Patologia envolvente - higrotérmica. SECAGEM DE MATERIAIS POROSOS POSSIVELMENTE CONTAMINADOS COM SAIS SOLÚVEIS Projecto DRYMASS

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Transcrição:

Patologia envolvente - higrotérmica SECAGEM DE MATERIAIS POROSOS POSSIVELMENTE CONTAMINADOS COM SAIS SOLÚVEIS Projecto DRYMASS Teresa Diaz Gonçalves 1 e Vânia Brito 2 (1) Engenheira civil, doutorada pelo IST, investigadora do LNEC, teresag@lnec.pt (2) Lic. engenharia civil, mestre em reabilitação de edifícios pela FCT/UNL, bolseira FCT no LNEC, vbrito@lnec.pt RESUMO Na conservação de edifícios, a resolução de problemas associados à presença de humidade mobiliza uma fracção muito significativa dos recursos disponíveis. A situação é ainda mais crítica no caso dos edifícios antigos, onde os problemas de humidade são frequentemente crónicos. A humidade está presente nos poros de materiais da construção como a pedra, os cerâmicos ou as argamassas. Causa problemas estéticos, degrada as condições de habitabilidade e reduz resistências mecânicas. Promove a ocorrência de reacções químicas diversas e o desenvolvimento biológico. Está ainda na origem da cristalização de sais solúveis, um dos mais graves mecanismos de deterioração dos materiais de construção porosos. Contudo, a eliminação da humidade presente em alvenarias antigas não é, em geral, um propósito simples. Isto deve-se ao facto de estas paredes apresentarem tipicamente grande espessura, serem maciças, compostas por materiais porosos e absorventes e conterem em geral sais solúveis. Acresce que, devido ao incompleto estado do conhecimento sobre os mecanismos físicos da secagem, soluções ineficazes ou mesmo nefastas são muitas vezes usadas. O projecto de investigação DRYMASS, em curso no LNEC desde Fevereiro de 2010, tem como objectivo principal avançar o estado-da-arte no tema da secagem dos materiais de construção porosos. Há, de facto, importantes lacunas neste tema, nomeadamente no que se refere à influência das propriedades físicas dos materiais e dos próprios sais solúveis nestes processos. Neste artigo apresentamos o enquadramento, objectivos e metodologia do projecto, bem como um sumário dos principais resultados obtidos até ao momento e das conclusões a que estes conduzem. Palavras-chave: humidade, secagem, sais solúveis

I. ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS A humidade pode ser muito nefasta para materiais de construção porosos como a pedra, os cerâmicos ou as argamassas. Causa problemas estéticos, degrada as condições de habitabilidade e reduz resistências mecânicas. Dá também origem a reacções como o ataque de sulfatos e promove o desenvolvimento biológico. Pode ainda desencadear processos de degradação por cristalização de sais solúveis. Na conservação de edifícios, a reparação de anomalias decorrentes da presença de humidade mobiliza, de facto, uma fracção muito significativa dos recursos disponíveis [Burkinshaw e Parret 2004, Lourenço et al. 2006]. A situação é ainda mais crítica no caso dos edifícios antigos (edifícios construídos antes da utilização do cimento Portland), onde os problemas de humidade são crónicos [Massari e Massari 1993]. A humidade pode ter diferentes origens que muitas vezes coexistem, o que torna difícil o diagnóstico e a definição de soluções que possam conduzir não só à desactivação da origem mas também à eliminação da humidade que penetrou nos materiais. Nos edifícios antigos a eliminação da humidade pode ser particularmente complexa, devido às especificidades deste tipo de construção que se baseia normalmente em paredes espessas e maciças, compostas por materiais porosos e muitas vezes contaminados por sais solúveis. Devido também ao incompleto estado do conhecimento sobre os processos em que assenta a secagem dos materiais porosos de construção, são muitas vezes usadas na prática soluções ineficazes ou mesmo nefastas que acabam por acentuar o carácter recorrente das anomalias ou até piorar a situação. Há, de facto, importantes lacunas no tema da secagem dos materiais porosos, nomeadamente sobre a influência das propriedades físicas dos materiais e sobre o efeito dos sais solúveis nestes processos, como se verá na próxima secção. Um aprofundamento do conhecimento neste tema é pois essencial para se poderem definir soluções que promovam uma secagem eficiente e para compreender os mecanismos da degradação por cristalização de sais, que decorrem basicamente de processos evaporativos. O projecto DRYMASS tem como principal motivação avançar o estado-da-arte no tema da secagem dos materiais de construção porosos contaminados com sais. Este projecto (refª PTDC/ECM/100553/2008) é financiado por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e do LNEC. Teve início em Fevereiro de 2010 e tem duração prevista de três anos. A aplicação, à prática da conservação, dos resultados desta investigação, que visa uma melhor compreensão de processos a que estão sujeitos os materiais de construção, tendo portanto carácter um pouco mais fundamental, pode obviamente não ser imediata. Pensamos que, não obstante, é importante dar a conhecer aos técnicos os contornos e objectivos dos trabalhos de investigação desta natureza. Por um lado, é importante que os investigadores obtenham dos técnicos feedback sobre as necessidades e as questões em aberto na prática. Por outro lado, a incorporação de conhecimentos avançados é cada vez mais imprescindível para permitir o desenvolvimento (e também a correcta utilização) de produtos e materiais high tech, de elevado valor acrescentado, que interessam cada vez mais ao País. De facto, a patologia em análise, nomeadamente a decorrente da cristalização de sais solúveis, é complexa e ainda não está totalmente compreendida, pelo que certamente beneficiará do investimento feito a nível da investigação.

II. QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO A secagem dos materiais porosos envolve transporte de água, no estado líquido e no estado de vapor, através da rede de poros. O mecanismo geral destes processos (Figura 1) está relativamente bem estabelecido [Sherwood 1929, Scherer 1990] mas há diversos pormenores que ainda não foram totalmente compreendidos. Investigadores franceses [Hammecker 1993, Jeannete 1997, Rousset-Tournier 2001], por exemplo, observaram que a taxa de evaporação da água contida em alguns tipos de pedra (em condições próximas da saturação) podia ser tão elevada que ultrapassava a taxa de evaporação de uma superfície livre de água. Colocaram a hipótese de tal ser em larga medida devido à rugosidade superficial, que originaria uma maior superfície efectiva de evaporação. Transporte de vapor Transporte de líquido 1ª fase 2ª fase Figura 1 Processo de secagem dos materiais porosos A influência dos sais solúveis no transporte líquido (por capilaridade) através da rede de poros não é também consensual. Alguns autores indicam que esta influência não é relevante [Hall e Hoff 2002], enquanto outros argumentam que os sais podem reduzir significativamente o fluxo capilar [Ruíz-Agudo et al. 2007]. Há também dúvidas quanto ao transporte de vapor (que é um processo difusivo). É facto conhecido que os sais solúveis dificultam a evaporação, sendo esta uma das principais razões para a recorrência dos problemas de humidade em paredes com sais [Hall e Hoff 2002, Gonçalves et al. 2007, Gonçalves 2007]. Uma das razões para a menor taxa de evaporação é o abaixamento da pressão de vapor do líquido, devido à presença de sais: a humidade relativa (HR) acima de uma solução salina é sempre inferior aos 100% que se atingem no caso da água pura. Isto origina um menor gradiente de pressão do vapor entre a superfície do material e o ambiente circundante e, em consequência, uma menor taxa de difusão do vapor de água do material para o ambiente. O abaixamento da pressão do vapor não consegue, contudo, justificar totalmente a redução da taxa de secagem causada pelos sais solúveis [Pel et al. 2003, Gonçalves et al. 2007]. Um possível factor adicional, de que no entanto não há ainda prova, é a diminuição da superfície efectiva de evaporação devido ao bloqueio dos poros pelos cristais. Há também trabalhos recentes [Prat 2008] que indicam que, em certas circunstâncias, os sais podem acelerar a secagem. Isto é atribuído à natureza porosa e à consequente elevada capacidade de sucção de certos tipos de eflorescências, mas os contornos e significado deste tipo de processo não estão ainda totalmente esclarecidos. O projecto DRYMASS procura resolver este tipo de questões, no sentido de contribuir para uma melhor compreensão global dos processos de secagem e de degradação por cristalização de sais solúveis dos materiais de construção porosos.

