OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE GERARAM OS CONFLITOS ENTRE ISRAELENSES E ÁRABES NA PALESTINA (1897-1948)



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1) Em novembro de 1807, a família real portuguesa deixou Lisboa e, em março de 1808, chegou ao Rio de Janeiro. O acontecimento pode ser visto como:

Transcrição:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE GERARAM OS CONFLITOS ENTRE ISRAELENSES E ÁRABES NA PALESTINA (1897-1948) HENRY GUENIS SANTOS CHEMERIS Orientadora: Profª. Drª. Claudia Musa Fay Porto Alegre, julho de 2002

a neutralidade (...) só poderia ser proveniente da indiferença. E reconheço que é uma atitude fácil, enquanto não saímos da Europa. Mas se, como eu fiz, empreendermos a viagem e virmos, nos arredores de Gaza, a morte lenta dos refugiados palestinianos, as crianças macilentas, subalimentadas, nascidas de pais subalimentados, com os olhos sombrios e velhos; se, do outro lado, nos Kibbutzim fronteiriços, virmos os homens nos campos, trabalhando sob a ameaça perpétua e os abrigos cavados entre as casas, se falarmos aos filhos deles, bem alimentados, mas que têm, no fundo do olhar, uma angústia inexprimível, não nos podemos manter neutros; é que se vive apaixonadamente o conflito, e não se pode deixar de o viver sem um tormento incessante, examinando sob todos os seus aspectos e procurando encontra-lhe uma solução, embora sabendo muito bem que esta busca é infrutífera e que acontecerá na melhor ou na pior das hipóteses aquilo que os Israelitas e os Árabes decidirem. Jean-Paul Sartre 2

SUMÁRIO RESUMO... 07 ABSTRACT... 08 INTRODUÇÃO... 09 1.SÍNTESE HISTÓRICA DO POVO JUDEU E O SIONISMO POLÍTICO DE 1897... 1 Algumas Considerações sobre a História do Povo Judeu... 14 O Sionismo Político (1897)... 25 2.A GRÃ-BRETANHA NA PARTILHA DO IMPÉRIO OTOMANO E O PROBLEMA ÁRABE-JUDEU (1915-1922)... 33 A Correspondência McMahon-Hussein (1915-1916): uma promessa não cumprida... 34 O Acordo Sykes-Picot 1916): a grande verdade... 38 A Declaração Balfour (1917): a cartada sionista... 40 A Influência do Petróleo nas Negociações... 42 As Conseqüências da Partilha e o Mandato Britânico para a Palestina (1922)... 46 3.O NACIONALISMO ISLÂMICO ÁRABE E O COLONIALISMO SIONISTA... 50 O Pan-Islamismo... 50 O Pan-Arabismo... 51 O Colonialismo Sionista... 53 4.A IMIGRAÇÃO SIONISTA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS (1882-1949)... 56 A Imigração Sionista antes do Apoio Britânico (1882-1917)... 57 A Imigração Sionista após a Declaração Balfour (1917-1947)... 60 A Declaração da ONU e a Primeira Guerra entre Israelenses e Árabes... 66 CONCLUSÃO... 72 BIBLIOGRAFIA... 75 3

RESUMO O conflito palestino é um dos problemas mais sérios que existe hoje no mundo. Inúmeras pessoas morrem de ambos os lados, israelenses e árabes passam o ódio a seus filhos, alastrando este ódio a gerações futuras. O objetivo desta pesquisa é analisar os acontecimentos que propiciaram o início dessa guerra, que parece interminável, procurando entender melhor as razões principais nas quais o problema se fundamenta. 4

ABSTRACT The palestinian conflict is one of the most serious problem in the world today. Many people dies in both side, israelies and arabians let the hate to theire children increasing that hate to future generations. The objective of this research is to analyse the events that leads to the beginning of that war that seems be endless, wanting to understand the mainly reasons by wich the problem is based. 5

