Câmbio no centro da teoria do desenvolvimento

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Transcrição:

Câmbio no centro da teoria do desenvolvimento Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi e José Luís Oreiro Capítulo 13 de Structuralist Development Macroeconomics, Londres: Routledge, a ser publicado. A macroeconomia estruturalista do desenvolvimento coloca a taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento econômico. Este preço macroeconômico geralmente não é considerado parte da teoria do desenvolvimento porque ou se supõe que ela flutua suavemente em torno do equilíbrio corrente, como faz a teoria neoclássica, ou, como propõe a teoria keynesiana, que flutue volatilmente em torno desse equilíbrio. Seria, portanto, um problema de curto prazo a ser estudado pela macroeconomia. Entretanto, se, ao invés disso, supusermos que a taxa de câmbio tende a se apreciar ciclicamente (ou seja, passa por um processo de apreciação gradual seguida por súbita depreciação quando o crédito em moeda estrangeira é cortado e a crise se desencadeia), será fácil entender porque ela permanece cronicamente sobreapreciada. Torna- se, assim, um problema de médio prazo, e, portanto, um problema a ser estudado pela teoria do desenvolvimento econômico. Mas não um problema como muitos outros, mas um problema central para o teoria do desenvolvimento, porque a taxa de câmbio é um preço macroeconômico estratégico que além de determinar o déficit ou o superávit em conta corrente, determina investimento e poupança ao criar ou ao negar oportunidades de investimentos lucrativos para os empresários, ou, em outras palavras, porque uma taxa de câmbio cronicamente sobreapreciada impede que empresas modernas e eficientes

produtoras de bens tradable que não commodities se tornem competitivas internacionalmente. Um problema central para a teoria do desenvolvimento econômico que exige dos policymakers uma política de taxa de câmbio uma política que neutralize a tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio. A tese da necessidade de uma política de taxa de câmbio é estranha às políticas de desenvolvimento econômico que são discutidos nos livros- texto. E não é habitual no campo da política mocroeconômica, onde se fala apenas em política fiscal e política monetária (esta limitando- se aos juros). E neste campo, quando se discutem políticas de taxa de câmbio, elas incluem medidas de curto prazo para estabilizar a taxa de câmbio, jamais para mudar o seu nível. Ora, se a taxa de câmbio nos países em desenvolvimento tende a ser cíclica e cronicamente sobreapreciada, é necessária de uma política de taxa de câmbio que a leve a flutuar em torno do nível de equilíbrio o equilíbrio industrial. A sobreapreciação crônica da taxa de câmbio A taxa de câmbio é cronicamente sobreapreciada nos países em desenvolvimento porque existe neles uma tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio. Este talvez seja o ponto central da macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. É devido a esse argumento que foi possível colocar a taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento. As escolas de pensamento anteriores, inclusive a keynesiana e a estruturalista, não haviam adotado essa posição porque supunham que a taxa de câmbio se desequilibrasse apenas no curto prazo em função de fluxos de capitas especulativos, como pensam os keynesianos, ou não estivessem sujeitas a grandes desequilíbrios, como supõem os economistas convencionais. No momento, porém, em que em que observamos na prática e demonstramos teoricamente que a taxa de câmbio apresenta uma tendência cíclica à sobreapreciação, a taxa de câmbio se transforma em uma variável fundamental do desenvolvimento, porque no

