de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

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1 Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia O CONHECIMENTO DOS PESCADORES SOBRE A REPRODUÇÃO DO TUCUNARÉ (Cichla spp.) NO LAGO GRANDE DE MANACAPURU, AM. Fabiana Calacina da Cunha, Gercília M. Soares, Therezinha J.P. Fraxe fabicalacina@gmail.com Realização Apoio

2 INTRODUÇÃO Nas áreas alagáveis dos grandes rios de águas branca o peixe é um recurso natural de maior abundância e intensamente explorado na região, sendo a pesca parte da história de vida das populações ribeirinhas. O peixe não é utilizado somente como alimento, mas também como fonte de renda sendo os lagos de várzea um importante local de pesca. Nessas áreas, as comunidades ribeirinhas mantêm uma estreita relação com os recursos naturais e os conhecimentos acumulados passam de geração para geração (DIEGUES E ARRUDA, 2001). Considerando que a pesca é uma das principais atividades desenvolvidas pelas comunidades, é de se supor que os ribeirinhos tenham conhecimentos sobre os peixes que exploram como a migração e dos locais de alimentação, desova e proteção. Assim a percepção do pescador sobre esse recurso revela-se como uma importante base de informação que associada ao conjunto de informações técnico científicas disponíveis podem preencher lacunas, especificamente sobre a bioecologia de espécies comercializadas nos mercados da região. Vários trabalhos têm sido realizados sobre o conhecimento que os pescadores possuem sobre o os peixes, denominado etnoictiologia (Begossi e Garavello, 1990; Barros e Ribeiro, 2005; Batistella et al., 2005), que estuda a interação entre os pescadores e os peixes sob os mais diversos aspectos tais como táticas de pesca, aspectos reprodutivos, migratórios e nomenclatura. Nesse contexto, o trabalho propõe investigar as similaridades entre o conhecimento dos pescadores e o conhecimento científico sobre a reprodução, época e local de desova, do tucunaré (Cichla spp.), em lago de várzea da Amazônia Central. MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo O trabalho foi realizado em sete comunidades localizadas próximas ao lago São Lourenço ( S e W) e Jaitêua ( S e W): Nossa Senhora Perpétuo Socorro, Assembléia de Deus, Tradicional e Santa Isabel no Jaitêua de Cima; Santo Antonio no Jaitêua de Baixo; Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Aparecida na localidade de Cajazeira no São Lourenço (Figura 1A). E, todas fazem parte do Complexo Lago Grande de Manacapuru (ou Cabaliana), Manacapuru, AM, cerca de 84 km de Manaus. No Complexo é grande a variação do nível das águas com períodos definidos de enchente, cheia, vazante e seca. Considerando que a medição do nível d água obtida na CPRM foi realizada no rio e não necessariamente expressa a variação no lago, foi utilizada a informação dos pescadores. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 2

3 Figura 1 - Localização das comunidades e lagos, Jaitêua (Jaitêua de Cima e Jaitêua de Baixo) e São Lourenço, no Complexo Lacustre de Manacapuru, Manacapuru, AM. Procedimentos de coletas de dados Os dados do trabalho foram obtidos através de entrevistas estruturadas aplicando-se formulários para cada pescador. Os formulários continham perguntas e questões abertas, sobre a reprodução dos peixes conhecidos pelos entrevistados. Essas informações fazem parte do banco de dados do subprojeto Caboclos-ribeirinhos e a Etnoconservação dos Recursos Pesqueiros em Manacapuru, Sub-rede BASPA. As entrevistas foram realizadas entre julho de 2006 a abril de Em seguida, foi realizada uma análise de dados por meio de uma tabela de cognição comparada (MARQUES, 1995). A tabela exibe lado a lado as informações dos pescadores sobre a reprodução e os dados da literatura científica específica. Também foi efetuada a determinação da frequência de ocorrência das citações dos entrevistados e da literatura científica específica sobre a época de desova. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram entrevistados 58 pescadores que sobrevivem principalmente da atividade de pesca de subsistência. Mas, alguns afirmaram que também pescam para a venda. Esses pescadores pescam somente o necessário para manutenção própria e dos familiares utilizando vários apetrechos, especialmente, malhadeiras, tramalha, arpão, zagaia, arco e flecha. E, para os entrevistados o tipo de apetrecho a ser utilizado varia conforme a época, os locais de pesca e o tipo de peixe, sendo os tucunarés, Cichla ocellaris e Cichla monoculus, um dos mais comumente capturado nos lagos. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 3

