Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos

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Transcrição:

INTERAÇÃO COMUNICATIVA ENTRE PACIENTES NÃO FALANTES DA LÍNGUA PORTUGUESA E CORPO TÉCNICO DE UM HOSPITAL PÚBLICO DE RORAIMA Maria do Socorro Melo Araújo (UERR) araujomsocorro@gmail.com Sergiane da Costa Vieira Aguiar (UERR) sergiane_ane@hotmail.com Thaygra Manoelly Silva de Pinho (UERR) thaygramanoelly@hotmail.com RESUMO Os problemas de interação comunicativa entre pacientes falantes de diversas línguas e profissionais da saúde que atuam em um hospital público de Boa Vista Roraima constituem o objetivo principal do nosso estudo, identificá-los e apresentá-los, porque acreditamos que nesse contato de diversas línguas, pode haver falta de interação comunicativa, se não houver profissionais qualificados capazes de estabelecer uma relação entre as línguas faladas nesse ambiente. Consideramos esse estudo de grande relevância, uma vez que percebemos incipientes as pesquisas em linguística aplicada voltadas para os reais problemas de comunicação, em relação à língua, nas práticas sociais do estado de Roraima. O estudo está embasado em Cavalcânti (1986), Bausch, Christ, Krumm (1995), Bagno (2002) e Moita Lopes (1996). Trata-se de uma pesquisa de campo de natureza qualitativa (GODOY 1995), cujos dados foram coletados a partir de um questionário, contendo 10 (dez) questões, abertas e fechadas Parasuraman (1991), aplicados aos colaboradores. Os resultados obtidos apontam que o hospital em referência atende a pacientes brasileiros, falantes de português; estrangeiros, falantes de espanhol ou de inglês, e pacientes indígenas, falantes de diversas línguas indígenas. No entanto, o hospital não possui intérpretes para abranger todas essas línguas e, por esse motivo, muitas vezes, não há interação comunicativa adequada entre o corpo do hospital e os pacientes de várias línguas faladas no hospital. Dessa forma, foram identificadas consequências contraproducentes para o tratamento médico de pacientes não falantes de língua portuguesa. Palavras-chave: Interação comunicativa. Não falantes de português. Hospital. 1. Introdução Ao percebemos que não há muitas pesquisas de linguística aplicada voltada para as práticas sociais no estado de Roraima, então nos dedicarmos a pesquisar a interação comunicativa entre falantes de português e de outros idiomas dentro de um hospital público, por notarmos que é frequentado por muitos pacientes indígenas, além de pacientes estrangeiros geralmente vindos dos países que fazem fronteiras com o estado de 1250 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

Roraima. A partir daí, surgiu um interesse em conhecer se acontece e como acontece essa comunicação entre profissionais e pacientes falantes de outros idiomas. Para isso, traçamos alguns objetivos em relação à interação comunicativa entre não falantes de português e o corpo técnico de um hospital público de Roraima, tais como, identificar os possíveis problemas de interação comunicativa entre pacientes falantes de outras línguas e profissionais da saúde; constatar a origem desses problemas e as consequências da falta de interação comunicativa para o tratamento dos pacientes, e, por fim, ousarmos oferecer sugestões para abrandar as supostas questões de comunicação do hospital. Então, este trabalho foi estruturado da seguinte forma, para que assim haja uma melhor compreensão do assunto aqui abordado. Primeiramente, apresentaremos uma noção histórica da linguística aplicada, segundo Bausch, Christ, Krumm (1995), Bagno (2002), Cavalcânti (1986), Moita Lopes (1996). Em seguida, trouxemos informações a respeito da história e geografia do estado de Roraima, segundo Magalhães Dorval (1986), e do hospital já citado. Além disso, mostramos as consequências da falta de interação comunicativa para o tratamento dos pacientes, e ainda, algumas considerações, entre impressões mais relevantes do estudo. 2. Noções da linguística aplicada A capacidade de pensar de refletir sobre questões são as características mais marcantes e excepcionais dos seres humanos, consequentemente a língua como manifestação desse pensamento é uma atividade social, seja por meio da fala ou da escrita, para Marcuschi (2000, p. 63) a língua pode ser definida como... uma atividade de natureza sociocognitiva, histórica e situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana.. Os estudos acerca da língua ganham espaço, surgindo assim novas disciplinas como: sociolinguística, psicolinguística, linguística do texto, pragmática linguística, análise da conversação, análise do discurso etc. Além dessas disciplinas, um novo campo de estudos surgiu mais recentemente, a linguística aplicada, conhecida carinhosamente como linguística aplicada. Segundo Bausch, Christ e Krumm (1995, p.13-23), a linguística aplicada está ligada intrinsecamente ao contexto sociopolítico da Améri- Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 1251

