Curso/Disciplina: Crimes contra a Fé Pública. Aula: Crimes Contra Fé Pública - 02 Professor (a): Marcelo Uzêda Monitor (a): Amanda Ibiapina

Documentos relacionados
Direito Penal. Crimes Contra a Fé Pública

DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

05/05/2017 PAULO IGOR DIREITO PENAL

DA FALSIDADE DE TÍTULOS E OUTROS PAPEIS PÚBLICOS. SUJEITO ATIVO: trata-se de CRIME COMUM, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. (continuação)

Leis Penais CERT Mag. Federal 7ª fase Crimes contra a Ordem Tributária

Professor Sandro Caldeira Dos Crimes contra a Fé Pública

OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS

DIREITO ELEITORAL. Crimes Eleitorais Parte VII. Prof. Rodrigo Cavalheiro Rodrigues

Direito Processual Penal

AULA 11. Aproveitando essa questão de exaurimento, vamos estudar algumas peculiaridades:

Direito Previdenciário

TJ - Exercícios Direito Penal Exercícios Emerson Castelo Branco

A Lei /16 abrange três aspectos indissociáveis: tributário, cambial e penal. O que, de fato, motiva a adesão à Lei /16.

Direito Processual Penal

Cód. Barras: STJ (2013) Sumário. Prefácio Introdução PRIMEIRA PARTE - aspectos gerais... 23

CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

DIREITO PENAL MILITAR

Professor Sandro Caldeira Dos Crimes contra a Fé Pública

CONFLITO APARENTE DE NORMAS PENAIS

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Comissão de Estudos de Organizações Contábeis do CRCRS. Sped Responsabilidades do Profissional da Contabilidade ou do Empresário?

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR (arts. 299 a 318)

DA FALSIFICAÇÃO DE TÍTULOS E OUTROS PAPÉIS PÚBLICOS

7/4/2014. Multa Qualificada. Paulo Caliendo. Multa Qualificada. Paulo Caliendo. + Sumário. Multa Qualificada. Responsabilidade dos Sócios

Aula nº. 62 USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA (PARTE II) (...) Art Usurpar o exercício de função pública:

Multa Qualificada. Paulo Caliendo. Paulo Caliendo

Conteúdo: Competência: Justiça Militar; Justiça Federal. Foro por Prerrogativa de Função: Prefeito. - Competência -

Direito Penal. Crime Doloso

CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

sumário 1 PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO E NO ESPAÇO TEORIA GERAL DO CRIME...

Nº da aula 01 CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

23/09/2012 DIREITO PENAL IV. Direito penal IV

JUSTA CAUSA E CRIMES PRATICADOS POR EMPREGADOS: COMO PROCEDER?

XVIII Jornada Catarinense de Saúde Ocupacional Dias 30 de abril, 01 e 02 de maio de 2015 Blumenau Santa Catarina - Brasil

Limites da Responsabilidade do

EXCLUSÃO DE ATO DOLOSO E OS CUSTOS DE DEFESA NO D&O

A)Dolo direto ou determinado: quando o agente visa certo e determinado resultado.

TJ - SP Direito Penal Dos Crimes Praticados Por Funcionários Públicos Emerson Castelo Branco

CEM. Direito Penal Crimes Tributários

Art. 272 FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE SUBSTÂNCIA OU PRODUTOS ALIMENTÍCIOS

1ª CONVOCAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS REMANESCENTES REFERENTE AO EDITAL Nº 36/RIFB, DE 26 DE OUTUBRO DE 2018

Direito Penal para o cargo de Escrevente TJ/SP Da Falsidade de Títulos e Outros Papéis Públicos arts. 293 a 295 do CP Professora: Lorena Nascimento

DECISÃO. É o relatório do essencial. Passo a decidir.

ESCOLHA DO ORIENTADOR E TEMA DO TRABALHO ALUNO: ÁREA: PROFESSOR ORIENTADOR: TÍTULO DO TRABALHO:

Limites da Responsabilidade do Contabilista. Aspectos tributários

Inclui questões gabaritadas! TJ/SP. Tribunal de Justiça de São Paulo ESCREVENTE TÉCNICO JUDICIÁRIO. Correções que ocorreram nas páginas citadas.

