Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

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Transcrição:

MÚSICA E SEMIÓTICA GREIMASIANA: UMA ANÁLISE DA LETRA "BRINQUEDO TORTO" DA BANDA PITTY Talita Galvão dos Santos (UFMS) tali_galvao@hotmail.com Taís Turaça Arantes (UEMS) taistania@gmail.com RESUMO Em virtude da busca de significação pelas ciências humanas, o lituano Algirdas Julien Greimas (1917-1992) fundou um projeto de ciência, cuja principal reflexão era sobre o sentido construído no âmbito do texto que ele chamou de Semiótica, que se estabeleceu na França cujas bases se edificam considerando o estruturalismo de Louis Hjelmslev e Claude Lévi-Strauss. Este artigo abordará o abandono, o sofrimento, a angústia e a tristeza, e as formas como esses sentimentos se manifestam na construção do sujeito na canção "Brinquedo Torto" da banda Pitty. O corpus será analisado à luz do percurso gerativo de sentido, com foco no nível fundamental, aportando as estruturas elementares do discurso à uma instância mais profunda, e no nível discursivo abordando as projeções da enunciação do enunciado e os percursos figurativos e temáticos. Palavras-chave: Semiótica greimasiana. Música. Pitty. 1. Introdução A semiótica se manifesta em três correntes de estudo: a teoria dos signos de Charles Sanders Peirce; a semiótica da cultura que teve como precursores os russos Mikhail Bakhtin (1895-1975) e Roman Jakobson (1896-1982), nesse eixo teórico a cultura é a geradora de estruturalidade; e por fim a semiótica greimasiana, fundada por Algirdas Julien Greimas (1917-1992), que se estabeleceu na França cujas bases se edificam considerando o estruturalismo de Louis Hjelmslev e Claude Lévi-Strauss, essa semiótica está ligada ao plano de expressão e conteúdo (PIETROFOR- TE, 2004, p. 08). A corrente escolhida para o presente estudo é a greimasiana. O corpus de estudo é uma música intitulada "Brinquedo Torto" da banda Pitty presente no álbum Anacrônico. A aplicação da semiótica de Algirdas Julien Greimas é possível na música visto que sua proposta epistemológica cria uma relação entre a leitura e a estruturação de significação. Nesse sentido, entende-se que há diversas formas de leitura e Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017 897

compreensão de um texto, e essa corrente do estudo semiótico nos possibilita uma leitura compreensiva do sentido do texto. Este artigo abordará o abandono, o sofrimento, a angústia e a tristeza, e as formas como esses sentimentos se manifestam na construção do sujeito na canção "Brinquedo Torto" da banda Pitty. Dessa forma, o primeiro tópico do trabalho trata da questão de dissertar sobre a semiótica de linha francesa e o segundo sobre a análise da música. 2. Sobre a semiótica francesa De acordo com Maria Luceli Faria Batistote (2012), a significação sempre foi o problema central para as ciências humanas, a partir disso, o lituano Algirdas Julien Greimas, fundou um projeto de ciência, cuja principal reflexão era sobre o sentido construído no âmbito do texto, que primeiramente chamou de semântica estrutural e, logo depois, semiótica. De acordo com José Luiz Fiorin (1995, p. 05) Algirdas Julien Greimas pensou a semiótica como um estudo sistemático e organizado de uma série de conjuntos de relações responsáveis pelo sentido do texto, na qual seu interesse maior era a rede de relações que o texto articula em seu plano de conteúdo para fazer o texto significar. Como os estudos de significação tomaram como unidade de análise algo maior que a frase, os textos passaram a ocupar lugar central nos estudos linguísticos. Entende-se aqui como texto, o verbal, escrito ou falado; o visual, o auditivo, o gestual ou o plástico. E pode ser também uma combinação de textos. O texto para Algirdas Julien Greimas está no universo semântico, dentro dos estudos do referido autor, todo corpus tomado como objeto que tenha sentido isoladamente pode ser entendido como texto, por isso que essa corrente semiótica estuda desde obras de artes até embalagens do meio de comunicação. Dessa forma, o percurso gerativo se configura como a própria explicitação do fazer textual. Logo, a semântica fundamental tenta estabelecer categorias de sentidos em relação a alteridade. Sendo assim: a origem da significação é definida como uma relação elementar constituída pela diferença entre dois termos semânticos. Por exemplo, a diferença entre os itens lexicais filho e filha é devida a uma oposição semântica que pode ser definida pelos traços masculino e feminino. Mas, para Greimas, esta es- 898 Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017.