4 Segundo os pescadores o conhecimento sobre o período de desova foi adquirido através das muitas pescarias o que possibilitou a constante observação do comportamento dos peixes, isso de acordo com os períodos do ciclo hidrológico, enchente, cheia, vazante e seca. Na enchente e cheia é mais comum pescar em vários locais do complexo lago Grande de Manacapuru como os lagos e igarapés e paranás (Tabela 1). De acordo com os entrevistados no Complexo o período de enchente começa em novembro e se estende até o mês de abril. Nesse período a expansão da área alagada favorece aos peixes o acesso a ambientes ricos em alimentos e também fornecem abrigo contra os predadores, como os peixes, jacarés e pássaros. Por outro lado, a cheia é considerada como um período difícil para pescaria, uma vez que o aumento das áreas alagadas favorece a dispersão dos peixes nos vários habitats dos lagos, igarapés, paranás. Esse período segundo os pescadores, corresponde aos meses de maio e junho. Já na vazante, julho, agosto e setembro, o ambiente aquático começa a reduzir e os peixes iniciam os movimentos dentro do sistema em direção à calha principal do rio ou procuram os locais mais profundos nos lagos, igarapés e paranás, denominados pelos pescadores de poços e canais. Finalmente, na seca, outubro, os peixes que permaneceram no lago estão concentrados e presos nos ambientes que não secam. Diante dessa compreensão detalhada do ambiente, os pescadores mencionam que os tucunarés (C. ocellaris e C. monoculus.) (74%) desovam no início da enchente (Figura 2). Esses resultados corroboram aqueles gerados em outros locais da Amazônia onde é relatado que a reprodução dos tucunarés ocorre com maior freqüência na enchente (OLIVEIRA-JUNIOR, 1998; CORREA, 1998, ISAAC et al., 2000). Também os pescadores mencionaram como importante local de desova as galhadas, troncos e raízes nos igarapés dos lagos (Tabela 1; Figura 2). E, essas informações estão de acordo com os estudos de Gomiero e Braga (2004) e Fontenele (1982) onde relatam que o tucunaré normalmente constrói os ninhos em galhos ou troncos. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 4

5 Frequência de ocorrência (%) de de citação O Conhecimento dos Pescadores sobre a Reprodução do Tucunaré (Cichla Spp.) no Lago Grande de Manacapuru, AM. Tabela 01: Cognição comparada sobre e época e local de desova de tucunarés (C. ocellaris e C. monoculus) dos pescadores do Complexo Lacustre Lago Grande de Manacapuru e literatura cientifica especifica. Etnoconhecimento Literatura científica Época Local Época Local Autor Enchente desova em igarapé, igapó, lago e paraná Enchente Coari e Tefé Correa ( 1998) Nos tocos, em cima dos paus, galho e raízes de pau, Enchente UHE Balbina Oliveira Júnior (1998) Enchente/ Cheia Santarém- PA Isaac et al., (2000) Enchente Lago Grande de Manacapuru Banco de dados BASPA (2009) Etnoconhecimento Científico Enchente Cheia Vazante Seca Enchente/Cheia Seca/Enchente Figura 02- Frequência de ocorrência das citações sobre e época de desova de tucunarés (C. ocellaris e C. monoculus) dos pescadores do Complexo Lacustre Lago Grande de Manacapuru e literatura cientifica especifica. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 5