INTRODUÇÃO O conflito na Palestina existe desde que se deu a criação do Estado de Israel, em 1947. Essa guerra, que dura até hoje, parece não ter fim. Hoje Israel, sob a liderança de Ariel Sharon, enfrenta a ira de grupos terroristas árabes que, obstinados em libertar a Palestina do jugo israelense, defrontam-se com a política de retaliação do Estado judeu do olho por olho. Com os ataques terroristas aos EUA, em 11 de Setembro de 2001, pôs-se em voga um polêmico debate sobre as razões da revolta de grupos radicais islâmicos árabes ou não, contra o maior símbolo do domínio ocidental. Esse episódio encontra-se diretamente ligado ao conflito palestino, pois Israel é, na visão dos extremistas árabes palestinos, um pedaço deste ocidente odiável, que deflagrou a submissão dos povos árabes e islâmicos desde o século XIX, começando com o domínio do Norte Africano pelas potências anglofrancesas e chegando, a partir de 1922, ao controle do Oriente Médio. As comunidades judaicas em todo o mundo tornam possível a existência de Israel através de seu apoio financeiro e político, em particular os cidadãos canadenses e os dos Estados Unidos, que são judeus por religião e que têm a maior força financeira e política 6

nessa matéria 1 ; essas comunidades certamente influenciam o governo norte-americano nas decisões sobre o conflito palestino. Não é à toa que Israel, aproveitando-se da guerra propagada pelos EUA contra o terrorismo internacional, aumentou seus domínios sobre a Palestina, invadindo cidades nunca antes usurpadas (Jenin, Ramallah e Jericó) e matando dezenas de palestinos 2 ; isso tudo com um tímido e escondido consentimento estadunidense, que, utilizando-se de uma política apaziguadora muito lenta, fez transparecer à opinião pública mundial sua verdadeira posição. A instabilidade na Palestina passa a interessar diretamente às potências ocidentais, na medida em que os países árabes exportadores de petróleo podem se utilizar do boicote à venda do óleo negro para o ocidente, como forma de pressão nas negociações. Isso realmente aconteceu em 1973. 3 Por ser esse um assunto tão comentado, faz-se mister entender quais foram os principais motivos que levaram à existência do conflito palestino. Quais os acontecimentos históricos relevantes que originaram este conflito? A quem ou ao que deve sobrecair a culpa? Portanto o objetivo desta pesquisa é analisar as causas que realmente propiciaram à Palestina tornar-se palco do mais polêmico dos conflitos deste século. Pois para se dar uma solução justa a um problema que se tornou tão complexo, é preciso entender primeiramente sua gênese. A documentação utilizada para realizar a pesquisa foi totalmente bibliográfica, em vista da impossibilidade de trabalhar com fontes primárias. Por essa razão, a seleção de 1 TOYNBEE, Arnold J. A História e a Moral no Oriente Médio.[tradução Plínio de Abreu Ramos]. Rio de Janeiro: Paralelo, 1970. p. 50. 2 CHOMSKY, Noam. 11 de Setembro. [tradução Luiz Antonio Aguiar]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 22. 7

autores aqui escolhidos foi bastante rigorosa. São jornalistas, historiadores e especialistas bem entendidos no assunto; muitos se encontram direta ou indiretamente ligados ao conflito, outros são autores de renome no meio acadêmico. Fez-se uso do trabalho bibliográfico de jornalistas brasileiros que estiveram no Oriente Médio, como Helena Salem, dedicada hoje ao estudo árabe-israelense e enviada especial do Jornal do Brasil ao mundo árabe durante a guerra de outubro de 1973 (Guerra do Yon Kippur); Amilcar Alencastre, que em 1969 entrou em contato com grupos guerrilheiros árabes; Isaac Akcelrud, judeu e correspondente internacional da Folha de São Paulo no Oriente Médio; Paulo Daniel Farah, repórter da Folha de São Paulo e professor de língua e literatura árabe na USP. Utilizaram-se também obras de pensadores estrangeiros para uma análise mais rica do problema palestino, como Ahmed Fayes e Fayes Sayegh, cientistas políticos libaneses; Claude Franck e Michel Herszlikowicz, historiadores judeus franceses; Nhatan Weinstock, advogado francês e ex-militante do movimento sionista. Trabalhou-se com as obras do professor inglês, de descendência árabe-libanesa, Albert Hourani, que durante décadas deu aulas de História em Oxford. Também foram de grande importância os esclarecimentos de Amilcar Alencastre, tanto em relação ao sionismo judeu como sobre a questão árabe. O trabalho do professor Mustafá Yasbek, de descendência árabe, foi igualmente importante para a análise dos problemas árabes na Palestina. Fez-se bom uso da obra Dossier do Conflito Israelo-Árabe, organizado pela revista francesa Les Temps Moderns. Trabalhou-se principalmente com os artigos de Maxime 3 STERLING, Claire. A Rede do Terror. [tradução Luiz Horácio da Matta]. Rio de Janeiro: Nórdica, 1981. p. 143. 8