transcorrer do ciclo ela permanecerá a maior parte do tempo sobreapreciada. Quando afirmamos que a taxa de câmbio tende a se sobreapreciar de maneira cíclica nos países em desenvolvimento estamos dizendo que esse preço macroeconômico fundamental não é regulado pelo mercado mas por crises desse mercado por crises de balanço de pagamentos ou currency crises. Se a taxa de câmbio fosse controlada pelo mercado, ela poderia ser bem controlada e flutuaria em torno do equilíbrio corrente de forma suave como supõem a teoria econômica convencional, ou seria mal controlada, como supõem os keynesianos, e haveria alta volatilidade causada por fluxos especulativos de capital. A teoria keynesiana, porém, para aí. Não considera a doença holandesa que mantem a taxa de câmbio permanentemente sobreapreciada, e não leva em consideração que os fluxos especulativos têm uma tendência a de causar entradas de capitais no país em desenvolvimento e apreciar sua moeda. Além disso, não salienta que esses capitais entram em moeda forte, não na moeda do próprio país, de forma que tornam o país vulnerável a crises de balanço de pagamento. Assim, no quadro da tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio, porém, a variação da taxa de câmbio é tão grande que já não é mais razoável falar em coordenação pelo mercado. São as crises de balanço de pagamento que recolocam a taxa de câmbio no equilíbrio, ou, mais precisamente, que levam a taxa de câmbio a inverter de tendência e se depreciar. Na verdade a crise geralmente implica um overshooting uma variação além do equilíbrio de forma que a taxa de câmbio se torna depreciada por algum tempo. A taxa de câmbio se deprecia de forma radical, de um salto, no momento da crise de balanço de pagamento ou do sudden stop, porque nesse momento fica patente para todos os credores que eles e o país devedor praticaram juntos o que Hyman Minsky chamou de finanças Ponzi, que construíram uma bolha financeira, e que, agora, o país não tem condição de honrar seus compromissos financeiros. Mas, por que a taxa de câmbio tende a se sobreapreciar? Por que, em seguida, não supor que os agentes econômicos tanto de um lado quanto do

outro, aprenderam a lição e passarão a se comportar racional e equilibradamente? Porque nos países em desenvolvimento dois fatores de natureza diversa pressionam a taxa de câmbio para baixo, apreciando-a. Ainda que não se possa separar os dois fatores na prática, no plano teórico e na Figura 13.1 é possível fazer essa separação. Figura 13.1: Tendência cíclica à sobreapreciação: Figura síntese ε ε 1 ε 2 doença holandesa Tx câm indust Tx câm corrent deficit em conta corrente c r i s e c r i s e ortodoxos keynesianos Nesse figura temos, na ordenada, a taxa de câmbio e na abcissa, o tempo. As duas linhas horizontais são respectivamente a do equilíbrio industrial e a do equilíbrio corrente que discutimos mais profundamente no capítulo sobre a doença holandesa. As duas linhas que flutuam, uma suavemente e a outra com grande volatilidade em torno do equilíbrio corrente representam respectivamente a teoria convencional e a keynesiana. A curva que após uma crise sobe violentamente, depreciando-se, e depois desce gradualmente, atravessa as duas linhas de equilíbrio, entra na área do déficit em conta corrente e, portanto, do aumento do endividamento externo, e afinal é interrompida por uma crise de balanço de pagamentos é a curva que corresponde à tendência cíclica à sobreapreciação da taxa de câmbio.

Os dois fatores que causam a sobreapreciação crônica da taxa de câmbio são a doença holandesa e a entradas de capital em excesso sobre as saídas. Como podemos ver na Figura 13.1, primeiro, a doença holandesa a puxa do equilíbrio industrial para o equilíbrio corrente, porque ela é compatível com o equilíbrio a longo prazo da conta corrente. A taxa de câmbio responde no mercado a duas restrições: primeiro, ela é definida pela mercadoria que se beneficia de rendas ricardianas, de modo que pode ser exportada a uma taxa de câmbio mais apreciada do que a taxa de câmbio que será necessária para as demais mercadorias transacionáveis sejam competitivas internacionalmente. Segundo, essa taxa de câmbio deve equilibrar a conta corrente do país. Por isso a doença holandesa é um fator estrutural de sobreapreciação da moeda apenas se considerarmos que o verdadeiro equilíbrio é o equilíbrio industrial. A doença holandesa não permite que a taxa de câmbio gire em torno do equilíbrio industrial, mas não a leva a um nível mais apreciado do que o equilíbrio corrente. Quem se encarrega de apreciar a moeda nacional para baixo do equilíbrio corrente são as entradas líquidas de capital. Estas tendem a ser elevadas nos países em desenvolvimento por diversas causas, mas a principal é a equivocada política de crescimento com poupança externa.. Agora o que é importante entender é que teoria econômica, tanto a ortodoxa, quanto a heterodoxa, tanto a neoclássica quanto a keynesiana e a estruturalista tomam como pressuposto que a poupança externa seria necessária para o crescimento dos países em desenvolvimento, porque estes países poupariam de maneira insuficiente, e porque a poupança externa se somaria à interna causando o aumento da taxa de investimento. Uma tese equivocada que, no caso da teoria neoclássica, tem uma certa coerência, porque seus defensores acreditam que a poupança precede o investimento, enquanto não tem suporte na teoria keynesiana, já que uma de suas maiores realizações foi ter mostrado que desde que os empresários contem com crédito o investimento antecede a poupança. Conforme argumentamos no capítulo 7, esse é um equívoco. Na verdade uma boa parte dos recursos