trutura semântica binária já possui um aspecto duplo: a diferença entre masculino e feminino, que é uma disjunção, pressupõe o reconhecimento de alguma semelhança semântica, neste caso, a categoria semântica de sexo, que é comum tanto a masculino quanto feminino. (NÖTH, 1996, p. 151) Compreende-se que na semiótica o sentido do texto é analisado por meio de um modelo que é resultado de um percurso com três níveis que se completam, mas que podem ser estudados separadamente. (BA- TISTOTE, 2012) Algirdas Julien Greimas, a partir de suas reflexões, constatou que no campo da significação há duas categorias básicas, marcadas por oposição, representativas de toda manifestação do texto. São elas: sujeito X objeto e destinador X destinatário. Para o semioticista, os actantes sintáticos, sujeito e objeto, são articulados no texto conforme o desejo. A partir disso, essas duas categorias poderiam gerar narrativas em que esse desejo se manifestasse como procura. Algirdas Julien Greimas acrescenta a elas os adjuvantes (o poder fazer) e os oponentes (o não-poder fazer), que tendem a assumir no texto a figura de seres animados que vão ajudar ou atrapalhar a busca do sujeito pelo seu objeto de desejo. Dessa forma, as transformações nas narrativas vão ocorrendo conforme a modificação da relação entre sujeito e objeto, atingindo a conjunção ou disjunção entre eles. Às categorias sujeito e objeto, o modelo greimasiano ainda acrescenta duas outras instâncias, mediadas pelo sujeito: o destinador e o destinatário, que vêm completar o esquema. No texto, destinador e destinatário têm funções ideológicas que cumprem com a função de manipulação do sujeito. O esquema semiótico greimasiano de análise se compõe por três níveis, que são articulados uns com os outros, conforme um percurso, indo do mais simples ao mais complexo. Por isso, chama-se esse esquema de formação de sentido de percurso gerativo, pois conforme ultrapassamse os níveis vai se formando o sentido. O primeiro nível, o fundamental, o mais geral e abstrato, é onde se articula a categoria semântica mínima, a partir de oposições pelas quais o sentido do texto é formado. Encontra-se nesse nível, portanto, oposições de termos como, por exemplo, vida X morte, que são termos que mantêm uma relação de contrariedade. Ainda nesse nível, há as categorias da euforia X disforia, que determinam os valores positivos e negativos. O segundo nível, o narrativo, constitui a parte do percurso gerati- Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017 899

vo no qual se manifestam as transformações ocorridas pelo sujeito. É nesse nível que se manifestam a relação entre os actantes sujeito e objeto e a relação entre destinador e destinatário. Nesse nível, ocorrem as relações de conjunção (contratuais) ou de disjunção (polêmicas). É nele também que se observa as partes pela qual a narrativa é organizada, ou seja, seus enunciados, programas e percursos. O esquema narrativo é uma organização lógica de percursos narrativos que se inicia com o destinador-manipulador que dá os valores da narrativa e estabelece os actantes, sujeito e objeto, e os valores modais essenciais para a conjunção (junção do sujeito com o objeto desejado). Uma narrativa completa, portanto, estrutura-se numa sequência canônica: manipulação, ação e sanção. Sendo a ação subdividida, por alguns autores, em competência e performance. Na etapa de manipulação o sujeito destinador age sobre o outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer, que só ocorre se o sujeito destinatário crê nos valores representados pelo destinador, este, portanto, propõe um contrato e tenta persuadi-lo a aceitar. Essa manipulação pode ser de quatro formas: tentação, intimidação, provocação e sedução, e são definidas tanto pela competência do destinador, quanto pela modalidade transmitida ao sujeito. A manipulação por tentação ocorre quando o destinador oferece uma recompensa ao destinatário; a intimidação é quando há ameaças; por sedução ocorre quando o destinador faz um juízo positivo do destinatário, o elogiando, por exemplo; e a provocação é quando ocorre o contrário, o destinador faz um juízo negativo do destinatário. Na etapa da ação o sujeito que realizará a transformação central da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer, suficiente para a realização do programa, a busca pelo objeto. Na sanção, se realiza a avaliação do estado do sujeito, que será julgado positiva ou negativamente pela sua performance na busca pelo seu objeto. Se a sanção for positiva o sujeito pode receber uma recompensa pela performance, mas se ela for negativa, receberá uma punição. Assim completa-se a estrutura canônica da narrativa. Já o terceiro nível, o discursivo, constitui a última e mais superficial etapa do percurso gerativo do sentido. Segundo Maria Luceli Faria Batistote: Nesse nível, se estuda a projeção da enunciação no discurso, as debrea- 900 Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017.

