5/23/2014 Importância e realidade A valorização económica da bicicleta em Portugal O tema da bicicleta e da mobilidade ciclável tem ganho, nos últimos tempos, um crescente interesse e atenção, seja pela crescente visibilidade nos media, pelo número de utilizadores, seja ainda pelo facto de estar alinhado com um conjunto de preocupações da sociedade contemporânea, de natureza global, sobretudo ligada a questões ambientais e energéticas (relacionadas com a dependência dos combustíveis fósseis, a poluição e as alterações climáticas) e de natureza individual, relacionadas com o bem-estar e a saúde, tendo-se transformando numa espécie de novo «zeitgeist», um novo espírito do tempo. Em Portugal, as autoridades públicas locais olham para esta questão como uma oportunidade para mudar o paradigma de mobilidade e também para promover ambientes urbanos mais amigáveis, capazes de assegurar maior sociabilização, e têm vindo a produzir investimento sobretudo na melhoria da infraestrutura ciclável, maioritariamente associada a frentes de água e a percursos lúdicos, em alguns casos, sacrificando o espaço pedonal, e um menos evidente esforço em equipamentos de apoio (estacionamento e duches). Paralelamente, e de forma mais tímida, têm vindo a implementar sistemas coletivos de uso de bicicleta Bikesharing associadas à qualificação do ambiente urbano ou à melhoria da oferta turística, casos de Torres Vedras ou Águeda e Murtosa ou Vilamoura, respetivamente.
Alguns municípios e empresas têm vindo a trabalhar com organizações do Sistema Científico-tecnológico (SCT), desenvolvendo projetos de investigação e de desenvolvimento centrados na bicicleta com preocupações de articular o conhecimento ligado à tecnologia, ciência, design e materiais e a valorização social e económica do território. Mas, apesar dos resultados (caso do BikeEmotion, por exemplo), a capacidade de replicação das aprendizagens noutros contextos mais alargados ainda não é evidente. Ao nível das políticas públicas nacionais, o desenvolvimento do Plano de Promoção da Bicicleta e Outros Modos Suaves 2013-2020 pelo IMTT foi um exercício oportuno mas, apesar do conjunto relevante de propostas que produziu, ainda não teve consequências ou resultados visíveis. Destaque-se, no entanto, a recente alteração legislativa ao Código da Estrada, que promoveu uma maior proteção e defesa dos ciclistas, seja pelos direitos que lhes são diretamente atribuídos, seja pela clara intenção de promover no espaço urbano menores diferenciais de velocidade entre utilizadores (com destaque para a criação das Zonas 30). Porventura a mais relevante modificação do contexto de promoção do uso da bicicleta está associado ao aparecimento de movimentos cívicos que se organizam em torno da promoção da utilização da bicicleta (entre os quais emergiram a MUBI e outras organizações associadas ao movimento Massa Crítica) com iniciativa relevante de estímulo da utilização em meio urbano e de reflexão crítica sobre políticas e propostas com impacto na mobilidade suave. Da análise aos projetos e iniciativas que têm sido produzidas nos últimos anos é possível produzir duas leituras distintas: uma primeira, centrada na procura de mudar e qualificar padrões de deslocação, assentando para o efeito na criação/melhoria de infraestrutura e na alteração do quadro legal em vigor (assegurando uma maior proteção dos ciclistas). E uma segunda, menos evidente, associada à valorização económica da bicicleta e da mobilidade suave, quer através do estímulo à produção industrial e consequente incorporação do valor associado ao design e materiais, quer da promoção de mobilidade ligada ao lazer e turismo. No entanto, existe a consciência de que a realidade ciclável em Portugal é muito mais
vasta e complexa, envolvendo um número crescente de utilizadores com motivações distintas - de deslocação do dia a dia, desporto, lazer ou turismo - cujas necessidades e motivações se desconhecem e cujos efeitos estão por analisar. Utilizadores da bicicleta em Portugal Um primeiro esforço de conhecimento da realidade pode ser produzido a partir dos dados publicados pelos Censos 2011. Essa informação permite perceber, em primeiro lugar, o aumento do peso do transporte individual (62 por cento em 2011 contra 46 por cento em 2001; ainda assim o valor atual é relativamente próximo da média europeia) em detrimento do transporte coletivo (redução de 21 por cento para 15 por cento em igual período) e dos modos suaves (a pé, de 25 por cento para 17 por cento em 2011; e bicicleta e motorizada de 3,2 por cento para 1,7 por cento em 2011). Não havendo dados para perceber a evolução do modo ciclável, o seu peso na repartição modal atual é cerca de 0,5 por cento, representando cerca