A FAUNA PARASITÁRIA E SUA IMPORTÂNCIA EM CICLÍDEOS (PERCIFORMES: CICHLIDAE)

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Transcrição:

A FAUNA PARASITÁRIA E SUA IMPORTÂNCIA EM CICLÍDEOS (PERCIFORMES: CICHLIDAE) 1 Durval Silva Tavares Filho; 1 Janaina Freitas Freire; 2 André Mota Alves; 2 Geza Thais Rangel e Souza; ²Ricardo Massato Takemoto; 2 Verônica de Lourdes Sierpe Jeraldo; 2 Cláudia Moura de Melo & 2 Rubens Riscala Madi Resumo - O Rio São Francisco, com toda a sua imponência e importância já conhecidas, tem diversos componentes, sendo a fauna aquícola um dos mais importantes para as populações ribeirinhas devido a sua utilização como recurso alimentar. O Tucunaré é um dos peixes mais representativos do Gênero Cichla, natural da Bacia do Rio Amazonas e introduzido no Rio São Francisco. O objetivo deste trabalho foi investigar a fauna parasitária de ciclídeos coletados no Baixo São Francisco. O estudo da parasitofauna do tucunaré foi feito por meio de coletas e análises em laboratório de 75 exemplares que foram coletados durante os meses Março/2015 a Abril/2016. Com um total de 49 espécimes (65,3%) parasitados por pelo menos um parasita, prevalências de 60% para Proteocephalus macrophallus (Cestoda) no intestino, 32% para Contracaecum sp. (Nematoda) na cavidade abdominal, 9,3% e 6,6% para Austrodiplostomum sp. na cavidade cranial e nos olhos, respectivamente, 1,3% de metacercárias de Trematoda no pericárdio e 2,6% para Argulus sp. (Branchiura) na cavidade branquial. Estes são dados preliminares e integram um projeto com enfoque pioneiro na América do Sul, com o objetivo de analisar a relação parasito-hospedeiroambiente em ciclídeos coletados na Região do Baixo Rio São Francisco. Palavras-Chaves: Ictioparasitologia; Ecologia; Salinidade. ¹Graduação em Ciências Biológicas, Universidade Tiradentes, Aracaju, SE ²Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente, Universidade Tiradentes, Aracaju, SE. Apoio: CAPES, FAPITEC, PROBIC/UNIT I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 1

INTRODUÇÃO As populações humanas usam bens e serviços hídricos intensamente, aumentando o esgotamento de recursos tróficos e degradação do habitat, por meio da pesca, aterros, contaminações orgânicas e de metais (LE PAPE et al., 2007; DAUVIN, 2008). Para o desenvolvimento sustentável e o uso responsável deste importante recurso no estado de Sergipe é necessário ampliar os conhecimentos sobre os mesmos, em diferentes escalas social, econômica e ecológica. O Rio São Francisco desempenha um papel significativo na vida da população sergipana, dependente dos recursos hídricos e alimentares adquiridos na Bacia, e esta dependência fragiliza a situação dos rios, já que os recursos vêm diminuindo drasticamente por problemas antrópicos, principalmente (COSTA-NETO et al., 2002). O crescente desenvolvimento urbano, turístico e industrial das cidades está ocorrendo sem haver, contudo, um adequado planejamento do saneamento básico, o que propicia a liberação de efluentes urbanos e industriais (ARAÚJO et al., 2000), bem como a instalação de parasitas potencialmente prejudiciais, em corpos hídricos ligados à área de drenagem das bacias hidrográficas. Este cenário tem sido observado na região do baixo rio São Francisco, na qual ocorre exploração agroindustrial e turística. Estes resíduos e parasitos, presentes nos sistemas antropizados e naturais, podem ser incorporados à cadeia alimentar humana pelo consumo de recursos alimentares (peixes, crustáceos, etc.) provenientes destes locais. O monitoramento da qualidade de água, da incorporação de resíduos orgânicos e do potencial zoonótico dos recursos alimentares utilizados (em especial, peixes) torna-se imprescindível para a saúde pública e ambiental (composição, estrutura e dinâmica dos ecossistemas). Uma das espécies de peixe muito apreciadas como alimento compõe o Gênero Cichla (Perciformes: Cichlidae), popularmente conhecidos como tucunarés, famosos na atividade pesqueira pelo seu caráter esportivo e no aquarismo ornamental. São nativos da Bacia Amazônica, sendo considerada introduzida no rio São Francisco, portanto como toda espécie exótica, o impacto ocasionado as populações naturais precisa ser monitorado já que podem ocasionar extinções locais (SANTOS et al., 2001; ALVES, 2005; GASQUES et al., 2014). A introdução de espécies exóticas ocasiona modificações nas comunidades nativas, pelo alto crescimento populacional devido à ausência de predadores, sendo o principal fator a competição por recursos alimentares ou a predação por parte da espécie introduzida (MÜLLER et al., 2008). Gasques et al. (2014) citaram outros autores que estimaram uma redução de até 95% na densidade de peixes nativos após a introdução de tucunarés. Santos et al. (2001) verificaram que a dieta de C. monoculus no reservatório de Lajes/ RJ representava uma taxa de 33% das espécies ali registradas, inclusive casos de canibalismo. Estes peixes possuem hábitos de onivoria, o que representa um maior sucesso da espécie por oferecer uma listagem maior de recursos alimentícios (ROCHA et al., 2014), encontrados, geralmente, em ambientes lênticos. Um dos fatores biológicos determinantes em uma população de peixes é a sua parasitofauna, composta por espécies (parasitas) que utilizam recursos providos por outras (hospedeiros). Os peixes, como animais filogeneticamente antigos e devido ao seu hábito exclusivamente aquático, estão propícios às infecções por parasitas, mas que normalmente não há manifestação patogênica (LUQUE, 2004). A relação parasito-hospedeiro depende de vários fatores, tanto do organismo parasita quanto do hospedeiro, além das interações destes com o meio em que vivem. Abordando os fatores abióticos, podem-se citar como mais importantes a temperatura e a salinidade, visto que podem alterar toda uma população de parasita e/ou hospedeiro (PAVANELLI et al., 2001). Para I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 2

