Efeito dos períodos de armazenamento na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina

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Transcrição:

Revista de Odontologia da UNESP 2009 - ISSN 1807-2577 Efeito dos períodos de armazenamento na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina Andrea Nóbrega CAVALCANTI a, Claudia Batittucci SANTOS-DAROZ b, Fernanda Regina VOLTARELLI b, Adriano Fonseca de LIMA c, Alessandra Rezende PERIS d, Giselle Maria MARCHI e a Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal da Bahia UFBA, 40110-912 Salvador - BA, Brasil b Doutoranda em Clínica Odontológica, Área de Concentração em Dentística, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, 13414-900 Piracicaba - SP, Brasil c Doutorando em Clínica Odontológica, Área de Concentração em Dentística, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, 13414-900 Piracicaba - SP, Brasil d Departamento de Odontologia Restauradora, Universidade do Estado do Amazonas UEA, 69050-030 Manaus - AM, Brasil e Departamento de Odontologia Restauradora, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, 13414-900 Piracicaba - SP, Brasil Cavalcanti AN, Santos-Daroz CB, Voltarelli FR, Lima AF, Peris AR, Marchi GM. Effect of the storage periods on the bond strength of a self-etch system to bovine dentin. Rev Odontol UNESP. 2009; 38(4): 222-27. Resumo: O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do armazenamento de dentes bovinos, em diferentes períodos, na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante de dois passos. Para essa avaliação, 40 incisivos bovinos (n = 10) foram armazenados em solução de timol 0,10 g.ml 1 durante os seguintes períodos: 24 horas (controle), 15 dias, um mês e seis meses. Após esses períodos de armazenamento, cada dente foi desgastado até a exposição da dentina superficial, um sistema adesivo autocondicionante (Clearfil SE Bond/Kuraray) foi aplicado e um bloco de resina composta (TPH Spectrum, Dentsply DeTrey) foi confeccionado sobre o substrato dentinário. Os materiais restauradores foram aplicados segundo as instruções do fabricante. Os espécimes foram seccionados a fim de se obterem fatias de 1 mm de espessura e constrições foram realizadas para obtenção do formato de ampulheta com área adesiva de 1 mm 2. As fatias foram testadas sob tensão em uma máquina de ensaio universal a uma velocidade de 0,5 mm.min 1 e o padrão de fratura foi analisado em microscopia eletrônica de varredura (MEV). Os seguintes resultados foram obtidos (MPa): 24 horas 11,73 ± 5,2; 15 dias 9,66 ± 3,6; 1 mês 11,01 ± 6,7, e 6 meses 9,43 ± 4,7. Não foi observada nenhuma diferença estatística significante (ANOVA, p = 0,79). Falhas na interface adesiva foram mais frequentemente observadas. Pode-se concluir que os períodos de armazenamento avaliados não influenciaram a união do sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina. Palavras-chave: Dentina; resistência de união; sistemas adesivos. Abstract: The aim of this study was evaluate the effect of the storage of bovine teeth in different periods on the microtensile bond strength of a two-step self-etch system. For this, forty bovine incisors (n = 10) were stored in 0.10 g.ml 1 thymol solution during the following periods: 24 hours (control), 15 days, 1 month, and 6 months. After these storage periods, each tooth was flattened until superficial dentin exposure, the bonding system (Clearfil SE Bond/Kuraray) was applied and a composite block (TPH Spectrum, Dentsply DeTrey) was built over the dentin substrate. Restorative materials were used following manufacturer s instructions. The specimens were sectioned to obtain 1 mm thick slabs, which were trimmed to an hour-glass shape with cross sectional area of

2009; 38(4) Efeito dos períodos de armazenamento na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina 223 1 mm 2. Slabs were tested under tension in a universal testing machine at 0.5 mm.min 1 and their failure mode was analyzed with scanning electron microscopy (SEM). The following results were obtained (MPa): 24 hours - 11.73/5.2; 15 days - 9.66/3.6; 1 month - 11.01/6.7, 6 months - 9.43/4.7. Significant differences among experimental groups were not observed (ANOVA, p = 0.79). Failures within the adhesive interface were the most frequently observed. May be concluded that the storage periods did not influence the bonding of the two-step self-etch system to dentin. Keywords: Dentine; bond strength; adhesive systems. Introdução Análises em longo prazo são consideradas o método ideal para validar a eficiência de materiais restauradores adesivos. Entretanto, esse tipo de trabalho é difícil de ser realizado, pois há uma grande demanda de tempo e, também, elevado custo. 