Rodinson e Dov Barnir, ambos pensadores judeus. Com essa obra esclareceu-se bastante a questão britânica na Palestina. A obra Os Conflitos do Oriente Médio, do professor francês de História François Massoulié, foi muito importante para vários esclarecimentos no decorrer da pesquisa. O Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, esclareceu bastante a questão do antisemitismo. As explicações de Eric J. Hobsbawm, Arnold Toynbbe, Karl Marx, Hannah Arendt e Fernand Braudel complementaram e enriqueceram a pesquisa. Alguns outros autores foram utilizados, porém, a base bibliográfica principal foi aqui mencionada, para demonstrar a seriedade com que se trabalhou esse tema extremamente polêmico. A organização do trabalho, em parte, não foi esquematizada sob um processo crescente de datas históricas, nem poderia sê-lo, em função da riqueza de diferentes dados de análise para o mesmo período. O trabalho, por isso, foi organizado em capítulos que, dependendo do assunto, às vezes remontam ao mesmo período histórico do assunto anterior ou até retrocedem em vista de análises temporais mais longas. O quarto capítulo é um exemplo disso, pois analisa a imigração sionista de 1882 até 1948, voltando no tempo antes mesmo do segundo capítulo, que trabalha com a diplomacia britânica no Oriente Médio a partir de 1915. Portanto, para o leitor ficar mais inteirado sobre a proposta da pesquisa, faz-se necessário abordar o assunto trabalhado em cada capítulo, explicando as particularidades de cada um. No primeiro capítulo, trabalhou-se com as origens do sionismo. Neste, fez-se uma analise da história judia de forma sintetizada, para elucidar as razões principais nas quais o movimento sionista se fundamenta. Trabalhou-se, também, com a formação do sionismo 9

político, por ser este o responsável pela base institucional dada ao movimento que elegeu a Palestina como o Lar Nacional Judeu. No capítulo seguinte, fez-se a análise dos interesses britânicos na partilha do Império Otomano que, até 1922, compreendia grande parte do Oriente Médio, incluindo o território da Palestina. Este episódio é particularmente interessante, pois salienta as verdadeiras razões que levaram a diplomacia britânica a apoiar o movimento sionista político, e, ao mesmo tempo, desconsiderar a promessa de unificação feita aos árabes. No terceiro capítulo, elucidou-se a questão do nacionalismo árabe no Oriente Médio principalmente após a partilha do Império Otomano, importante para o acirramento das hostilidades contra os judeus na Palestina. Como contraponto, achou-se interessante abordar no mesmo capítulo o problema do colonialismo sionista, outro ponto importante para um esclarecimento mais completo do conflito palestino. No capitulo final, se examinou a imigração sionista para a Palestina e suas conseqüências. A imigração foi a última questão a ser analisada pelo fato de ser ela quem realmente possibilitou a formação do Estado de Israel, num território até então dominado por comunidades árabes. Foi a partir dela que a população judia na Palestina aumentou consideravelmente, chegando a um terço da população total da região; foi esta situação que fez com que a ONU, em 1947, dividisse a Palestina em dois Estados: um árabe e outro judeu. A conseqüente guerra israelo-árabe (1948/49), primeiro grande símbolo das hostilidades entre os árabes e o recém oficializado Estado de Israel, também foi merecedora de uma análise que finaliza este capítulo. Já, a data que delimita esta pesquisa (1897-1948) localiza-se entre a fundação do movimento sionista político e a criação do Estado de Israel, na Palestina, pelo simples fato de que os principais motivos que geraram o conflito deram-se nesse intervalo de tempo. 10