Mackenzie (1999), a biodiversidade de parasitas em um sistema ecológico está intrinsicamente relacionada com as condições do meio em que vivem. Rocha et al. (2014) verificaram pela revisão de dados disponíveis, ao menos 18 espécies de parasitas de Cichla registradas nas bacias da América do Sul, nove espécies de Monogenea, seis espécies de Trematoda e três espécies de Cestoda. A presença de determinados parasitas pode indicar a posição que o hospedeiro ocupa na cadeia alimentar, sendo intermediária no caso de larvas de trematodas, que têm como hospedeiro definitivo aves piscívoras (MARCOGLIESE, 2002), e no topo da cadeia no caso da presença de adultos de cestodas em que o tucunaré preda pequenos peixes hospedeiros intermediários deste parasita. Paraguassú et al. (2005) citaram que os nematodas do Gênero Contracaecum sp. possuem aves piscívoras como hospedeiros definitivos. Este trabalho faz parte de um projeto maior que tem um enfoque pioneiro na América do Sul, cujo objetivo é analisar a relação parasito-hospedeiro-ambiente em ciclídeos coletados na Região do Baixo Rio São Francisco. Neste trabalho estão descritos os resultados preliminares sobre o levantamento da fauna parasitária de Cichla sp., visando um melhor conhecimento da diversidade parasitária, bem como a verificação da presença de parasitas zoonóticos (potencialmente prejudiciais ao homem) e indicadores ambientais. METODOLOGIA Foram realizadas aquisições de 75 exemplares de Cichla sp. entre os meses de março/2015 e abril/2016 diretamente de pescadores artesanais, nas proximidades das cidades de Neópolis/SE (Povoado Saúde), Pacatuba/SE (Povoado Fazenda Nova) e Brejo Grande/SE, região do Baixo São Francisco (Fig. 1), sendo armazenados em caixas térmicas com gelo e transportados até o Laboratório de Biologia Tropical (LBT) localizado no Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), na Universidade Tiradentes (UNIT), Aracaju, SE. No laboratório foram aferidos dados biométricos dos peixes tais como o Comprimento Total (CT), o Comprimento Padrão (CP) e o peso (g), e realizada a sexagem quando possível. A análise parasitológica e os procedimentos de montagem de lâminas foram realizados segundo a metodologia proposta por Eiras et al. (2006). Os índices parasitológicos de prevalência (%), intensidade média de infecção e abundância média foram calculados segundo Bush et al. (1997). Para a identificação dos parasitas foram utilizadas as chaves taxonômicas propostas por Rego et al. (1999) e Thatcher (2006), bem como artigos com descrição de espécies. Os parasitas encontrados (material testemunho) estão alocados no LBT/ITP e serão depositados posteriormente em coleção helmintológica. I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 3