1 Desse modo, nos últimos anos, diversas metodologias têm sido desenvolvidas para testar o desempenho de novos materiais adesivos em condições in vitro. 2 A resistência de união entre os materiais adesivos e o substrato dental é comumente avaliada em estudos laboratoriais usando-se o teste de microtração. 2,3 Esse teste foi originalmente desenvolvido para permitir a avaliação da resistência de união em pequenas regiões dos tecidos dentais. 4,5 A vantagem dessa metodologia é a interface adesiva de pequenos espécimes (aproximadamente 1 mm 2 ) apresentar uma melhor distribuição de tensões durante o teste. 5 Desse modo, menores quantidades de falhas coesivas no substrato são esperadas se comparadas aos outros tipos de avaliação. 3,5 A densidade de falha parece diminuir devido à reduzida interface adesiva 3 e uma maior resistência de união é observada. 6 O teste de microtração é de maior complexidade em sua realização do que os testes convencionais. 3 Muitas etapas devem ser realizadas, o que pode resultar em uma maior variabilidade. Esta pode ser de difícil controle, afetando os resultados. 1,7 Há muitas variáveis associadas a essa metodologia, que incluem a velocidade de corte, formato do espécime e as suas dimensões. 5,8,9 Outras variáveis são relacionadas ao substrato, tais como meio de estocagem, diferentes regiões da estrutura dental e tempo pós-extração. 10-12 Os adesivos autocondicionantes apresentam um mecanismo diferente daqueles adesivos tradicionais, caracterizados por simultâneo condicionamento e desmineralização, tanto de esmalte quanto de dentina. 13 Estudos anteriores investigaram a resistência de união de sistemas autocondicionantes usando elementos dentais envelhecidos em diferentes períodos de estocagem. 9,14 Entretanto, é incerto que as alterações físicas e químicas induzidas pelo tempo de estocagem possam interferir na resistência de união de sistemas adesivos autocondicionantes. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar o efeito de diferentes períodos de estocagem de dentes bovinos na resistência à microtração de um sistema adesivo autocondicionante de dois passos. Na hipótese do trabalho, aventou-se que o tempo de estocagem influenciaria na resistência de união desse sistema adesivo à dentina bovina. Material e método Preparo dos espécimes A Figura 1 mostra um esquema da metodologia experimental utilizada neste estudo, em que 40 incisivos bovinos foram empregados. Após a extração, os dentes foram limpos e aleatoriamente divididos em quatro grupos (n = 10), de acordo com o período de estocagem antes do procedimento restaurador: 24 horas (controle); 15 dias; um mês, e seis meses. Durante o período de estocagem em um refrigerador a uma temperatura de 4 C, os espécimes foram embebidos em uma solução de timol 0,1 g.ml 1. Essa solução de armazenamento foi utilizada por não apresentar influência nos valores de resistência de união, quando comparados a valores relativos a dentes recém-extraídos 15,16. Após cada período de estocagem, a superfície vestibular de cada dente foi planificada usando uma sequência de lixas de carbeto de silício, sob refrigeração constante, até a exposição da dentina superficial. As granulações de 120 e 400 das lixas foram utilizadas por dez segundos, enquanto a granulação 600 foi utilizada por 60 segundos, para padronizar a formação de smear-layer. Após o preparo da superfície, o sistema adesivo Clearfil SE Bond (Kuraray Co., Osaka, Japan) foi aplicado segundo as instruções do fabricante. O Primer SE foi aplicado de modo ativo por 20 segundos e levemente seco; em seguida, foi aplicado o SE Bond, precedido de um sutil jato de ar e, então, fotopolimerizado por 10 segundos. Um bloco de resina composta (TPH Spectrum, Dentsply DeTrey, Konstanz, Germany) foi construído sobre a superfície dentinária (5 mm-altura 5 mm-largura 5 mm-comprimento) de forma incremental. Cada incremento com 2 mm de altura foi fotopolimerizado por 20 segundos. Antes do procedimento restaurador, a luz emitida pelo aparelho fotoativador (Optilux 501, Sybron Kerr, Danbury, CT, USA) foi mensurada com um radiômetro, sendo essa potência acima de 660 mw.cm 2.

