1. Introdução Utilização de Dissipadores Viscosos para Reforço Sísmico de Edifícios de Alvenaria Uma construção deve desempenhar as funções para que foi concebida durante todo o seu período de vida. Ao fim desse tempo é habitualmente necessário intervir-se para corrigir problemas estruturais, estéticos ou funcionais, ou seja reabilitá-la. Actualmente existem diversos edifícios em Lisboa que apresentam um elevado estado de degradação (cerca de 4000 edifícios segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa), que tem conduzido, por vezes, a desabamentos imprevistos. Neste sentido é necessário existirem soluções de reforço estrutural de fácil e rápida implementação, alternativas à demolição total, e com menores impactes ambientais. No âmbito desta problemática, existe com particular relevância, o deficiente comportamento sísmico de uma tipologia construtiva denominada de Gaioleiro, típica da fase de expansão urbana de Lisboa que ocorreu entre 1870 e 1930 e que ainda se encontra bastante difundida na cidade. Os edifícios Gaioleiros são característicos de um período posterior ao Pombalino, terminando a sua concepção com o início da utilização do betão armado. São constituídos genericamente por paredes exteriores de alvenaria de pedra, com o pavimento de madeira. É nesta época que se inicia a urbanização da zona da Avenida da República, Avenida Almirante Reis, Avenida 24 de Julho e zona de Campo de Ourique. O crescimento da cidade atrai construtores do interior de Portugal, dotados de conhecimentos empíricos, que tendem a extrapolar os processos de construção para os novos edifícios, de maior dimensão. É no decorrer desta fase que se perde a formação de carpintaria, necessária à execução das gaiolas pombalinas, que surgem após o terramoto de 1755 dotando os edifícios de maior capacidade de resistência sísmica. Actualmente a situação dos Gaioleiros tem-se vindo a agravar, por não serem considerados merecedores de protecção por parte das entidades do património arquitectónico, devido à sua deficiente qualidade construtiva. É no entanto urgente proceder-se à sua reabilitação dado o peso social e económico que têm na cidade de Lisboa. É neste âmbito que se desenvolveu este projecto, analisando-se a viabilidade e a eficácia de uma nova solução de reforço sísmico recorrendo a dissipadores viscosos, tendo tido por base uma análise comparativa com outras soluções conhecidas de reforço sísmico. Esta solução consiste na colocação de amortecedores em pontos específicos do edifício, que na eventualidade de um sismo contribuem para a dissipação de energia e consequentemente minimizando os danos ao edifício. O trabalho foi aplicado a um edifício Gaioleiro, que foi usado como estrutura de referência. Pretendeuse que a solução testada fosse de fácil implementação e que possa ser atractiva para projectos de reforço em edifícios semelhantes. 2. Caracterização do Edifício Estudado 2.1. Generalidades Este estudo utilizou como referência um Gaioleiro situado na Av. Duque de Loulé nº70, na freguesia de Coração de Jesus, próximo da Praça do Marquês do Pombal (Figura 1 Gaioleiro utilizado como base para este estudo). 1
Este edifício foi concluído em 1911, apresentando semi-cave, piso térreo, quatro pisos elevados e mansarda. O Gaioleiro encosta parcialmente num edifício mais recente ao longo da sua empena esquerda, havendo um acesso pedonal ao logradouro adjacente à empena direita. Outra característica deste edifício, e típica dos Gaioleiros, é a existência de três saguões, um central e os outros dois laterais junto às empenas. O saguão é uma abertura a toda a altura do edifício, para iluminar e arejar o interior dos pisos, possuindo também propriedades resistentes (Figura 2 Vista da saguão central). 