REQUERIMENTO DE INSCRIÇÃO DE NÃO GRADUADO

CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. aspectos penais e processuais da lei nº 7.492/86. Editora Quartier Latin do Brasil

II - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL SUBJETIVA. Nexo causal

26/08/2012 DIREITO PENAL IV. Direito penal IV

DIREITO TRIBUTÁRIO. Direito Penal Tributário. Prof. Gabriel Quintanilha

REQUERIMENTO DE INSCRIÇÃO DE NÃO GRADUADO

1. DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

DECLARAÇÃO DE RESIDÊNCIA (ESTA DECLARAÇÃO DEVE SER APRESENTADA COM FIRMA RECONHECIDA EM CARTÓRIO)

Mini Simulado GRATUITO de Direito Penal. TEMA: Diversos

EDITAL Nº 15/2016/CAMPUS GURUPI/IFTO, DE 19 DE MAIO DE DECLARAÇÃO DE TRABALHO INFORMAL

26/08/2012 DIREITO PENAL III. Direito penal IV

1ª CONVOCAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS REMANESCENTES REFERENTE AO EDITAL Nº 37/RIFB, DE 26 DE OUTUBRO DE 2018

Aula 09 REVISÃO SEGURADOS DEPENDENTES

CRIMES - FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA ADMINISTRAÇÃO

Professor Sandro Caldeira Dos Crimes contra a Administração Pública

A pessoa que possui apenas o desejo de praticar um fato típico. criminosa, motivo pelo qual não são punidos os atos preparatórios do crime.

Polícia Civil Direito Administrativo Improbidade Administrativa Clóvis Feitosa

DESISTÊNCIA ARREPENDIMENTO

CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (CORE-MS).

NOÇÕES GERAIS DE PARTE GERAL DO CP E CPP ESSENCIAIS PARA O ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Estelionato. - Segundo o STF, a vantagem tem que ser necessariamente econômica, considerando que está entre os crimes contra o patrimônio.

1ª CONVOCAÇÃO PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS REMANESCENTES REFERENTE AO EDITAL Nº 35/RIFB, 26 DE OUTUBRO DE 2018 SELEÇÃO 2019/1

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE CAMPUS AVANÇADO ABELARDO LUZ EDITAL Nº 012/2017

Direito Penal Prof. Joerberth Nunes

PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL Nº, DE 2017

Direito Administrativo

30/09/2012 DIREITO PENAL IV. Direito penal IV

VISÃO GERAL SOBRE A. LEI Nº /2012 ( Lei Carolina Dieckmann )

Limites da Responsabilidade do Contabilista. Aspectos tributários

Atenção! As declarações deverão ser impressas em frente e verso.

Direito Penal. Estelionato e Receptação

Relatório Declaração Atestado médico Prontuário médico Declaração de óbito

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

ANEXO I Documentos para comprovação de renda familiar

Documentos exigidos para registro de Pessoa Física (de responsável técnico), em acordo com a Resolução nº 335/2005 do CONFERE:

De acordo com o edital do concurso e com a obra: Direito Previdenciário - 7ª edição Adriana Menezes Editora Juspodivm

Sumário STJ Prefácio, xi

Peculato Eletrônico Peculato Pirataria - Inserção de dados Falsos: 313 A. O peculato culposo está descrito no art. 312, 2.º, do Código Penal.

Resumos Gráficos de Direito Penal Parte Geral Vol. I

PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI

DECRETO nº 236, de 21 de Outubro de 2014.

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL.

