LIBERDADE INTERIOR: "É preciso tornar-se indiferente"



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ARTIGOS O tema da liberdade está no centro da espiritualidade inaciana. Mas não é qualquer forma de liberdade que buscamos nos Exercícios. O artigo a seguir trata da liberdade interior na perspectiva da espiritualidade inaciana. O autor foi assistente nacional das CVXs (Comunidades de Vida Cristã). Atualmente, é orientador espiritual dos estudantes jesuítas, em João Pessoa. LIBERDADE INTERIOR: "É preciso tornar-se indiferente" 1. Pressupostos 1.1 - Espiritualidade inaciana Pe. Paulo Lisboa, SJ É uma maneira e jeito próprios, no estilo e método que se origina dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola (EE), de se aproximar da sempre nova mensagem de Jesus - cf. EE n. 1. Há uma íntima relação entre EE e seguimento de Jesus, na resposta pessoal ao desígnio salvífico do Pai (Ef 3,3). Daí que se possa afirmar que é impróprio dizermos "espiritualidade inaciana", porque o próprio Inácio preferiu não ter seguidores, mas Companheiros em Jesus. Para os que se dizem entusiasmados com esta espiritualidade, é importante e mesmo imprescindível passar pela experiência completa dos EE para se dizer realmente afeiçoados e identificados com uma mesma mística cristã. Esta mística, aliás desemboca num seguimento de Jesus radicalizado no "terceiro grau de humildade" (Cf. EE n. 167). Alguns exemplos. Há vários fundadores de Institutos Religiosos que, por terem feito os EE, se resolveram a juntar companheiros(as) debaixo da mística deste seguimento exclusivo de Jesus, na sua vida e na sua morte. Também muitos leigos e leigas, que passaram pela mesma experiência, resolveram prolongá-la e continuar a vivenciá-la em grupos e comunidades. Nasceram daí as Congregações Marianas, hoje Comunidades de Vida Cristã. Serão pessoas que atuam na Igreja e em seu meio, impelidas, com um jeito próprio, pelo Espírito que animou Jesus. Tudo que é afirmado acima é pressuposto para toda e qualquer reflexão sobre aspectos desta espiritualidade. Ela deve ser situada neste espaço preciso, sem amplificações descabidas e talvez, como o próprio Inácio desejava também para a Companhia de Jesus, como "mínima" e muito simplesmente a serviço do Reino. 1.2 - Precisão de termos Para a real compreensão de uma doutrina ou ciência (espiritual ou física) é importante precisar os termos que se usam, aproximando-os do sentido original que lhes deram seus autores. No nosso caso, a terminologia que inspira nossa espiritualidade deve ser mais do que entendida teoricamente vivenciada mesmo a partir da experiência pessoal dos EE. Neste sentido, para a atual reflexão, é preciso voltarmos à origem do termo, não propriamente "indiferença" substantivamente considerada, mas enquanto ação que

