CONGRESSO NACIONAL CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PARECER Nº 2, DE 2005 CCS Relator: Paulo Tonet Camargo Parecer do Conselho de Comunicação Social sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2004, de autoria do Senador Maguito Vilela, que dá nova redação ao art. 222 da Constituição Federal, para disciplinar a propriedade dos meios de comunicação social. I - RELATÓRIO O eminente Senador Maguito Vilela propôs a emenda constitucional em epígrafe, que tem como escopo a alteração do artigo 222 da Constituição Federal, cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional n.º 36/2.002, verbis: Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. 1 º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante da empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos e naturalizados há mais de dez anos, que exercerão 1
obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. 2. º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social. 3 º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. Propõe o Senador o seguinte texto para o citado art. 222, com o acréscimo de um parágrafo sexto e com a justificação que se transcreve: Art. 1 º O art. 222 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 222. A propriedade de empresa jornalística, de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens, de empresa de acesso a Internet e de empresa que explore a produção, programação ou provimento de conteúdo de comunicação social eletrônica dirigida ao público brasileiro, por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso e com os quais não se confundem, é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. 1 º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante da empresas citadas no caput deste artigo deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais 2
de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. 2 º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada pelas empresas citadas no caput são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos. 3 º As empresas de que trata o caput deste artigo deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. 6 º As disposições deste artigo não se aplicam às agências de publicidade e às empresas dedicadas exclusivamente à produção de mensagens publicitárias de qualquer natureza, ressalvado o disposto no parágrafo terceiro. (NR). Art. 2 º As empresas de que trata o caput do art. 222 da Constituição Federal terão prazo de dois anos para se adequarem ao disposto nesta Emenda. Art. 3 º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO A presente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) destina-se a adaptar-se o texto da Lei Maior às novas realidades tecnológicas que modificaram o cenário da comunicação social eletrônica. Em verdade não se cuida de inovar propriamente na ordem jurídica, mas sim de preservar o espírito, o conteúdo e o alcance das normas constitucionais concernentes a essa matéria, de modo a assegurar a realização de seus fins: a defesa da soberana e 3
da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiros. A Constituição Federal, no capítulo destinado à comunicação social, faz referência às empresas jornalísticas e aos veículos impressos de comunicação, mas concentra especial atenção nas emissoras de rádio e televisão, referidas pelo nome técnico de empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Sucede, todavia, que, posteriormente à promulgação da Carta Política de 1988, foram desenvolvidos ou difundidos outros meios de comunicação social eletrônica, identificados como nova plataformas tecnológicas. O conteúdo de comunicação social, que antes era transmitido apenas pelos tradicionais canais de rádio e televisão, pode ser veiculado, atualmente, por outros meios de distribuição como fibra óptica, o satélite, o cabo, as microondas, entre outros. Essa evolução tecnológica deu lugar a um fenômeno conhecido como convergência das mídias: diferentes tipos de conteúdo anteriormente veiculadas apenas por imprensa escrita, rádio e TV podem ser hoje oferecidos em conjunto ou separadamente, por qualquer dessas plataformas tecnológicas. Um exemplo ilustra bem a hipótese. Por meio de um computador conectado à rede mundial de computadores ( Internet), é possível ler um jornal, ouvir música ou assistir a programação audiovisual idêntica à da televisão convencional. Vale dizer: existem novos meios de produzir, programar, prover e transmitir ou veicular conteúdo de comunicação social eletrônica, que é aquele que atinge o grande público, com capacidade de influenciar a opinião e o comportamento das pessoas e pautar a agenda política, social e cultural do País. A constituição, no entanto, refere-se apenas à radiodifusão, que, à época de sua promulgação, constituía o único meio relevante de transmissão, ao grande público, de conteúdo de comunicação social eletrônica. A pergunta que se coloca 4