Isso, no entanto, não impede a pesquisa de retroceder ou avançar para melhor elucidar algumas possíveis dúvidas a respeito deste ou daquele acontecimento. 1 SÍNTESE HISTÓRICA DO POVO JUDEU E O SIONISMO POLÍTICO DE 1897 Para se entender melhor a gênese do conflito israelo-árabe, é imprescindível analisar as origens do sionismo político, pois esse movimento seria o propulsor para a fundação do Estado Judeu na Palestina, em 1947. Quanto às raízes do sionismo, deve-se fazer uma análise, mesmo que sintetizada, da história do povo judeu. Mais propriamente ainda, sobre as principais razões sobre as quais o movimento sionista se fundamenta. Algumas Considerações sobre a História da Povo Judeu Segundo o Antigo Testamento, Moisés reuniu os hebreus cativos no Egito e algumas tribos nômades do Sinai para conduzi-los à Terra Prometida, ao país de Canaã no atual território da Palestina. Mais adiante, como se irá analisar, a grande maioria dos judeus iria se deslocar da Palestina para outras regiões do mundo. 11

Desde os primeiros anos em que se estabeleceram em Canaã, os judeus não foram bem recebidos pelas comunidades vizinhas; todos manifestaram-se contra eles. Eram os madianitas e endomitas, ao sul; moabitas e amonitas, ao leste; filisteus, a oeste. 4 De 586 à 536 a. C., os babilônios invadiram a Palestina e destruíram o Primeiro Templo judeu 5, construído durante o reinado de Salomão. Muitos judeus foram para o cativeiro na Babilônia, outros fugiriam para a Pérsia. No ano 70 da Era Cristã, o Segundo Templo de Jerusalém seria destruído pelos romanos; sessenta e cinco anos mais tarde, como Claude Franck e Michel Herszikowicz informam, a resistência judaica ao domínio romano no território palestino capitularia: Mais de meio milhão de soldados judeus perderam a vida e 985 aldeias foram destruídas no decurso dessa revolta, a mais longa e dura que o Império Romano teve de enfrentar. Após a vitória, Roma empenhou-se em apagar todos os vestígios de identidade judaica na Terra de Israel. Chegou mesmo a desbatizar esta última e atribuir-lhe o nome de Falastina Palestina, enquanto Jerusalém, totalmente arrasada, era denominada Aelia Capitolina. 6 No Império Romano, o anti-semitismo se enraizava nas antigas tradições agrícolas da sociedade romana e no conseqüente desprezo pelas atividades mercantis; desprezo que nasce, por sua vez, de um profundo antagonismo econômico entre produtores de bens e comerciantes, que se apropriam de uma parte desses bens, mas que são necessários à sociedade e por isso inelimináveis. Também a atitude nacionalista dos judeus e o seu proselitismo, diferenciando-os do tradicional comportamento dos outros povos assimilados 4 LOPES, Osório. O Problema Judaico. Rio de Janeiro: Vozes, 1942. p.20. 5 FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. O Sionismo. [tradução Eduardo Saló]. São Paulo: Europa- América, 1985. p. 16. 12

do império, que se reconhecem súditos do mesmo e mantêm a própria religião sem procurarem estendê-la a outros, choca a mentalidade cosmopolita dos romanos, suscitando reações de hostilidade. 7 Os cristãos juntamente com os judeus foram perseguidos pelas autoridades romanas até 312. Quando, em 325, o cristianismo se tornou religião do Estado Romano, os judeus passaram a sofrer uma discriminação isolada: A atitude tolerante do paganismo cede lugar a uma política asperamente confessional, voltada para a afirmação forçada da religião de Estado; multiplicam-se as leis e as disposições tendentes a discriminar aqueles que professam outras confissões. Os hebreus são postos em condições de absoluta inferioridade jurídica e privados de todo o direito civil; e em tal status permanecerão durante toda a Idade Média e a Idade Moderna até a emancipação. O anti-semitismo assume, nesta época, um dos seus componentes ideológicos fundamentais: o componente religioso, fundado sobre a aversão à obstinação hebraica de não reconhecer o advento do Messias e sobre a acusação de deicídio, que começa a ser dirigida aos hebreus. 8 Por não terem o apoio de um Estado oficial, como tinham os cristãos, os judeus espalharam-se pela Europa, Ásia e África. Isso originou a formação dos primeiros guetos, verdadeiras coletividades com as suas escolas, os seus tribunais, a sua vida social, as suas leis e os seus costumes. 9 6 FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. Op. cit., p. 25. 7 BOBBIO, Norberto, MATTUECCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. [tradução Carme C. Varriale et al] 8ª ed. v. 1. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1995. p. 40. 8 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 40. 9 BARNIR, Dov. Os Judeus, o Sionismo e o Progresso. In: MODERNES, Les Temps. Dossier do Conflito Israelo-Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). p. 456. 13