está sempre comprometendo uma pessoa a sair de si mesma: "tornar-se indiferente". É a busca sempre renovada do espaço pessoal de maior liberdade. A expressão, como se sabe, encontra-se no texto do Princípio e Fundamento (EE n. 23), justamente quando Inácio coloca o exercitante no universo de relações criadas por Deus com um finalismo: louvor, reverência e serviço do mesmo Deus, em vista da Salvação. Antes de continuarmos, vamos pois interiorizar mais uma vez este texto fundamental, deixando que ele já comece a nos interrogar sobre como nos encontramos, frente às coisas, situações e pessoas que nos cercam: "O homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus Nosso Senhor e assim salvar a sua alma. E as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, a fim de ajudá-lo para o fim para o que foi criado. Donde se segue que há de usar delas tanto quanto o ajudem a atingir o seu fim, e há de privar-se delas tanto quanto dele o afastem. Pelo que é necessário tornar-nos indiferentes a respeito de todas as coisas criadas em tudo aquilo que depende da escolha do nosso livrearbítrio, e não lhe é proibido" (EE 23). O referencial constante da vida de Jesus foi o desígnio do Pai: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e comunicar sua obra" (Jo 4,34). 2. Tornar-se indiferente e liberdade 2.1 - O processo dos EE leva à liberdade interior Tendo passado por uma experiência pessoal dos EE, completa ou parcialmente, sabemos que eles têm o objetivo muito claro de ordenar a vida de uma pessoa para o Projeto de Deus. Nas expressões do livrinho, aparece: "procurar e encontrar a vontade de Deus na disposição da própria vida para o bem da mesma pessoa" (EE 1) e "Exercícios Espirituais para o homem se vencer a si mesmo e ordenar a própria vida" (EE 21). São apenas duas mais diretas, entre muitas outras expressões análogas que fazem o pano de fundo desta caminhada espiritual. Estas e outras expressões, que indicam o fim claro dos EE, sempre recordam a necessidade daquele que deseja ou está neles, de "tirar de si todas as afeições desordenadas" (EE 21). Inácio deseja fique muito claro, desde o início dos EE, que nós, como participantes de uma humanidade pecadora, ainda não é totalmente livre, só para Deus e seu Reino. Há dentro de nós afeições e ligações afetivas não bem ordenadas e que vão atrapalhando e minando a orientação verdadeira, sincera e lúcida, de uma vida para Deus. A sensação de alguém nestas condições é a de estar enredado num emaranhado inextrincável que fecha e oprime. Inúmeras criaturas que deveriam "ajudar a pessoa para o fim para que foi criada" estarão sendo impedimento para que ela possa "atingir o fim" (EE 23). Ela se sente prisioneira de si mesma em coisas imediatamente apaixonantes e que só fortalecem o "ego", material e espiritualmente. O pior desta situação, que é a do pecado, é que a pessoa pouco a pouco vai ficando sem forças para reagir, sentindo-se cada vez menos livre. Depois do frontispício fundamental dos EE, que coloca qual deve ser a atitude verdadeira de liberdade (EE 23), o autor dos EE vai ajudar o exercitante ao longo da experiência a ir se purificando de tudo aquilo que está atrapalhando a busca do

objetivo final e, portanto, se libertando para uma escolha verdadeira, no momento alto da "eleição". Sem entrar em pormenores, apresento os passos principais deste processo de libertação nos EE, mais para se perceber que o "tornar-se indiferente" do Princípio e Fundamento é uma conquista, à luz da fé e na abertura à Graça. Ei-los: 1) Os Exercícios da 1ª semana, não só como meditação sobre o pecado e suas conseqüências, mas também o que é ali colocado como auxílio dos vários tipos de exames, querem ajudar o exercitante a se ver pouco a pouco mais livre da "desordem das ações" (EE 63). No mesmo sentido de ajudas, são consideradas nesse passo as Regras de Discernimento de Espíritos, para este momento de 1ª semana (EE 313-327). 2) Todas as contemplações de 2ª semana, aproximando por contraste o exercitante de Jesus, protótipo do Homem bem orientado, totalmente livre e aberto para o Projeto do Pai, vai dispondo o exercitante para uma "Eleição" mais livre (EE 169-189). Aqui se situam a tríplice consideração inaciana: Bandeiras (EE 136-147), Três Classes (EE 150-156) e Três Graus (EE 165-167), suportes para aquela decisão consciente e responsável. Também neste 2º passo, ajudam muito as Regras de Discernimento de Espíritos que Inácio compôs para este momento (EE 328-336). 3) As semanas que seguem, 3ª e 4ª, tomadas num todo como momento de confirmação, solidificam o exercício da liberdade na escolha feita antes, no sofrimento de Jesus, só por amor. Este redime, isto é, quebra ainda qualquer resistência pessoal e garante a vitória definitiva da Vida sobre a Morte. 4) O último passo, recapitulando e retomando o caminho percorrido em vista da ação livre e libertadora do exercitante em seu ambiente, se dá na contemplação final. Inácio intitulou-a "Contemplação para alcançar Amor" (EE 230-237), propondo um longo momento de comunhão de liberdades no Amor. 2.2 - Núcleo teológico - o dinamismo do Espírito O que nos sustenta neste cultivo interior de liberdade é a certeza teológica da ação do Espírito Santo, renovando-nos sem parar, desde o Batismo. João Evangelista diz a Nicodemos: "o vento sopra onde quer e ouves o seu ruído mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito" (Jo 3,8). É este mesmo Espírito que nos abre à nossa verdade e vai nos libertando. O mesmo João dirá em outro contexto: "Se permanecerdes na minha palavra, sereis em verdade, meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (Jo 8,31-32). Embora Santo Inácio de Loyola não fale explicitamente desta Terceira Pessoa da SSma. Trindade e nem sugira exercícios sobre o Mistério do Pentecostes, todo o processo visto acima é colocado implicitamente no dinamismo do Espírito. Já o termo escolhido para intitular este método de aproximação do mistério de Deus ("Exercícios Espirituais") está relacionado com o Espírito Santo (EE 1). Mas é na perspectiva em que o exercitante é colocado desde as "Anotações" iniciais, de abertura generosa à ação da graça (EE 5), que está a ligação continuada dele com a ação dinamizadora do Espírito. Isso fica ainda mais claro, quando é apresentado nos EE a maneira de se exercitar, na insistência do "pedir a graça", ao início de todo e qualquer momento de oração.

