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Transcrição:

CUNHA, Euclides da * escritor. Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu na localidade de Santa Rita do Rio Negro, hoje Euclidelândia, município de Cantagalo (RJ), em 20 de janeiro de 1866, filho de Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de Eudóxia Moreira da Cunha. De infância tormentosa, perdeu a mãe aos três anos e, como o pai não tivesse condições de criá-los, ele e a irmã Adélia passaram a viver em casa de uma tia materna em Teresópolis, região serrana da então província do Rio de Janeiro. Residiram ali pouco tempo, dado que a tia também viria a falecer logo depois da chegada dos sobrinhos. Em decorrência desse infausto, Euclides e a irmã transferiram-se para casa de outros tios em São Fidélis, município às margens do rio Paraíba do Sul, no noroeste fluminense. Em 1883, depois de passar por diversos estabelecimentos de ensino, destacando-se o Colégio Caldeira, de São Fidélis, o Colégio Carneiro Ribeiro, quando de rápida passagem por Salvador em companhia do pai, e o Colégio Anglo-Americano, este já no Rio de Janeiro, Euclides finalmente concluiu o curso secundário, vindo em seguida a ingressar nos preparatórios do Externato Aquino. Ainda em 1883, escreveu Ondas, primeiros versos de juventude, nos quais havia elogios às principais figuras da primeira fase da Revolução Francesa, o que traduzia uma adesão precoce, quase intuitiva, ao republicanismo. BREVE CARREIRA MILITAR No último quarto do século XIX, não eram muitas as opções para quem se dispusesse a ingressar em cursos superiores no Brasil. Por outro lado, cursar uma faculdade pressupunha do candidato não só o domínio dos conhecimentos específicos capazes de habilitá-lo tecnicamente à vaga. Era preciso, ainda, certa disponibilidade de capital, para que o estudante pudesse arcar com os custos, que não eram pequenos, do curso escolhido. A partir da segunda metade do século XIX, as escolas militares tornaram-se excelente opção para quem não dispunha daquele segundo requisito e passaram a atrair jovens, sobretudo dos extratos médios da sociedade, que buscavam profissões que os preparassem

para a disputada corrida pela ascensão social. Assim, em 1886, Euclides da Cunha ingressou na Escola Politécnica do Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro, aprovado que fora para o curso de engenharia. Todavia, sem que chegasse ao fim do primeiro período, viu-se na contingência de deixar a faculdade, por falta de condições financeiras. Diante desse fato, e sem que estivesse disposto a abandonar o ensino superior, ingressou no curso de oficiais da Escola Militar da Praia Vermelha, que havia sido inaugurada em 1858. Na Escola Militar, Euclides entrou em contato com duas das principais correntes do pensamento político e filosófico do final do século XIX brasileiro: a do movimento republicano e a do positivismo. Aluno de Benjamin Constant, então figura de maior destaque da propaganda republicana e positivista, logo assimilou, de maneira contundente, as doutrinas de uma corrente e de outra. Ao longo de 1888, colaborou sistematicamente com artigos para a revista Família Acadêmica e para o jornal A província de São Paulo, em uma coluna intitulada A pátria e a dinastia. Era já considerado, por colegas e professores, republicano ardoroso. Em novembro de 1888, durante visita à Praia Vermelha do ministro da Guerra, conselheiro Tomás Coelho, Euclides protagonizou protesto que o faria deixar a academia militar. Na solenidade de encerramento do período letivo, enquanto o ministro passava em revista a tropa, Euclides da Cunha desperfilou-se e atirou o espadim aos pés do conselheiro, num gesto que pretendeu significar sua repulsa ao Império. Tentando minimizar o episódio, os professores atribuíram a atitude do aluno rebelde ao esgotamento nervoso, comum aos cadetes em final de período. Todavia, Euclides recusou a justificativa e assumiu o ato e o que ele representava, sendo, portanto, compelido a deixar a escola. Depois de uma breve estada em São Paulo, então espécie de epicentro da resistência republicana, onde colaborou em diversos jornais, destacando-se o já mencionado A Província de São Paulo, retornou ao Rio de Janeiro e, após a proclamação da República, pôde ser novamente aceito na Escola Militar da Praia Vermelha. Por essa época, tornou-se colaborador no jornal Gazeta de Notícias, então um dos periódicos mais lidos nos meios militares.

