Reflexão na ação e reflexão sobre a ação na aula de música em uma escola municipal: um relato de experiência Letícia Ferreira do Vale, UFSCar, lf_vale@hotmail.com Rafaela Lopes Figueiredo, UFSCar, figueiredolopesrafaela@hotmail.com Fernando Henrique Vargas, UFSCar, fererenho@hotmail.com Joana Falco Cobra, UFSCar, jofcobra@hotmail.com Maria Carolina Leme Joly, UFSCar, maroljoly@yahoo.com.br Ilza Zenker Leme Joly, UFSCar, ilzazenker@gmail.com Resumo: Este presente trabalho relata as experiências dos bolsistas a partir das reflexões formuladas durante e após as aulas de música ministradas para quatro turmas de 4º e 3º ano dentro da aula de artes. Autoras como Beineke, Penna e Schön e Freire embasaram teoricamente a análise dos dados obtidos na experiência prática e deram suporte conceitual para as decisões e reflexões da nossa pratica. O planejamento das aulas acontecia semanalmente no Laboratório de Musicalização DAC/UFSCar, onde o plano de aula seguia uma base desenvolvida durante o semestre e consistia basicamente de apresentação das músicas pelos bolsistas com o canto e instrumentos variados, discussões sobre os temas, execução da música com o canto e para concretizar execução de atividades práticas (jogos, brincadeiras, danças, etc). A partir da prática docente e das adversidades encontradas na aplicação das atividades nas salas, notamos a decorrência das reflexões dos bolsistas para ajudar na fluência das aulas. O objetivo da reflexão na ação era auxiliar no desenvolvimento do plano de aula estabelecido contando com as diversas interferências sofridas. Antes de entrar em cada sala de aula também repensávamos o plano a partir das repostas das aulas anteriores, caracterizando a reflexão sobre a ação. Este trabalho foi concebido através de uma pesquisa qualitativa, onde o método de intervenção é uma pesquisa-ação e a coleta de dados é feita em diários de campo. As reflexões resultaram no melhor aproveitamento das aulas e maior interação dos alunos, respeitando as diferenças, dificuldades e conhecimentos de cada sala. Palavras-chave: reflexão na ação; reflexão sobre a ação; formação docente; educação musical. Este artigo pretende relatar as vivências acerca da prática reflexiva dos bolsistas do curso de Educação Musical da UFSCar inseridos na sala de aula de uma escola municipal dentro do projeto PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência), e relatar como a aplicação dos planos de aulas específicos geraram críticas reflexivas dentro e fora da sala de aula. Analisar os efeitos causados após esses acontecimentos e como esse ato pode mudar, ou trazer mais fluência para a aplicação das atividades. O projeto PIBID consiste em incentivar a atuação profissional dos alunos de licenciatura nas escolas públicas. O objetivo do programa é proporcionar experiências no ambiente escolar para o licenciando dentro de sua área, mostrando a rotina do educador na rede pública. O projeto do PIBID da Educação Musical no segundo semestre de 2012 contava com a participação dos bolsistas dentro da aula de artes. As aulas eram ministradas pensando 130 P ágina
no desenvolvimento do repertório musical popular brasileiro, do canto e do movimento corporal, pensando na difusão da cultura precedente (LEHMANN, 1993). Nesse âmbito da formação do docente, Beineke (2004) ressalta a importância da prática docente na formação do educador musical. A autora lembra que além dos conhecimentos específicos na área, o estudante de educação musical precisa ter acesso a prática docente atribuída à universidade. Muitos alunos se sentem despreparados para atuar como professores, pois suas experiências em sala não são proveitosas. Beineke discute a relação entre a formação do aluno e o estágio, porém, podemos levar seus apontamentos para o PIBID. Quanto a prática docente à um déficit da maioria dos graduandos em educação musical, o PIBID é uma forma de integrar conhecimentos específicos, tais como o canto, a prática instrumental, corporal e até a mesmo a dança, e principalmente a prática docente. Dentro dessa prática, assim como propõem Beineke, a reflexão crítica e consciência política possibilitam que as carências atribuídas à falta de espaço nas escolas sejam sanadas. Complementando o panorama da formação do educador musical, Penna (2007) diz o