gens, as embreagens, as categorias de pessoas, tempo e espaço, técnicas de aproximação ou distanciamento, os recursos de ancoragem actancial, espacial e temporal, as relações argumentativas entre enunciador e enunciatário. É também nesse nível que os valores da narrativa dão origem aos percursos temáticos e aos investimentos figurativos. (BATISTOTE, 2012, p. 44) Julgou-se pertinente trabalhar neste artigo com o nível narrativo para a análise da música Brinquedo torto, da Pitty. 3. Análise A música Brinquedo Torto, da banda Pitty, é uma canção cuja letra permite tecer comentários críticos e abordar sobre a dominação, a prostituição e os jogos dos corpos. Relata o ato sexual entre meninas que são consideradas brinquedos jogados, esquecidos e abandonados. A letra nos insere num espaço frio, negro e torto, cujo actante caracteriza-se como uma prostituta. O ator se esquece das regras do jogo, ou seja, das regras sociais que regem a vida e sente-se, portanto, impossibilitada de continuar jogando, ou seja, vivendo. Dessa forma, o actante encontra-se numa situação de abandono, sentindo-se descartado, pois se reconhece como um objeto que deve ser descartado após o uso, assim como tantos outros. Ela se vende como um brinquedo torto, como um objeto quebrado, como uma peça sem importância. Ela se vende como uma estátua, sem sentimentos e sem noções. A oposição semântica, no nível profundo é o abandono vs proteção que revela o sentimento de tristeza no sujeito actorial. Visto que: No nível profundo, reconhecera-se a pertinência do modelo constitucional, no nível intermediário, chamado de narrativo, as estruturas características da narratividade comandavam toda a constituição dos enunciados, no nível superficial discursivo, o dos atores e das figuras de temporalidade e da espacialidade, podiam-se postular novas regularidades que, naquela época, permaneciam obscuras, mas que vinham se tornando desde então uma prioridade da pesquisa. (HÉNAULT, 2006, p. 145) Inicia-se o texto com uma debreagem enunciativa, criando um efeito de aproximação, em primeira pessoa eu, no espaço do aqui e no tempo do agora presente, na qual o enunciador nos apresenta seu estado de esquecimento, revelando-se um sujeito triste, deprimido, com a falta deste objeto-valor: o respaldo, o reconhecimento, seu valor próprio. Logo em seguida, tem-se a debreagem enunciva efeito de afastamento em terceira pessoa, espaço lá e tempo então. Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017 901

O enunciador é modalizado pelo querer e pelo crer. Ele clama a mudança de estado Quando isso vai mudar?; e acredita ou quer-crer e fazer-crer que nada irá mudar E eu me vendo como um brinquedo torto E eu me vendo como uma estátua. Brinquedo Torto é um texto figurativo e temático. As figuras: regras de jogo, embalagens, violão, brinquedo, estátua, etc. recobrem os temas sofrimento, angústia, tristeza e abandono. A sanção deste percurso é disfórica para o enunciador que sofre com o seu estado, a situação de abandono e dominação. O sujeito inicia e termina todo seu o seu percurso narrativo em disjunção com o objetovalor, não adquire a competência de trazê-lo para si e se revela um sujeito infeliz e inconformado. 4. Considerações finais Observou-se que se pode analisar uma música de diversas formas, sendo por sua composição, estética, do período, da letra, entre outras possibilidades. O trabalho, dessa forma, demonstrou que a letra da música "Brinquedo Torto" relata a temática da violência sexual infantil. Dessa forma, a corrente teórica de Algirdas Julien Greimas é um importante instrumento de análise do que se configura como o próprio fazer significante, e ao se apropriar dessa semiótica de linha francesa se realiza um exercício de reflexão sobre a letra analisada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTOTE, Maria Luceli Faria. Semiótica francesa: busca de sentido em narrativas míticas. Campo Grande: UFMS, 2012. FIORIN, José Luiz. Sendas e veredas da semiótica narrativa e discursiva. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, vol. 15, n. 1, 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-44501999000100009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. HÉNAULT, Anne. História concisa da semiótica. São Paulo: Parábola, 2006. NÖTH, Winfried. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 902 Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017.

1996. PIETROFORTE, Antônio Vicente. Pequena introdução à semiótica. In:. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004. p. 11-22. Revista Philologus, Ano 23, N 67 Supl.: Anais do IXI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2017 903