A TECTÔNICA DISTENSIVA PÓS-MESOZÓICA NO CONDICIONAMENTO DOS DEPÓSITOS DE BAUXITA DA ZONA DA MATA MINEIRA 1



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GEONOMOS (2006) 14(1, 2): 1-5 A TECTÔNICA DISTENSIVA PÓS-MESOZÓICA NO CONDICIONAMENTO DOS DEPÓSITOS DE BAUXITA DA ZONA DA MATA MINEIRA 1 Antônio W. Romano 2 & Cristiane Castañeda 2 RESUMO Os depósitos de bauxita da Zona da Mata Mineira constituem um importante cinturão aluminoso, orientado NE-SO, desde Minas Gerais até o Espírito Santo. Os protólitos são essencialmente charnoquitos e paragnaisses neoproterozóicos. As bauxitas apresentam teores entre 40% e 60% de Al 2 O 3 e as reservas totais são atualmente superiores a 100 Mt. Considerando as características gerais dos depósitos é levantada a hipótese de que a gênese da bauxita foi condicionada à existência de um extenso pediplano, provavelmente eoterciário, que marcava o nível de base regional e era bem irrigado por um sistema de drenagem volumoso. O fato que mais contribuiu para a gênese destes depósitos foi a atuação de uma tectônica pós-mesozóica, regionalmente de caráter distensivo, que se desenvolveu na costa brasileira a partir da abertura do Atlântico, com geração de estruturas tipo horst e hemigrabens alinhados e paralelos à atual costa continental. A mais importante estrutura, no plano regional, é uma extensa faixa de direção NE-SO denominado Horst da Serra da Boa Vista. A formação da bauxita foi possível durante a ascensão dessa estrutura, com manutenção do regime hídrico superficial e conseqüente aprofundamento do nível de alteração intempérica. A sua ascensão máxima implicou no rejuvenescimento do relevo, exumação e erosão dos níveis bauxitícos formados, e constituição de uma grande quantidade de leques coluviais e aluviões associados, ambos ricos em argilas aluminosas. A existência de níveis bauxíticos com a base entre 700 e 900 metros é explicada pelo deslocamento e basculamento de blocos de dimensões menores no interior da grande estrutura. Tal acomodação de blocos condiciona o padrão de drenagem atual, conspicuamente retangular e materializa a última movimentação crustal regional, cuja idade é seguramente quaternária. INTRODUÇÃO Esta contribuição ao conhecimento dos depósitos de bauxita da Zona da Mata Mineira resulta dos trabalhos de mapeamento do Projeto Sul de Minas, convênio COMIG-UFMG-UFRJ-UERJ. Os depósitos de bauxita constituem um importante cinturão aluminoso, orientado NE-SO, que se estende de São João Nepomuceno até os municípios de Miraí e Muriaé no Estado de Minas Gerais, prolongando-se até o Estado do Espírito Santo. Dentre as minas em atividade destacam-se o conjunto de depósitos de Canteiro, entre FIGURA 1 Localização dos principais depósitos de bauxita da Zona da Mata Mineira. 1 - Projeto Sul de Minas 2 - CPMTC - ICG - UFMG, Belo Horizonte

2 Miraí e Muriaé, de concessão da Rio Pomba Empresa de Mineração; o conjunto de depósitos da região de Graminha, município de Descoberto; e os depósitos da Serra de Pedra Branca em Itamarati de Minas, ambas da Companhia Brasileira de Alumínio (Fig. 1). As reservas atualmente medidas são superiores a 100 Mt (Castañeda et al. 2003). Roeser et al. (1984); Lopes & Branquinho (1988); Valeton & Melfi (1988); Lopes (1990); Valeton et al. (1991); Brandalise & Viana (1993) e Beissner et al. (1997), são alguns trabalhos que reportam aos depósitos de bauxitas de Cataguases. Estes autores consideram que a formação da bauxita é resultante de processos de intemperismo de anfibolitos, granulitos e gnaisses do Complexo Juiz de