Análise do Potencial de Eutrofização Associado à Operação de uma ETAR Urbana

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Transcrição:

Análise do Potencial de Eutrofização Associado à Operação de uma ETAR Urbana Mateus Mestriner Pituco Escola Superior Agrária Instituto Politécnico de Bragança mateuspituco@gmail.com Artur Gonçalves Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA Instituto Politécnico de Bragança, ajg@ipb.pt Eduardo Eyng Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais Universidade Tecnológica Federal do Paraná Medianeira, Brasil Eduardoeyng@utfpr.edu.br Manuel Feliciano Centro de Investigação de Montanha (CIMO), ESA Instituto Politécnico de Bragança, msabenca@ipb.pt Resumo A principal função das ETARs é proporcionar uma redução da carga contaminante das águas residuais, devendo ter por referência indicadores de sustentabilidade ambiental. Neste trabalho, propôs-se aplicar a metodologia de ACV a uma ETAR urbana, tendo por objetivo quantificar o potencial de eutrofização associado à operação da ETAR, incluindo processos a montante e a jusante. O inventário do ciclo de vida teve por base dados referentes a dois anos civis e a unidade funcional utilizada foi de 1 metro cúbico de água residual afluente à ETAR. Os resultados apontam para o descarte das lamas desidratadas no solo (79,87%) e a descarga do efluente no ambiente (19,42%) como os principais impactes associados à fase de operação do sistema de tratamento. Em relação à composição do efluente a presença de azoto e fósforo apresentam um contributo de aproximadamente 90%, sendo o restante 10% resultantes da presença de matéria orgânica carbonácea (CQO). Neste sentido, foi possível compreender os efeitos que apontam para as principais contribuições que necessitam ser levadas em consideração ao analisar o indicador potencial de eutrofização. Palavras-Chave Avaliação do ciclo de vida; Estação de Tratamento de Águas Residuais; impacte ambiental. I. INTRODUÇÃO A maior parte dos sistemas de tratamento de águas residuais existentes foi planeada para responder apenas a necessidades de saúde pública e preservação dos ecossistemas naturais. Atualmente, com o aumento das preocupações ambientais e o avanço tecnológico, estes sistemas de tratamento devem ser projetados e explorados, tendo por base indicadores mais abrangentes de sustentabilidade ambiental, como otimizar o uso de energia e o consumo de água, reduzir a produção de resíduos sólidos, reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, reduzir as emissões ou de precursores de oxidantes fotoquímicos, entre outros. É neste contexto que surge a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), como metodologia capaz de apoiar a gestão eficiente das operações e dos processos que integram as Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). Diversos são os estudos que abordam a ACV como metodologia para avaliar aspetos relacionados com o tratamento de águas residuais [1] [2] [3] [4]. Os autores [5] realizaram um importante levantamento quanto ao estado da arte da ACV, promovendo uma revisão crítica de artigos considerados relevantes sobre o tema, descrevendo os principais desafios aplicados a ETARs. Em Espanha, Gallego et al. [6] avaliaram treze ETARs de baixa dimensão (menor que 20.000 e.p.), a fim de identificar as menos impactantes em termos ambientais. Vidal et al. [7] apresenta um estudo de ACV cujo objetivo foi compreender as implicações ambientais resultantes da mudança de tecnologia no tratamento, para cumprir a legislação vigente no que respeita a remoção biológica do azoto. No estudo apresentado por Foley et al. [8] compreende-se a ACV aplicada na quantificação e avaliação de inventários para 10 diferentes cenários de tratamento de águas residuais, entre eles a investigação desde a descarga do esgoto bruto para o ambiente até sistemas avançados de remoção de nutrientes, considerando as etapas de contrução e operação da ETAR. Neste trabalho, propôs-se aplicar a metodologia de ACV a uma ETAR urbana localizada no norte de Portugal, com o objetivo de inventariar e quantificar o desempenho ambiental direto e indireto da etapa de operação quanto ao contributo do potencial de eutrofização no ecossistema. II. MATERIAL E MÉTODO A. Âmbito, Unidade Funcional e Fronteira do Estudo A aplicação da ACV respeita as abordagens previstas nas normas [9] e [10]. A unidade funcional adotada foi 1 m³ de água residual afluente à ETAR, também adotada por outros autores (e.g., [3]). O âmbito deste estudo abrange a avaliação do potencial de eutrofização associado à fase de operação da ETAR, procurando-se desagregar o impacte global por um conjunto de 141

