Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães



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Transcrição:

Página Web 1 de 8 Acórdãos TRG Processo: 1204/04-2 Relator: MARIA AUGUSTA Descritores: DIREITOS DE AUTOR RADIOTELEVISÃO Nº do Documento: RG Data do Acordão: 15-11-2004 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROCEDENTE Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: I A comunicação de obras radiodifundidas a que se reportam os artigos 149º, nº 2, e 155º do CDADC, em que deverá funcionar a prévia autorização dos autores e o direito destes a perceber a respectiva contrapartida patrimonial é aquela que se traduz em nova utilização da obra radiodifundida, com ou sem prévia fixação, através de altifalante ou de qualquer instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens, nomeadamente aos casos previstos nos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 42660, de 20 de Novembro de 1959. II - Tendo autorizado a radiodifusão das suas obras e, por isso, recebido dos organismos emissores a correspondente remuneração, exerceram os autores os seus direitos pessoais e patrimoniais em termos de cobertura da actividade de mera recepção pública das emissões independentemente do lugar - público ou privado - em que ocorra. III - Deste princípio de livre recepção de emissões de radiodifusão só se exceptuam as situações em que a recepção se consubstancia em transmissão potenciadora de uma nova utilização das obras literárias ou artísticas. IV - Não se verificam os pressupostos desta excepção no caso de os empresários dos hotéis, cafés, restaurantes, pensões, bares, tabernas, "pubs" e estabelecimentos similares se limitarem à recepção das emissões de radiodifusão. V - Vistos os factos provados nos autos, dos quais resulta tão só que o televisor existente no café do arguido estava a receber o filme que o operador de radiodifusão estava a difundir, nada lhe acrescentando, não se mostram preenchidos os elementos do tipo legal do crime de usurpação, razão pela aquele tem que ser absolvido. Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães. No processo comum singular nº499/02, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Guimarães, por sentença datada de 29/03/04, foi o arguido FERNANDO, identificado a fls.97, condenado, pela prática de um crime de usurpação, p. e p. pelos artºs 68º, nº2, 127º, nº3, 149º, 155º, 195º e 197, todos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, aprovado pela Lei nº63/85, de 14/03, com as alterações introduzidas pelas Leis nº45/85 de 17/09 e 114/91, de 03/09, na pena de 45 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de 2,50 e 160 dias de multa, à mesma taxa, num total de 205 dias. Inconformado, o arguido interpôs recurso, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: A Foi o arguido condenado pela prática de um crime p. e p. pelos artigos 195º e 197º do Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, na pena de 45 dias de prisão, substituídos por igual

Página Web 2 de 8 período de tempo de multa, à taxa diária de 2,50 e numa pena de 160 dias de multa, à mesma taxa, num total de 205 dias de multa, à taxa diária de 2,50, o que perfaz a multa de 512,50. B Contudo, salvo o devido respeito, entende o recorrente que, face à matéria dada como provada pelo douto Tribunal a quo inexistem factos passíveis de aplicação daquelas normas e, consequentemente, pela decisão recorrida. C Na verdade, o arguido foi condenado por, no seu estabelecimento comercial Café Fernando Machado ter o televisor que ali possuía a transmitir o filme As Bruxas de Eastwick que, naquele dia e hora referidos na acusação, estava a ser radiodifundido pelo canal 1 da RTP, canal esse recepcionado via satélite - parabólica através do servidor da TV Cabo. D Em todo e qualquer processo comunicativo é necessária a existência, por um lado, de um emissor, alguém que emite ou transmite determinada mensagem com determinado conteúdo e, de outro lado, a existência de um receptor, alguém que recebe tal mensagem. E Neste processo comunicativo, o recorrente mais não pode, juntamente com o aparelho receptor, isto é, o televisor, ser o receptor. F O recorrente é, na verdade, apenas um agente puramente passivo, apenas facilita o processo comunicativo, sem qualquer controle ou disposição no conteúdo da mensagem. G A sua intervenção não tem qualquer autonomia, ele, por si só, é incapaz de comunicar o que quer que seja, a quem quer que seja, limitando-se a ouvir ou a ver o que lhe é transmitido. H Assim, não se poderá dizer que o recorrente, ao colocar o televisor que possui no seu café, está a comunicar algo aos seus clientes, quando muito poderá afirmar-se que a entidade emissora, conjuntamente com o requerente ou qualquer outra pessoa possuidora de um televisor, estabelece a comunicação ou divulgação de determinada mensagem, sendo o seu conteúdo escolhido pela entidade emissora sem qualquer poder de intervenção nessa escolha por parte do recorrente. I Além disso, entende o recorrente, salvo o devido respeito, que a autorização/licenciamento imposta pelas normas referidas na acusação refere-se, apenas, às entidades emissoras, às entidades que procedem à radiodifusão da obra e não á entidade receptora cfr. artº149º nº1 e 155º do CDADC. J Na verdade, o único preceito onde a mera recepção de programas de televisão em público poderá estar prevista será o artº149º nº1, uma vez que, como se disse, a recepção faz parte do processo comunicativo de radiodifusão. L Contudo, tal norma refere-se, salvo melhor interpretação, às entidades emissoras que levam a cabo radiodifusão. M Sendo que o nº2 do mesmo preceito refere-se aos casos em que a obra é transmitida ao público mas não através da radiodifusão, antes sim pela utilização de mecanismos próprios e específicos que dispensam a intervenção de terceiros, qual sejam