Fora, expostos durante as pediplanações terciárias e quartenárias relacionadas com a evolução geomórfica da superfície erosiva Sulamericana. Para os autores, os depósitos são controlados por dois domínios morfoestruturais: a- alinhamentos das cristas do vale do rio Paraíba do Sul representadas por morros tipo meia-laranja de topos convexos ou tabulares; b- depressões escalonadas dos rios Pomba e Muriaé, onde, especificamente nas cotas situadas entre 100 e 700 m, encontra-se material saprolítico argiloso (Roeser et al. 1984; Valeton & Melfi 1988; Lopes 1990; Beissner et al. 1997), correspondente a zona de pedimentação do Plio-Pleistoceno (Vieira 2000). Segundo Lopes & Carvalho (1989), Valeton et al. (1991) e Beissner et al. (1997), os fatores predominantes nos mecanismos de formação dos perfis de alteração estão intimamente relacionados com aspectos morfológicos e atividades tectônicas. Essa última foi responsável tanto pelo controle estrutural, quanto pelo soerguimento das superfícies, os quais facilitaram a ação química e a erosão dos materiais formados. Durante o mapeamento da Folha Ubá, diversos fatos geológicos ficaram melhor esclarecidos, o que permitiu um melhor conhecimento das ocorrências de bauxita em um plano regional. Como citado no parágrafo precedente a totalidade das pesquisas efetuadas até agora eram restritas à relação entre protólitos e bauxita, em um contexto puramente local e considerações genéricas sobre a evolução do relevo. Contexto Regional A área estudada está situada na Faixa Ribeira, estruturada durante a tectônica Brasiliana, no Neoproterozóico, como resultado da inversão orogenética de uma bacia Mesoproterozóica. Esta evolução é a conseqüência da interação convergente das placas São Francisco-Congo e Paraná-Rio de la Plata Neste trabalho, a subdivisão litoestratigráfica adotada é a do mapa geológico das folhas Ubá e Muriaé (1:100.000) do Projeto Sul de Minas, executado por Noce et al. (2003). Esses autores subdividiram as Faixas em diferentes terrenos tectono-estratigráficos, denominados domínios Andrelândia e Juiz de Fora, do Terreno Ocidental, e unidades do Terreno Paraíba do Sul. Ambos apresentam três conjuntos litológicos: rochas do embasamento pré 1,8 Ga, retrabalhadas na Orogênese Brasiliana; sucessões metassedimentares neoproterozóicas; e granitos neoproterozóicos e cambrianos. Os depósitos de bauxita apresentam uma extensa distribuição no Domínio Juiz de Fora do Terreno Ocidental, composto por ortognaisses e metabasitos com associações minerais metamórficas do fácies granulito. O embasamento deste domínio é o Complexo Juiz de Fora constituído por rochas paleoproterozóicas granulitizadas. O litotipo característico é um gnaisse enderbítico verde escuro, de granulação média, com bandamento centimétrico e intercalações máficas. A cobertura metassedimentar no Domínio Juiz de Fora é representada pela unidade de topo da Megasseqüência Andrelândia, composta por paragnaisses granatíferos migmatizados, com intercalações de rochas calcissilicáticas e lentes quartzíticas espessas. Corpos plutônicos provavelmente neoproterozóicos são identificados neste domínio e compreendem dois litotipos. O primeiro é constituído de um granada charnockito com porções enderbíticas (intrusivo, tanto na Megasseqüência Andrelândia quanto no Complexo Juiz de Fora; esta rocha é de granulação média a grossa e pode apresentar foliação bem desenvolvida, ou mesmo preservar a textura ígnea original. São corpos alongados de direção NE-SO, separados em duas faixas principais: - a faixa Vista