processos que ocorrem na própria estação de tratamento, mas também a montante e a jusante desta. Além disso, estabeleceuse uma relação entre o potencial de eutrofização decorrente do funcionamento da ETAR e de uma situação de referência associada à descarga do efluente bruto sem tratamento. A delimitação da fronteira do sistema (Fig. 1) contempla a fase de operação dos sistemas de tratamento, não considerando as etapas de recolha e drenagem das águas residuais, nem as fases de construção e desmantelamento da ETAR. O sistema de tratamento integra fundamentalmente três linhas: a líquida, que compreende as etapas de tratamento preliminar, primário (físico-químico) e secundário (biológico - fase anóxica seguida por lamas ativadas e decantação); a linha sólida, na qual as lamas primárias e biológicas são misturadas e encaminhadas para um espessador gravítico, seguindo para digestão anaeróbia e desidratação; e a linha gasosa, em que o biogás produzido na fase sólida é encaminhado para a queima em flare e/ou usado na produção de energia térmica, para aquecimento dos digestores, ou para produção de energia elétrica. O afluente da ETAR apresenta um caudal médio de 5685 m³/dia, proveniente de uma população de aproximadamente 42.000 habitantes. O efluente tratado é descarregado num sistema lótico local. A ETAR tem capacidade instalada para cumprir os limites de descarga legais [11] [12] relativos à CQO, CBO 5, SST e Azoto Total. As lamas desidratadas, com concentração média de 17% de matéria seca, têm por destino a emissão direta para o solo agrícola. Esta é uma suposição ampla e percebida em estudos como de Mcnamara et al. [13]. Os resíduos originários na etapa do tratamento preliminar (inorgânicos, areias e gorduras) são destinados ao aterro sanitário consorciado na região. B. Inventário do Ciclo de Vida (ICV) O inventário foi elaborado com base em dados/informação, referentes a dois anos civis, providenciados através da empresa responsável pela gestão da ETAR e obtidos por meio de visitas à estação de tratamento. A tabela I mostra os principais inputs e outputs do sistema, expressos em relação à unidade funcional (U.F). Paralelamente, recorreu-se a literatura específica e a modelos matemáticos para suprir as lacunas existentes nos dados primários, como pode ser visualizado na tabela II. A qualidade dos dados é determinate para a confiabilidade dos resultados e, consequentemente, para a significância e a transparência do estudo [13]. Água Residual Urbana - Afluente Produção de Energia Produção de Químicos Estação de Tratamento de Águas Residuais Aterro Sanitário Figura 1. Fronteira do sistema de estudo Lamas para o solo agrícola Descarga do Efluente Tabela I. Inventário dos dados Inputs Unidade Valor Eletricidade kwh/u.f * 0,27 Consumo de Químicos Cal hidratada g/u.f 1,13 Polímero g/u.f 0,36 Hipoclorito de Sódio g/u.f 0,25 Composição Afluente CQO g/u.f 547 Azoto total (Nt) g/u.f 73 Fósforo total (Pt) g/u.f 9 Outputs Unidade Valor Resíduos inorgânicos, areias e gorduras g/u.f 60,1 Biogás m³/u.f 3,29E-03 Queima em Flare % 35,97 Produção de energia térmica % 64,03 Emissão para a água Efluente CQO g/u.f 42 Remoção CQO % 92 Azoto total (Nt) g/u.f 10 Remoção Nt % 86 Fósforo total (Pt) g/u.f 0,5 Remoção Pt % 94 Emissões para o solo Lamas g/u.f 324,11 Azoto total (Nt) g/u.f 4,30 Fósforo total (Pt) g/u.f 8,37 Emissões atmosféricas N 2O g/u.f 0,57 NO x g/u.f 5,37E-04 * U.F Unidade Funcional Tabela II. Parâmetros para elaboração do inventário Dados do Inventário Referência Caudal afluente/efluente CBO, CQO, Nt, Pt, SST e gorduras Resíduos inorgânicos e areias Volume de lamas desidratadas Emissão de gases Literatura [14] e [15] Biogás (queima e geração de calor) Consumo de eletricidade Consumo de produtos químicos Produção do mix energético Base de dados Gabi 6.0 Produção de químicos Base de dados Gabi 6.0 (camião/diesel) Base de dados Gabi 6.0 Aterro sanitário Base de dados Gabi 6.0 142