ca do Norte, pois na década de 40, o mundo passava pela Segunda Guerra Mundial e tonou-se essencial que os soldados americanos aprendessem a falar de modo rápido a língua do pacífico e dos outros lugares que seriam enviados. Dessa forma, os linguistas entremearam as teorias da linguística antropológica, psicologia comportamental, o empirismo filosófico e o positivismo e partiram de uma abordagem descritiva e de experiência pessoal no campo de Inglês como língua estrangeira. Com isso, os estudiosos aplicaram as primeiras teorias linguísticas relacionadas ao ensino de segunda língua e língua estrangeira. Como podemos perceber, logo no surgimento da linguística aplicada, o seu objetivo era aplicar na prática as teorias linguísticas científicas modernas para solucionar problemas de linguagem na sala de aula. Com isso, a linguística aplicada foi tomando um espaço maior dentro da linguística, até desvincular-se dela e, portanto, não ser mais apenas a aplicação prática das suas teorias, passou a conquistar o seu espaço como uma ciência autônoma, sofrendo assim inúmeros reajustes, tendo hoje como objetivo principal problematizar e compreender as questões de linguagem do uso real que auxiliem a necessidade da sociedade. Contudo, a nova ciência sofreu várias críticas: ampliaram enormemente o objeto mesmo dos estudos da linguagem: o tradicional exame da língua em si (que se detinha exclusivamente na gramática da frase, considerada apenas em suas dimensões fonético-fonológicas, morfossintáticas e lexicais) deixou de ser o foco exclusivo das investigações científicas da linguagem, que têm se lançado cada vez mais na busca da compreensão dos fenômenos da interação social por meio da linguagem, da relação entre língua e sociedade, da aquisição da língua pela criança, dos processos envolvidos no ensino formal da língua, do controle social exercido pelas ideologias veiculadas no discurso etc. (BAGNO, 2002, p. 165) Concordamos com o autor porque sabemos que se faz necessário uma forte relação de multidisciplinariedade, para favorecer o diálogo com uma variedade muito ampla de campos de estudos, como por exemplo, a sociologia, psicologia, antropologia etc. Como podemos confirmar na citação de Cavalcânti (1986, p. 9): A linguística aplicada abrangente e multidisciplinar em sua preocupação de uso da linguagem [...] Dada sua abrangência e multidisciplinariedade, é importante desfazer os equacionamentos da linguística aplicada com aplicação de teorias linguísticas e com o ensino de línguas. A ciência linguística aplicada está ligada essencialmente a problemas de uso da linguagem nos mais diversos contextos sociais. De acordo com Moita Lopes (1996, p. 20) A linguística aplicada é uma ci- 1252 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