224 Cavalcanti et al. Revista de Odontologia da UNESP b c d a 24 horas (n = 10) 15 dias (n = 10) 1 mês (n = 10) 6 meses (n = 10) e f g Figura 1. a) Períodos de armazenamento pós-extração; b) Superfície vestibular planificada; c) Procedimento adesivo / restauração com resina composta; d) Restaurações seccionadas perpendicularmente à interface adesiva; e) Fatias; f) Fatias após obtenção do formato de ampulheta; e g) Espécimes adaptados no dispositivo para o teste de microtração. Após o procedimento restaurador, os espécimes foram estocados em água destilada, em estufa a 37 C por 24 horas. Realização do teste de microtração As restaurações foram seccionadas perpendicularmente à interface adesiva em fatias de aproximadamente 1 mm de espessura, usando-se um disco diamantado adaptado a uma cortadeira metalográfica de precisão (Isomet 1000; Buehler Ltd., Lake Bluff, IL, USA), sob refrigeração constante. Quatro fatias foram obtidas por dente. Uma constrição foi realizada na interface adesiva utilizando uma ponta diamantada extrafina #1090 (KG Sorensen, Barueri, SP, Brazil), obtendo-se uma área da interface de aproximadamente 1 mm 2. As fatias que falharam anteriormente à realização do teste foram marcadas e consideradas falhas prematuras, com nenhum valor para a resistência de união. As fatias foram fixadas no dispositivo de teste utilizando-se uma cola à base de cianoacrilato (Super Bonder, Henckel Loctite, Itapevi, SP, Brazil) e testadas sob tensão em uma Máquina de Ensaio Universal (EMIC DL 500, São Jose dos Pinhais, SC, Brazil), a uma velocidade de 0,5 mm.min 1 até a falha. Após a falha, a área da interface adesiva de cada fatia foi mensurada e a resistência de união (MPa) foi calculada. A resistência de união de cada espécime foi considerada como a média aritmética das quatro fatias. Os dados foram avaliados quanto à sua normalidade e, após confirmação da distribuição normal, a análise de variância a um critério (ANOVA one-way) foi aplicada, avaliando-se os dados da resistência de união. Considerou-se como principal fator dessa avaliação o período de estocagem. A análise estatística foi feita utilizando-se o programa SAS 8.0 for Windows (SAS Institute, Cary, NC, USA) e o nível de significância foi fixado em 5%. Análise do padrão de fratura Após o teste de microtração, ambos os lados do espécime fraturado foram montados em stubs de alumínio, cobertos por ouro (Denton Vacuum Desk II; Denton Vacuum, Buffalo, NJ, USA), e observados em microscopia eletrônica de varredura (JSM 5600 LV; JEOL, Tokyo, Japan), a fim de se avaliar o padrão de fratura. A magnificação das imagens em MEV foi de 100, a 3500. O padrão de fratura foi classificado em quatro categorias: A falha na interface (falha ocorre entre o topo e a base da camada híbrida); B parcial ou coesiva completa no adesivo; C parcial ou coesiva completa no compósito; D parcial ou coesiva completa na dentina. A percentagem de cada falha foi calculada a partir da frequência observada em cada grupo experimental. Resultado Os valores da resistência de união, desvio-padrão e número de falhas prematuras para cada grupo estão descritos na Tabela 1. Uma diferença significante entre os períodos de estocagem não foi observada (p = 0,79). Os grupos ex-

2009; 38(4) Efeito dos períodos de armazenamento na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina 225 perimentais apresentaram resultados da resistência de união similares. A distribuição dos padrões de fratura está disposta na Tabela 2. A maioria das falhas observadas ocorreu na interface. Esse tipo de falha ocorreu principalmente na base da camada híbrida, deixando os túbulos parcialmente obliterados pelo adesivo (Figura 2). Não foi observada falha coesiva em dentina e no compósito. Discussão Estudos de resistência de união em dentina usualmente requerem a utilização de dentes humanos ou bovinos extraídos, que devem estar inalterados na ocasião da avaliação. No presente estudo, incisivos bovinos foram usados em vez de dentes humanos. Diante disto, a hipótese a ser testada neste estudo que o tempo de armazenamento dos dentes bovinos influenciaria na resistência de união de um adesivo autocondicionante à dentina bovina não se confirmou, uma vez que não houve diferença entre os grupos experimentais. O uso do substrato bovino permite a padronização da idade, da esclerose e da quantidade de desgaste. Estudos anteriores revelaram que não há diferenças significativas entre dentes humanos e bovinos em termos de resistência de união. 