Área Relativa - RA III. MATERIAIS, MÉTODOS E RESULTADOS III.1 Propriedades dos materiais A tarefa T3 tem como objectivo perceber de que forma as propriedades físicas dos materiais (rugosidade, porosidade, etc.) influenciam a taxa de secagem. Os principais resultados já obtidos são objecto de um artigo recente [Gonçalves et al. 2012]. O trabalho incidiu sobre oito materiais porosos (seis tipos de pedra, uma argamassa de cal e um tijolo cerâmico). Utilizaram-se provetes cúbicos com cerca de 24 mm de aresta e cinco níveis de rugosidade: superfície polida, superfície decorrente do corte e três níveis de rugosidade obtidos num equipamento de abrasão (W. Farrance, modelo 403) com areias siliciosas de diferente granulometria (0.16-0.30, 0.30-0.85 e 0.50-1.00 mm). Foram efectuados ensaios de secagem com água pura através do método da RILEM [1980] a 20 o C e seis HR (14%, 28%, 37%, 58%, 70% e 80%). A caracterização dos materiais incluiu ainda a determinação da porosidade acessível à água, porosimetria por intrusão de mercúrio (MIP), permeabilidade ao vapor de água e capilaridade [RILEM 1980]. Os resultados dos ensaios de secagem [Gonçalves et al. 2012] mostram que as pequenas diferenças observadas entre os vários níveis de rugosidade não são estatisticamente significativas, pelo que não se confirma a hipótese de haver uma influência relevante da rugosidade na taxa de secagem dos materiais. A textura superficial de dois dos materiais foi estudada com um instrumento óptico (Talysurf CLI 1000, da Taylor Hobson) com sonda de luz branca com campo vertical de 3 mm, resolução vertical de 100 nm e resolução lateral de 5 µm. As medições foram realizadas com passo de medição de 5 μm em X e em Y e velocidade de 2 mm/s. Determinou-se a área relativa (RA) para diferentes passos (escalas) de medição, utilizando o operador "resampling" do software (Talymap Gold). RA é a razão entre a área projectada e a área desenvolvida, sendo igual a 1 para uma superfície idealmente plana. Observou-se que RA aumenta exponencialmente quando a escala diminui, tendendo para infinito quando a escala se aproxima de zero (Figura 2). Isto sugere que a superfície destes materiais tem características fractais. A natureza fractal destas superfícies não é normalmente considerada nas ciências da engenharia civil. No entanto, ela implica que o conceito de rugosidade deve ser repensado, aspecto que está a ser analisado no projecto. MB.II.2 MB.V.2 3 2 1 0-100 0 100 200 300 Escala de medição - S (μm) Figura 2 Variação da área relativa (RA) da superfície de dois materiais com o passo de medição Finalmente, observou-se uma boa correlação entre a taxa de secagem durante a primeira fase (Figura 1) e a porosidade capilar, o que indica que a secagem ocorre ao nível dos poros, não havendo indícios da presença de um filme líquido na superfície.

III.2 Influência dos sais solúveis A tarefa T4 tem como objectivo perceber a influência dos sais solúveis na secagem. Três dos oito materiais usados na tarefa anterior (três tipos de pedra) foram seleccionados procurando-se que representassem uma gama alargada em termos de porosidade, coeficiente de absorção capilar e permeabilidade ao vapor de água. Os três materiais foram submetidos a ensaios de absorção capilar com soluções salinas (com diversas concentrações de cloreto de sódio, sulfato de sódio e nitrato de sódio), bem como ensaios de secagem similares aos realizados com água pura na tarefa T3. Está ainda em curso a realização de ensaios de permeabilidade ao vapor de água em provetes onde a cristalização de sais foi previamente induzida. Os resultados dos ensaios de capilaridade estão actualmente em análise. Quanto aos de secagem, verificou-se sempre uma redução da taxa de secagem em presença do sal. A diferença depende do tipo de sal (secagem mais lenta para o cloreto, intermédia para o nitrato e mais rápida para o sulfato) e aumenta com a sua concentração. Na sequência da secagem, ocorreu degradação dos materiais (Tabela 1). Esta degradação depende do tipo de sal: o cloreto e o nitrato originam padrões de degradação muito idênticos (eflorescências) nos dois calcários. A degradação devida ao sulfato é bastante distinta das anteriores e varia também com o material (delaminação perfeita para o Ançã, destacamento da camada superficial para o calcário cinza e formação de crosta na Bentheimer). Tabela 1.- Degradação ocorrida nos ensaios de secagem com soluções saturadas de três sais Tipo de Sal Calcário Ançã Calcário Cinza Bentheimer NaCl Na 2 SO 4 NaNO 3 ----