é a seguinte: devem ser aplicados às novas plataformas tecnológicas os mesmo princípios e regras que valem para a radiodifusão? A resposta, entendemos, deve ser positiva. Essa é a linha traçada pela presente proposição: todos os que explorem a comunicação social eletrônica, seja qual for a tecnologia utilizada, devem estar sujeitos ao mesmo regime jurídico. A disciplina preconizada pela proposta ora apresentada atende à interpretação evolutiva do texto constitucional. O constituinte pretendeu disciplinar a produção, a programação e o provimento de conteúdo de comunicação social, submetendo-o ao princípio da isonomia, independentemente da plataforma utilizada para veiculação do conteúdo. Não haveria qualquer sentido no tratamento diferenciado de quem desenvolve a mesma atividade e oferece o mesmo produto apenas em função da tecnologia que utiliza. Para superar as dificuldades enfrentadas pelo texto original da Constituição, diante da evolução científica, a PEC que ora submetemos ao exame do Parlamento, em lugar de regular o meio tecnológico utilizado, optou por disciplinar a atividade de produção programação e provimento de conteúdo de comunicação social. Em síntese, a regra geral que se pretende instituir é a de qualquer empresa de comunicação social sujeite-se ao mesmo regime jurídico. No mesmo sentido, é essencial incluir entre as atividades de que trata o art. 222 da Constituição Federal os serviços de provimento de acesso à Internet, já que é através das empresas que desenvolvem tais atividades que a sociedade têm acesso aos conteúdos de comunicação social disponibilizados na defesa da soberania e da identidade nacionais, bem como para o desenvolvimento da cultura e a proteção do patrimônio cultural brasileiros. Trata-se de providência em total consonância coma s disposições constitucionais pertinentes à Comunicação Social. 5
Assim procedendo, entendemos que as alterações ora propostas ao texto constitucional contribuirão para a observância dos princípios fundamentais de soberania e proteção da cultura nacional no que tange aos meios de comunicação social. Nesses termos. Submetemos a presente Proposta de Emenda à Constituição ao exame de nossos nobres pares, certos de sua aprovação e possível aperfeiçoamento. Sala das Sessões, Senador MAGUITO VILELA A PEC foi remetida à Comissão de Constituição e Justiça do Senado e distribuída ao Senador Fernando Bezerra onde aguarda apresentação de parecer. Na última reunião deste Conselho de Comunicação Social, após audiência pública cujo objeto foi o estudo da convergência tecnológica, ficou deliberado o exame da presente proposta dentro do moderno contexto tecnológico. É o breve relatório. II ANÁLISE Primeiramente algumas necessárias considerações de natureza histórica e cronológica. É consabido que a tecnologia evolui em uma velocidade incrível, surpreendendo aos mais argutos cientistas e criando, assim, um evidente descompasso entre a realidade e a regulação. Partindo do pressuposto de que seria impensável qualquer iniciativa de brecar o desenvolvimento tecnológico, cada vez mais as regras se apresentam insuficientes para disciplinar tão estratégico tema para os interesses nacionais. Se tomarmos como exemplo a legislação de radiodifusão, até hoje aplicada, foi concebida antes da existência do satélite e, assim, da possibilidade de transmissões simultâneas para todo o país. As emissoras de televisão produziam programação ao vivo, com a possibilidade mais tarde do vídeo tape. O rádio ia mais longe através das ondas curtas. Inegavelmente o 6