Os processos específicos adotados a partir das bases de dados do software GaBi 6.0 foram os seguintes: o Produção do mix energético: adotado a partir do cenário português relacionado a 2012, com 28,08% da eletricidade produzida com a queima de carvão, 22,89% a partir de gás natural, 22,01% da eólica, 14,29% de óleo combustível, 5,36% de biomassa e menores participações com geotérmica, fotovoltaica, hidroelétrica, resíduos e biogás. o Produção de químicos: a principal adição de químicos está ligada ao processo de desidratação das lamas com o uso do polímero floculante poliacrilamida catiónico. Por não apresentar processos de caracterização deste polímero nas bases de dados, adicionou-se ao modelo a produção da acrilonitrila por ter elevada influência na fabricação da poliacrilamida [16]. Para o controle do ph na digestão das lamas é adicionado hidróxido de cálcio. No controle de filamentosas é adicionado hipoclorito de sódio, em que no modelo adaptou-se para a produção de cloro. o, combustível e disposição dos resíduos: a distância da produção de químicos até à ETAR (aproximadamente 250 km), bem como, da ETAR ao aterro sanitário (cerca de 70 km) e ao destino das lamas para a agricultura (adotado 25 km) foram inseridos no processo de transporte (capacidade de 3,3 ton. de carga útil). Adotou-se o refinamento do diesel tendo por referência a União Europeia. Os resíduos inorgânicos coletados na fase preliminar, junto com as areias e gorduras, são destinados ao aterro sanitário adotado no modelo com referência também à União Europeia. C. Avaliação do Impacte do ciclo de Vida (AICV) A elaboração do modelo e a avaliação dos impactes foram gerados na ferramenta computacional GaBi 6.0, desenvolvido pela PE INTERNACIONAL, atual Thinkstep [17]. Esta etapa tem como característica analisar os dados por uma perspetiva ambiental, através de categorias de impacte constituídas pela classificação e caracterização do ICV quanto ao potencial impacte no ambiente. O método CML 2001 (versão janeiro/2016) desenvolvida na Universidade de Leiden [18] contempla uma ampla lista de categorias, de tal maneira que, para a avaliação deste estudo foi utilizada a categoria Potencial de Eutrofização (EP), motivada pela carga de nutrientes que compõe o efluente urbano e a influência direta que os sistemas de tratamento oferecem para a redução destes. Os autores Hellström et al. [19] destacam a eutrofização como um critério ambiental prioritário para avaliar a gestão sustentável das águas urbanas. O Potencial de Eutrofização (EP) abrange os impactes relacionados com os níveis de macronutrientes como o azoto (N) e o fósforo (P) no ambiente [18]. Em meio aquático e terrestre o aumento de nutrientes favorece a multiplicação de microrganismos e elevada produção de biomassa, tal que em meio aquático impede a passagem da luz consequentemente decaindo a quantidade de oxigénio dissolvido pela decomposição da biomassa (medida em CBO), causando forte impacte na diversidade local [18] [1]. Em solos eutrofizados, há uma maior susceptibilidade das plantas para doenças e pragas, além de que, se o nível de nutrientes exceder a quantidade de azoto necessário para a planta poderá ocorrer enriquecimento de nitrato no solo e, através da lixiviação, aumentar o teor destes nas águas subterrâneas [20]. O Potencial de Eutrofização é avaliado em kg de fosfatoequivalente. III. RESULTADOS A contribuição da categoria de impacte associado à fase de operação do sistema de tratamento das águas residuais, assim como à situação que representa a descarga direta da água residual sem tratamento pode ser visualizado na tabela III, desagregado pelos vários processos que contribuem para viabilizar o tratamento das águas residuais produzidas no ambiente urbano. O Potencial de Eutrofização está diretamente ligado ao descarte das lamas desidratadas no solo (79,87%) e a composição do efluente a ser descarregado no ambiente (19,42%). Resultados similares foram também obtidos noutros estudos (e.g [13]). Tabela III. Contribuição da categoria de impacte por unidade funcional Processos Pot. de Eutrofização (kg fosfato-equiv.) Com fase operacional Sem fase operacional Produção de químicos 7,0E-07 - Produção de energia 3,3E-05 - Químicos 1,2E-07 - Lamas 2,2E-06 - Resíduos 1,1E-06 - Emissões atmosféricas ETAR 1,5E-04 - Lamas para o solo 0,027 - Descarga do Efluente 0,0066 0,0702 Aterro Sanitário 5,09E-05 - Total 0,0342 0,0702 Em relação ao impacte que potencialmente pode advir do uso das lamas em solos agrícolas, o resultado é justificado pelo alto teor de azoto e fósforo presente nas mesmas e não ter sido considerado uma relação como produto evitado a nível de fertilização mineral, como reporta Renou et al. [21]. Estes autores referem que, quando as lamas são recicladas em solos agrícolas, os fertilizantes minerais são muitas vezes substituídos pelos benefícios da lama. Contudo, consideram que as lamas não apresentam o mesmo efeito agrícola, devido não serem aplicadas na mesma etapa que o fertilizante mineral. O Pasqualino et al. [3] comparam cinco diferentes cenários quanto a alternativas de disposição das lamas, a fim 143