Fundamentalmente, está aí a convicção teológica inaciana de que o Espírito Santo vai criando esta abertura em nós, pela sua ação escondida (Cf. Jo 8,38) mas eficaz de libertação do que ainda não está bem no nosso interior. Embora encontremos nos EE apenas 3 citações paulinas e mesmo assim no contexto das aparições de Jesus ressuscitado, todo o capítulo 8 da Carta de S. Paulo aos cristãos de Roma, foi vivenciado por Inácio em seus próprios Exercícios em Manresa. Esta "vida no Espírito" certamente fundamenta depois tudo o que serão indicações suas para alguém que deseja livremente encontrar o projeto original de sua pessoa, como criatura dependente só do Criador. O apóstolo é claro ao afirmar: "Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus... não recebestes um espírito de escravos para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos Abba! Pai! (Rom 8,14-15). Isso se parece muito com o que está dito nas Anotações 15ª e 16ª quando "o que dá os Exercícios" é aconselhado para não interferir no processo do exercitante, a fim de deixá-lo sob a ação direta do "Criador e Senhor". Quem quiser aprofundar mais este dinamismo na esteira do apóstolo encontrará na Carta aos Gálatas, capítulo 5, outros elementos desta liberdade interior. 3. Ainda uma palavra final Haveria outros aspectos, especialmente na área antropológico-psicológica para serem abordados e que completariam o assunto mais espiritual deste pequeno estudo. Não foi o meu intuito enveredar por este atalho. Poder-se-ia ter refletido sobre a complexidade de um processo de busca da liberdade, em circunstâncias pessoais mais delicadas e complicadas. Por exemplo: a influência de situações histórico-familiares neurotizantes e traumatizantes; também os tipos de apegos às coisas e às pessoas devido a carências inconscientes etc.. O que se pode dizer de uma forma bem generalizada é que nos casos de maior gravidade, haveria necessidade do recurso à ajuda terapêutica e enquanto não houver o mínimo de condições de equilíbrio, essa pessoa não deveria entrar em EE. Contudo, em casos menos complicados quem acompanha os EE poderá ajudar a pessoa na linha da integração psico-espiritual. O processo então não se diferenciará muito do esquema proposto acima, especialmente através da aplicação das Regras para o Discernimento dos Espíritos. O importante mesmo é que cada um(a), exercitante ou orientador(a) estejam muito convencidos de que o maior interessado na nossa liberdade crescente para o amor é o próprio Deus. Este, dentro da História de cada pessoa, saberá colocá-la em situações de "treinamento", na linha da crescente liberdade do Ser. Chegará o dia em que seremos completamente livres, revestidos do "corpo espiritual" já desligado deste atual "corpo corruptível" (Cf ICor 15,42-44). E o mesmo apóstolo após ter explanado a sua doutrina sobre a ressurreição dos mortos, fundamentada no mistério pascal de Cristo morto e ressuscitado (ICor 15,1-34), exclama exultante: "Graças se rendam a Deus, que nos dá vitória por nosso Senhor Jesus Cristo!" (ICor 15,57). É também nesta certeza de que nós continuaremos abertos ao Espírito, cultivando sem cessar dentro e fora à semente da libertação plantada no coração, já no dia da recepção batismal. Termino com uma afirmação lapidar de Inácio: "Cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e

interesse" - (EE 189). Ela descreve de uma outra maneira o "tornar-se indiferente", núcleo deste pequeno estudo.