17,18 Adicionalmente, observações em microscopia eletrônica de varredura mostraram que os substratos dentinários humano e bovino são similares. 18,19 A micromorfologia dentinária parece ser similar em ambos os substratos, com aproximadamente mesmo número, densidade e diâmetro de túbulos dentinários em dentina de profundidade média. 18,19 O efeito do tempo pós-extração nas características dentinárias foi previamente estudado. 20-22 Modificações encontradas no substrato dentinário incluem a redução no peso molecular de proteínas dentinárias e, assim, na sua resistência. Consequentemente, a resistência dentinária pode ser diminuída, na medida em que ela atenua a ligação entre proteínas e cristais de hidroxiapatita. 22 Além disso, afirmou-se que a permeabilidade dentinária aumenta ao longo do tempo após a extração, devido à descarga de conteúdo orgânico perdido nos túbulos após a degradação iniciada posteriormente à extração. 21 Todavia, uma fase constante de permeabilidade dentinária é estabelecida nove dias após extração, quando túbulos estão desprovidos dessas partículas. 21 Apesar das possíveis modificações no substrato dentinário após extração dentária, os resultados do presente estudo mostraram que a resistência de união à dentina do sistema autocondicionante avaliado não foi alterada pelos diferentes períodos de armazenamento. Um estudo anterior 11 afirmou que envelhecimento pós-extração foi incapaz de influenciar a resistência de união de um sistema adesivo com condicionamento ácido prévio. O mecanismo de união baseado na infiltração de monômeros do sistema adesivo por entre a camada desmineralizada obtida após o condicionamento ácido, com consequente formação da camada híbrida e Tabela 1. Médias, desvio-padrão da resistência de união à microtração à dentina (MPa) e número de falhas prematuras das fatias Período pós-extração 24 horas 15 dias 1 mês 6 meses 11,73 9,66 11,01 9,43 Média (DP) (5,2) (3,6) (6,7) (4,7) pf / n 15 / 40 20 / 40 20 / 40 17 / 40 pf: falha prematura; n: número total de espécimes; DP: desvio-padrão. Tabela 2. Distribuição do padrão de fratura de acordo com as condições experimentais Padrão de fratura Período pós-extração 24 horas 15 dias 1 mês 6 meses Interfacial 85% 85% 80% 83% Coesiva no adesivo 15% 15% 20% 17% Coesiva na resina 0% 0% 0% 0% Coesiva na dentina 0% 0% 0% 0% tags de resina na dentina intratubular, não foi afetado pela modificação do substrato após estocagem. Sistemas adesivos autocondicionantes não requerem uma fase separada de condicionamento e lavagem, devido a esses adesivos apresentarem, em sua composição, monômeros acídicos que condicionam simultaneamente esmalte e dentina. 13 O sistema adesivo autocondicionante avaliado neste estudo, Clearfil SE Bond, apresenta um ácido leve, com ph de 2,0. Adesivos autocondicionantes leves desmineralizam dentina muito sutilmente, não causando descalcificação excessiva. Uma fina camada híbrida é formada com dimensões submicron. 23 Apesar da espessura da camada híbrida, adesivos autocondicionantes levemente ácidos podem alcançar resultados satisfatórios em sua resistência de união. 13 Foi sugerido que a interação química entre monômeros funcionais e a hidroxiapatita pode ser uma explicação para esse bom desempenho de adesivos autocondicionantes. 23 O sistema adesivo Clearfil SE Bond contém um monômero ácido fosfato MDP (methacriloxidecil di-hidrogênio fosfato). Estudos anteriores 23 sugerem que o MDP tem um alto potencial de ligação química dentro de um tempo de aplicação clínica razoável (30 segundos de exposição) e que essa união torna-se aparentemente estável. De acordo com os resultados do presente estudo, pode sugerir-se que mesmo nos dentes armazenados por longos períodos de tempo, a hidroxiapatita permanece disponível na dentina superficial parcialmente desmineralizada, de modo que as ligações químicas entre o sistema adesivo autocondicionante e o substrato dentinário sejam eficientemente realizadas.