2.2. Constituição dos elementos estruturais Embora não se tenham feito ensaios destrutivos para visualizar a constituição dos elementos do edifício, o seu estado de degradação avançado permitiu uma observação directa, na maioria dos casos. Tendo em conta o projecto e as características destas construções, as fundações são executadas em caboucos rasgados até terra firme, executadas de forma contínua ao longo de toda a parede. O pavimento do edifício é constituído por uma malha ortogonal de barrotes de madeira, sobre a qual assentava o revestimento. As vigas apresentam uma largura de 0,08m e uma altura de 0,16m espaçados de 0,40m, para vãos de cerca de 4,0m. Este tipo de pavimento também se encontra na zona das casas de banho e cozinha o que não é comum nesta tipologia construtiva. A sua ligação às paredes de alvenaria consiste no encaixe das vigas em aberturas nas paredes, com a face superior aparelhada e assentes em frechais, que são peças de madeira que coroam a parede através de pregagem. A baixa rigidez destes pisos no seu plano é um dos problemas do comportamento sísmico, já que reduz a transmissão homogénea das forças de inércia às paredes resistentes (não existe o efeito de diafragma rígido do pavimento). Neste edifício foram utilizadas três tipologias diferentes para a execução das paredes. As paredes exteriores e do saguão foram realizadas em alvenaria de pedra irregular (Figura 3 Parede exterior em pedra irregular). A parede da fachada apresenta uma espessura de 0,90m, que ao nível do quarto piso é reduzida para 0,80m. As empenas e a parede do tardoz apresentam uma espessura de 0,60m, reduzindo-se para 0,50m acima do quarto piso. O saguão central e os saguões laterais apresentam, respectivamente, uma espessura de 0,40m e de 0,50m, constante em toda a altura. As paredes divisórias da zona do terraço e da cave são executadas em alvenaria de tijolo perfurado, com uma espessura de 0,30m. As restantes paredes divisórias dos fogos são constituídas por tabiques, com uma espessura de 0,10m. Os tabiques consistem numa pregagem de um fasquiado sobre tábuas colocadas ao alto, revestido em ambas as faces por rebocos, habitualmente sem funções estruturais. A cobertura do edifício consiste em telhas cerâmicas que assentam em asnas de madeira. O último piso foi concebido em mansarda (Figura 4 Cobertura em mansarda). 3. Definição do Modelo de Análise 3.1. Elementos A modelação do edifício foi efectuada recorrendo-se a diversos tipos de elementos finitos existentes no programa de cálculo automático. Procurou-se que cada componente do edifício fosse modelado com o elemento que apresentasse o comportamento mais adequado. Utilizaram-se nomeadamente elementos tridimensionais, planos e de barra (Figura 5 Modelo numérico criado). Na modelação foram considerados elementos tridimensionais para simular a alvenaria de pedra das paredes resistentes e para simular o betão dos pilares. A adopção de um elemento tridimensional é justificável pelo 2
tipo de deformada (a consideração da distorção é mais próxima da realidade) e por permitir a visualização da distribuição das tensões não só na fachada, mas também ao longo da espessura. O elemento plano foi utilizado para simular as paredes de alvenaria de tijolo, que existem na cave e no tardoz em volta das escadas de serviço, e para simular o efeito do edifício adjacente. O elemento de barra foi utilizado para modelar os tabiques e os barrotes do pavimento, uma vez que a hipótese de piso rígido não é admissível, pois as ligações das vigas de apoio ao soalho e os elementos verticais não asseguram a rigidez suficiente. As paredes divisórias em tabiques foram modeladas através de um pórtico contraventado por duas diagonais. A determinação da secção desses elementos foi efectuada com base em ensaios de rotura por corte, em paredes de características semelhantes às existentes no edifício estudado. 