profissional também deve ir além da prática musical individual de cada graduando. O PIBID integra três importantes experiências: o fazer musical, a prática docente e a discussão criticareflexivo, como é proposto pelas duas autoras. Durante o processo de inserção como bolsistas notamos a constante tomada de decisões importantes decorrentes de nossas observações diárias. Corriqueiramente as aulas planejadas nas reuniões semanais necessitavam de ajustes para melhorar a continuidade das aulas. A reflexão era um constante em nossa atuação e possibilitou a evolução do nosso desempenho. As reflexões aconteceram durante e após as aulas ministradas em uma escola municipal de ensino fundamental I e II com quatro turmas, sendo três turmas de 4º ano e uma de 3º ano. As aulas eram planejadas nas reuniões semanais realizadas no Laboratório de Musicalização DAC/UFSCar e eram aplicadas na sexta feira na EMEB Dalila Galli na cidade de São Carlos. Nos dias entre a reunião e a aula ensaiávamos as músicas e estabelecíamos a sequência prática e metodológica das aulas. Porém, quando aplicávamos o plano de aula dentro das salas nos deparávamos com situações que precisavam ser resolvidas e reorganizadas para facilitar o andamento, execução e aprendizagem dos alunos. As aulas aplicadas contavam com atividades lúdicas voltadas para o desenvolvimento do canto, movimento, consciência corporal e apreciação musical. Seguindo um esquema definido ao longo do semestre, a aula contava com a apresentação das músicas pelos bolsistas 131 P ágina
com o canto e instrumentos variados, discussões sobre os temas, execução da música com o canto e para concretizar execução de atividades práticas (jogos, brincadeiras, danças, etc). Em cada sala tentávamos respeitar o planejamento, contudo, cada sala tinha suas especificidades e precisava de adaptações durante as aulas. Muitas vezes o mesmo planejamento precisa ser adaptado em cada uma das salas por motivos variados: dificuldades de diferentes grandezas e especificidades; muita agitação por parte dos alunos; cansaço; interesse; disposição, às vezes causas externa também atrapalhavam o decorrer da aula, se estava chovendo, os alunos ficavam um pouco desanimados; se clima estava muito quente ocorria o mesmo; os ruídos vindos da área de lazer da escola, e das outras salas de aula. Sempre notamos uma grande diferença entre as turmas do 4º ano e a do 3º ano no que diz respeito à abordagem metodológica e aprendizagem dos alunos. Os alunos do 4º ano tinha menos concentração e dispersavam mais rápido, fazendo com que às vezes fosse necessário mostrar nossa postura como professores. Os no 3º ano eram mais pacientes, porém, levavam mais tempo para assimilar as músicas dependendo da atividade. Por esses motivos às vezes precisamos cortar parte das atividades por falta de tempo ou acrescentar outras quando a sala executava nosso plano de aula com facilidade. A resposta das salas a cada atividade também era diferente. O mesmo jogo precisava ser passado com diferentes abordagens para que os objetivos fossem alcançados. Essas decisões eram tomadas a partir de reflexões formuladas dentro e fora da sala de aula. Essas reflexões são denominadas reflexão na ação e reflexão sobre a ação, tema abordado nos estudados de autores como Schön (1992; 2000), Alarcão (2003) e Gómez (1992). Silva e Araujo (2005, p. 02), com base nos autores citados acima, descrevem quatro áreas do modelo reflexivo: conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação e a reflexão para a ação. O êxito do plano de aula, contava com o conhecimento prévio dos alunos quanto à temática das músicas. Em salas onde as crianças tinham contato, por exemplo, com o tema do brinquedo peão ou com a capoeira era comum conseguir maior interesse dos alunos. Outros temas que eram abordados pelas professoras regulares como o Dia da Consciência Negra tornavam o andamento da atividade mais fácil e coerente com o conhecimento dos alunos. Em outros casos uma parcela das crianças já conheciam as músicas, o que ajuda as outras crianças e aperfeiçoa parte do processo. Nas salas que não tinha contato com a música, nós levávamos mais tempo apresentando, contextualizando e ensinando a letra. 132 P ágina
