambas com condições favoráveis para a habitação do vetor. Tem-se discutido a possível adaptação de vetores e parasitas a ambientes modificados e a reservatórios (Ministério da Saúde, 2000). 7598

Figura 3: Total de casos notificados de LTA em Ubatuba 7599

Figura 4: Imagens classificadas do município de Ubatuba 7600

Foi também mensurado através das imagens de satélite, a distância (metros) entre a residência do indivíduo cujo caso foi notificado como LTA e a vegetação densa mais próxima. O resultado encontrado para todos os casos notificados no período de 1998 a 2006 mostram que em 61% dos casos, as moradias ficam a uma distância máxima de até 50 metros de algum fragmento de mata. Num estudo já realizado na cidade de Ubatuba, Vanzelli (2006) constatou que para 45% dos casos registrados em 2003, a distância entre as moradias e a borda da mata era menor que 10 metros e para 86,5 % essa distância não ultrapassava 50 metros, indicando que a proximidade com a mata pode estar relacionada com a aquisição da doença. Estes valores vem reforçar a importância da proximidade com a vegetação densa, habitat de reservatórios e vetores, para a transmissão da LTA. Segundo Vanzeli e Kanamura (2007), a pequena distância observada entre a borda da mata e a maioria das residências dos infectados em Ubatuba em 2003, associada ou não a uma ação antrópica ao meio ambiente, foi identificada como uma dos fatores importantes para a infecção de LTA. 4. Conclusões Técnicas de Geoprocessamento e Sensoriamento remoto auxiliaram na investigação epidemiológica da Leishmaniose Tegumentar Americana no município de Ubatuba SP, através da análise da distribuição da doença e constatação de alteração ambiental, tanto a nível espacial como temporal, além do cruzamento destes dados com os casos notificados de LTA. Os resultados encontrados mostraram importante relação entre o uso do solo e a localização da doença, além da proximidade das moradias com a mata. O fator social também parece estar relacionado a isto devido os valores imobiliários serem mais baixos em locais na periferia urbana próximo às matas, onde há grande incidência do inseto vetor da LTA. O deslocamento da doença também parece sofrer influência demográfica e econômica, visto que a escolha do local da moradia muitas vezes é motivada pela situação econômica. Quanto à alteração da cobertura vegetal, esta pode ter fornecido condições satisfatórias para o aumento do número de casos, principalmente na região oeste, devido ao aumento da área antropizada entre os anos de 2002 e 2004, favorecendo o contato dos flebotomíneos com a população no momento do desmatamento e/ou da construção de moradias nas bordas e dentro das matas. Assim, os resultados desse trabalho ressaltam a necessidade de um maior controle da doença, visando particularmente a expansão imobiliária e turística do município. Esta pesquisa buscou informar também a localização geográfica da população com maior vulnerabilidade e que está sendo atingida pela LTA. Foi demonstrado, através de geotecnologias, que a integração de diferentes tipos de variáveis é possível e ajudam na pesquisa de doenças consideradas de Saúde Pública e seus fenômenos epidemiológicos, como é o caso das doenças vetoriais, entre elas, a LTA. Agradecimentos À Vigilância Epidemiológica e Secretaria de Arquitetura e Urbanismo do município de Ubatuba pelo fornecimento dos dados de LTA e mapas de arruamento do município, respectivamente. 7601

