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ADIREITO PROCESSUAL PENAL Coordenação e Regência: Professor Doutor Augusto Silva Dias Colaboração: Professor Doutor Rui Soares Pereira e Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho 4.º ano Dia Exame escrito - Coincidência 26 de Junho de 2017 Duração: 90 minutos Hipótese Em Dezembro de 2016, Armando, árbitro de futebol, ao apitar o derby Matosinhos Futebol Clube vs. Sport Lisboa e Laranjeiras, marcou um penalti altamente controverso contra a primeira equipa. Os ânimos na bancada exaltaram-se e Armando teve de ser escoltado para fora do estádio, vendo-se forçado a passar os dias seguintes recolhido em casa. Duas semanas volvidas, Armando decidiu ir passear ao Centro Comercial Cristóvão, onde aproveitou para fazer umas compras. À saída de uma loja, Bento abeirou-se de Armando e, após apelidá-lo de ladrão e corrupto, desferiu-lhe uma estalada na face e colocou-se em fuga. Carlos, que se encontrava nas imediações, foi atraído pelo alvoroço e dirigiu-se a Armando para ver de quem se tratava. Ao perceber que era o árbitro que prejudicara a sua equipa, desferiu-lhe uma cabeçada no nariz, provocando de imediato a fractura do mesmo. David, agente da PSP que se encontrava no local, de imediato procedeu à detenção de Carlos e dirigiu-se a Armando para saber se o mesmo estava em condições de explicar o que sucedera. No momento em que Armando ia retirar o lenço da face para responder a David, caiu de dentro do seu casaco um exemplar do CD Sou Laranjeiras, que aquele acabara de furtar na loja de onde saíra. Indiferente aos pedidos de desculpa de Armando e à sua manifestação de vontade em devolver o CD, David disse apenas OK, chega disto, vai tudo para a esquadra!, altura em que deteve Armando e Carlos. Em Janeiro de 2017, Eduardo, reputado hacker, conseguiu entrar na conta de correio electrónico de Fernando, comentador televisivo, onde descobriu e-mails que atestavam, sem dúvida, que Armando assinalara propositadamente aquele penalti com o único intuito de favorecer o Sport Lisboa e Laranjeiras.

Responda justificadamente às seguintes questões: 1. Analise a conduta de David e indique quais os procedimentos que este deveria ter seguido. 2. Suponha que o Ministério Público deduzia acusação contra Bento e Carlos, imputando a Carlos a autoria das injúrias e da estalada e a Bento a autoria da cabeçada, qualificando ambas as agressões como ofensa à integridade física simples. Chegados a julgamento, o tribunal concluíra que, afinal, o Ministério Público trocara os nomes na acusação e, na realidade, fora Bento quem dera a estalada e injuriara Armando e Carlos quem lhe dera a cabeçada. Como deveria proceder o tribunal? 3. No mês seguinte à divulgação dos e-mails da caixa de correio de Fernando, Armando foi detido e sujeito a primeiro interrogatório judicial. O Juiz de Instrução dirigiu-se-lhe do seguinte modo: Sr. Armando, os e-mails de conteúdo incriminatório já estão nos autos e isso basta para saber do que se trata neste processo. Mais não lhe posso dizer porque o processo está em segredo de justiça, por isso ou fala ou tem de ficar em prisão preventiva. Armando acabou por confessar a prática dos factos que consubstanciam o crime de corrupção passiva de agente desportivo, p. e p. no artigo 8.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto ( 1 ). Analise a conduta do Juiz de Instrução e o valor probatório das declarações de Armando. 4. Em Fevereiro de 2017, altura em que Eduardo foi constituído arguido por suspeita de autoria do hacking, o artigo 202.º, n.º 1, al. a) do CPP foi alterado de modo a permitir a aplicação da prisão preventiva a qualquer «crime doloso punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos de prisão». Poderia Eduardo ser sujeito a prisão preventiva em Março de 2017 por haver fortes indícios da prática do crime de acesso ilegítimo na forma agravada do artigo 6.º, n.º 4, al. a) da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro ( 2 )? Cotações: 1. 4 valores; 2. 5 valores; 3. 6 valores; 4. 3 valores; e Apreciação Global (sistematização, síntese, clareza, fundamentação e português) 2 valores. ( 1 ) «O agente desportivo que, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer ato ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos» ( 2 ) «1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. [ ] 3 - A pena é de prisão até 3 anos ou multa se o acesso for conseguido através de violação de regras de segurança. 4 - A pena é de prisão de 1 a 5 anos quando: a) Através do acesso, o agente tiver tomado conhecimento de segredo comercial ou industrial ou de dados confidenciais, protegidos por lei; ou [ ]».