Figura 1 O estado de Sergipe. A. localização no território brasileiro. B. Bacias Hidrográficas. As cores representam saldos hídricos críticos (amarelo), deficitária (vermelho), superavitária (verde). Em destaque uma ilustração dos exemplares de Cichla sp. adquiridos. RESULTADOS E DISCUSSÃO De um total de 75 espécimes de Cichla sp. analisados 49 (65,3%) apresentaram ao menos um parasita, sendo que a maioria estava parasitado por Cestoda (60%) (Tab. 1). Em estudo realizado por Araújo et al. (2009) a prevalência observada foi de 52% para Cichla spp. no rio Negro/AM, com destaque para Ergasilus coatiarus. Já Pavanelli et al. (2010) registraram 85,7% de prevalência total para C. monoculus na planície de inundação do alto rio Paraná. Nos exemplares coletados na Bacia Amazônica foi relatada a prevalência de 0,1% para Argulus sp. (Crustacea: Branchiura) (ARAÚJO et al., 2009), considerada baixa em relação ao índice obtido no presente trabalho (2,6%). Pojmanska & Chabros (1993) constataram diferenças de até 76% entre as prevalências parasitárias em carpas quando comparadas espécies autóctones (11%) e alóctones (87%), imprimindo que as espécies naturais do sistema em que se encontram estão melhores adaptadas às parasitoses do que as espécies exóticas, em virtude do tempo de estabelecimento da relação parasito-hospedeiro. A riqueza de espécies foi maior na região do Baixo São Francisco (5 espécies), onde Cichla sp. foi introduzido, do que na Bacia do rio Negro (3 espécies), onde a espécie é nativa (ARAÚJO et I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 4

al., 2009). Uma das vias de aquisição de parasitas é a ecológica, que consiste nos movimentos migratórios, em conquistas de novos territórios, mudanças de hábitos, entre outros, que estão intrinsicamente relacionados com os fatores abióticos (KURCHEVSKI et al., 2010), isto pode ter favorecido a instalação de um maior número de espécies de parasitos nos tucunarés introduzidos no Baixo São Francisco. Tab. 1: Índices epidemiológicos dos parasitas encontrados em Cichla ocellaris coletados no Baixo rio São Francisco. Grupo Parasita Sítio de infecção P (%) IM (±DP) AM (±DP) Trematoda Austrodiplostomum sp. Olho 9,3 9,8 (±18,4) 0,9(±6) Cavidade cranial 6,6 11,2 (±21,6) 0,7(±5,7) Digenea Pericardio 1,3 147 (±0,0) 1,9(±16,9) Cestoda Proteocephalus Intestino 60 45,3 (±182,1) 22,3(±129) macrophallus Nematoda Contracaecum sp. Cavidade abdominal 32 44,2 (±179,7) 22,4(±129) Crustacea Argulus sp. Brânquias 2,6 1 (±0,0) 0,02(±0,1) P Prevalência; IM Intensidade Média; AM Abundância Média; DP Desvio Padrão Proteocephalus macrophallus foi encontrado anteriormente em Cichla monoculus da planície de inundação do alto rio Paraná, parasitando o intestino com prevalência de 42,8% (TAKEMOTO & PAVANELLI, 1996). Müller et al. (2008) também registraram a ocorrência desta espécie em C. monoculus em lagoas ligadas ao rio Anhumas (Bacia do rio Atibaia), próximas a cidade de Campinas, SP, com taxa de prevalência de 76,3%. Este Gênero foi registrado anteriormente em outras de peixes, tais como Gymnotus carapo no Rio de Janeiro (AZEVEDO et al., 2010), Geophagus brasiliensis no Paraná (BELLAY et al., 2012), e em C. piquiti nos rios Tocantins e Paraná (ROCHA et al., 2014), o que demonstra a capacidade de instalação deste parasita. O presente estudo observou 60% de prevalência no intestino, o que ressalta que a relação parasitohospedeiro é constante, dependendo de condições ambientais e presença de hospedeiros suscetíveis para ser observada. No trabalho realizado por Martins et al. (2002), a intensidade média de infecção encontrada para Austrodiplostomum sp. nos olhos de tucunaré foi de 16 parasitas/peixe, no entanto no presente trabalho, obteve-se intensidades médias de 9,8 (±18,4) parasitas/peixe no olho e 11,2 (±21,6) parasitas/peixe na cavidade cranial. As metacercárias de Austrodiplostomum spp. são amplamente reportadas em peixes no Brasil, o que demonstra baixa especificidade parasitária. Esta característica parece estar diretamente relacionada à capacidade de explorar um determinado recurso, comum entre as espécies de hospedeiros (no caso os humores aquoso e vítreo), e à afinidade fisiológica entre parasitos e hospedeiros (SOUZA, 2014). A presença de nematódeos do Gênero Contracaecum sp. pode ser um reflexo no nível trófico do peixe na cadeia alimentar, conforme sugerido por Paraguassú et al. (2005), neste trabalho sua presença foi constatada na região de Pacatuba/SE. Larvas encistadas de nematodas geralmente são encontradas nos músculos, fígado, superfície das vísceras, cavidade visceral e intestino, tomando como exemplo o ocorrido neste trabalho, em que todos os nematodas foram encontrados encistados na cavidade abdominal (ARAUJO et al., 2009). Madi & Silva (2005) sugerem que peixes predadores de topo da cadeia trófica podem atuar como hospedeiros paratênicos para este grupo de nematódeos, do mesmo modo o tucunaré pode exercer a função de hospedeiro de transporte pela cadeia trófica, já que o hospedeiro definitivo são aves piscívoras. I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 5