COMUNICADO 16/2016 COORDENADORIA SOCIOPEDAGÓGICA 20/10/2016

Transcrição:

Página1 Curso/Disciplina: Crimes contra a Fé Pública. Aula: Crimes Contra Fé Pública - 02 Professor (a): Marcelo Uzêda Monitor (a): Amanda Ibiapina Nº da aula 02 TÓPICOS INTRODUTÓRIOS Aula: 16/12/2016. Alguns conceitos iniciais serão trabalhados antes de se falar das falsidades documentais. 1. CONCEITO DE DOCUMENTO - Existe um conceito restritivo que diz que documento só pode ser escrito - o legislador, volta e meia, dá essa indicação de que o documento seria o escrito; e também existe um conceito mais extensivo de documento que abrange qualquer tipo de objeto que registre informações, que seja apto a registrar informações e que possa manter/armazenar essas informações de forma permanente, não perpétua, pois, às vezes, o documento pode ser deteriorado (Ex. pedaço de couro, onde se pode registrar sinais, signos, palavras, expressões, desenhos isso pode ser considerado documento, segundo a visão extensiva). Retomando: documentos são objetos próprios à comunicação do pensamento, por palavras ou sinais representativos de palavras, ideogramas, ilustrações que tenham essa representação. - O conteúdo deve ter relevância jurídica. Para ser documento, para ser objeto desses crimes, o conteúdo tem que ter relevância jurídica, ou seja, aptidão para embasar uma pretensão jurídica ou fazer

Página2 prova de fato juridicamente relevante. É necessário que esse documento tenha aptidão para criar direitos, para discutir a existência de algum direito, etc. Ex. A propriedade de um imóvel é documentada pela escritura de aquisição, de compra-e-venda do imóvel, mas se sabe que a propriedade é assegurada com o registro o ato jurídico é feito com a lavratura da escritura em cartório da venda do imóvel. É necessário o registro desse documento, dessa escritura, no RGI. Então, o documento, que é a escritura feita em cartório, tem relevância jurídica para comprovar a propriedade daquele imóvel. - É necessário que seja possível identificar o autor do documento. O documento, para ser objeto de discussões, na esfera criminal, tem que ter uma identificação do autor. A relevância jurídica, de certa forma, também decorre dessa autoria um documento apócrifo não tem validade jurídica, a princípio, pois não possui a identificação do seu autor. O documento apócrifo é aquele cujo autor não está identificado isso, de certa forma, prejudica a relevância do documento. Fazendo um paralelo com o processo penal, existe a chamada denúncia anônima ou apócrifa ou notitia criminis inqualificada. O Delegado não pode instaurar inquérito policial com base unicamente em documento apócrifo. O Delegado, quando tem uma notícia-crime apócrifa, cuja autoria é indeterminada, deve confirmar, corroborar aquelas informações e, depois de confirmada a procedência das informações, é que pode instaurar inquérito policial. O Delegado não pode se precipitar procedendo à instauração de um inquérito com base, unicamente, na notitia criminis inqualificada (ou apócrifa ou anônima). Em suma, é necessário que seja possível identificar o autor do documento, ainda que não haja certeza, mas seja possível identificar através de uma assinatura, sinais indicativos de autoria. - De forma geral, esses crimes exigem três pressupostos objetivos: a) a modificação da verdade sobre um determinado fato ou relação jurídica a verdade tem que ser alterada; b) a imitatio veri (aparência de verdadeiro) se a falsidade é grosseira, não há crime o documento grosseiramente falsificado não pode caracterizar esses crimes. Houve um caso muito comentado na mídia em que o sujeito andava com uma carteira de identidade falsa com uma foto do Jack Nicholson; na ocasião, discutiu-se se era uma falsificação grosseira ou não; o fato é que o sujeito utilizou o documento várias vezes; se ele consegue usar o documento várias vezes e, por falta de atenção, as pessoas não olham direito a foto, se o documento tem aparência de verdade (imitatio veri), isso pode ter relevância penal; agora, se num primeiro olhar, a falsificação é grosseira (os aspectos externos do documento, a fotografia correspondente, etc.), se num primeiro golpe de olhar, percebe-se que a falsificação é grosseira, o fato é atípico, pelo menos para esse tipo de crime, dada a falta de aptidão do objeto. c) o risco de dano a terceiro, à ordem econômica ou moral (cenário mais genérico, que diz respeito à confiança nas relações). Como determinados documentos foram eleitos para registrar fatos e/ou informações relevantes, deve haver confiança, fé, nesses documentos. A partir do momento em que os documentos perdem a credibilidade, as relações sociais serão duramente atingidas pelo descrédito, pela falta de confiança. Ainda que não haja efetivo dano, mas havendo risco de dano a terceiros, à ordem pública, à ordem econômica, às relações sociais, etc., isso é suficiente para aperfeiçoar o tipo penal.