ência social, já que seu foco é em problemas de uso da linguagem enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social (...). Ratificamos a afirmação quando percebemos que a linguística aplicada ver além da estrutura da língua, apreciando principalmente a interação social para compreender melhor essa relação entre linguagem, cultura e sociedade. 3. Um pouco do estado de Roraima No estado de Roraima há um encontro muito grande de etnias, línguas e culturas, devido ao fato da penetração do homem branco, como podemos perceber na citação de Magalhães (1986, p. 11): Após um e meio século da descoberta do Brasil, deu-se a penetração do homem branco no antigo município de Boa Vista, estado do Amazonas, hoje Roraima. Antes [...] predominavam aqui os do grupo caribe e os isolados uapixanas. Outra forma de enriquecimento dessa diversidade social do nosso Estado deu-se porque houve as entradas de estrangeiros, espanhóis e ingleses, pelo norte do rio branco (...) (MAGALHÃES, 1986, p. 17), que se somaram aos nativos, o estado de Roraima é formado por pessoas de origem indígena, por migrantes de todas as regiões brasileiras e estrangeiros (MARTINS, 2012, p. 168). Com essa mistura, consequentemente, houve uma grande diversidade cultural e linguística. E uma das prováveis causas dessa multiplicidade deu-se: em grande parte, pelas características geográficas e populacionais do nosso estado, já que estamos numa tríplice fronteira e pelo seu histórico de formação institucional com base na migração. (MARTINS, 2012, p. 168) Em relação à geografia do estado de Roraima, sabemos que o estado se encontra em fronteira com a Venezuela e com a Guiana, tendo assim realmente uma tríplice fronteira. O modo de acessibilidade dá-se por vias terrestres, a Venezuela é o país mais próximo, com apenas duzentos quilômetros de distância. A população do Estado tem grande influência de imigrantes de todos os outros estados brasileiros e também dos países vizinhos, como expõe Barcelos (2001, p. 96). Os guianenses são os imigrantes internacionais de maior representativa em Roraima, principalmente a partir dos anos 1960, em decorrência da crise política e econômica daquele país. Outro fator que tornou a imigração Guianense mais significativa é o aspecto da existência de várias etnias que transitam entre o Brasil e a Guiana. Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 1253

O fator sociopolítico e econômico da Guiana, desde 1960, tem sido responsável pelo acréscimo relevante dessa população no estado de Roraima. Já em relação à migração, de um estado para outro, Magalhães (1986, p. 133) enfatiza que: Predominantemente, a corrente migratória foi oriunda de diversas aéreas da região Norte/Nordeste, sendo consideradas causas primeiras dessas migrações a estrutura fundiária do Nordeste, em confronto com as imensas áreas devolutas no Rio Branco; a isso acrescenta-se, no segundo momento, o caso do ciclo da borracha. Isso também tem relação com problemas sociopolíticos e econômicos desses estados, assim como, a imigração dos guianeses. E com essa diversidade de povos, percebemos que essa diversidade linguística e cultural do estado permanece ao longo dos anos, aumentando singularmente, pois conforme mencionado, além de indígenas e estrangeiros, houve um notável aumento em relação à migração. Esse fato de imigração que tem aumentado singularmente também tem relação com o problema sociopolítico e econômico desses estados, assim como, a imigração dos guianeses. Notamos que com essa diversidade de povos, obviamente há uma diversidade lingüística e cultural que caracteriza o estado. A essa conclusão de que a língua materna dos habitantes de Roraima é tão complexa quanto a sua formação populacional, também chegaram Moura, Spotti, Martins e Silva (2008, p. 2). 4. Hospital público de Boa Vista Roraima O hospital público de Roraima que constitui o locus desta pesquisa é um ambiente que recebe um público variado, uma vez que atende a toda região (falantes da língua portuguesa e/ou indígenas), inclusive aos países vizinhos, (Venezuela e Guiana Inglesa). Dessa forma, é rico em corpus para estudos do tema, uso da linguagem dos participantes do discurso no contexto social real, ou seja, o hospital é um espaço onde acontece interação comunicativa entre várias línguas, e acreditamos que devem acontecer conflitos linguísticos das mais diversas motivações, por ser o hospital mais frequentado em Roraima tanto pelos residentes do Estado, como por estrangeiros. O hospital do estado de Roraima possui cinco profissionais habilitados para trabalhar especificamente com indígenas de diversas etnias, como por exemplos, macuxi, uapixana, ianomâmi, além de sanumã, iecuana, ingaricó, patamona, uaiuai, xiriana, xirixana, de acordo com a re- 1254 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