Rocha et al. (2014) na revisão de parasitas que ocorrem nos peixes do Gênero Cichla estimaram no mínimo 21 espécies de Monogenea, ectoparasitas característicos pelo seu aparelho fixador ao hospedeiro, o haptor. Entretanto, nenhum espécime deste grupo foi encontrado no presente trabalho, o que pode ter ocorrido devido a alteração da salinidade ao longo canal principal do Baixo São Francisco. Os trabalhos sobre a parasitofauna de peixes proveniente da região do Baixo São Francisco são escassos, sendo este o primeiro levantamento realizado em ciclídeos. O início deste inventário é importante para se estabelecer a segurança alimentar das populações ribeirinhas. Apesar de não terem sido encontrados parasitas com potencial zoonótico, este monitoramento deve ser constante para a prevenção destas zoonoses. Além disso, a fauna parasitária pode ser um parâmetro de estudo para o entendimento dos impactos antrópicos sobre o ambiente, já que a alteração dos níveis de infecção de algumas espécies de parasitas poderá ser um alerta de que mudanças estão ocorrendo, servindo de subsídio para o monitoramento ambiental da região. REFERÊNCIAS ALVES, C.B.M. Transposição do São Francisco: as incoerências e os peixes. Jornal do Biólogo- Informativo do Conselho Regional de Biologia-4ª Região, Belo Horizonte, p. 6-7, 2005. ARAÚJO, B.R.N.; QUEIROZ, A.F.S.; SANTOS, J.J.; ARGÔLO, J.L.; NANO, R.M.W.; FREITAS, U.R. Diagnóstico Geoquímico do Manguezal do Estuário do Rio Itanhém, Alcobaça-BA: Análise da Matéria Orgânica e Teores de Metais Pesados no Substrato Lamoso. In: mangrove, sustainable use of estuaries and mangrove: Challenges and prospects. 2000. Recife. Anais... Recife, 2000, p.31. ARAUJO, C.S.O.; BARROS, M.C.; GOMES, A.L.S.; VARELLA, A.M.B.; VIANA, G.M.; SILVA, N.P.; FRAGA, E.C.; ANDRADE, S.M.S. Parasitas de populações naturais e artificiais de tucunaré (Cichla spp.). Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, v. 18, n. 1, p. 34-38, 2009. AZEVEDO, R.K.; ABDALLAH, V.D.; LUQUE, J.L. Acanthocephala, Annelida, Arthropoda, Myxozoa, Nematoda and Platyhelminthes parasites of fishes from the Guandu river, Rio de Janeiro, Brazil. Check List, v. 6, n. 4, p. 659-667, 2010. BELLAY, S.; UEDA, B.H.; TAKEMOTO, R.M.; LIZAMA, M. DE L.A.P.; PAVANELLI, G.C. Fauna parasitária de Geophagus brasiliensis (Perciformes: Cichlidae) em reservatórios do estado do Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Biociências (Online), v. 10, p. 74-78, 2012. BUSH, A.O.; LAFFERTY, K.D.; LOTZ, J.M.; SHOSTAK, A.W. Parasitology meets ecology on its own terms: Margolis et al. 1982. Revisited. Journal of Parasitology, v. 83, n 4, p. 575-583, 1997. CHABROS, M.; POJMANSKA, T. Parasites of common carp and three introduced cyprinid fish in pond culture. Acta Parasitologica, v. 38, n. 3, p. 101-108, 1993. I Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco - 5 a 9 de junho de 2016 - Juazeiro - BA 6

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