Página3 CRIMES EM ESPÉCIE 2. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO (ART. 297, CP) - Conforme visto no crime de moeda falsa, pode-se produzir a moeda (contrafação), assim como se pode produzir o documento, mas também é possível alterá-lo. Ambos os casos caracterizam a falsidade material. - Documento público, essencialmente, é aquele emanado de um funcionário público, no exercício de suas atribuições. A cópia de documento público autenticada é equiparada a documento público. Residualmente, por exclusão, o que não entra no conceito de documento público é documento particular. Elemento Subjetivo O elemento subjetivo é o dolo; não existe falsificação culposa. Há exigência, portanto, da consciência e vontade de falsificar ou alterar um documento. Consumação O crime se consuma com a contrafação (falsificação total ou parcial) ou a alteração do documento. Não se exige, no artigo 297 do CP, o efetivo uso.

Página4 Existe uma questão interessante, até pela jurisprudência: no momento em que a pessoa falsifica um documento, consuma-se o delito; mesmo que o documento não seja usado, desde que possua potencialidade para afetar a verdade dessa relação e/ou, de alguma forma, prejudicar direito, criar direito, ou seja, a pretensão será afetada pela falsificação, ainda que o documento não seja usado, a falsificação ou alteração já consuma o delito, pois, nesse momento, há risco para a fé pública. Por isso, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem afirmado que se a pessoa falsifica e usa o documento, responde pelo falso (art. 297, no presente caso) e o uso é um pós-fato impunível (um exaurimento do crime). A questão, portanto, é saber por qual crime o agente responde:

Página5 Esse é o entendimento tranquilo dos Tribunais Superiores: o sujeito que falsifica e ele mesmo usa o documento falso expõe a fé pública a risco no momento da falsificação, sendo o uso posterior, pelo próprio falsificador, mero exaurimento da figura típica, não há uma nova lesão ao bem jurídico tutelado. Na verdade, há um único risco de lesão, já consumado com a falsificação e, quando o agente utiliza esse mesmo documento, está exaurindo sua potencialidade lesiva. Não obstante, essa consequência, essa circunstância, pode ser utilizada para elevar a pena-base, já que o agente falsificou E usou, efetivamente, o documento; o risco foi maior em razão de seu comportamento, apesar de a lesão ao bem jurídico ter sido única, o que justifica uma maior reprovabilidade e, consequentemente, uma pena-base um pouco acima do mínimo legal. Saliente-se que entendimento contrário, em que o agente passe a responder não só pela falsificação, como também pelo uso de documento falso, constitui um inadmissível bis in idem. ATENÇÃO! Responde pelo art. 304 do CP aquele que não fez a fraude, aquele que não falsificou o documento. Se uma pessoa falsifica e outra usa o documento, esta última pessoa responde nos termos do art. 304 do CP; já o falsificador responde pelo crime de falso (art. 297, no caso ora em estudo). A pena do art. 304 remete às penas dos crimes anteriores. Então, no presente exemplo, é o crime do art. 304 c/c 297 do CP: o agente responde pelo uso de documento falso com as penas do art. 297 (falsificação de documento público). - Existe uma posição minoritária que sugere que a capitulação seja a do crime do art. 304 do CP. De acordo com essa corrente, se o agente falsifica e usa, responde pelo crime de uso, não de falso. Repise-se: é um posicionamento minoritário que não tem respaldo na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O argumento utilizado por essa corrente minoritária é que ninguém falsifica para guardar, falsifica para usar; desse modo, o crime-fim seria o uso; e o falso seria o crime-meio, o crime antecedente. Essa corrente inverte a lógica, pois o perigo para o bem jurídico ocorre com a falsificação; quando ocorre o uso, trata-se de mero exaurimento da potencialidade lesiva. Concurso entre falso e estelionato Outra polêmica importante diz respeito à aplicação da Súmula 17 do STJ: QUANDO O FALSO SE EXAURE NO ESTELIONATO, SEM MAIS POTENCIALIDADE LESIVA, E POR ESTE ABSORVIDO. (Súmula 17, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 20/11/1990, DJ 28/11/1990, p. 13963) Imagine que uma pessoa falsifique um cheque (equiparado a documento público, conforme será visto adiante; título ao portador transmissível por endosso). JÁ CAIU EM PROVA DE CONCURSO: um motoboy, entregador de remédios de uma drogaria, recebe um cheque de R$ 20,00 (vinte reais); o motoboy pega o cheque e entrega vinte reais para a drogaria. De posse do cheque de vinte reais, ele adultera o valor do cheque (falsidade material) e o transforma num cheque de dois mil reais, para depois sacar o montante. Isso é crime de estelionato, sendo a falsificação do cheque o meio para obtenção da