Na Idade Média, essa segregação era forçada ou voluntária e, por conseqüência das restrições ou perseguições da Igreja Católica, formaram-se guetos por toda a Europa: em Veneza surgiu a palavra gueto para denominar o bairro judeu; na França o termo corrente era carriére; na Alemanha a denominação preferida foi Judengasse. Os guetos existiam também na Polônia e na Rússia. Em Portugal e na Espanha, a partir do século XVI, a vida do judeu no gueto era obrigatória. 10 Tal reclusão explica em parte a unidade judaica através dos tempos, mediante, por exemplo, a criação e conservação de dialetos próprios. Esta situação de auto-segregação, como se verá ao longo da pesquisa, foi muito importante para que, mais adiante, os judeus desejassem a formação de um Estado essencialmente judeu. Como a Igreja Católica detinha o poder sobre toda a Europa medieval, os judeus mantiveram-se fora do feudos; porém, o quase total desaparecimento da economia de mercado e a virada para o auto-consumo, tornaram a função comercial dos judeus de grandíssima importância. Nos tempos de Carlos Magno, o comércio entre Ocidente e Oriente é monopolizado de uma forma quase absoluta pelos judeus. 11 No entanto, a partir do século XII, com o reflorescimento na Europa Ocidental das atividades comerciais, a situação se modifica; os judeus perdem o monopólio do comércio europeu e passam a ser relegados para posições secundárias. A burguesia nascente pressiona no sentido de uma total eliminação dos judeus do comércio; as cruzadas que marcam para esta classe uma importante etapa de desenvolvimento, constituem, ao mesmo tempo, a primeira grande manifestação de anti-semitismo medieval. 12 10 GARSCHAGEN, Donaldson M. (org.). Enciclopédia Barsa. São Paulo/Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica Consultoria Editorial Ltda, 1989. v. 8. ps. 422-423. 11 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 41. 12 Ibid., p. 41. 14

Enquanto, nos primeiros séculos da Idade Média, os empréstimos judeus eram destinados, em grande parte, ao financiamento do rei e da nobreza, agora se desenvolve o pequeno empréstimo, concedido ao camponês e a arraia miúda das cidades. Esse fato leva ao rápido deterioramento das relações entre judeus e o povo, que vê, erroneamente neles, a causa da própria miséria. 13 Os últimos séculos da Idade Média são um dos piores momentos da história dos judeus; no decorrer do séculos XII, XIII e XIV, a Igreja Católica muitas vezes explicava o surgimento de epidemias como uma conseqüência da ação de semeadores de doença. Assim eram vistos os judeus que, embora padecessem também com as pestes, muitas vezes eram massacrados como disseminadores das mesmas. 14 A culpa dada aos judeus pelo alastramento da peste negra, que abalou a Europa do século XIV, é um exemplo disso. O Prof. Dr. Reinholdo Aloysio Ullmann faz um comentário interessante sobre este caso: Pseudo-causas da doença foram apontadas várias: fenômenos astrológicos, ar empestado, processos de putrefação, no interior do corpo, águas de poços envenenadas por judeus. Merece um pequeno comentário o envenenamento de poços por judeus. Atribuiu-se lhes esse ato, sem fundamento algum, como culminância do ódio anti-semita, que, havia séculos, era notório na Europa, não raro como aval de pessoas de alto coturno, assim no círculo eclesiástico como do mundo profano. E prossegue: 13 Idem. 14 SCLIAR, Moacyr. Do Mágico ao Social: a trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM, 1987, p.22. 15

