Direitos sociais, diversidade e exclusão. A sensibilidade de quem as vive

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Transcrição:

Direitos sociais, diversidade e exclusão A sensibilidade de quem as vive

Shirley Silva Lisete Regina Gomes Arelaro (organizadoras) Direitos sociais, diversidade e exclusão A sensibilidade de quem as vive

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direitos sociais, diversidade e exclusão : a sensibilidade de quem as vive / Shirley Silva, Lisete Regina Gomes Arelaro (organizadoras). -- Campinas, SP : Mercado de Letras, 2017. Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-7591-391-8 1. Cidadania 2. Direitos humanos 3. Direitos sociais 4. Inclusão social 5. Pessoas com deficiência - Direitos 6. Políticas públicas 7. Políticas sociais I. Silva, Shirley. II. Arelaro, Lisete Regina Gomes. 18-12103 CDD-362.4 Índices para catálogo sistemático: 1. Pessoas com deficiência : Direitos sociais : Políticas públicas : Bem-estar social 362.4 capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide imagem da capa: Jorge Márcio Pereira de Andrade Reflexos das multiplicidades, ano 2015 dimensões: 40X50cm, tinta acrílica sobre tela. preparação dos originais: Editora Mercado de Letras DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA: MERCADO DE LETRAS V.R. GOMIDE ME Rua João da Cruz e Souza, 53 Telefax: (19) 3241-7514 CEP 13070-116 Campinas SP Brasil www.mercado-de-letras.com.br livros@mercado-de-letras.com.br 1 a edição 2 0 1 7 IMPRESSÃO DIGITAL 2 0 1 8 IMPRESSO NO BRASIL Esta obra está protegida pela Lei 9610/98. É proibida sua reprodução parcial ou total sem a autorização prévia do Editor. O infrator estará sujeito às penalidades previstas na Lei.

SUMÁRIO Apresentação...7 Mario Sérgio Cortella Cidadania da dependência à emancipação...11 Kátia Fonseca Parte I Diretrizes e procedimentos metodológicos de avaliação política no campo das pessoas com deficiência Avaliando políticas sociais no Brasil: algumas diretrizes fundamentais...15 Shirley Silva e Lisete Regina Gomes Arelaro Quando os outros têm voz. A construção de metodologia qualitativa das políticas sociais no campo das pessoas com deficiência...49 Shirley Silva e Lisete Regina Gomes Arelaro Documentários o que eu, pessoa com deficiência, posso dizer sobre direitos e política?...75 Shirley Silva e Lisete Regina Gomes Arelaro

Parte II Políticas sociais e diretrizes de análise A participação direta das próprias pessoas com deficiência na elaboração de leis e formulação de políticas públicas no Brasil...101 Vinicius Gaspar Garcia Política Educacional Brasileira avanços, limites e desafios...127 Sônia Maria Portella Kruppa Anotações sobre a garantia de direitos sociais: políticas públicas de esporte e diversidade...157 Maria Cristina Cavaleiro A cultura na dimensão antropológica e como direito social...175 Elmir de Almeida Novos campos de força na luta política. Biopolítica e política institucionalizada. Questões para as lutas de coletivos que apostam na diferença...205 Emerson Elias Merhy

APRESENTAÇÃO Uma questão central quando se pensa em Direitos Humanos é a capacidade de proteção à vida nas suas múltiplas manifestações, seja a vida humana, sejam outras formas de vida que se abrigam dentro da nossa realidade, dentro do nosso planeta. O direito humano é aquele que protege, eleva, supera as condições que diminuam a capacidade de estruturação e de ação de alguém dentro da vida. Isso significa, entre outras coisas, que a proteção à vida para quem tem algum tipo de diferença, que lhe dá algum tipo de reserva e peculiaridade na relação de convívio no cotidiano, não pode significar tirar-lhe a vida em comunidade e seus direitos como humano. Implica em uma percepção e em uma estruturação que viabilize a condição de exercício da sua cidadania, da sua humanidade, que ultrapassem a restrita e restritiva relação que se abrevie ao campo do cuidado, realocando sua diferença como doença. Falar em direitos humanos, especialmente no campo das pessoas com deficiência, é pensar na preservação da dignidade coletiva, e é aí que elas se inserem. O que significa estar em paz? Estar bem é estar em paz. Estar em paz não significa ausência de atribulação. Significa ausência de impossibilidades. Ausência de desespero. Estar em paz, ou seja, estar bem, é não ser vitimizado por Direitos sociais, diversidade e exclusão 7