Página6 vantagem. Mas esse cheque somente pode ser usado uma única vez; somente se pode obter vantagem por meio dele uma única vez; em razão disso, o crime de falso se exaure num único estelionato, mediante aplicação desta súmula: o crime de falso resta absorvido pelo crime de estelionato. Se, contudo, o crime de falso tem aptidão para perpetrar outras fraudes, chega-se a conclusão diversa. Ex. O agente falsifica uma carteira de identidade, e/ou um CPF, e os utiliza para diversas fraudes, diversos estelionatos: usa o documento falso para abrir um crediário numa loja, depois em outra loja, pega empréstimo consignado, etc. Esse documento falso não esgota a potencialidade lesiva num único estelionato. Nesse caso, haverá concurso material de crimes. Em suma, se o falso não se esgota no estelionato e tem uma potencialidade lesiva, há concurso material: o agente responderá pelo estelionato e pela falsidade praticada em momento anterior. Como o falso tem potencialidade para diversos estelionatos, não ocorre a consunção: há concurso material de crimes. Recapitulando: se o falso se esgota no estelionato e não tem mais potencialidade lesiva, será absorvido pelo princípio da consunção; se tem maior potencialidade lesiva para a prática de outros estelionatos, haverá concurso material de crimes. Parágrafo 1º - Causa de Aumento de Pena Essa majorante é aplicável quando: a) o autor da falsificação for funcionário público; b) prevalecendo-se do cargo para a falsificação. Exemplo: o sujeito trabalha no DETRAN; trabalhando no DETRAN, ele tem acesso a espelhos de carteiras de motorista e/ou a documento de veículos; é funcionário público e trabalha numa determinada repartição, em que se vale do cargo/função para falsificação. O crime de falsificação de documento público é crime comum, ou seja, qualquer um pode cometer. O funcionário público, quando comete, não pratica crime funcional: pratica um crime contra a fé pública (que qualquer um pode cometer), mas merece maior reprovação se valer-se do cargo para a falsificação. OBSERVAÇÃO: essa circunstância é INCOMUNICÁVEL, mediante aplicação do art. 30 do CP: Circunstâncias incomunicáveis Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Aqui, no presente caso, não se trata de uma circunstância elementar: é uma circunstância que aumenta a pena, de natureza incomunicável.