Alegre-Laranjal Muriaé e a faixa Gloria de Cataguazes-Miraí Dores de Vitoria, encaixada em uma zona de cisalhamento transcorrente. O outro litotipo é o denominado Plutonito Pangarito, localizado a nordeste de Muriaé, e constituído por gnaisse biotítico, freqüentemente granatífero com porções migmatíticas e de corpos granitóides pouco expressivos (Noce et al. 2003b). Os depósitos de bauxita originam-se principalmente a partir das rochas charnockíticas e enderbíticas e também nos paragnaisses Andrelândia. Eles estão localizados nos topos e encostas das serras da região, entre as altitudes de 700 e 900 m. As unidades geológicas mostram estruturação geral NNE. A foliação principal nos gnaisses regionais a oeste da área de ocorrência das bauxitas (gnaisses Mantiqueira) apresenta-se, próximo a Ubá, com baixo ângulo; em direção à leste ela torna-se cada vez mais verticalizada. Nas demais unidades, a foliação principal é de alto ângulo, subvertical ou mergulhante para SE. As unidades do embasamento podem exibir um bandamento/foliação mais antigo, intensamente dobrado e transposto pela foliação principal. Nos gnaisses Andrelândia são observadas dobras mesoscópicas apertadas e com eixos mergulhando para NNE. Os granitóides neoproterozóicos posicionaramse tardiamente em relação à deformação principal. Uma espessa zona de cisalhamento transcorrente destral corta o Domínio Juiz de Fora na região de Cataguazes- Miraí, impondo intenso imbricamento tectônico entre os paragnaisses da cobertura, granulitos do embasamento e corpos de granada charnockito (Noce et al. 2003b).

3 Condições fisícas, químicas e estruturais dos depósitos Sem levar em conta os aspectos genéticos, devidamente estudados em relevantes trabalhos acima citados, foram observados os seguintes fatos em todos os depósitos de bauxita visitados: estão situados entre as cotas de 700 a 900 metros e têm uma espessura média de 10 metros; ocorrem sempre nas cristas das maiores elevações e não ocupam grandes extensões em superfície; estão distribuídos em uma faixa única do terreno nitidamente orientada NE-SO, coincidente com a foliação das rochas regionais e com os grandes alinhamentos estruturais; estão fortemente erodidos nos flancos, o que pode ser percebido pela existência de uma grande quantidade de depósitos coluvionares ricos em material aluminoso; os depósitos aluvionares nas proximidades das encostas são igualmente ricos em argilas aluminosas. É conhecido da literatura que a formação de bauxita está condicionada à existência de condições morfológicas (relevo plano) e climáticas (clima úmido e quente) e também de um substrato rochoso que contenha minerais com teor adequado de Al 2 O 3 e que estes sejam instáveis em presença dos agentes de intemperismo. Os minerais mais habituais na origem dos depósitos de bauxita são, portanto o feldspato potássico e os plagioclásios, quanto mais cálcicos, mais ricos em alumínio. Condições oxidantes ou redutoras no domínio da alteração têm implicação apenas na estabilidade dos minerais de ferro e alumínio formados. As condições oxidantes estão geralmente ligadas a fatores sazonais em terrenos não saturados, e as redutoras, ao contrário, estão fortemente relacionadas à saturação em água. O problema da separação do ferro e alumínio pode estar relacionado às condições de ph durante a alteração intempérica. No mapeamento geológico realizado foi visto, como já citado, que as rochas regionais na base dos depósitos são essencialmente charnockito, enderbito e os paragnaisses granatíferos do Grupo Andrelândia, esses últimos