6 CONCLUSÕES A pesca no complexo Lago Grande de Manacapuru apresenta uma relevância social, cultural e econômica. E, a instrínseca relação com os recursos naturais permite a população local acumular conhecimento sobre o ambiente em que vivem. A observação direta, as relações de aprendizagem que se estabelecem entre gerações, ou de informações obtidas através de outras pessoas (BEGOSSI e GARAVELLO, 1990; MARQUES, 1995; BATISTELLA et al., 2005) fornece todo o processo explicativo da vida cotidiana regulada pela variação sazonal do nível d água para as populações que habitam às margens de rios e lagos. O conhecimento detalhado possibilita a utilização espacial e temporal dos recursos pesqueiros. A observação do ciclo hidrológico da localidade, compreendendo os períodos de enchente, cheia, vazante e seca e das variações correspondentes a tais períodos permite, principalmente comprender aspectos comportamentais de reprodução de peixes no complexo lago Grande de Manacapuru. E, na percepção dos pescadores a enchente é o período que ocorre a reprodução ou desova dos tucunarés (C. ocellaris e C. monoculus) e as informações mencionadas pelos pescadores foram similares aos relatados na literatura especifica consultada. Finalmente, a articulação do conhecimento dos pescadores e o científico pode promover propostas mais adequadas a realidade local que visem a sustentabilidade dos recursos pesqueiros. AGRADECIMENTOS Agradecemos o apoio financeiro recebido do MCT/CNPQ/PPG7, FINEP/CTPETRO, projeto PIATAM e FAPEAM pela bolsa concedida. Aos pescadores do complexo do lago Grande, das suas inestimáveis experiências sem os quais este estudo não existiria. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 6

7 REFERÊNCIAS BARROS, J.F.; RIBEIRO, M.O. de A Aspectos sociais e conhecimento ecológico tradicional na pesca. In: BARTHEM, R. B.; FABRÉ, N. O manejo da pesca dos grandes bagres migradores- piramutaba e dourado no eixo Solimões- Amazonas: Provárzea, Manaus, BATISTELLA, A. M.; CASTRO, C.P de; VALE, J. D. do Conhecimento dos Moradores da Comunidade Boas Novas, no Lago Janauacá- Amazonas, sobre os hábitos alimentares dos peixes. Acta Amazônica. vol. 35, n.1, p BEGOSSI, A.; GARAVELLO, J.C Notes on the ethnoicthyology of fisher-men from the Tocantis River (Brazil). Acta Amazonica. vol. 20, p CORREA, R. de O. Crescimento de tucunaré Cichla monoculus (Perciformes: Cichlidae) em ambiente natural: seleção da melhor estrutura calcificada para a determinação da idade. Dissertação de Mestrado, INPA, Manaus, p. DIEGUES, A..C.; ARRUDA, R.S.V. (Org.). Saberes Tradicionais e Biodiversidade no Brasil. Ministério do Meio ambiente. Universidade de São Paulo. Núcleo de Pesquisa sobre Populações e áreas úmidas Brasileira- NUPAUB, p FONTENELE, O Contribuição para o conhecimento da biologia do tucunaré (Actinopterygii, Cichlidae) em cativeiro. Aparelho Reprodutor, hábito de desova e incubação. DNOCS, col. Trab. Téc. Fortaleza, 1: GOMIERO, L.M. BRAGA, F.M.S Reproduction of species of the genus Cichla in a reservoir in southeastern Brazil. Brazilian Journal of Biology. vol. 64, p ISAAC,V. J., ROCHA, V.L.C. MOTA, S. Q. C. Ciclo reprodutivo de algumas espécies de peixes comerciais do baixo Amazonas. In: Recurso pesqueiro do médio Amazonas: Biologia e Estatísitica pesqueira. Brasilia: IBAMA, 2000, 350p. MARQUES, J.G.W Pescando pescadores: etnoecologia abrangente no Baixo São Francisco alagoano. NUPAUB, Universidade de São Paulo. São Paulo.304p. OLIVEIRA-JUNIOR, A.B Táticas alimentares e reprodutivas do tucunaré-comum (Cichla monoculus AGASSIZ,1813) no reservatório da UHE de Balbina AM, Brasil. Dissertação de Mestrado. Manaus: INPA/UA, 74pp. Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 7