Página7 Ex. Um particular tem um amigo que trabalha no DETRAN; esse particular fala com esse amigo, o qual consegue um espelho de carteira de motorista e, com isso, conseguem falsificar, montando o documento com uma foto digitalizada, preenchimento dos dados, etc.; o funcionário público recebe aumento de pena de 1/6 por ter se prevalecido do cargo; o particular, contudo, não é funcionário do DETRAN, portanto, não recebe o aumento de 1/6, pois essa condição pessoal é uma circunstância que aumenta a pena, mas não é uma elementar do crime: trata-se de uma circunstância incomunicável, seguindo a lógica do art. 30 do CP. Parágrafo 2º - MUITO COBRADO EM PROVA - Aqui, o conceito de paraestatal é no sentido amplo, abrangendo, por exemplo: entidades de Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista), pois documentos provenientes da Administração Direta já são, naturalmente, públicos. - Título ao portador ou transmissível por endosso (em razão da natureza, da circulação desses documentos): ex. cheque. Apesar de terem natureza privada, são equiparados a documentos públicos para fins penais. - Ações de sociedade comercial, num sentido mais amplo (Ex. Sociedades Anônimas, títulos representativos de participação nessas entidades, etc.). - Os livros empresariais são equiparados a documentos públicos, assim como o testamento particular, que é UM DOS TEMAS MAIS EXPLORADOS EM PROVAS OBJETIVAS: O TESTAMENTO PARTICULAR É EQUIPARADO A DOCUMENTO PÚBLICO. - Esse rol é taxativo, prevê as equiparações legais; na essência, são documento particulares, mas são equiparados, para efeitos penais, a documentos públicos. Parágrafo 3º - Formas equiparadas de falsidade documental Essas falsificações do 3º, quando analisadas, percebe-se que, na verdade, é uma falsidade ideológica equiparada a falsidade material.

Página8 - (...) quem insere ou faz inserir : o que, a rigor, seria uma falsidade ideológica, é tratado como equiparado a falsificação documental. - Inciso I: Ex. o agente coloca na folha de pagamento uma pessoa que sequer trabalha em sua empresa ele quer arranjar uma aposentadoria para a mãe (dona de casa, não trabalha, não é segurada obrigatória, embora possa se filiar de forma facultativa) o agente coloca a mãe na folha de pagamento para efetuar a contribuição e fazer com que ela se aposente como segurada obrigatória, mesmo quando, na verdade, ela nunca pisou naquela entidade. - Inciso II: Ex. a função, o salário registrado na carteira, etc. Tudo isso produzirá efeitos perante a Previdência Social. - Inciso III. Veja: aqui, o conteúdo intelectual é fraudulento; a rigor, isso é uma falsidade ideológica, mas é equiparada a uma falsidade documental. Isso que está aqui não está no art. 299 do CP. Nos três incisos, percebe-se que são meios de fraude para fazer prova e/ou produzir efeitos perante a previdência social. Exemplo: lançar dados discrepantes na contabilidade com o intuito de pagar menos contribuição (espécie de tributo). Ex.2: O empregador paga uma quantia ao empregado, mas coloca menos na carteira, a fim de recolher menos contribuição previdenciária. Portanto, tratam-se de condutas fraudulentas, meios de crimes que produzem resultados perante a previdência (sonegação de contribuição previdenciária e tributos em geral). Parágrafo 4º

Página9 No 4º, há a omissão. O legislador poderia ter trabalhado junto no 3º ( inserir, fazer inserir ou omitir ). Tudo que é mencionado no 4º são elementos capazes de influir, de produzir efeitos perante a previdência social. Se não há esse objetivo de fazer prova perante a previdência social, não se enquadra nas figuras indicadas nos 3º e 4º. Jurisprudência do STJ: O agente deve saber que o faz ilicitamente, ou seja, com intenção de criar direitos, de alterar verdade relevante. Continuação:

Página10 A mera omissão de anotação de carteira de trabalho, por si só, não constitui o delito do art. 297, 4º, CP: é necessário dolo e o dolo compreende, também, a lesão aos cofres da previdência. Se não houver um direcionamento desse elemento subjetivo, não se enquadra nessa figura típica; pode ser outro tipo de delito, mas não esse. E mais: também a potencialidade lesiva é relevante. A falta de anotação ou omissão ou demora na anotação, por exemplo, não é, necessariamente, criminosa. É claro que existem prazos e sanções para esses comportamentos, mas que não necessariamente são sanções penais. ESSE INFORMATIVO É INTERESSANTE E PODE SER OBJETO DE CONCURSO: a mera omissão da anotação, por si só, não caracteriza o crime, pois tem que ter potencialidade lesiva para atingir a atuação da previdência social: fiscalização da previdência, o recolhimento de tributos (contribuições sociais, contribuições previdenciárias, etc.) incidentes no caso. A simples omissão de anotação ou a simples demora na anotação, por si só, resulta em sanções administrativas (art. 47 da CLT), afastando a necessidade da intervenção do Direito Penal, que é somente em ultima ratio. 3. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR Aqui, muito do que foi dito sobre a falsidade dos documentos públicos se repete. Mas muda o tipo de documento: residualmente, documento particular é aquele que não é elaborado por funcionário público. A pena nesse crime é menor: no art. 297, a pena é de dois a seis anos de reclusão; aqui, a pena é menor, uma vez que o documento é particular. A pena privativa de liberdade é cumulada com multa. Valem as mesmas considerações feitas anteriormente: trata-se de falsidade material (que diz respeito ao aspecto extrínseco do documento, assim como no art. 297, CP). Ex. Se o agente substitui a foto de um documento, isso é falsidade material; se esse documento é público, é o art. 297, CP; se particular, é o art. 298, CP.

Página11 Ex. Trocar a foto de uma carteira de identidade falsidade material, uma alteração no aspecto extrínseco do documento; pode ser também o caso de alterar a data de nascimento ou o nome também é falsidade material: não é falsidade ideológica. Na sequência, será visto, no que diz respeito à falsidade ideológica, que é o conteúdo intelectual, diz respeito ao aspecto intrínseco do documento. O que se tem tratado até agora são as falsidades materiais (aspecto extrínseco ou exterior alteração ou falsificação de documento público ou particular, conforme o caso). O dispositivo ora em estudo é bem mais simples, até porque não tem equiparações. Na falsidade de documento público, há equiparações; há previsão de pena maior para o funcionário público; tem as figuras equiparadas do 3º, em relação à previdência; e do 4º também. No art. 297, 2º, CP, há equiparações de documentos particulares a públicos, para efeitos penais. Também existem equiparações de falsidades ideológicas a falsificações materiais, nos 3º e 4º. Aqui, no art. 298, o caput simplesmente traz as informações essenciais: falsificar, no todo ou em parte, ou alterar documento particular: falsificar documento particular (criar o documento) ou alterar documento verdadeiro. Deve haver relevância jurídica, ou seja, a falsificação deve ter o condão de prejudicar algum direito, provar ou afastar alguma pretensão; tem que ter potencialidade lesiva se o falso é ridículo, grosseiro, pelo menos a título de art. 298, CP, ele não se configura. O parágrafo único trata da falsidade de cartão, inserido pela lei 12.737/2012: para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito. O legislador fez a equiparação descrita neste dispositivo em razão do critério formalista, restritivo, que segue: o legislador ainda está muito apegado ao conceito restritivo de documento (documento escrito). OBS. Alguns bancos já tem fornecido serviço de cartão virtual aquele cartão existe para aquela compra; depois ele não existe mais. Isso são coisas da modernidade; o legislador está sempre correndo atrás das mudanças sociais; por isso a equiparação acima mencionada. OBS. Se o agente falsifica e usa o cartão (documento particular) ou falsifica e passa para pessoas usarem esse cartão, debitando em contas de terceiros, em créditos de outras pessoas, etc., que sofrerão o prejuízo. Nesse caso, há crime de estelionato (art. 171, CP), através desse meio (o meio fraudulento é o cartão falso); e há também o crime de falso, que não se esgota no estelionato, pois o cartão pode ser usado inúmeras vezes. Portanto, aqui não se aplica a súmula 17 do STJ, até porque se esse cartão tem vários usos, haverá concurso material de crimes. A falsidade, quando elaborada, já tem o condão de ofender a fé pública e quando os vários estelionatos são praticados, a potencialidade lesiva não se esgota num único fato: diversos crimes podem ser praticados, gerando concurso material. 4. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP)