recebidos do exterior vai para o consumo e não para o investimento, de forma que temos uma elevada taxa de substituição da poupança interna pela externa. O importante, agora, é que esse tipo de pressuposto associado ao modelo estruturalista dos dois hiatos e ao conceito mais geral de restrição externa legitima as entradas sem controle de capitais no país que apreciam sistematicamente a taxa de câmbio e levam o país ao déficit em conta corrente, ao aumento do endividamento externo, à fragilização financeira, e finalmente à crise de balanço de pagamentos. As entradas de capitais ocorrem sob diversas formas: investimentos diretos (que podem implicar aumento de capacidade de produção, ou, mais comumente, compra de empresas nacionais), investimentos em portfólio, e financiamento (via empréstimos bancários ou, hoje mais comumente, via emissão de bônus). De um modo geral, esses empréstimos não interessam ao país interessam apenas aos investidores ou então a políticos populistas, não ao país, mesmo quando financiam investimento real, acumulação de capital. Porque as entradas, não importa qual seja sua forma e finalidade, sempre apreciam o câmbio e acabam desestimulando o investimento nacional. Em contrapartida, interessam aos países ricos, que assim mantêm os países em desenvolvimento sempre fragilizados financeiramente e, portanto, dependentes. E interessa aos investidores estrangeiros que, assim, capturam o mercado interno do país para suas empresas, ou então recebem juros elevados. Juros altos As taxas de juros nos países em desenvolvimento são estruturalmente mais elevadas do que nos países ricos não por uma alegada escassez de capital nos primeiros relativamente aos últimos, mas devido a menor organização e desenvolvimento dos mercados de capitais de renda média o que aumenta o prêmio de liquidez exigido pelos investidores para a compra de títulos de longo-prazo, conoforme discutido no capítulo 9. i Não obstante, nos anos 1960 e 1970, quando os países mantinham fechada sua conta de capital, e usavam o

Estado como principal fonte de financiamento dos investimentos, a taxa de juros nesses países mantinha-se muito baixa. Só se tornaram altos substancialmente mais altos do que nos países ricos quando a partir do final dos anos 1980, no quadro de ampla hegemonia neoliberal e neoclássica, políticas econômicas aconselhadas por esses mesmos países passaram a ser aceitas sem a devida crítica por muitos países em desenvolvimento. Afinal, segundo a teoria econômica convencional, o desenvolvimento econômico seria uma grande competição entre os países em desenvolvimento na busca de maiores investimentos externos. Além de justificar macroeconomicamente as entradas de capital com o argumento equivocado de que poupança externa e interna se somariam, a teoria econômica convencional as justifica em termos microeconômicos com o argumento de que as taxas de juros dos empréstimos são menores do que as taxas internas de juros e também que as taxas de retorno do capital. Entretanto, o argumento microeconômico não pode ser transplantado tão simplesmente para o campo macroeconômico, porque o primeiro não leva em consideração o principal argumento contra as entradas de capital: a sobreapreciação da taxa de câmbio. Por outro lado, o argumento de que as taxas internacionais de juros seriam menores do que as taxas locais não é necessariamente válido. Ainda nos anos 1970, as políticas desenvolvimentistas adotadas em países que estavam se industrializando aceleradamente garantiam taxas de juros reais baixas, em certos casos negativas. Vários instrumentos eram usados com esse objetivo, como tetos para as taxas de juros, incentivos tributários ou regulatórios para investimentos, e o financiamento dos grandes investimentos nos países em desenvolvimento pelo Estado, diretamente ou através de bancos de investimento estatais. Isto não interessava aos países ricos e suas empresas. E, como já vimos, logo chamou a atenção de economistas convencionais como Edward Shaw (1973) e