vista Uol Notícia Saúde (2014, p. 4). Apresentamos o mapa a seguir, com o objetivo de mostrar a diversidade e a distribuição e organização das línguas indígenas em Roraima. Fig. 1- Mapa das Línguas Indígenas de Roraima. Disponível em: http://www.cartographie.ird.fr/images/amazone/bresil.pdf Acesso em: 25-05-2014. 5. Aspectos metodológicos A pesquisa é de natureza qualitativa e procurou investigar como ocorre a interação comunicativa entre pacientes não falantes de Português e os servidores de uma instituição de saúde no município de Boa Vista RR. Para Godoy (1995, p. 58), a pesquisa é de abordagem qualitativa, por apresentar aspectos subjetivos que atingem motivações não explícitas, e além disso, considera o ambiente como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave; possui caráter descritivo; o processo é o foco principal de abordagem e não o resultado ou o produto. Para a coleta de dados, fizemos uso do instrumento questionários, que segundo Parasuraman (1991, p. 130), é tão somente um conjunto de Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 1255

questões, feito para gerar os dados necessários para se atingir os objetivos do projeto. Nesse caso os questionários foram compostos de dez perguntas, seis objetivas e quatro subjetivas, aplicadas aos profissionais do hospital. A análise dos dados não demandou uso de técnica e métodos de estatística, deu-se de forma intuitiva e indutivamente, embasada em Godoy (1995) que garante que a preocupação maior deve ser a interpretação de fenômenos e na atribuição de resultados. A análise das respostas dos profissionais entrevistados levou à identificação dos maiores problemas de comunicação naquele ambiente de diversidade linguística, exemplo disso são as consequências da falta de interação comunicativa para o tratamento dos pacientes. 6. Alguns aspectos analisados Os dados que foram coletados no período de dois meses, através de questionários aplicados aos funcionários da unidade de saúde, serão aqui descritos e analisados em conformidade com a teoria apresentada. De acordo com os entrevistados, 50% dos atendimentos realizados mensalmente são a pacientes regionais não indígenas, falantes de língua portuguesa e 50% a pacientes indígenas e estrangeiros. Desses, aproximadamente 10% não falam a língua portuguesa. Desse modo, concluímos que 40% dos pacientes indígenas e estrangeiros falam também o português além de suas línguas de origem. Outro dado importante mostrado na pesquisa é que as línguas faladas pelos pacientes com mais frequência são o espanhol, iecuana, macuxi, inglês, ingaricó, uaimiri-atroari, ianomâmi e uaiuai. No entanto, é intrigante que os colaboradores não mencionaram as línguas uapixana e taurepang como presentes em atendimentos do hospital, uma vez que são duas etnias de grande representação no estado e seu acesso ao hospital é pleno, no entanto, a ausência desse fato não foi investigada por essa pesquisa. A análise das respostas dos profissionais entrevistados levou à identificação dos maiores problemas de comunicação naquele ambiente de diversidade linguística, exemplo disso são as consequências da falta de interação comunicativa para o tratamento dos pacientes. Segundo os colaboradores, as dificuldades enfrentadas em relação à interação comunicativa entre pacientes não falantes de português e servidores do hospi- 1256 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