Segundo-tenente em 1890, ingressou ainda nesse ano na Escola Superior de Guerra; primeiro-tenente no ano seguinte, foi designado adjunto de ensino teórico e obteve, em 1892, o título de bacharel em matemática, ciências físicas e naturais, além de já desempenhar a função de engenheiro junto à Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). A carreira militar ia a passos largos e mostrava-se promissora se não a viesse interromper seu descontentamento com os rumos da política republicana. Euclides da Cunha não concordou com os excessos punitivos dos legalistas, por ocasião do fim da Revolta da Armada desencadeada em 1893 contra o governo Floriano Peixoto (1891-1894). Era a favor da anistia geral para os revoltosos, e a insatisfação o fez publicar na imprensa cartas de repúdio a senadores que defendiam o fuzilamento dos marinheiros insurretos. Por haver tomado o partido da anistia, Euclides da Cunha foi transferido para o interior de Minas Gerais, onde ficou até 1896. Embora o jacobinismo florianista houvesse perdido sua força com a ascensão de Prudente de Morais ao poder (1894-1898), nessa ocasião Euclides se desligou do Exército para se dedicar exclusivamente à engenharia. Assumiu então o posto de engenheiro junto à Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo, função cujas atividades obrigaram-no a efetuar uma série de viagens por todo o interior paulista e participar da construção e acompanhamento de diversas obras, tais como pontes, estradas, fóruns e edifícios públicos em geral. OS SERTÕES Ainda em 1896, no interior da Bahia, ocorreu o assalto frustrado das tropas legalistas estaduais ao arraial de Canudos. Essa e outras derrotas das forças governistas fizeram despertar a atenção geral do país para a estranha figura do místico Antônio Conselheiro e para o fanatismo de seus seguidores. Entrincheirados numa antiga fazenda, uma Tróia de taipa, segundo o paradoxismo euclidiano, os religiosos foram acusados de combater a República inaugurada no país em 1889. No ano seguinte, Euclides da Cunha publicou artigos no jornal Estado de São Paulo, nos quais, exaltando as forças legalistas, comparou os jagunços de Canudos aos camponeses

da Vendéia francesa, eis que, segundo o escritor, uns e outros lutavam pela restauração da monarquia. Os artigos fizeram eco junto à opinião pública, que, embalada pela propaganda republicana e governista, exigia o aniquilamento de Canudos. Euclides da Cunha foi então convidado por Júlio Mesquita, diretor do jornal paulista, a viajar ao arraial, a fim de ver de perto o conflito. Da sua estada ali, que estendeu de agosto a outubro de 1897, Euclides enviou uma série de escritos sobre os modos de vida dos sertanejos e o desenrolar da guerra, que culminou no massacre de Antônio Conselheiro e seus seguidores por forças federais. De volta a São Paulo, continuou a exercer as atividades de engenheiro na Superintendência de Obras e se dedicou a trabalhar no material que trouxera da viagem, de modo a relatar sua experiência através dos confins da Bahia. Deixando o ímpeto patriótico e republicano de que fora anteriormente acometido, o resultado desse trabalho veio à luz com a publicação de Os sertões, em 1902, pela editora Laemmert. Segundo Viriato Correia, teria ele escrito a obra ao mesmo tempo em que conduzia a reforma de uma ponte em São José do Rio Pardo. O livro, marcado pela formação matemática e positivista do autor, visão do cientista do Sudeste, teve como fio condutor o fenômeno religioso, cuja síntese foi Antônio Conselheiro e seu movimento messiânico derrotado. Monumento de sociologia, história, antropologia, jornalismo e, principalmente, literatura, no curso da narrativa se percebe, por parte do autor, extraordinário domínio da língua portuguesa e de suas possibilidades expressivas um estilo que Gilberto Freire classificou de perigoso, mas que teve, finalmente, a capacidade de projetar o escritor nas culminâncias da cultura nacional. Por outro lado, Os sertões deu a conhecer à classe ilustrada das grandes cidades um Brasil apenas imaginado ou vagamente sentido. Através de descrição minuciosa e extraordinária, fez ressurgir questões acerca do papel da miscigenação das raças na formação social brasileira, da relação do homem com o meio físico, do peso do atraso e da religião, além de iluminar o fosso existente entre um desejo de civilização e um país real, que se escondia no recôndito dos sertões. Em 1903, diante da excepcional acolhida de Os sertões nos meios literários, Euclides da