Tópicos para a correcção do Exame Escrito de 26 de Junho de 2017 1. Carlos é autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada [artigos 145.º, n.º 1, alínea a) e 132.º, n.º 2, alínea l)], por ter agredido um árbitro desportivo sob a jurisdição de federação desportiva, por causa do exercício das suas funções. Assim sendo, tendo David presenciado os factos em causa/actos de execução, deveria proceder à detenção de Carlos em flagrante delito, nos termos do disposto nos artigos 255.º, n.º 1, alínea a) e 256.º, n.º 1, 1.ª parte, por estar em causa crime punível com pena de prisão (sendo o crime de ofensa à integridade física qualificada de natureza pública art. 48.º do CPP). Tendo sido detido em flagrante delito, deveria Carlos ser de imediato constituído como arguido e informado dos seus direitos ainda que sob a forma oral, sem prejuízo de posterior comunicação escrita (artigo 58.º, n.º 1, alínea c), e n. os 2 e 4 do mesmo preceito e artigo 61.º. Subsequentemente, o OPC deveria ter promovido a revista do suspeito/arguido [art. 251.º/1/a) e art. 174.º/5/c)], bem como à imediata comunicação da detenção ao MP (art. 259.º/b)] Já no que respeita a Armando, trata-se de um furto simples, embora de natureza particular por ter sido realizado em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, revestindo a coisa subtraída diminuto valor e tendo sido imediatamente recuperada (cf. artigos 203.º, n.º 1 e 207.º, n.º 2, do CP). Assim sendo, não haveria lugar a detenção em flagrante delito, mas tão-somente a identificação do infractor (artigo 255.º, n.º 4, do CPP), bem como à respectiva constituição de arguido, por força do levantamento de auto de notícia [artigo 58.º, n.º 1, alínea d) e artigo 243.º]. A detenção de Armando era assim ilegal. Subsequentemente, o OPC deveria ter promovido a revista dos suspeitos/arguidos [artigos 251.º, n.º 1, alínea a) e 174.ºn.º 5, alínea c)] e pedido informações a eventuais testemunhas, mas nunca aos suspeitos/arguidos (artigos 250.º, n.º 8 e 249.º, n.º 2, alínea b), do CPP]. Por fim, deveriam ser elaborados os respectivos autos (artigo 99.º): de notícia e detenção [artigos 243.º, n.º 1 e 242.º, n.º 1, alínea a)] e os relatórios (artigo 253.º), com vista à remessa do expediente ao MP para validação por este ou JI das medidas artigo 174.º, n.º 6 ex vi 251.º, n.º 2. 2. Apesar de o nomen juris do crime permanecer o mesmo e de a factualidade se manter, no essencial, idêntica, a verdade é que, dado o carácter intrinsecamente pessoal da responsabilidade jurídico-penal, a mera mudança de identidade do agente de cada crime, consubstancia uma alteração de factos dado que há uma narrativa diversa da constante da acusação (havendo por isso factos novos ademais não totalmente independentes). Trata-se de uma alteração substancial de factos nos termos do art. 1.º, alínea f), do CPP, verificável pela aplicação do critério do crime diverso, não só porque narrativa agora imputada a cada um dos agentes é diferente, mas também porque a ilicitude de cada agente. Ao abrigo do regime previsto no art. 359.º, n. os 1 e 2, importa saber se os novos factos são autonomizáveis. A natureza autonomizável dos factos não depende de preencherem um tipo autónomo, mas de poderem ser julgados num processo

autónomo sem violação do ne bis in idem, ou seja, sem uma dupla valoração incriminatória de factos essenciais para a imputação do crime que já constituam o objecto de um outro processo. Neste caso, apesar de os factos fazerem já parte do objecto do processo numa perspectiva estritamente objectiva, a verdade é que existe uma perda de identidade subjectiva da relação processual. Portanto, os factos imputados são os mesmos mas imputa-se a sua prática a agentes diversos, pelo que, sendo o objecto do processo constituído por um facto humano voluntário tipificado como crime, resta concluir que, se o agente muda, também muda o facto e, consequentemente, o objecto. Está, portanto, em causa uma alteração de factos autonomizável, susceptível de ser destacada e de constituir o objecto de um novo processo, nos termos do disposto no artigo 359.º, n.º 2, do CPP. O Tribunal deveria, assim, notificar o MP, o assistente, e o arguido para se pronunciarem nos termos do n.º 3 do art. 359.º. Na ausência de acordo, não poderia tomar tal facto em consideração. Caso o novo facto fosse valorado, a sentença seria nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 379.º do CPP Em consequência, deveriam os agentes ser absolvidos pela prática dos factos por que foram indevidamente acusados e deveria a comunicação dos factos valer agora como denúncia para que se iniciasse novo procedimento criminal. 3. A aplicação da prisão preventiva, à semelhança do que sucede com as demais medidas de coacção que não o termo de identidade e residência, deve ser aplicada por despacho de juiz, devidamente fundamentado, mediante audição prévia do arguido (artigo 194.