3.2. Calibração do Modelo de Análise A definição do modelo numérico do edifício foi essencial para este estudo, razão pela qual a sua proximidade da realidade é fundamental. A definição das propriedades dos materiais no comportamento do modelo tem limitações, em particular no caso das alvenarias. Cada caso é diferente, sendo dependente dos materiais, técnicas construtivas e estado de conservação. Neste sentido o ensaio de caracterização dinâmica experimental do edifício foi fundamental. Realizou-se uma série de ensaios experimentais para a obtenção das frequências próprias e para a definição aproximada dos modos de vibração mais relevantes (Figura 6 Equipamento utilizado para ensaio de caracterização dinâmica). Com base nos resultados do ensaio de caracterização dinâmica foi possível testarem-se alterações ao modelo criado, de modo a aferi-lo com o objectivo de se alcançarem frequências próprias semelhantes às experimentais. A calibração iniciou-se com a análise da rigidez da ligação entre pavimentos tabiques. Outra hipótese considerada na calibração foi o estudo do efeito do módulo de elasticidade das alvenarias de pedra. Após ter sido desenvolvido o modelo para o edifício isolado, considerou-se relevante para o estudo, a consideração da influência do edifício adjacente à empena esquerda. O edifício é uma estrutura recente, construída em betão armado. Esta consideração tem influência na direcção paralela à fachada, afectando o modo de vibração paralelo à fachada e o modo de torção. Os elementos que se introduzem funcionam como paredes verticais perpendiculares à empena do Gaioleiro (visíveis na Figura 5). Foram testadas diferentes disposições de forma a se conseguir a maior proximidade possível dos valores experimentais. Embora não tenha sido uma calibração perfeitamente exacta, uma vez que existem diversos parâmetros que nem sequer foram testados neste trabalho, como por exemplo a rigidez das fundações, é este o modelo base que será utilizado no estudo de reabilitação sísmica. Em relação ao modelo calibrado, nos estudos para a avaliação do comportamento com reforços, reduziuse para um terço o módulo de elasticidade dos elementos de alvenaria. Esta modificação pretende considerar nomeadamente o eventual estado de degradação dos materiais, e alguma fissuração, aquando da actuação da acção sísmica. 4. Solução Estrutural com Dissipadores Viscosos Os problemas de verificação da segurança que os estudos de reabilitação levantam, incidem por um lado na definição do nível de acção sísmica que deve ser considerado na análise, ou seja no nível de segurança que deve ser garantido, e por outro, na forma como se deve proceder a uma intervenção que vise o incremento da segurança da estrutura. Em paralelo deve-se minimizar a interferência com a estrutura a nível estético e funcional, garantindo a reversibilidade das intervenções a efectuar. 3
As acções consideradas neste estudo foram as cargas gravíticas, derivadas dos materiais de construção, e a acção sísmica definida no Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes (R.S.A.). Os valores das acções gravíticas foram retirados de tabelas técnicas. Globalmente a solução de reforço estudada consiste em pórticos metálicos planos colocados ao longo das paredes do saguão que servem de base para a aplicação dos dissipadores viscosos. Estas estruturas estão fundadas em betão no fundo do saguão e estão ligadas ao edifício ao nível dos pisos. Os pisos deverão ser reforçados no seu plano para melhorar o seu comportamento como diafragma. 4.1. Fundações As fundações nesta solução devem ser independentes do restante edifício e executadas através de microestacas. Este processo de construção é indicado para zonas de pouco acesso a material pesado. O maciço de encabeçamento em betão armado deve contornar as fundações originais do edifício (Figura 7 Solução de reforço das fundações). Além de transmitir os esforços das paredes de reforço ao solo de fundação, esta solução contribui para a consolidação do terreno e para consequente melhoria das fundações originais do edifício. 4.2. Reforço do pavimento O correcto funcionamento do reforço estrutural é alcançado apenas se se garantir o reforço do pavimento, de modo a funcionar aproximadamente como um diafragma rígido, ou seja não havendo deformações no próprio plano, mas apenas na vertical. Procurou-se reforçar individualmente cada divisão e proceder-se à ligação entre divisões através de fixações ao longo das paredes divisórias. O reforço consiste na colocação de cabos de aço a atravessar os barrotes do pavimento, que são ancorados junto aos cantos das divisões e tensionados com recurso a esticadores colocados entre os barrotes do pavimento. A ligação entre divisões é garantida através de estruturas metálicas nos cantos e ao longo das paredes divisórias. A intervenção deve ser realizada por levantamento do pavimento para preservar os estuques ornamentados dos tectos (Figura 8 Solução de reforço do pavimento). 