As interferências citadas à cima demandavam uma resposta automática da parte dos bolsistas que precisavam estar atentos as necessidades, facilidades e mudanças dos alunos. Os autores comentados anteriormente descrevem esses acontecimentos como sendo a reflexão na ação, um ato realizado durante a ação pedagógica, e ainda citam que essa modalidade permite o maior índice de aprendizagem para o professor, haja vista que permite o contato direto com a prática. Outra prática que se tornou rotineira para nosso grupo acontecia depois que saiamos da sala. Atuávamos em quatro aulas no período da tarde na sexta-feira, o que nos proporcionava alguns minutos entre as aulas. Durante esses minutos aproveitávamos para ver o que do planejamento e da nossa abordagem tinha funcionado e como poderíamos melhorar a aula. Como base nos meus autores, denominamos essa prática como reflexão sobre a ação, ato que acontece depois da ação pedagógica e permite o aperfeiçoamento das reflexões na ação. Não entraremos nas outras duas modalidades, pois elas não foram o foco do relato, porém não descartamos a existência e a ligação entre elas. Muitas vezes a primeira aula funcionava como um teste do planejamento e era onde descobríamos o que dava certo e o que precisava ser mudado. Entre a primeira e a segunda aula conversávamos e mudávamos o que era necessário. Da segunda para terceira aula ficávamos quase uma hora em intervalo, nesse período discutíamos todo o contexto das aulas, planejamentos e como gostaríamos de continuar nas posteriores aulas. Um bom exemplo de todo esse processo de reflexão na ação e reflexão sobre a ação aconteceu no dia 28 de setembro de 2012. A aula consistiria em duas atividades sobre a mesma música O monjolo, pedimos para os alunos da primeira sala formarem uma roda em pé e cantamos a música para eles posteriormente cantarem juntos. Por eles estarem um pouco dispersos, separamos em duas rodas para explicarmos a brincadeira das mãos, esse foi um fator da atividade não dar certo nessa sala. Contudo, conseguimos executar a brincadeira das mãos três vezes em rodas pequenas e uma vez com uma roda grande feita por todos os alunos. Acabamos não efetuando a atividade do jogo de copos por termos pouco tempo ao final da aula. Já na segunda sala, por termos um pequeno intervalo para repensarmos o que fizemos de errado e certo, com isso o usamos para comentar o que podíamos fazer para ministrar uma aula mais adequada; a atividade da sala fluiu de uma forma muito melhor. Colocamos os crachás na mesa da professora, para facilitar e acelerar a distribuições desses, sentamos em roda cantamos a música algumas vezes, sem antes falarmos nada para eles, após isso, sem parar de tocar violão um dos bolsistas explicou a eles como seria feita a atividade, cantamos 133 P ágina
verso a verso para eles, e eles repetiram, mostramos imagens do monjolo, para visualizarem o que seria um. Explicamos o jogo das mãos, o termo pulso foi novamente falado em aula, e jogamos todos em uma única roda. Como conseguimos administrar o tempo de modo correto, foi possível a realização do jogo de copos, uma das bolsistas, sem falar nada começou a execução dos movimentos, os alunos observaram e depois foram repetindo, conseguimos executar algumas vezes, depois dividimos em duas rodas, uma na parte de dentro e outra consequentemente na parte de fora, e executamos novamente o jogo, as rodas segundo o mesmo sentido, e depois cada roda num sentido, uma no horário outra no sentido anti-horário. Despedimos-nos dos alunos e terminamos a aula. Em nossas aulas a constante reflexão na ação proporcionava o desenvolvimento efetivo das atividades, constantemente gerando uma resposta imediata a adversidade encontrada. A conversação que temos nos momentos do intervalo das aulas, por todos colaborarem, nos traz uma compreensão (vivencias e experiências individuais) sobre o ocorrido, e diferentes decisões acerca do ocorrido; Possibilidade da pessoa aceitar um estado de incerteza e estar aberta a novas hipóteses, forma a esses problemas, descobrindo novos caminhos, construindo e concretizando soluções. Uma pratica reflexiva confere poder aos professores e proporciona oportunidades para o seu desenvolvimento. A insatisfação sentida por muitos educadores com a sua preparação profissional, que não contempla determinados aspectos da pratica, tem conduzido a movimentos