Página Web 3 de 8 leitor de DVD, leitor de videocassetes e outros. N Por isso, entende o recorrente não ter praticado qualquer ilícito. EM TODO O CASO, O O recorrente, ao agir como agiu, actuou sem consciência da ilicitude dos factos praticados, P Sendo a sua conduta, atendendo, além do mais, à divergência existente entre a Sociedade Portuguesa de Autores e a Federação do Comércio Retalhista Português veiculada na comunicação social, nesta matéria, não será de valorá-la como censurável, Q Agindo, dessa forma, sem culpa ou sem consciência da ilicitude do seu acto. O recurso foi admitido por despacho de fls.137. O MºPº respondeu, concluindo pela sua improcedência. O Exmo Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu douto parecer de fls.166 a 171, concluindo que o recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença em apreço e o arguido absolvido. Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P.. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para a audiência, na qual foram observados todos os formalismos legais. Cumpre decidir: Factos dados como provados na 1ª Instância (transcrição): a) O arguido é proprietário do estabelecimento comercial denominado Café, sito na Rua, nesta comarca; b) No dia 19.07.2002, pelas 23h45m, por elementos da GNR foi realizada uma acção de fiscalização ao referido estabelecimento que à hora indicada estava em funcionamento e aberto ao público; c) No interior do Café funcionava um Plasma televisor de écran gigante da marca Thomson Scenium, também propriedade do

Página Web 4 de 8 arguido, que difundia via satélite parabólica o filme As Bruxas de Eastwick ; d) Na altura encontravam-se no referido Café, além do arguido, diversos clientes a quem era proporcionada a transmissão do filme; e) O arguido difundia aquele filme no seu estabelecimento comercial perante diversos clientes sem possuir a necessária licença emitida pela Sociedade Portuguesa de Autores; f) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; g) O arguido é proprietário do referido Café há 10 anos; h) Não tem antecedentes criminais, i) O arguido aufere cerca de 450,00 euros/mês; a sua mulher é escriturária e aufere cerca de 598,56 euros/mês, tem um filho com 10 meses; tem uma carrinha Citroen de 2001; vive em casa própria, e contraiu um empréstimo Bancário de 99.759,58 euros, o qual está a pagar em prestações mensais de 409,01 euros; j) o arguido é referenciado como pessoa prestativa e humilde pelos que com ele privam. * Motivação (transcrição): Reconhecendo a prática de alguns factos que lhe eram imputados, o arguido precisou que não se tratava de um plasma mas sim de um projector no qual o filme referido nos autos estava a ser difundido e mais referiu desconhecer que a aludida difusão carecia de ser previamente autorizada/licenciada. A versão sustentada pelo arguido não resistiu, porém, ao confronto, quer com as regras da experiência comum, quer com a demais prova produzida em julgamento. Desde logo e segundo expressamente o arguido afirmou não sabia se devido aos factos que nos autos se discutem estava a cometer crime ou não nomeadamente o que lhe é imputado pela acusação. Assim sendo, tal dúvida - que resultou já das declarações prestadas pelo arguido - conduziu em lógica dedução que, no mínimo, o arguido admitiu a possibilidade de necessitar de prévia autorização para a difusão do referido filme em causa nos autos e actuou conformado com tal possibilidade. Ademais, dificilmente se concebe que o arguido, exercendo como disse exercer há cerca de 10 anos a actividade referenciada nos autos ser o dono do Café acima identificado não saber da necessária licença para difundir obras filmes como o acima descrito no écran em causa e para ser (eventualmente) visto pelos seus clientes. As declarações assim prestadas pelo arguido, pelo sentido a que directamente conduzem, são, destarte, de tal forma concludentes quanto à representação da possibilidade de uma necessária autorização para difundir tal filme em causa que, por si mesmas, anulam qualquer efeito que em sentido contrário se pretendesse retirar do facto, nomeadamente e como o arguido sustenta na sua contestação, de que tendo TV Cabo, o arguido ou outra qualquer pessoa, para poder aceder ao conteúdo das mensagens difundidas