Página12 Esse dispositivo envolve o conteúdo intelectual: há uma mudança de foco, como se depreende da leitura. A falsidade ideológica pressupõe a legitimidade de quem escreve ou forma o documento. Na falsidade material (arts. 297 e 298, CP), a alteração/falsificação é feita por quem não tem legitimidade e diz respeito ao aspecto extrínseco do documento; na falsidade ideológica, a preocupação é com o aspecto intrínseco do documento, o conteúdo intelectual dessa fraude, que tem relevância para afetar algum tipo de direito. Ex. 1: alterar a data de nascimento numa carteira de identidade falsidade documental, material. Ex. 2: A pessoa tem que preencher um formulário para fazer uma carteira de identidade e preenche o formulário com informação falsa, diversa da que deveria constar; ou omite informação verdadeira isso são casos de falsidade ideológica.

Página13 - Crime impossível. Ex. o agente declara, no documento, que é D. Pedro I. Trata-se de uma falsidade ridícula o conteúdo intelectual é tão absurdo que não tem aptidão para causar prejuízo, criar direitos, etc. Ex.2: o agente coloca sobrenomes falsos e diz que é herdeiro, que faz parte da linha sucessória de D. Pedro; isso tem relevância e pode afetar direitos e causar prejuízos para alguém. Se o conteúdo inserido ou omitido no documento é absurdo, é falsificação grosseira, não tem potencialidade lesiva para afetar qualquer direito. - O tipo subjetivo é o dolo; não existe modalidade culposa dos crimes de falso. Se a pessoa lançou informação errada porque se confundiu, não há vontade: o elemento subjetivo está excluído, por conta de uma imperícia, desatenção, etc. Ex. O sujeito esqueceu de colocar uma informação que era importante se não houve dolo, não há falsidade ideológica. Além disso, o tipo subjetivo exige o especial fim de agir, qual seja, a intenção de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. ISSO CAIU NA PROVA DA DPU-2015: se ficar evidenciado que o agente, ao lançar ou omitir a informação, tem intenção de prejudicar direito, criar direito ou, de alguma forma, alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, há crime de falsidade ideológica. Se a intenção do agente não é essa, se ele não tem o especial fim de agir, ainda que, dolosamente, ele omita ou insira informação, se faltar o especial fim de agir, falta a esse comportamento esse elemento subjetivo distinto do dolo. Tem que ter o especial fim de agir, sem o qual o comportamento não se adéqua ao art. 299, CP. Além da intenção, tem que ter a potencialidade lesiva. - Se o sujeito faz uma petição ou requerimento e mente, ele promove uma ação indenizatória e mente na petição o requerimento, a petição, não caracteriza documento para efeito de falsidade ideológica. - Declarações prestadas por particulares para que seja considerado documento, tem que ter valor probante per si, ou seja, o documento, em si mesmo, deve ter relevância jurídica. - Se o funcionário público a quem a declaração particular se dirige deve averiguar a fidelidade da declaração, e se a verdade dos fatos for passível de confronto objetivo e concomitante pela autoridade, não há crime. Se a informação tem que ser checada pelo funcionário, não há crime, pois essa falsidade ideológica não tem o condão de se aperfeiçoar. Ex. o agente diz uma mentira ao funcionário público; mas o funcionário público tem a obrigação de confirmar, de checar; se, nessa checagem, não procede, não há crime. Ex. 2: o sujeito vai a uma repartição e tem que fazer um declaração particular; ele diz apenas uma parte do nome (Marcelo Uzêda); o funcionário verifica que o nome completo é Marcelo Uzêda de Faria como o funcionário tem que checar essa informação e confrontá-la imediatamente, não há crime, porque isso não tem potencialidade lesiva, ainda que, voluntariamente, o sujeito só queira ser chamado de Marcelo Uzêda e assim o declare na ocasião, apenas seu nome parcial.