226 Cavalcanti et al. Revista de Odontologia da UNESP Figura 2. Imagens em MEV dos padrões de fratura observados: grupo controle 24 horas pós-extração; a) grupo 15 dias pós-extração; b) grupo 1 mês pós-extração; c) grupo 6 meses pós-extração; e d) Túbulos parcialmente e completamente obliterados com sistema adesivo resinoso, como também túbulos não preenchidos, evidentes em todas as imagens. A microscopia eletrônica de varredura revelou que as falhas na interface adesiva, aquelas que ocorreram entre o topo e a base da camada híbrida, foram predominantemente observadas, independentemente do período de estocagem. Falhas ocorreram principalmente na base da camada híbrida, liberando smear plugs hibridizados e matriz de colágeno infiltrada por resina na superfície fraturada. Além disso, um número significativo de falhas prematuras foi observado neste estudo, independentemente das condições experimentais. Essas observações podem ser justificadas pela metodologia de microtração utilizando-se a técnica da ampulheta. O uso de uma peça de mão em alta rotação para realização da constrição na interface pode ser o responsável pelas falhas prematuras. 3,8 No presente estudo, a técnica da ampulheta foi utilizada devido à restrita espessura dentinária na superfície vestibular dos incisivos bovinos. Apesar de na técnica em que não há a necessidade da constrição na interface ser obtida uma menor taxa de tensão na união adesiva, essa técnica proporciona palitos com dimensões desfavoráveis. Uma variedade de meios com propriedades bactericidas e bacteriostáticas tem sido proposta para amazenamento, tal como a cloramina, formalina, hipoclorito de sódio, timol, álcool e glutaraldeído. 20,24 Titley et al. 24 sugerem que dentes armazenados por congelamento podem manter suas características semelhantes aos dentes recém-extraídos, em se tratando de resistência de união. Esses autores apontam, ainda, que alterações post-mortem podem ocorrer em dentina, mas que o congelamento dos dentes imediatamente após a extração pode suspender essas mudanças. Neste estudo, os dentes foram estocados em solução de timol 0,1 g.ml 1 a 4 C. Pode-se sugerir que a temperatura de armazenamento pode ter mascarado o efeito do tempo de armazenamento pós-extração. Dessa forma, mais estudos são necessários para testar os efeitos das condições de estocagem e o período pós-extração separadamente.

2009; 38(4) Efeito dos períodos de armazenamento na resistência de união de um sistema adesivo autocondicionante à dentina bovina 227 Conclusão A partir dos resultados obtidos e da análise estatística aplicada, pode-se concluir que: O uso de dentes bovinos armazenados por períodos prolongados (até 6 meses), em solução de timol 0,1 g.ml 1 a 4 C, não produziu nenhuma interferência nos resultados de resistência de união à microtração. A união à dentina do adesivo autocondicionante de dois passos testado foi similar em todas as amostras, independentemente do período de armazenamento. Referências 1. Sudsangiam S, van Noort R. Do dentin bond strength tests serve a useful purpose? J Adhes Dent. 1999;1:57-67. 2. Mitsui FHO, Peris AR, Cavalcanti AN, Marchi GM, Pimenta LAF. Influence of thermal and mechanical load cycling on microtensile bond strengths of total and selfetching adhesive systems. Oper Dent. 2006;31:240-7. 3. Pashley DH, Carvalho RM, Sano H, Nakajima M, Yoshiyama M, Shono Y, et al. The microtensile bond test: a review. J Adhes Dent. 1999;1:299-309. 4. Shono Y, Terashita M, Pashley EL, Brewer PD, Pashley DH. Effects of cross-sectional area on resin-enamel tensile bond strength. Dent Mater. 1997;13:290-6. 