McKinnon (1973), que desenvolveram o argumento da repressão financeira, segundo o qual um nível médio de taxa de juros baixo era um obstáculo ao crescimento dos países. Em consequência as agências financeiras internacionais (FMI e Banco Mundial) passaram a pressionar os países em desenvolvimento a liberarem seus mercados financeiros para que a taxa de juros aumentasse e, assim, deixasse de ser um obstáculo maior ao bom senão ao perfeito funcionamento de mercados financeiros livres. Somava-se a isso a campanha pela desestatização ou contra o Estado porque este seria intrinsecamente ineficiente e dirigido por políticos e servidores populistas e incompetentes dedicados ao rent seeking - à busca de rendas através do controle do Estado. Assim essa campanha que tinha uma justificação ideológica liberal ganhava duas operacionalidades: reservava para o setor privado uma atividade quase-pública como é a atividade financeira, e evitava que a taxa de juros fosse baixa nos países em desenvolvimento justificando assim as entradas de capitais ou o financiamento externos. A partir dos anos 1990, essas ideias legitimadas pelo mainstream econômico foram aceitas pela grande maioria dos países tanto ricos quanto em desenvolvimento. Em consequência os países em desenvolvimento envolveram-se em liberalização financeira, o nível da taxa de juros subiu e entraram mais capitais, que apreciaram a taxa de câmbio, aumentaram artificialmente os salários e o consumo, ii ao mesmo tempo em que aumentava o endividamento externo. Os países se tornaram mais frágeis financeiramente, e muitos entraram em crise financeira. Atendia-se, portanto, aos interesses dos mercados financeiros externos que tinham as portas abertas para seus financiamentos, mas os países eram desestabilizados, tanto os países em desenvolvimento quanto os países ricos como demostraram sucessivas crises financeiras desde a crise do México até a crise financeira global de 2008 e a Grande Recessão que ela vai provocar. Não deixa de ser interessante que em um trabalho recente, Carmen Reinhardt e Belen Sbrancia (2011), do Instituto Peterson de Washington, realizaram um estudo que demonstrou que a repressão financeira trouxe benefícios para os países que a praticaram, especialmente porque os ajudou a reduzir sua dívida

pública. Política monetária Mas nos países que aceitam a ortodoxia neoclássica e neoliberal os juros não são altos apenas porque se busca tornar os preços certos e porque se busca atrair capitais. Eles também são altos porque se busca com eles combater a inflação. Esta é sem dúvida um mal quando alta. Entretanto, mesmo quando ela já está sob relativo controle, em um nível razoável para um país em desenvolvimento econômico (digamos 5% anuais), ela continua a ser vista pelo pensamento ortodoxo como o grande problema a ser enfrentado, mesmo que seja à custa de juros altos e câmbio sobreapreciado os dois obstáculos macroeconômicos maiores que um país encontra para se desenvolver. iii Desde os anos 1990, depois de verificado o fracasso da política monetarista controle dos agregados monetários, os países passaram a adotar a política de metas de inflação. Não há nada a objetar em relação a essa política se ela refletir aquilo que os banqueiros centrais pragmáticos (a maioria deles) entendem que ela deva ser: a substituição de metas monetárias rígidas por metas de inflação flexíveis que devem ser alcançada através de uma multiplicidade de instrumentos entre os quais a taxa de juros é o principal, mas não o único. Se, portanto, as metas de inflação forem combinadas com metas informais de taxa de câmbio e de nível de emprego, e se se entender que os policymakers deverão, de um lado, fazer compromissos entre essas metas, e, de outro, deverão usar vários instrumentos para atingi-las, uma política de metas de inflação será uma boa coisa. Ao invés disso, o que fizeram os economistas neoclássicos foi tentar vestir uma estratégia pragmática, que resultava do fracasso de suas ideias monetaristas, com uma vestimenta neoclássica. Agora só podíamos ter um instrumento para cada objetivo. E surgem recomendações de bom senso, mas que afinal apenas limitam a autonomia dos bancos centrais: a política monetária de sucesso deve