de 31 mil utilizadores regulares, um valor muito abaixo da média na Europa, cerca de 7,4 por cento em 2010 (Eurobarómetro sobre Política de Transportes, 2010). Numa análise mais fina ao território nacional, é possível perceber que em Portugal é a Sub- Região do Baixo Vouga aquela onde mais pessoas andam regularmente de bicicleta um valor oito vezes superior à média nacional 3,9 por cento contra 0,5 por cento (INE, 2011). De notar que é nesta região que está o concelho com maior número de utilizadores em termos relativos, a Murtosa com 17 por cento, e os cinco concelhos com maior valor em termos absolutos: Ílhavo, Aveiro, Estarreja, Ovar e Murtosa, com 2.160, 1.351, 996, 935 e 893 utilizadores da bicicleta, respetivamente. Para além dos utilizadores regulares, existem cerca de cem mil pessoas envolvidas em atividades desportivas ligadas à bicicleta, das quais apenas dez por cento estão federadas, segundo informação fornecida recentemente pela Federação Portuguesa de Ciclismo. O crescimento tem sido homogéneo no território nacional, ainda assim com alguma particular relevância no Norte do país, sendo espelho dessa dinâmica a quantidade de eventos nas mais variadas modalidades - cross-country, maratonas, endurance, downhill, ciclo-cross, pista, com mais de 300 eventos/ano. Valor económico da bicicleta
Não existem em Portugal estudos conhecidos sobre o valor económico da bicicleta e da mobilidade ciclável nas suas diferentes vertentes. Relativamente ao valor ligado à produção industrial de bicicletas, os dados disponíveis mostram que ele representava em 2006 cerca de 71 milhões de euros, com um peso significativo relacionado com a exportação (PNPB, 2012). Dados mais recentes apontam para um volume de vendas próximo dos 200 milhões de euros (ABIMOTA, 2013). Existe a perceção empírica de que têm vindo a surgir um conjunto de novas atividades económicas relacionadas com a bicicleta, nomeadamente a organização de eventos turísticos e de lazer, a abertura de novas lojas de bicicletas e oficinas, componentes para bicicletas e vestuário/moda. Sem prejuízo de uma análise mais aprofundada, é possível concluir que a grande maioria dos negócios são recentes, têm uma estrutura de custos fixos baixa, um leque alargado de serviços prestados com uma relação de militância com a atividade, o que explica, em parte, a sua capacidade de resiliência neste período de crise. Existem dois segmentos de negócio emergentes que valerá a pena acompanhar. Um relacionado com a produção e comercialização de bicicletas elétricas pelo seu potencial em territórios menos planos e em deslocações de média distância. Outro ligado com o turismo e lazer ciclável, uma atividade que mobiliza visitantes/turistas que se deslocam de bicicleta, em férias ou em lazer, de forma independente ou fazendo parte de viagens organizadas, que pode incluir o uso de outros transportes e recorrer a alojamento formal ou informal (Lumsdon, 2003). Sobre o segmento da bicicleta elétrica, alguns estudos mostram ser um dos ligados às duas rodas que mais está a crescer na Europa, podendo vir a representar em Portugal um volume de negócio na casa dos 80 milhões de euros (Paulo Rodrigues, ABIMOTA, JN 2013-11-21). No que concerne ao turismo ciclável, estudos recentes produzidos pelo Parlamento Europeu (DGIP, 2009) mostram que a atividade representa 2,8
mil milhões de viagens na Europa (26 milhões dos quais correspondem a viagens de turismo) e um valor aproximadamente de 54 mil milhões de euros (DGIP 2009), sendo fundamental para o seu desenvolvimento a criação de uma rede europeia de ciclovias (EuroVelo) que totaliza mais de 66 mil Km (75 por cento dos quais já construídos), que atinge 12,5 milhões de viajantes e um impacto económico de cerca de 4,4 mil milhões de euros. Curiosamente, esta rede só inclui um pequeno troço nacional, no sul do país. Plataforma para a valorização económica da bicicleta Como já foi referido, a região de Aveiro é de longe a que possui maior número de utilizadores regulares de bicicleta e é também aquela onde o tema tem adquirido centralidade em termos das políticas públicas locais. Estes factos não podem ser dissociados do facto de aí estar instalado o setor nacional de produção das duas rodas e sediada a sua associação nacional (ABIMOTA) e também do papel da I&D produzida na Universidade de Aveiro (UA) sobre esta matéria. Estas circunstâncias e o reconhecimento do enorme potencial instalado conduziram ao estabelecimento de um protocolo de colaboração entre a ABIMOTA e a UA que visou a promoção da bicicleta na sua dimensão social, económica e territorial (https://www.facebook.com/valoreconomicodabicicleta). Organizaram, nesse âmbito, em setembro do ano passado, um primeiro evento onde procuraram refletir sobre a oportunidade de promover o valor económico da bicicleta, enquadrado nas competências do SCT, e em particular da UA, e nas oportunidades de I&D do novo quadro financeiro europeu 2014-2020. A primeira conclusão que se retirou desse evento foi que o tema tem vindo a ganhar um crescente interesse enquanto objeto de I&D, medido pelo número de projetos relacionados com a mobilidade ciclável, nomeadamente na conceção de bicicletas com adaptação a utentes com necessidades especiais, a utilização de novos materiais e equipamentos (elétricos, por ex.) e a inovação em processos de fabrico, a conceção de pavimentos e redes