tal são as formas de explicações dos procedimentos e intervenções as quais os pacientes são submetidos. Foi identificado também que não há servidores habilitados linguisticamente para atender a esses pacientes. Assim, o problema é amenizado com uma medida especial, na maioria das vezes, os pacientes indígenas, em geral falantes da língua ianomâmi, fazem uso de intérpretes indígenas que sabem falar o português e outras línguas indígenas. Esses intérpretes são falantes nativos de língua indígena, e o português é segunda língua. Em outros casos, os pacientes são falantes nativos de português e a língua indígena é aprendida na convivência familiar em suas comunidades. Em relação às línguas estrangeiras, a questão torna-se mais complicada quanto ao desconhecimento de uma língua no processo de interação comunicativa. Para as autoras, Grosso, Tavares e Tavares (2008, p. 05) o desconhecimento constitui uma desigualdade e fragiliza as pessoas, tornando-as dependentes, e por consequência, mais vulneráveis. Ratificamos esse ponto de vista, porque percebemos que é necessário o conhecimento da língua do país de acolhimento nesse processo, e, como o Hospital não disponibiliza profissionais habilitados para exercer a função de tradutor e/ou intérprete para pacientes estrangeiras, concluímos que elas estão em condição de desigualdade e fragilidade. O problema toma uma dimensão ainda maior, quando se trata do estado de saúde do indivíduo que esteja com algum distúrbio nas funções orgânicas, físicas ou mental. Nesse caso, segundo as informações obtidas, quando não há intérpretes e/ou tradutores, os métodos utilizados pelos servidores para que haja comunicação são mímicas e gestos faciais somados a utilização de palavras soltas. Porém, as informações obtidas indicam que apenas esses recursos não são suficientes para suprir a complexidade da explicação, quando se trata de procedimentos médicos, porque nem tudo é possível explicar apenas por gestos. E, quando não é possível a comunicação entre os pacientes e os técnicos pode haver sérias conseqüências, podendo prejudicar o processo clínico, pois há pacientes que não aceitam determinados tratamentos, por não entenderem os benefícios e os riscos que correm se não realizarem os procedimentos médicos. Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014 1257

7. Considerações finais Este estudo procurou identificar e apresentar os problemas de interação comunicativa num contexto de diversidade linguística em um hospital, especificamente entre pacientes não falantes de português e o corpo técnico desse hospital. Além de constatar as consequências dessa não interação para o tratamento de pacientes, ainda percebemos as estratégias de comunicação surgidas dessa necessidade para amenizar o problema desse processo. Pontuamos o que possível comprovar a partir das informações coletadas: a) o hospital público investigado é frequentado também por estrangeiros e indígenas, revelando importante diversidade de línguas; b) não há interação comunicativa plena para todas as variedades de línguas faladas no contexto observado, principalmente línguas estrangeiras, por não haver profissionais habilitados para exercer a função de intérprete e/ou tradutor; c) quando não há comunicação de forma adequada, podem surgir consequências negativas para o tratamento médico dos pacientes não falantes da língua portuguesa e d) os pacientes não falantes de língua portuguesa apresentam-se em desvantagem linguística em relação aos falantes da língua majoritária. Por fim, podemos concluir, com base nas informações obtidas, que são necessários intérpretes e/ou tradutores habilitados linguisticamente para atender aos falantes de línguas estrangeiras e indígenas nesse complexo processo de interação comunicativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, Marcos. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo, Parábola, 2002. BARCELOS, C. et al. A geografia de aids nas fronteiras do Brasil. 2001. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v29n1/09.pdf> Acesso em: 16-06-2014. BAUSCH, K; CHRIST, H; KRUMM, H. O ensino e o aprendizado de línguas estrangeiras: comparação entre as concepções científicas. In: BAUSCH, K. (Ed.). HanbuchFremdsprachenunterricht. Trad.: Maria J. P. M. e Silva D. B. Melo. Tubingen, Bassel: Francke, 1995, p. 13-23. CALVALCÂNTI, M. C. A propósito da linguística aplicada. Trabalhos de Linguística Aplicada, vol. 7. Campinas: Unicamp/IEL, 1986. 1258 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1: Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

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