geralmente com percentagens importantes de plagioclásio e minerais aluminosos, tais como sillimanita e granada (geralmente um termo mais rico em almandina). Exclui-se, desta forma, como protólito essencial, o anfibolito, já que ele participa em muito pequena quantidade da constituição litológica regional. Especificamente na região da Mineração Rio Pomba, sul de Miraí, o protólito principal observado é um charnockito milonitizado, de cor esverdeada e essencialmente constituído por megacristais centimétricos de feldspato potássico. Mesmo nos depósitos da região de Descoberto, as rochas originais são charnockíticas e enderbíticas, algumas de granulação mais fina, o que pode, a primeira vista, levar a serem confundidas com anfibolito. Um aspecto intrigante na distribuição regional dos depósitos bauxíticos é o forte alinhamento observado na direção NE-SO. Duas questões se colocam: - este alinhamento é original, acontecido durante a formação da bauxita ou foi imposto posteriormente à sua constituição? Com fundamento nos trabalhos realizados chegouse a conclusão que a orientação dos depósitos pode ter sido a conjunção dos dois fatores, porém com um papel mais importante do segundo fator. Quer dizer, a atual distribuição regional da bauxita deve-se muito mais aos processos tectônicos posteriores à sua formação. Ao que tudo indica, a gênese da bauxita foi condicionada a um extenso pediplano provavelmente pré-terciário, moldado sobre as rochas regionais. Esse pediplano delimitava o nível de base regional e era relativamente bem irrigado por um sistema de drenagem volumoso, com os canais principais mais ou menos dispostos segundo o alinhamento estrutural atual. Terrenos com saturação em água e predominância de condições redutoras parecem ter sido mais raras. Abrese aqui um parênteses para ressaltar que os grandes traços tectônicos da região foram constituídos desde o Arqueano, com retrabalhamentos no Meso e Neoproterozóico, ou seja, os processos tectônicos se desenvolveram aproveitando as linha de fraqueza crustal geradas por processos mais antigos. Observase aqui a interferência de outro fator, não tão importante, na orientação dos depósitos de bauxita que é a própria direção estrutural das rochas bauxitizáveis. A existência desse pediplano implica também que a bauxitização das rochas regionais pode ter se desenvolvido em uma área muito mais extensa que a atualmente exposta. Tal fato ampliaria os horizontes da prospecção de novas áreas fora da faixa ora em atividade, porém em condições talvez não tão favoráveis, pelo fato delas não estarem expostas. Contudo, o fato mais importante para a existência dos atuais depósitos de bauxita economicamente lavráveis está na atuação de uma tectônica distensiva que se desenvolveu na costa brasileira a partir da consolidação da abertura do Atlântico. Os traços desta tectônica foram negligenciados, ou então não foram bem compreendidos pelos trabalhos de mapeamento regional anteriores, de modo que eles não figuravam em nenhum mapa geológico disponível. Entretanto, no mapeamento do Projeto Sul de Minas foi estabelecido um mapa (Fig. 2) com os traços da tectônica meso-cenozóica, no qual foi delimitada uma grande faixa de direção NE-SO constituindo um pilar tectônico (horst), denominado de Horst da Serra da Boa Vista. Estima-se para esta estrutura um deslocamento vertical mínimo com cerca de 300-400 metros. A identificação desta estrutura, tanto nos mapas topográficos quanto no campo, é ressaltada pelo conspícuo escarpamento que a delimita em suas faces noroeste e sudeste.