Página Web 5 de 8 pela entidade emissora pagar uma taxa que abarca o uso de equipamento indispensável para a respectiva recepção. Foi também relevante para a motivação do tribunal o depoimento, isento e objectivo, da testemunha Manuel Carlos Camilo, agente à data dos factos da GNR de Guimarães, o qual interveio na fiscalização à data feita no Café do arguido e que descreveu o filme que ali estava a ser difundido no écran, que também identificou, mais referindo que perguntado o arguido sobre se tinha licença para a difusão emitida pela SPA o mesmo referiu que não. No que, por último, concerne à condição económica do arguido foram consideradas as declarações pelo próprio complementarmente prestadas em julgamento e, no que tocante à condição pessoal foram, também, relevantes os depoimentos prestados pelas testemunhas Fernando Gil Alves de Freitas, Hélder Celso Antunes Azevedo e Hugo Alexandre Fernandes da Silva, amigos do arguido. Respectivamente aos antecedentes criminais do arguido relevou o CRC junto aos autos a fls. 57. O objecto do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação por ele apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e que são as seguintes: 1. Qualificação jurídico-penal dos factos provados - saber se os factos provados são passíveis de integrar o crime de usurpação por que o arguido vem condenado; 2. Saber se o arguido agiu sem consciência da ilicitude. 1ª Questão: O que está em causa é saber se o arguido, na qualidade de proprietário e explorador de um café, tem que ter autorização do(s) autor(es) da obra radiodifundida (filme) ou pagar qualquer contraprestação, para poder transmiti-lo ao público que frequenta o seu estabelecimento. Seguindo o douto Parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto, baseado em Parecer do Conselho Consultivo da PGR (nº4/92), com o qual concordamos inteiramente, o arguido funcionou como um mero receptor de radiodifusão que não efectuou qualquer acrescento à imagem recebida do operador de radiodifusão este emitiu a imagem e tal como ela foi recebida, assim ela foi apresentada aos que estavam no café. O que o arguido fez foi usar um ecrã de plasma, tecnologia avançada que aquele Exmº Magistrado tão inteligivelmente descreve. Ora, continua o Parecer, se aquando do aparecimento dos aparelhos de televisão as pessoas acorriam aos poucos estabelecimentos onde eles existiam, hoje a opção recai

Página Web 6 de 8 normalmente sobre os estabelecimentos em que os não há. Por outro lado, hoje em dia, a maioria da informação veiculada pela televisão não consubstancia a apresentação ao público de obras literárias ou artísticas, mas antes notícias do dia e relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informação e que, por isso, nada têm a ver com a protecção que é própria do direito de autor. Para além disso, não é razoável supor que os empresários dos estabelecimentos ( ) conheçam com a necessária antecedência quais as obras literárias ou artísticas que os organismos de radiodifusão vão, no âmbito da sua programação, apresentar ao público e a exigência legal de prévia autorização dos autores para a mera recepção de programas radiodifundidos que tivesse por objecto a apresentação de obras literárias ou artísticas revelar-se-ia desajustada. Ademais, seria pouco compreensível, porque a emissão de radiodifusão é destinada ao público em geral e por virtude da qual os autores já exerceram os respectivos direitos patrimoniais em relação às obras literárias ou artísticas por aquele meio apresentadas ao público, que a lei exigisse para a mera recepção por uma parte dele autorização dos autores ou pagamento a estes de nova contrapartida patrimonial. E, quanto a este aspecto, conclui aquele douto parecer: É, pois, de presumir que o legislador, consagrou a solução, como a mais acertada, de a lei não exigir aos empresários dos estabelecimentos mencionados pela recepção de programas radiodifundidos, seja a autorização dos autores, seja o pagamento de qualquer contrapartida. Mas há mais: O artigo 149º, nº 2, do CDADC não prevê a mera recepção de emissões de radiodifusão, que é livre, mas a transmissão daquelas emissões, ou seja a actividade da recepçãotransmissão que pressupõe uma certa estrutura técnica organizativa que vai para além dos meros receptores de rádio ou de televisão. A mera recepção de uma emissão radiodifundida que tenha por objecto a apresentação de obras literárias ou artísticas nos estabelecimentos a que temos feito referência é livre, não obstante a criação de um ambiente auditivo, isto é, não depende de autorização dos autores daqueles obras. Só quando se trate da recepção de emissões de radiodifusão que, pelo recurso a processos técnicos diversos dos normais receptores, envolvam actividade de transmissão, ou seja, uma nova utilização ou aproveitamento das obras literárias ou artísticas organizados, nomeadamente nos casos de oferecimento de um espectáculo ou divertimento público nos termos dos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 42660 e do 2º do artigo