de infraestruturas, o planeamento do território e a gestão da mobilidade, para além de investigação relacionada com temas complementares, nomeadamente com a saúde, o ambiente, o turismo e as TICE. A segunda conclusão foi a necessidade de desenhar um quadro tipológico de atividades associadas à fileira da bicicleta e que resultou na identificação dos seguintes domínios: > INFRAESTRUTURAS E EQUIPAMENTOS DE APOIO produção de novos materiais para pavimentos; organização, produção e gestão de sistemas de infraestruturas cicláveis; produção e comercialização de mobiliário urbano, sinalética e equipamentos apoio (oficinas, balneários, cacifos, estacionamentos); produção e comercialização de equipamentos de gestão de sistemas coletivos de bicicletas; > BICICLETA produção de componentes e quadros, com novos materiais, design e mecânica; montagem de bicicletas; produção e/ou adaptação de acessórios e baterias elétricas; produção bicicletas adaptadas para utilizadores com necessidades especiais de mobilidade; comercialização e aluguer de bicicletas; ensaios laboratoriais; produção de sistemas de montagem e gestão de stocks; > PRODUTOS produção e comercialização de roupa (diário, desporto, lazer e turismo) e acessórios (capacetes); produção de Gadgets e TICE > SERVIÇOS PARA FINS MÚLTIPLOS DIÁRIO, DESPORTO, LAZER E TURISMO Transporte intermodal; Mecânica; Formação; Organização de eventos e atividades complementares (cultura, lazer, saúde); assistência (segurança e apoio médico); Alojamento e restauração bike-friendly ; Edição de Guias e mapas; Num segundo evento, organizado em novembro, o 1.º WORKING-DAY «PLATAFORMA PELA VALORIZAÇÃO ECONÓMICA DA BICICLETA», procurou-se lançar as bases de um esforço colaborativo de mobilização de vontades e competências das várias universidades, associações do setor, empresas, autarquias e organizações de cidadãos pela promoção da bicicleta e das atividades que em torno dela se podem desenvolver, tendo sido convidadas personalidades que fazem negócios, produzem políticas, organizam eventos e promovem o uso da bicicleta em Portugal e que têm tido um papel relevante, visando ajudar a refletir sobre o «estado da arte» e começar a desenhar um plano de ação futuro, perspetivando o quadro europeu de financiamento 2014-2020. O futuro
A criação de condições favoráveis ao uso da bicicleta e modos suaves nas cidades pode propiciar uma ambiência favorável ao desenvolvimento económico (gerar novas atividades com impacto na economia local), à melhoria do ambiente (redução da dependência do uso do transporte individual), ao fortalecimento das relações interpessoais (maior inclusão), com repercussões positivas na qualidade dos territórios e comunidades. Aproveitando o momento privilegiado de arranque de Ano Novo, deixa-se um conjunto de sugestões de reflexão e ação futura. Primeiro, procurar começar por perceber quem são os diferentes utilizadores da bicicleta (desporto, dia a dia, lazer e turismo, atividades radicais) e os contextos territoriais onde são usados (urbanos e rurais). Segundo, criar ou aperfeiçoar as plataformas de diálogo entre os diferentes atores que produzem políticas, fazem negócios, organizam eventos e promovem o uso da bicicleta, com o objectivo de influenciar a agenda da política pública, as opções dos agentes económicos e os comportamentos individuais. Terceiro, apostar na criação de valor na fileira das atividades ligadas à bicicleta, em particular ligando-a à ciência e tecnologia, às artes e design, ao território e às comunidades, aproveitando o novo quadro europeu de apoios (2014-2020), cujos princípios orientadores ligados ao crescimento inteligente, sustentável e inclusivo estão próximos das preocupações e anseios dos atores envolvidos nesta temática. Por último, fica um desafio para aderirem a este esforço coletivo pela promoção do valor económico da bicicleta (valoreconomicodabicicleta@gmail.com). José Carlos Mota e Frederico Moura Sá (docentes e investigadores do DCSPTU-UA) in TR130 - dezembro 2013 / janeiro 2014
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