4 FIGURA 2 - Mapa da Tectônica Mesozóico-Cenozóica das Folhas Ubá-Muriaé (Noce et al. 2003)

5 Os depósitos de bauxita atualmente em lavra foram na realidade exumados pela ascensão máxima deste pilar tectônico, tendo-se então iniciado um processo erosivo rápido, pelo rejuvenescimento do relevo com concomitante formação de um grande volume de leques coluviais. As condições de ph podem também ter sido drasticamente alteradas com conseqüente oxidação generalizada dos óxidos de ferro. O nível de bauxita, extenso e contínuo, foi sendo reduzido progressivamente pela erosão acelerada, estando confinado atualmente aos topos do morros mais íngremes. A existência de níveis bauxíticos entre as cotas de 700 e 900 metros, quando em realidade deveriam se constituir em um nível único balizado em uma cota aproximadamente constante, é facilmente explicado pelo deslocamento e basculamento de blocos de dimensões menores no interior da grande estrutura. A existência destes pequenos blocos acomodados em cotas diferentes pode ser facilmente observada quando da análise do padrão de drenagem atual, tipicamente retangular, com cursos de pequena amplitude e delimitando pequenos blocos em níveis topográficos diferentes. São muito comuns os cursos de drenagem truncados por pequenas cachoeiras, justamente quando eles têm um padrão retangular. Progressivamente, tanto a erosão dos depósitos coluviais quanto dos residuais de bauxita, contribuíram para a constituição de aluviões ricos em argilas aluminosas. CONCLUSÕES Tal conformação estrutural pode ampliar as áreas de prospecção nos sentidos nordeste e sudoeste, pois a estrutura identificada ultrapassa os limites da região mapeada. Este modelo aqui apresentado não diz respeito à gênese da bauxita propriamente dita, que é controlada por parâmetros litológicos e físico-químicos bem conhecidos. Ele procura dar uma explicação do modo como a distribuição geográfica e controle topográfico das ocorrências foram influenciados pela existência de uma expressiva tectônica distensiva até agora não levada em conta. BIBLIOGRAFIA Beissner H., Carvalho A., Lopes L.M., Valeton I. 1997. The Cataguazes Bauxite Deposit. In: Carvalho A., Boulange B., Melfi A.J., Lucas Y. (eds.). Brazilian bauxite deposits. São Paulo: USP, FAPESP, Paris: ORSTOM, pp.:195-208. Castañeda, C.; Quéméneur, J.J.G.; Ribeiro, A. 2003. Recursos Minerais In: Pedrosa-Soares et al. (eds.) Geologia e Recursos Minerais do Sudeste Mineiro. COMIG,13 pp.:660-763 Lopes L.M. & Carvalho A. 1989. Gênese da bauxita de Miraí, MG. Rev. Bras. Geociências, 19(4):462-469. Lopes R.F. & Branquinho J.A. 1988. Jazidas de bauxita da zona da Mata de Minas Gerais. In: Schobbenhaus C. & Coelho C.E.S. (eds). Principais depósitos minerais do Brasil: metaisbásicos, não-ferrosos, ouro e alumínio. Brasília, DNPM. V3, p.655-659. Roeser H., Roeser U.G., Grossi A.R., Flores J.C.C. 1984. Contribuição à origem das jazidas de bauxita de Cataguases, MG. In: SBG, Congr. Bras. Geol., 33, Rio de Janeiro, Anais, 8:853-865. Noce,C.M.; Romano, A.W.; Pinheiro, C.M.; Mol, V.S.; Pedrosa- Soares, A.C.2003. Geologia das Folhas Ubá e Muriaé. In: Pedrosa-Soares et al. (eds.)geologia e Recursos Minerais do Sudeste Mineiro. COMIG,12 pp.:623-659. Trouw, R.A., Heilbron., M; Ribeiro,A.; Paciullo, F.; Valeriano, C.; Almeida, J.H.; Tupinambá, M. & Andreis, R. 2000. The Central Segment of the Ribeira belt. In: U.G. Cordani, E.J. Milani, A. Thomaz-Filho & D.A. Campos eds, Tectonic Evolution of South America, 31 Int. Geol. Cong., Sociedade Brasileira de Geologia, p. 297-310. Valeton I., Beissner H., Carvalho A. 1991. The tertiary bauxite belt on tectonic upflit areas in the Serra da Mantiqueira, sout-east Brazil. Contributions of Sedimentology, 17: 1-101. Vieira V.S. 2000. Folha Juiz de Fora SF.23-X-D., Escala 1:250.000. (Texto explicativo). Belo Horizonte: DNPM/ CPRM, 71p. (Programa levantamentos geológicos básicos do Brasil) (inédito).