de verificar a redução quanto ao impacte de eutrofização, em que tais alternativas viabilizam a redução ou impedem a acumulação de nutrientes no solo. As emissões de gases ocasionadas pelo sistema de tratamento são referidas como a contribuição por emissão para a atmosfera de N 2 O e óxido de azoto previsto nos sistemas biológico e queima do biogás em flare, respetivamente. O Potencial de Eutrofização global resulta num valor de a 0,0342 3- kg PO 4 equivalente por metro cúbico de água residual, aproximadamente 49% do que resulta do lançamento do efluente bruto no meio recetor sem qualquer tipo de 3- tratamento (0,0702 kg PO 4 por metro cúbico de água residual). A emissão de quatro substâncias para o ambiente é identificada como as principais responsáveis pelo impacte quanto à descarga do efluente no meio recetor. A Fig. 2 apresenta a contribuição das substâncias presentes na descarga do efluente. relevância do tratamento de águas residuais face à opção de não tratar. A estrutura da ETAR assim como a gestão eficiente dos recursos, dos processos de tratamento e da gestão de resíduos é também determinante para a melhoria da sustentabilidade ambiental destes sistemas. Em especial neste estudo, a fronteira do sistema não contemplou as características locais ou regionais do ambiente hídrico recetor da descarga do efluente bruto e tratado, como por exemplo, não se consideraram parâmetros quantitativos do rio nem parâmetros de qualidade do mesmo a montante do ponto de descarga, as condições de diluição das águas, a decomposição aeróbia, entre outros elementos. Quanto às lamas, incluir na fronteira do estudo diferentes processos que visem destinos diferentes torna-se relevante, uma vez que utilização no solo agrícola confere o principal potencial impacte analisado. Integrar estas análises em futuras avaliações pode ser considerado merecedor de atenção ao buscar um resultado ainda mais atraente e satisfatório com a realidade em que esta estação de tratamento está inserida. Diante das abordagens efetuadas é possível compreender os resultados que apontam para a composição do efluente descarregado no meio recetor e o uso das lamas em solo agrícola, como sendo os processos determinantes do desempenho das ETARs em termos de Potencial de Eutrofização. Neste sentido, a ACV é oferecida como uma ferramenta atrativa para a sustentabilidade ambiental de sistemas de tratamento de águas residuais, ao identificar os principais impactes ligados aos processos, tornando-a numa metodologia capaz de oferecer orientações à equipa gestora em processos de tomada de decisão conducentes à implementação de novas tecnologias de tratamento de águas residuais e de tratamento e disposição de lamas. Fig 2. Contribuição da descarga do efluente não tratado e tratado para o potencial de eutrofização, com indicação da contribuição isolada da CQO, Azoto total (Nt) e Fósforo Total (Pt). As contribuições relativas das descargas de azoto total (Nt), fósforo total (Pt) e a carga orgânica (como compensação química de oxigénio - CQO) são comparadas para o efluente tratado e para o efluente bruto. A contribuição de Nt e Pt, em conjunto, é de aproximadamente 83% para o efluente bruto e de cerca de 86% para o efluente tratado, sendo estas contribuições também maior representativa na avaliação de quatro estações estudadas por Hospido et al. [22]. No global, o efluente bruto descarregado diretamente no meio recetor apresenta um Potencial de Eutrofização 90% superior ao que resulta do lançamento do efluente tratado. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT, Portugal) e a FEDER no âmbito do Programa PT2020 pelo suporte financeiro ao CIMO (UID/AGR/ 00690/2013). Um agradecimento muito especial à empresa Àguas do Norte, s.a. através da coordenadora de exploração e equipa técnica da ETAR de estudo, pela informação primária disponibilizada e por todos os esclarecimentos prestados. IV. CONCLUSÃO Apesar deste estudo se ter centrado apenas num dos indicadores de impacte da ACV, demonstrou parte da 144

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