V. CONCLUSÕES A resolução dos problemas de humidade tem importância estratégica devido à frequência de ocorrência e consequente alto impacto económico de tais problemas. Nos edifícios antigos, onde a degradação por sais solúveis acresce frequentemente aos problemas de humidade, a situação é ainda mais crítica. A correcta abordagem destes problemas requer, contudo, o avanço do estado-da-arte na matéria. Este avanço é o principal objectivo do projecto DRYMASS. Nos ensaios realizados até agora verificou-se sempre uma redução da taxa de secagem em presença do sal: a diferença em relação à água pura depende do tipo de sal e aumenta com a sua concentração. Mas a degradação originada pela secagem depende do tipo de sal e pode variar muito com o material. Os resultados não confirmam a hipótese de haver uma influência relevante da rugosidade na taxa de secagem dos materiais. Não sendo obviamente possível fazer neste artigo um tratamento aprofundado das matérias abordadas, a equipa do DRYMASS afirma a sua total disponibilidade para fornecer os esclarecimentos adicionais que forem necessários. Esta equipa aceita contactos sobre o tema do projecto, valorizando em particular as contribuições de técnicos ligados à conservação de edifícios com problemas de humidade e sais solúveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURKINSHAW, R., PARRET, M. - Diagnosing Damp. RICS, Coventry, UK. 2004. ISBN 1-84219-097-0. GONÇALVES, T.D., BRITO, V., PEL, L. Water vapour emission from rigid mesoporous materials during the constant drying rate period. Drying Technology. Accepted for publication in 2012. GONÇALVES, T.D.-Salt crystallization in plastered or rendered walls,tese de Doutoramento, LNEC e IST,Lisboa, 2007. GONÇALVES, T.D., PEL, L., RODRIGUES, J.D. Drying of salt contaminated masonry: MRI laboratory monitoring. Environmental Geology 52 (2007), 249-258. DOI 10.1007/s00245-006-0461-4. HALL, C., HOFF, W.D - Water Transport in Brick, Stone and Concrete. Spon Press, London and New York. 2002. ISBN 0-419-22890-X. HAMMECKER, C. - Importance des transferts d'eau dans la dégradation des pierres en œuvre. Thèse de doctorat (PhD thesis). Université Louis Pasteur, Strasbourg, France. 1993. JEANNETTE, D. - Structures de porosité, mécanismes de transfert des solutions et principales altérations des roches des monuments - in R.A. Lefèvre (ed.) La pietra dei monumenti in ambiente fisico e culturale, European University Centre for Cultural heritage, Ravello, p.49-77, 1997. LOURENÇO, P. B., LUSO, E., ALMEIDA, M. G. - Defects and moisture problems in buildings from historical city centres: a case study in Portugal. Building and Environment 41 (2006), 223 234. MASSARI, G., MASSARI, I. - Damp Buildings - Old and New. ICCROM, Rome. 1993. ISBN 92-9077-111-9. PEL, L., HUININK, H., KOPINGA, K. - Salt transport and crystallization in porous building materials. Magnetic Resonance Imaging 21 (2003), 317-320. PRAT, M. - Interplay between drying and salt crystallization in model porous media: book of abstracts of the workshop CRYSPOM, CRYStallisation in Porous Media: Paris, 22-23 Mai, 2008. ROUSSET-TOURNIER, B. - Transferts par capillarité et évaporation dans des roches. Rôle des structures de porosité. Thèse de doctorat (PhD thesis), University Louis Pasteur, Strasbourg, France, 2001. RUÍZ-AGUDO, E., MEES, F., JACOBS, C., RODRIGUEZ-NAVARRO, C. The role of saline solution properties on porous limestone salt weathering by magnesium and sodium sulfates. Environmental Geology 52 (2007), 269-281. SCHERER, G.W. - Theory of drying. Journal of the American Ceramics Society 73 (1990), 3-14. SHERWOOD, T.K. - The drying of solids II. Industrial and Engineering Chemistry 21 (10), 976-980. 1929.