5. Sano H, Shono T, Sonoda H, Takatsu T, Ciucchi B, Carvalho R, et al. Relationship between surface area for adhesion and tensile bond strength--evaluation of a micro-tensile bond test. Dent Mater. 1994;10:236-40. 6. Cardoso PE, Braga RR, Carrilho MR. Evaluation of micro-tensile, shear and tensile tests determining the bond strength of three adhesive systems. Dent Mater. 1998;14:394-8. 7. Burrow MF, Thomas D, Swain MV, Tyas MJ. Analysis of tensile bond strengths using Weibull statistics. Biomaterials. 2004;25:5031-5. 8. Goracci C, Sadek FT, Monticelli F, Cardoso PE, Ferrari M. Influence of substrate, shape, and thickness on microtensile specimens structural integrity and their measured bond strengths. Dent Mater. 2004;20:643-54. 9. Reis A, de Oliveira Bauer JR, Loguercio AD. Influence of crosshead speed on resin-dentin microtensile bond strength. J Adhes Dent. 2004;6:275-8. 10. Giannini M, Carvalho RM, Martins LR, Dias CT, Pashley DH. The influence of tubule density and area of solid dentin on bond strength of two adhesive systems to dentin. J Adhes Dent. 2001;3:315-24. 11. Miranda WG, Placido E, Moura SK, Cardoso PE. Influence of postextraction substrate aging on the microtensile bond strength of a dental adhesive system. J Adhes Dent. 2005;7:193-6. 12. Ozer F, Sengun A, Ozturk B, Say EC, Tagami J. Effect of tooth age on microtensile bond strength of two fluoridereleasing bonding agents. J Adhes Dent. 2005;7:289-95. 13. Van Meerbeek B, Van Landuyt K, De Munck J, Hashimoto M, Peumans M, Lambrechts P, et al. Technique-sensitivity of contemporary adhesives. Dent Mater J. 2005;24:1-13. 14. Cardoso PE, Sadek FT, Goracci C, Ferrari M. Adhesion testing with the microtensile method: effects of dental substrate and adhesive system on bond strength measurements. J Adhes Dent. 2002;4:291-7. 15. Humel MM, Oliveira MT, Cavalli V, Giannini M. Effect of storage and disinfection methods of extracted bovine teeth on bond strength to dentin. Braz J Oral Sci. 2007;6:1402-6. 16. Goodis HE, Marshall GW, Jr., White JM, Gee L, Hornberger B, Marshall SJ. Storage effects on dentin permeability and shear bond strengths. Dent Mater. 1993;9:79-84. 17. Schilke R, Bauss O, Lisson JA, Schuckar M, Geurtsen W. Bovine dentin as a substitute for human dentin in shear bond strength measurements. Am J Dent. 1999;12:92-6. 18. Reis AF, Giannini M, Kavaguchi A, Soares CJ, Line SR. Comparison of microtensile bond strength to enamel and dentin of human, bovine, and porcine teeth. J Adhes Dent. 2004;6:117-21. 19. Schilke R, Lisson JA, Bauss O, Geurtsen W. Comparison of the number and diameter of dentinal tubules in human and bovine dentine by scanning electron microscopic investigation. Arch Oral Biol. 2000;45:355-61. 20. Strawn SE, White JM, Marshall GW, Gee L, Goodis HE, Marshall SJ. Spectroscopic changes in human dentine exposed to various storage solutions--short term. J Dent. 1996;24:417-23. 21. Ozok AR, Wu MK, Wesselink PR. The effects of postextraction time on the hydraulic conductance of human dentine in vitro. Arch Oral Biol. 2002;47:41-6. 22. Causton BE, Johnson NW. Changes in the dentine of human teeth following extraction and their implication for in-vitro studies of adhesion to tooth substance. Arch Oral Biol. 1979;24:229-32. 23. Yoshida Y, Nagakane K, Fukuda R, Nakayama Y, Okazaki M, Shintani H, et al. Comparative study on adhesive performance of functional monomers. J Dent Res. 2004;83:454-8. 24. Titley KC, Chernecky R, Rossouw PE, Kulkarni GV. The effect of various storage methods and media on shear-bond strengths of dental composite resin to bovine dentine. Arch Oral Biol. 1998;43:305-11. Autor para correspondência: Profa. Dra. Giselle Maria Marchi gimarchi@fop.unicamp.br Recebido: 31/10/2008 Aceito: 25/07/2009