ser disciplinada, transparente, e comunicar credibilidade. A macroeconomia estruturalista do desenvolvimento não tem objeção em relação a uma política monetária que aumente os juros quando a economia está aquecida e a inflação está se acelerando. Esta é uma prática que faz parte da teoria econômica básica ou seja, do conjunto de teorias e de políticas econômicas que são comuns a praticamente todas as escolas de pensamento econômico. O problema da política monetária praticada em alguns países em desenvolvimento nos termos da teoria convencional é que no momento em que a economia se desaquece e o banco central pode baixar os juros, a baixa é feita com grande timidez e logo é interrompida, de forma que, no final das contas, a taxa média de juros do país fica desnecessariamente alta. Todas as políticas que enumeramos acima são recomendações da teoria convencional aos países em desenvolvimento. Existe, porém, uma prática econômica que é original deles: o populismo cambial uma das formas que assume o populismo econômico. O populismo pode ser político ou econômico. É político quando o líder político estabelece uma comunicação direta com o povo sem a intermediação dos partidos políticos e de plataformas políticas razoavelmente definidas do ponto de vista ideológico. O populismo econômico, por sua vez, pode ser definido de maneira simples: ocorre sempre que o governo, para agradar os eleitores e se reeleger, gasta mais do que arrecada de forma irresponsável, ou, mais precisamente, sempre que o governo aumenta a relação dívida pública/pib sem que a economia esteja desaquecida. O político populista pode levar o Estado a gastar mais do que arrecada e, nesse caso, temos o que chamamos de populismo fiscal. Ou o Estado-nação pode gastar mais do que arrecada, pode importar mais do que exporta, e teremos o populismo cambial. No caso do populismo fiscal, o resultado é o déficit público e o aumento da dívida pública; no caso do populismo cambial, o déficit em conta corrente, as entradas de capital para financiá-lo, o aumento da dívida externa, a apreciação da taxa de câmbio e a substituição da poupança interna pela externa. As duas formas de populismo são independentes. Pode haver

populismo político sem populismo econômico. Enquanto o populismo econômico é sempre negativo, o populismo político tem aspectos tanto negativos quanto positivos; depende da forma como for usado. iv Em síntese, se a tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio existente nos países em desenvolvimento não for neutralizada, ela levará o país ao endividamento externo insustentável e à crise de balanço de pagamentos. A teoria econômica convencional argumenta que isto era verdade quando os países praticavam câmbio fixo, tendo deixado de ser verdade a partir do momento que a flutuação cambial passou a automaticamente garantir o equilíbrio. Sabemos, porém, que isto é wishful thinking ideológico. Não corresponde à realidade das sucessivas crises financeiras depois da liberalização e da flutuação cambial, porque ignora que os mercados financeiros estão sujeitos a bolhas especulativas reflexivas, baseadas em profecias auto realizadas. v Não é o mercado, mas são as crises de balanço de pagamentos que determinam seus ciclos. Não havendo qualquer política de administração da taxa de câmbio que neutralize essa tendência, o ciclo começará por uma crise que depreciará de forma abrupta e violenta a taxa de câmbio. Esta, que, quando se iniciou o ciclo, estava abaixo do equilíbrio corrente (que equilibra intertemporalmente a conta corrente do país), deprecia- se violentamente, para, em seguida, passar a se apreciar puxada por dois fatores estruturais: primeiro, a doença holandesa a leva até o nível de equilíbrio corrente, e, em seguida, os fluxos de capitais atraídos pelas taxas de lucro e de juros. As taxas de juros, que já tendem a ser um pouco mais elevadas nos países em desenvolvimento, tornam- se mais altas devido a uma série de políticas equivocadas visando atrair capitais e combater a inflação.