Página Web 7 de 8 39º do Decreto nº 42661, é que a lei exige para o efeito a autorização dos seus autores. Correspondentemente, o artigo 155º do CDADC só prevê o direito dos autores à remuneração pela comunicação pública das suas obras radiodifundidas nas situações de transmissão, isto é, de nova utilização ou aproveitamento nos termos atrás enunciados. Com efeito, aquela disposição não contempla a exigência de remuneração pela mera recepção das emissões de radiodifusão que insiram obras literárias ou artísticas nos normais receptores, ainda que compostos de instrumentos difusores de sons e/ou imagens, mas a actividade de transmissão pelos meios técnicos a que alude. Em consequência, a mera recepção nos restaurantes cafés, leitarias, pastelarias, hotéis, tabernas, barbearias e em estabelecimentos congéneres pelos respectivos empresários, de programas radiodifundidos -via rádio ou via televisão - em que sejam representadas obras literárias ou artísticas não depende nem de autorização dos autores nem de qualquer contrapartida patrimonial. A comunicação de obras radiodifundidas a que se reportam os artigos 149º, nº 2, e 155º do CDADC em que deverá funcionar a prévia autorização dos autores e o direito destes a perceber a respectiva contrapartida patrimonial é aquela que se traduz em nova utilização da obra radiodifundida, com ou sem prévia fixação, através de altifalante ou de qualquer instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens, nomeadamente aos casos previstos nos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 42660, de 20 de Novembro de 1959. 6. Dir-se-á em jeito de síntese que o direito de autor nacional - e internacional - protege os autores no plano da sua expressão literária ou artística, já que isso é essencial ao progresso da humanidade, mas em termos de equilíbrio entre os seus direitos pessoais e patrimoniais e a necessidade de acesso à informação do público em geral, que vem motivando o surgimento chamado direito de antena. Os autores têm o exclusivo de autorizar as diversas utilizações das obras literárias ou artísticas e de participar nas vantagens patrimoniais de cada uma de tais utilizações. Mas se autorizaram uma determinada utilização e por ela auferiram a correspondente remuneração, não lhes assiste "jus" quanto a ela, seja quanto à autorização ou não seja quanto à exigência de remuneração. Tendo autorizado a radiodifusão das suas obras e por isso recebido dos organismos emissores a correspondente remuneração, exerceram os seus direitos pessoais e patrimoniais em termos de cobertura da actividade de mera

Página Web 8 de 8 recepção pública das emissões independentemente do lugar - público ou privado - em que ocorra. Deste princípio de livre recepção de emissões de radiodifusão só se exceptuam as situações em que a recepção se consubstancia em transmissão potenciadora de uma nova utilização das obras literárias ou artísticas. Não se verificam os pressupostos desta excepção no caso de os empresários dos hotéis, cafés, restaurantes, pensões, bares, tabernas, "pubs" e estabelecimentos similares se limitarem à recepção das emissões de radiodifusão. Ora, vistos os factos provados dos quais resulta tão só que o televisor existente no café do arguido estava a receber o filme que o operador de radiodifusão estava a difundir, nada lhe acrescentando, não se mostram preenchidos os elementos do tipo legal do crime de usurpação, razão pela aquele tem que ser absolvido. * Fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento da segunda questão. DECISÃO: Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal, em julgar procedente o recurso e, consequentemente, absolver o arguido do crime de usurpação. Sem tributação.