Cunha foi eleito para Academia Brasileira de Letras, na vaga decorrente do falecimento de Valentim Magalhães, polemista do século XIX que se tornou célebre pela fortuna que acumulou durante o Encilhamento. Sua eleição foi considerada surpreendente, visto que Euclides ainda não tinha 40 anos, era autor de uma única obra e vivia no interior do estado de São Paulo dedicando a maior parte de seu tempo a tocar obras de engenharia e a reformar viadutos. Ainda em 1903, exonerou-se da Superintendência de Obras Públicas de São Paulo, por não concordar com a redução de seus vencimentos. No ano seguinte, foi nomeado pelo barão do Rio Branco, então ministro dos Negócios Estrangeiros, chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, destinada a demarcar fronteiras de uma vasta zona entre Brasil e Peru. Para o exercício da função, foi necessário que seguisse em direção aos limites da região Norte, a fim de reconhecer a área em litígio e promover a demarcação. Tratava-se de vasta área de floresta amazônica, quase desabitada, mas que, graças ao ciclo da borracha, passou a ser cobiçada pelos dois países. Abriu-se ao escritor, assim, a possibilidade de, novamente, percorrer os extremos do país, ver de perto a Amazônia e, mais uma vez, constatar o homem subjugado pelo meio: a natureza, soberanamente brutal, ainda na expansão de suas energias, uma perigosa adversária do homem, como diria na obra póstuma À margem da história. De volta ao Rio de Janeiro em 1906, tencionava reunir em livro, intitulado Um paraíso perdido, seus relatórios de viagem e os documentos de sua atuação na delicada questão da demarcação dos limites com o Peru. Pretendia, além disso, descrever a vida miserável dos trabalhadores dos seringais e os mecanismos de exploração que, numa espécie de semiescravidão, os prendiam aos aviadores, intermediários locais que compravam toda a produção de látex. Ainda em 1906, tomou posse na Academia Brasileira de Letras. Sendo recebido na casa por Sílvio Romero, tornou-se o ocupante da cadeira nº 7. No ano seguinte, permaneceu como adido no gabinete de Rio Branco no Ministério dos Negócios Estrangeiros e publicou a coletânea de artigos Contrastes e confrontos e Peru versus Bolívia, estudo sobre a história

das relações conflituosas entre os dois países, no que dizia respeito aos seus limites de fronteira. Em 1908, prestou concurso para a cátedra de lógica no Ginásio Nacional, nome dado ao Colégio Pedro II depois da proclamação da República, sendo aprovado para começar a lecionar no ano seguinte. Com a nova função, projetou dar fim à vida errante. A existência revolta, sem assento em lugar nenhum, era contrária, segundo Viriato da Costa, seu confrade e amigo, ao desejo que o autor nutria desde estudante: o sonho de pousar, ter uma vida pacata, a sua casa, tudo em ordem, os seus livros arrumadinhos. Mas não teve tempo suficiente de gozar deste pouso. Faleceu em 1909, assassinado na estação da Piedade, subúrbio carioca, pelo jovem oficial que passara a viver com sua ex-esposa depois que esta o abandonara. As circunstâncias de sua morte não foram elucidadas. Todavia, o oficial foi absolvido em um tribunal militar, o qual aceitou a tese da legítima defesa, sustentada por seus advogados. De seu casamento com Ana Ribeiro teve quatro filhos. De sua autoria, foi publicada postumamente a obra À margem da história (1909). Eduardo Junqueira FONTES: BUENO, Alexei. Euclides da Cunha e Raul Pompéia. In: op. Cit; CORREIA, Viriato. Uma entrevista com Euclides da Cunha.In. Op. cit.; CUNHA, E. À margem; CUNHA, E. Sertões; FREYRE, Gilberto. Perfil de Euclides da Cunha. In: op. cit.; MONTELLO, J. Origem; REALE, Miguel. A face Oculta de Euclides da Cunha. In: op. cit.. WALNICE, Nogueira Galvão. Os sertões faz 100 anos: o alcance das idéias de Euclides da Cunha. In: op. cit...