de reflexão e de desenvolvimento do pensamento sobre as práticas. (OLIVEIRA & SERRAZINA: 2002, p. 02). Apenas nessas situações podíamos entender como de fato é estar em uma sala de aula com alunos que tem um conhecimento e respondem as atividades de forma diferente. Conseguimos observar como cada sala é composta e como deveríamos agir com cada sala com suas particularidades. A reflexão sobre a ação foi uma forma de analisar criticamente nosso planejamento de aula, observar os motivos de não ter funcionado como queríamos, o que poderia ser melhorado para a próxima aula com mais calma, além disso, era um momento de troca de ideias entre os bolsistas. Nessas situações a reflexão na ação de cada bolsista podia ser analisada por todos os outros e a junção das decisões tomadas, refletiam na aplicação da aula seguinte, bem como, refletiam no planejamento da aula seguinte. A reflexão na ação e a reflexão sobre a ação, portanto, fazem parte da formação do educador e são competências conferidas a universidade, seja em caráter do plano pedagógico do curso ou em projetos de extensão ofertados. As relações entre a prática musical e a prática 134 P ágina
pedagógica munida da reflexão crítica e construtiva formam o perfil do educador musical que participa das atividades do PIBID e que está sendo construído por meio delas na universidade. Entendemos que são variadas as formas de reflexão sobre as práticas na sala de aula, pois os contextos não são iguais, mas esse ato pode abrir novas possibilidades e soluções para uma melhor condução das atividades. Podendo maximizar a aprendizagem desejada, ou seja, fazendo com que os objetivos específicos da aula sejam alcançados pela maioria dos alunos. Tornando a escola o espaço para a formação do professor, sendo o conteúdo para essa formação a prática educacional. Entretanto, alguns professores veem essa prática como algo ameaçador, mas cada vez mais devemos nos distanciar desse pensamento. Segundo Freire (1993, 2001) as relação entre o pensar e o fazer, e o fazer e o pensar são fundamentas para o desenvolvimento do professor, sendo que com o exercício constante [da reflexão] a curiosidade vai se transformando em crítica. (SILVA e ARAUJO, 2005, p. 04). O educador musical com uma postura reflexiva possui mais possibilidades de analisar o seu trabalho, sua função, seus objetivos e seus resultados, ampliando o conhecimento e autonomia. Entendemos que essa construção do profissional, no âmbito reflexivo é apenas uma parte do processo, que envolve outras partes, como conhecimento dos alunos para fazer as mudanças adequadas segundo as necessidades deles. Já bolsistas percebemos o quanto essa afirmação é valida quando no primeiro momento tínhamos influencias diretas e direcionadas por nossas orientadoras e com o decorrer do trabalho possuímos maior independência e conhecíamos as salas o suficiente para entender como deveríamos planejar e o que poderíamos esperar da aula. Referências: ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. BEINEKE, V. Políticas públicas e formação de professores: uma reflexão sobre o papel da universidade. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 10, p. 35-42, 2004. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. FREIRE, P.; NOGUEIRA, A. Que fazer: teoria e prática em educação popular. Petrópolis, 1993. LEHMANN, P. R. Panorama de la educación musical en el mundo. In: GAINZA, V. H. de. (Org.). La educación musical frente el futuro. Argentina: Editorial Guadalupe, 1993. p. 13-25. OLIVEIRA, I.; SERRAZINA, L. A reflexão e o professor como investigador. In: GTI. (Ed.) Reflectir e investigar sobre a prática profissional. Lisboa: APM, p. 26-42, 2002. 135 P ágina
PENNA, Maura. Não basta tocar? Discutindo a formação do educador musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 16, p.49-56, 2007. SILVA, E. M. A.; ARAÚJO, C. M. Reflexão em Paulo Freire: uma contribuição para a formação continuada de professores. V Colóquio Internacional de Paulo Freire, Recife, p.1-8, 2005. SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: Nóvoa (Org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: D. Quixote e IIE, 1992.. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Tradução de Roberto Catald Costa. Porto Alegre: Artmed Editora, 2000. 136 P ágina