O boato de envenenamento começou na Aquitânia, em 1321, portanto quase três décadas antes de a peste negra invadir a Europa. Dizia-se que, naquele ano, leprosos haviam sido encarregados por judeus de lançar veneno nos poços de cristãos, para eliminá-los. (...) acirrou-se pela Europa inteira o ódio contra os envenenadores de poços, com terríveis conseqüências: muitos judeus foram jogados vivos às fogueiras ou torturados até à morte, ou queimados vivos dentro de suas próprias casas, sem poupar velhos, mulheres e crianças. 15 Entre os séculos XII e XIV, o Islã (conjunto de califados islâmicos que abrangia todo o Oriente Médio, o norte da África e parte da Península Ibérica), cuja economia encontrava-se já estabilizada no comércio há um longo tempo e que, diferentemente da Europa, não passava por um período de transição, mostrava-se relativamente mais tolerante para com os judeus. A África do Norte e o Oriente Médio puderam, assim, oferecer uma terra de acolhimento para os judeus da Europa que fugiam dos batismos forçados e dos massacres na Rússia (a partir de 1113, com o primeiro progrom ), na Espanha (1148), na França (1182), na Inglaterra (1189) e na Alemanha (1330-1338). 16 Durante os séculos XIII, XIV, XV e XVI, com a desagregação do feudalismo e a gradativa formação de burguesias comerciais, o judeu foi praticamente expulso da Europa Ocidental: Marginalizados também das atividades de empréstimos, perdem de fato, toda a função econômica específica. Sua presença não parece justificada aos olhos dos governantes, que decretam sua expulsão 15 ULLMANN, Reinholdo Aloysio. A Peste Negra. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 31, n. 131, ps. 154-155, mar. 2001. 16 FAYES, Ahmed. Prelúdio a Israel. In: FAYES, Ahmed; SAYEGH, Fayes A. Sionismo na Palestina. Rio de Janeiro: Delegação da Liga dos Estados Árabes, 1969. ps. 25-26. 16

em muitos países da Europa: Inglaterra em 1290, França em 1306, e 1394, Espanha em 1492, etc. Na Itália, os hebreus são expulsos da Sicília e da Sardenha em 1492, do reino de Nápoles no período de 1510-1541, dos Estados Pontifícios, à exceção de Roma e Ancona, em 1569 e 1593. Apenas na Alemanha e na Itália do Norte podem permanecer núcleos conspícuos de judeus. 17 No início do século XIX, no entanto, os poucos remanescentes de judeus no oeste europeu iriam passar por um processo de assimilação, especialmente depois da Revolução Francesa que, através de uma recém formada legislação liberal, abriu as portas para a sua integração política e social. O advento do capitalismo e o aparecimento dos defensores do liberalismo, colaboraram para o judeu ter uma relativa assimilação e tornar-se bastante produtivo. Alguns judeus proeminentes se tornaram grandes empresários e banqueiros. 18 Karl Marx, em sua obra A Questão Judaica, faz um interessante comentário sobre a relação entre a valorização do dinheiro e a emancipação do judeu: O judeu se emancipou a maneira judaica não só ao apropriar-se do poder do dinheiro como, também, porque o dinheiro se converteu, através dele e a sua revelia, numa potência universal, e o espírito prático dos judeus no espírito prático dos povos cristãos. Os judeus se emanciparam na medida em que os cristãos se fizeram judeus. 19 A partir do século XIX, a Europa Ocidental e a América acolheriam os judeus. Segundo Ahmed Fayes: a Europa Ocidental tornou-se cada vez mais tolerante para com 17 BOBBIO, Norberto; MATTUECCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Op. cit., p. 41. 18 SALEM, Helena. Palestinos, os novos judeus. Rio de Janeiro: Eldorado-Tijuca, 1977. p. 15. 19 MARX, Karl. A Questão Judaica. 5ª ed. São Paulo: Centauro, 2000. p. 46. 17