Referências Bibliográficas Aparício, C. Utilização de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Orbital para análise espacial de paisagem com incidência de Leishmaniose Tegumentar Americana. 2001. 104p. Dissertação (Mestrado em Ciências) Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. Brito, M.; Casanova, C.; Mascarini, L.M.; Wanderley, D.M.V; Corrêa, F.M.A. Phlebotominae (Diptera: Psychodidae) em área de transmissão de leishmaniose tegumentar americana no litoral norte do Estado de São Paulo, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 35(5): 431-437, 2002. Carfan, A.C.; De Angelis, B.L.D, Meneguetti, C, Oliveira, M.C., Perehouskei, N.A., Ichiba, S.H.K. Leishmaniose Tegumentar Americana: o caso do conjunto residencial Inocente Vila Nova Júnior no município de Maringá, Estado do Paraná, 2001-2004. Acta Scientiarum. Health Sciences. Maringá. V.26, n.2, p.341-344, 2004. Corrêa, M.P. Epidemiologia e Saúde Pública. In: Rudorff, B.F.T.; Shimabukuro, Y.E.; Ceballos, J.C. O Sensor Modis e suas aplicações ambientais no Brasil. São José dos Campos, SP: Editora Parêntese, 2007. Capítulo 24. p.353-362. Corte, A.A.; Nozawa, M.R.; Ferreira, M.C.; Pignatti, M.G.; Rangel, O.; Lacerra, S.S. Aspectos ecoepidemiológicos da leishmaniose tegumentar americana no Município de Campinas. Cad. Saúde Pública. V.12, n.4, p.465-472, 1996. CVE Centro de Vigilância Epidemiológica: Professor Alexandre Vranjac do Governo do Estado de São Paulo. Disponível: http://www.cve.saude.sp.gov.br. Acesso em: 15.ago.2007. Follador, I.; Araújo, C.; Cardoso, M.A.; Tavares-Neto, J.; Barral, A.; Miranda, J.C.; Bittencourt, A.; Carvalho, E.M. Surto de leishmaniose tegumentar americana em Canoa, Santo Amaro, Bahia, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. V.32, n.5, p.497-503, 1999. Lonardoni, M.V.C.; Silveira, T.G.V.; Alves, W.A.; Maia-Elkhoury, A.N.S.; Membrive, U.A.; Membrive, N.A.; Rodrigues, G.; Reis, N.; Zanzarini, P.D.; Ishikawa, E.; Teodoro, U. Leishmaniose Tegumentar Americana humana e canina no Município de Mariluz, Estado do Paraná, Brasil. Cad. Saúde Pública. V.22, n.12, p.2713-2716, 2006. Martins, L.M.; Rebêlo, J.M.M.; Santos, M.C.F.V.; Costa, J.M.L.; Silva, A.R.; Ferreira, L.A. Ecoepidemiologia da leishmaniose tegumentar no Município de Buriticupu, Amazônia do Maranhão, Brasil, 1996 a 1998. Cad. Saúde Pública. V.20, n.3, p.735-743, 2004. Ministério da Saúde - MS. Fundação Nacional de Saúde. Manual de Controle da Leishmaniose Tegumentar Americana. Organização: Gerência Técnica de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses. - Coordenação de Vigilância Epidemilógica - Centro Nacional de Epidemiologia - Brasília, 2000. Ministério da Saúde MS. Secretaria de Vigilância em Saúde SVS. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Atlas de leishmaniose tegumentar americana: diagnósticos clínico e diferencial. Brasília, 2006. Neves, D.P. Parasitologia Humana. São Paulo: Ed. Atheneu, 2005. Silva, A. E. P.; Gurgel, H.C.; Angelis, C.F.; Vanzeli, A.C.; Formaggia, D.E. Leishmaniose Tegumentar Americana e suas relações sócio-ambientais na região do Vale do Paraíba e Litoral Norte. In: III Simpósio Nacional de Geografia da Saúde e I Fórum Internacional de Geografia da Saúde, 2007, Curitiba. Anais... p.1-10. CD-ROM. Vanzeli, A.C. Contribuição ao estudo de indicadores sócio-ambientais para o controle de leishmaniose tegumentar americana. 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Universidade de Taubaté, Taubaté, 2006. Vanzeli, A.C.; Kanamura, H.Y. Estudo de fatores socioambientais associados á ocorrência de leishmaniose tegumentar americana no município de Ubatuba, SP, Brasil. Revista Panan. Infectol. V.9, n.3, p.20-25, 2007. 7602