Sobreapreciação crônica À tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio está associada uma outra consequência da doença holandesa não neutralizada e das entradas de capital descontroladas: a sobreapreciação crônica da taxa de câmbio o fato que na maior parte do tempo a taxa de câmbio de um país em desenvolvimento que não administra sua taxa de câmbio está sobreapreciada. Conforme podemos ver pela Figura 13.1, a taxa de câmbio média que resulta do ciclo pelo qual ela passa é uma taxa de câmbio necessariamente sobreapreciada. Senão em relação ao equilíbrio corrente, certamente em relação ao equilíbrio que realmente importa: o equilíbrio industrial. Ora, no momento em que concluímos que a taxa de câmbio é cronicamente sobreapreciada nos países em desenvolvimento se deixada por conta do mercado, o problema da taxa de câmbio passa a ser um problema de longo prazo. Deixa assim de ser apenas um problema da macroeconomia e das políticas de estabilização para ser também um problema do desenvolvimento econômico. Na verdade, passa a situar no centro, no coração da teoria do desenvolvimento econômico. Porque uma taxa de câmbio competitiva é fundamental para o desenvolvimento econômico. Uma taxa de câmbio competitiva, no equilíbrio industrial, coloca todo o mercado externo à disposição das empresas nacionais realmente competentes do ponto de vista administrativo e tecnológico. Dado o progresso técnico em curso (a variável básica do crescimento do lado da oferta), o desenvolvimento econômico é função da taxa de investimento. Ora, uma taxa de câmbio competitiva estimula os investimentos orientados para a exportação e aumenta correspondentemente a poupança interna. Estimula os investimentos das empresas que usam tecnologia no estado da arte mundial, as quais não seriam competitivas no plano internacional se a taxa de câmbio fosse cronicamente sobreapreciada. Quando o nível da taxa de câmbio corresponde ao

equilíbrio industrial, toda a imensa demanda externa é aberta para as empresas realmente competentes que usem a melhor tecnologia disponível no mundo. Em sintese Em síntese, a taxa de câmbio nos países em desenvolvimento apresenta uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica, na medida em que, deixada a taxa de câmbio livre, ela irá de crise em crise de balanço de pagamentos, de sudden stop em sudden stop. No momento da crise, a taxa de câmbio se deprecia violentamente, e, em seguida, passa a se apreciar devido a duas causas: à doença holandesa, que, no entanto, apenas a puxa até o equilíbrio corrente, e às entradas excessivas e desnecessárias de capitais, justificadas equivocadamente (a) pela tese da restrição externa e pela política de crescimento com poupança externa, (b) pelo uso da taxa de câmbio para controlar a inflação, (c) pela política de nível de juros alto para evitar a repressão financeira, e (d) pelo populismo cambial. Na medida em que a taxa de câmbio torna- se cronicamente sobreapreciada, e que uma teoria simples e clara explica o fato, a taxa de câmbio passa afinal a ser considerada pela teoria do desenvolvimento econômico, e, mais do que isto, passa a ocupar o centro dessa teoria. i Lembrar que estruturalmente a taxa de juros é o preço que os capitalistas ativos ou empresários pagam para usar o capital dos capitalistas inativos ou rentistas. ii Os salários cresceram artificialmente porque seu aumento não decorreu nem de aumento de produtividade nem de uma política deliberada de aumentar salários através de uma estratégia wage-led. iii Nos anos 2000 esta afirmação coube especialmente para países como o Brasil e a Turquia. Esta compreendeu este fato e iniciou um processo bem sucedido de redução da taxa de juros e correspondente depreciação cambial no final dessa década sem que a inflação aumentasse. O Brasil começou a seguir o exemplo turco em 2011. iv Getúlio Vargas, por exemplo, foi um líder político que, em seus dois governos (1930-1945 e 1950-1954), utilizou o populismo político para ganhar legitimidade política em um país onde a brecha entre as elites e o povo era imensa e, graças a essa legitimidade, ter condições de promover a industrialização ou a revolução industrial nacional brasileira. Não recorreu ao populismo fiscal manteve quase sempre rígida disciplina fiscal, nem ao cambial, mantendo equilibradas as contas externas do país, mas conservou um contato direto com os

trabalhadores urbanos e lhes concedeu uma série de benefícios reais que se concretizaram na Consolidação das Leis do Trabalho v A análise canônica do comportamento reflexivo dos mercados financeiros foi feito por George Soros (1998).