satélite modificou radicalmente o ambiente tecnológico da televisão brasileira e as ondas curtas do rádio somente sobrevivem em algumas românticas emissoras que as colocam no ar. A norma, entretanto, continuou a mesma. Ainda por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte que promulgou a Carta de 88, pouco havia mudado e, nesta esteira, tratou o constituinte de regular a atividade de comunicação de massa conhecida - jornal, rádio e TV. Eram estas as plataformas capazes de distribuir conteúdo de massa e, em função de entenderem este conteúdo estratégico, trataram de estabelecer regras bastante rígidas sempre com a finalidade de não colocar em risco a identidade nacional e a cultura brasileira. A norma, ao reservar a brasileiros o controle e a operação destas plataformas, não imaginou uma gráfica ou frias torres e transmissores, mas sim o conteúdo que trafega por estes meios. Hoje, o mundo globalizado, e por conseqüência o Brasil nele inserido, descortina dia a dia novas possibilidade tecnológicas em face da revolução digital, que coloca a realidade inspiradora da norma em total obsolescência. O Conselho de Comunicação Social teve a oportunidade de assistir na última sessão uma produtiva e reveladora exposição sobre a chamada convergência tecnológica que demonstrou a quantidade de meios que surgem para distribuição de conteúdo com qualidade técnica e que, com o passar do tempo, estarão à disposição do cidadão gratuitamente ou a baixíssimo custo. As novidades vão desde a distribuição de imagem por linha telefônica, como pelo celular, rede mundial de computadores e outros, fazendo desaparecer até mesmo os conceitos de fronteira e soberania nacional. Assim, começa a ficar acentuado o descompasso entre as normas que regem a todas estas plataformas, pois quando foram concebidas focaram no meio, embora o objeto da proteção estatal fosse o conteúdo. Isto se deu porque naquele momento histórico eram conceitos indissociáveis. Para comprovar isto, basta examinar a Constituição e ver que não há nenhuma restrição à instalação de empresa de produção independente de conteúdo no país. A razão clara era de que sendo reguladas pela lei maior as únicas plataformas possíveis de difusão à massa, seria irrelevante tal necessidade. Exemplificando, não há nenhuma restrição constitucional a que um grupo estrangeiro se instale no Brasil, com capital (aliás barato) totalmente estrangeiro e passe a produzir conteúdo em português destinado a brasileiros, 7
ou mesmo comprar eventos artísticos, culturais e esportivos. Isto não aconteceu até hoje porque pela inexistência de possibilidade concreta de difusão. Tal empresa começa a ser viável na medida em que possa contar com uma plataforma de distribuição alternativa à radiodifusão como a Internet, telefonia, celular, DTH e outros. Considerando estas plataformas alternativas em franco desenvolvimento tecnológico, igualmente não encontraremos na Constituição Federal qualquer restrição à sua instalação no país, com direção, capital (novamente barato) e controle estrangeiros. Há, pois, inegavelmente, uma indesejável brecha constitucional à proteção do conteúdo nacional e à produção de jornalismo, cultura, dramaturgia e entretenimento para brasileiros, na medida em que a realidade está possibilitando que sejam tangenciadas as regras existentes por alguns setores. A justificação trazida na proposta em exame é de invulgar eloqüência e é auto-explicativa, podendo por si só constituir-se em fundamento deste parecer. Todavia, cumpre acrescentar aos seus termos que não visa a formação de cartório ou reserva de mercado para empresas jornalísticas, emissoras de rádio e TV e produtoras independentes hoje existentes no país, mas tão somente uniformiza a norma para toda e qualquer iniciativa de produção de conteúdo brasileiro destinado a brasileiros. Qualquer empresa poderá produzir conteúdo de jornalismo, cultura, dramaturgia e entretenimento destinado à comunicação eletrônica no Brasil, desde que respeite as normas constitucionais que valerão para todos que desenvolvam esta atividade, e não apenas para alguns. Finalmente, considerando o acréscimo feito pelo texto proposto no parágrafo sexto, que excetuou as agências de publicidade e as empresas de produção de comerciais, não seria próprio deixá-las fora da abrangência do parágrafo terceiro quanto a preferência de trabalhadores brasileiros, bem como seja redefinido o objeto comerciais de forma a abranger também a propaganda institucional. Sugere-se, assim, a seguinte redação ao parágrafo sexto: As disposições deste artigo não se aplicam às agências de publicidade e às empresas dedicadas exclusivamente à produção de mensagens publicitárias de qualquer natureza, ressalvado o disposto no parágrafo terceiro. 8
III PARECER Ante o exposto, o parecer é no sentido de considerar adequada e oportuna a aprovação da PEC 00055/2004, com a correção acima, eis que representa uma salvaguarda importante à cultura, produção artística, jornalística e identidade nacionais. Senado Federal, Brasília, DF, 10 de outubro de 2.005. PAULO R. TONET CAMARGO Conselheiro Relator ARNALDO NISKIER Presidente do Conselho de Comunicação Social 9