os judeus. A América abriu-lhes as portas, e as idéias de imigração e de assimilação prevaleceram momentaneamente sobre a idéia da auto-segregação. 20 Na Europa Oriental (que compreendia a Ucrânia, a Rússia Branca, a Lituânia, a Polônia, a Romênia e a Hungria), bem mais atrasada economicamente, os judeus que compunham na época mais de 60% da população judaica mundial 21 gozariam de uma situação relativamente privilegiada até o início do século XIX. Segundo Helena Salem, eram eles que movimentavam o comércio numa região que ainda vivia num sistema feudal: No início do século XIX, a grande maioria dos judeus concentrava-se na Europa Oriental (...). Desempenhavam fundamentalmente funções de intermediários entre os camponeses e os senhores feudais. Obtinham permissão dos senhores para gerir as tavernas, sob a condição de venderem apenas bebidas produzidas no feudo. Nas ocasiões especiais, como batismos, casamentos, os camponeses eram impelidos a comprar muito por sua vez os judeus vendiam a crédito, mas com altos juros. Em praticamente todas as atividades comerciais havia a participação prioritária ou exclusiva do judeu, que representava a economia de troca no mundo feudal. 22 A partir do século XIX, no entanto, os comerciantes estabelecidos seriam vistos como um grande problema para uma nova classe burguesa cristã que paulatinamente se formava. Esta passou a interessar-se pelo desenvolvimento de uma forte burguesia nacional 20 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 27. 21 RATTNER, Henrique. Nos Caminhos da Diáspora. São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos Judaicos, 1972. p. 42. 22 SALEM, Helena. Op. cit., p. 14. 18

e, por esse motivo, entraria em contradição com os comerciantes veteranos. Assim, o antisemitismo passou a fortificar-se na parte oriental, já no decorrer do século XIX. 23 A situação dos judeus, na maioria pequenos comerciantes e vendedores, teria então se tornado instável no leste europeu. Uma parte foi obrigada a abandonar a produção independente e proletarizar-se, enquanto que outra emigrou para outros países, onde o comércio e a indústria ofereciam melhores possibilidades de trabalho. Assim, vários judeus se deslocaram da Polônia, por exemplo, para a Alemanha, Áustria e Rússia. Depois, sobretudo após 1880, os judeus movimentaram-se para os Estados Unidos em grande número. 24 Helena Salem faz um breve comentário sobre a situação dos judeus que permaneceram no Oriente Europeu: Aqueles que permaneceram em seus lugares de origem se tornarão vítimas de violentas perseguições, especialmente por parte da classe média, que vê no judeu um concorrente perigoso. O anti-semitismo será um sentimento facilmente explorável pelo nascente capitalismo em crise, já que a imagem do judeu junto ao povo forjada em séculos de atividade comercial e usuária é a do indivíduo avaro, explorador. 25 Nota-se uma diferença interessante: enquanto na Europa Ocidental o judeu consegue assimilar-se na maioria dos países, na Europa Oriental ocorre o contrário. É essa aliás a razão pela qual a participação e mesmo a liderança dos Judeus emancipados do 23 FAYES, Ahmed. Op. cit., p. 27. 24 SALEM, Helana. Op. cit., p. 15. 25 Ibid., p. 16. 19

Ocidente se tornaram indispensáveis para a emancipação sionista das comunidades judias orientais. 26 Os judeus ocidentais engajaram-se, então, em uma ajuda filantrópica para retirar os judeus da Europa Oriental, transferindo-os para outros países. Ahmed Fayes exemplifica esta questão: Moses Montefiore (parente, por aliança, de Nathan Rotschild) ajuda os judeus russos, poloneses e rumenos a estabelecerem-se na Argentina; os Rothschild ajudam outros a tornarem-se agricultores e artesãos na Palestina; Mordecai Manuel Noah compra Grand Island (Ilha Grande), no Niágara, não vai lá, mas convida os judeus a irem. 27 Interessante é observar que o problema do judeu não-assimilado do oriente europeu é exportado para outros países fora da Europa. Já a assimilação ocidental judia encontrava-se, contudo, mais no âmbito econômico do que social. Alguns judeus tinham adquirido um poder financeiro muito forte no Ocidente Europeu. Os famosos Rothschild são um grande exemplo de sucesso econômico, pois eram os mais poderosos banqueiros do Império Britânico no século XIX. Por outro lado as massas judias ficavam privadas de um sentimento nacional, como nos esclarece Marcos Margulies: No Ocidente europeu, a emancipação do séc. XIX colocou-as [as massas judias] inesperadamente dentro da sociedade não judaica, caracterizada por profundos sentimentos nacionais. Estes eram alheios aos judeus que, excluídos então dos corpos nacionais, não 26 BARNIR, Dov. Op. cit., p. 459. 27 FAYES, Ahmed. Op. cit., p.27. 20