uma sexualidade que fica fraturada, é não ser atacado por uma doença que não tem alternativa individual e coletiva. Estar bem é não ser vitimado pela ausência de convivência e lazer saudável, pela prática de uma religiosidade que possa ser livre e não alienante. Indicadores de qualidade de vida são todos aqueles que protegem a vida humana do conjunto das suas perspectivas: é o transporte que me leve, mas é também o transporte que me ofereça condição de conforto, é a habitabilidade do mundo junto com os outros, é a possibilidade de um local de trabalho que me acolha e não me exclua e que me possibilite sentir bem, estar em paz. E isso exige que se tenha clareza que a paz é um direito coletivo e não um privilégio individual. Esses são indicadores de qualidade de vida e são eles que deveriam nortear a avaliação das condições de vida das pessoas e das comunidades. São esses indicadores que deveriam permear a avaliação das políticas públicas. São eles que permitem que a pessoa se sinta integral na sua posição. Independente de eventuais dificuldades ou limitações que ela carregue, que ela não se sinta de forma nenhuma diminuída, que ela possa até se sentir limitada, mas que não se sinta menos digna, menos possível, menos humana. Um direito humano fundamental é o direito à capacidade de ser humano. É fundamental percebermos o quanto a expressão de um movimento de preconceito, de uma compreensão excludente, o que Paulo Freire considerava como miopizar a realidade, de tornar míope a compreensão do outro e da diferença, produz não uma ilusão de ótica, mas uma ilusão marcada pela convicção de ser uma ilusão de ética também à medida que deturpa a visão sobre o outro e sobre a compreensão dele. Os latinos, que geraram boa parte do nosso idioma, tinham uma expressão para a palavra eu que era ego. E usavam duas outras para identificar o não-eu. Uma delas é alter, que significa o outro, mas usavam também a expressão alĭus, que significa o estranho. Ora, olhar o outro é fundamental 8 Editora Mercado de Letras Educação

para que ele não seja percebido como um estranho. De maneira geral, quando se fala de alguém que não é do nosso mundo, ele é olhado como um estrangeiro, como um forasteiro, aquele que é de fora, aquele que é estranho, aquele que não pertence a nossa comunidade ou que não é igual a nós. Isso significa que um ponto central para afastar o preconceito é uma visão de alteridade, em que se possa olhar o outro como outro e não como um estranho. Olhar o outro implica também em acolhê-lo como um igual, e um dos elementos centrais para se fazer isso é reconhecer as diferenças. Homens e mulheres são diferentes, não são desiguais; brancos e negros são diferentes, não são desiguais; cegos e pessoas com visão completa são diferentes, não são desiguais. A diferença é um dado cultural ou biológico; a desigualdade é um dado ético. Ninguém pode sequestrar de nós, homens ou mulheres, independentemente de nossa condição, a procura de sermos mais feliz, de termos felicidade, de termos alegria, de partilharmos o nosso corpo com o outro, de repartirmos a nossa amorosidade, de expressarmos a capacidade estética na produção de algo e, especialmente da nossa possibilidade de conviver. São os nossos sonhos, os nossos desejos, as nossas possibilidades de imaginar, que ninguém pode sequestrar de nós. Incluir, por isso mesmo, não significa tolerar. Significa acolher. Essa inclusão não é uma inclusão de trazer para junto, é trazer para junto para repartir, portanto, é outra noção de inclusão. É incluir para promover, incluir para elevar, incluir para repartir e não para dividir, porque há uma diferença entre repartição e divisão. Quando você divide, você fragmenta; quando você reparte, você amplia, você distribui, você oferece uma possibilidade de acesso muito mais extensa e completa. Inclusão é repartição. Este livro discute estas e outras questões importantes, que definem a qualidade de nossa existência e convivência. Mário Sergio Cortella Direitos sociais, diversidade e exclusão 9