º, n. os 1 e 4 do CPP). Previamente à aplicação da medida de coacção, devem ser comunicados ao arguido (i) os factos que lhe são concretamente imputados, (ii) os elementos do processo que indiciam os factos imputados e (iii) a qualificação jurídica dos mesmos [artigos 61.º, n.º 1, alínea c) e 194.º, n.º 6, do CPP]. Independentemente da circunstância de os factos se encontrarem em segredo de justiça, deverão ser comunicados ao arguido aqueles que venham a ser considerados para fundamentar a aplicação da medida de coacção (cf. artigo 196.º, n.º 7, do CPP), não bastando, por isso, a mera referência genérica a certos elementos nos autos, como sucedeu no caso. Apenas poderá ser interdito o acesso do arguido a certos elementos que indiciam os factos imputados sempre que a sua comunicação puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime (194.º, n.º 6, do CPP e 141.º, n.º 4, alínea e), do CPP], sendo certo que, como sustentou já o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 121/97), é constitucionalmente inadmissível que se considere sempre e em quaisquer circunstâncias interdito esse acesso, com alegação de potencial prejuízo para a investigação, protegida pelo segredo de justiça, sem que se proceda, em concreto, a uma análise do conteúdo desses elementos de prova e à ponderação, também em concreto, entre, por um lado, o prejuízo que a sua revelação possa causar à investigação e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação possa causar à defesa do arguido, ponderação a que, no caso, a decisão recorrida não procedeu. A falta de comunicação dos factos ao arguido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido constitui irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.º, ao

passo que a sua omissão no despacho que determina a medida de coacção constitui nulidade dependente de arguição, nos termos do disposto nos artigos 194.º, n.º 6, do CPP e 120.º, n.º 1, do CPP. Por outro lado, a aplicação da medida de coacção depende da verificação e, naturalmente, da comunicação ao arguido de pelo menos um dos requisitos previstos no artigo 204.º, do CPP, o que, no caso dos autos, não foi sequer referido. Entre estes fundamentos não se inclui nem poderia incluir a obrigatoriedade de colaboração do arguido com a investigação. Com efeito, vigora em todas as fases do processo o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare, nomeadamente na sua manifestação central, o direito ao silêncio, nos termos do qual o arguido tem o direito a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar [cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea d)]. É, por isso, a todos os títulos ilegal o condicionamento da não aplicação de uma medida de coacção à renúncia ao direito ao silêncio por parte do arguido. Portanto, tendo as declarações prestadas pelo arguido sido obtidas mediante ofensa da sua integridade moral, através de ameaça com medida legalmente inadmissível, a sua valoração e, bem assim, de todas as provas eventualmente obtidas por seu intermédio encontra-se proscrita por força da proibição absoluta de prova que sobre as mesmas incide [cf. artigos 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º, n. os 1 e 2, alínea d)]. Seria objecto de valoração adicional a discussão sobre a inadmissibilidade de utilização dos e-mails como meio de prova, por terem sido obtidos mediante intromissão na vida privada ou na correspondência de Fernando sem fundamento legal e sem o seu consentimento prévio ou posterior (cf. artigos 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º, n.º 3, do CPP). Admitir-se-ia a discussão sobre a eventual possibilidade de utilização da informação obtida através dos e-mail ilegalmente obtidos como notitia criminis ou até a sua invalidade total que nem admitiria a abertura de inquérito. 4. Com a entrada em vigor da nova Lei, passaria a ser possível aplicar a medida de coacção mais grave a Eduardo, por factos cometidos antes da data da sua entrada em vigor. Suscita-se aqui o problema da aplicação imediata da lei processual penal a processos pendentes (artigo 5.º, n.º 1, do CPP), em particular quando da nova lei resulte um agravamento da posição processual do arguido. A doutrina distingue as normas de conteúdo material (que condicionam a responsabilização penal ou que contendem com os direitos fundamentais do arguido) e as normas exclusivamente processuais (que estabelecem as formalidades do procedimento criminal), aplicando às primeiras o princípio da aplicação da lei mais favorável e às segundas o princípio da aplicação imediata da lei processual. No caso em apreço estaria em causa uma norma que agrava a situação processual do arguido, na medida em que afecta de forma directa, incisiva e grave o seu direito fundamental à liberdade, pelo que seria de aplicar o regime concretamente mais favorável, seja por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP), seja por força do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP e artigo 4.º, n.º 2, do CP.