podiam deles compartilhar. Engendra-se, assim, um novo conflito entre ambos os grupos. Por outro lado, no Oriente europeu, continuavam em vigor as medidas da opressão. De ambos os lados, pois, os judeus haviam de procurar soluções imediatas e viáveis para a sua situação peculiar. 28 Isso mostra que, apesar de uma assimilação relativamente bem mais estabilizada em relação ao Oriente, grande parte dos judeus do Ocidente não via nos estados nacionais um corpo político totalmente favorável as suas particularidades costumes e religião. Já, de acordo com Maxime Rodinson, quanto às massas judias essencialmente animadas por um profundo desagrado pelas condições de opressão que sofriam, principalmente na Rússia czarista e na Europa Oriental, a situação lhes oferecia poucas escolhas: Perante a situação que lhes era imposta,[1]alguns judeus assimilados optavam pela luta política, eventualmente revolucionária, nos países que se sentiam cidadãos (...).[2]Outros eram impelidos para uma luta semelhante mas por intermédio de um reagrupamento entre judeus, como no caso dos budistas. [3] Outros finalmente, repudiando todos os laços com o povo, o país e o estado em que se encontravam integrados, colocavam a sua esperança numa outra pátria, uma pátria puramente judaica. 29 Das três opções apresentadas por Maxime Rodinson, a última daria origem ao movimento sionista político idealizado por Theodor Herzl. 28 MARGULIES, Marcos. Os Palestinos. Rio de Janeiro: Documentário, 1979. (Coleção Documentada/Fatos:5). p. 61. 29 RODINSON, Maxime. Israel, facto colonial? In: MODERNES, Les Temps. Dossier do Conflito Israelo- Árabe. Portugal: Inova/Porto, 1968.(Colecção as Palavras e as Coisas). p. 33. 21

O Sionismo Político (1897) O termo sionismo, de acordo com François Massoulié, surge por volta de 1890 e se refere a Sion, colina de Jerusalém sobre a qual foi construído o primeiro templo judeu, e que simboliza a Terra Prometida. 30 Já Marcos Margulies, entende o sionismo como um conceito que acompanhou os judeus durante todo o transcorrer de sua história. O sionismo messiânico seria o mais antigo (séc. XII), sendo apenas um movimento sentimental e religioso, passivo e inoperante ; alguns pensadores judeus da Europa teriam apenas almejado a Palestina como um lugar perfeito. 31 Depois refere-se a um sionismo espiritual, inócuo e inviável segundo o autor; não lutavam, pois, pela ida dos judeus para a Palestina, nem preconizavam a criação de uma entidade política própria. Pretendiam apenas recriar ali o centro da vida cultural. 32 Em 1887, com o idealizador A. D. Gordon, teria surgido o sionismo prático, que pregava a volta imediata dos judeus à Palestina sem considerar os problemas de ordem política. Esse sionismo, como Margulies afirma, daria origem ao sionismo filantrópico, que seria a concretização do sionismo prático, através da ajuda de alguns potentados judeus 33, que realmente financiaram o estabelecimento de colônias agrícolas judias na Palestina a partir de 1882. 30 MASSOULIÉ, François. Os Conflitos do Oriente Médio. [tradução Isa Mara Lando]. São Paulo: Ática, 1994. p. 45. 31 MARGULIES, Marcos. Op. cit., p. 59. 32 Ibid., p. 60. 33 Ibid., p. 62. 22