4.3. Dissipadores viscosos Os benefícios de um reforço com recurso a dissipadores viscosos são facilmente perceptíveis: o aumento do amortecimento permite diminuir os deslocamentos e consequentemente reduzir os esforços sísmicos, e ao mesmo tempo libertar energia por cada ciclo de funcionamento (Figura 9 Exemplo de dissipador viscoso [www.taylordevices.com]). A força que se desenvolve no dissipador depende da velocidade de deformação provocada pela acção sísmica e afectada por um exponencial ( ) que pode apresentar valores entre 0,2 e 2,0 e está relacionado com a quantidade de energia dissipada por ciclo de funcionamento. Quanto menor for o expoente, maior é a energia dissipada. Para este estudo considerou-se um expoente unitário, que é uma consideração admissível (Figura 10 Relação entre esforço, deformação axial e energia dissipada). A escolha dos dissipadores depende do esforço e da deformação axial máxima a que estão sujeitos. Podem-se considerar características diferentes, tendo em conta as diferentes solicitações a que estão sujeitos. Os esforços e deformações segundo a maior dimensão são superiores, devido à maior rigidez que esta direcção apresenta e consequentemente maior concentração de esforços. 4.4. Estrutura metálica de reforço A estrutura metálica de reforço apresenta pórticos metálicos forrando o interior do saguão central para fixação dos dissipadores. A estrutura metálica consiste num pórtico tridimensional com vigas ao nível de cada piso 4
de perfis em I e perfis tubulares a toda a altura nos quatro cantos do saguão (Figura 11 Estrutura de apoio dos dissipadores). Definiram-se duas barras inclinadas com a função de transmitir os deslocamentos do piso inferior para o nível do piso superior. Uma das extremidades do amortecedor está ligado ao vértice de intercepção das duas barras inclinadas e a outra está ligada ao vértice do pórtico ao nível do piso. Deste modo as deformações são maioritariamente horizontais, tornando mais eficiente a função dos dissipadores. Este sistema é instalado nas quatro faces do saguão, em cada piso. 4.5. Análise de resultados A análise da solução de reforço estrutural divide-se num estudo dos deslocamentos em pontos de referência e dos esforços nos elementos tridimensionais, provocados pela acção sísmica. A escolha de apenas dois indicadores pretende simplificar a análise e o posterior processo de comparação de resultados dos diferentes métodos de reforço ensaiados. O estudo comparativo dos deslocamentos na estrutura, para as diferentes soluções de reforço, baseia-se nos deslocamentos máximos ao nível do último piso e nos deslocamentos relativos entre pisos no saguão e na parede exterior, para se analisarem estes dois elementos em separado. De modo análogo ao que foi efectuado para a análise de deslocamentos, também o estudo das tensões nos elementos que simulam as alvenarias de pedra é selectivo. Para se obter uma distribuição dos esforços em altura considerou-se como referência os elementos existentes nos cantos das paredes exteriores ao nível de cada piso. Analisando o perfil de tracções máximas geradas ao nível de cada piso, constata-se que a solução com dissipadores viscosos reduz os esforços de tracção globalmente, principalmente ao nível das fundações, reduzindo a probabilidade do colapso global do edifício (Figura 12 Tensões geradas para a acção sísmica). A análise dos deslocamentos tem, em relação às tensões, a vantagem de ser menos sensível a problemas numéricos localizados, permitindo uma melhor análise global do comportamento da estrutura. O dimensionamento dos dissipadores foi efectuado através de definição das características dos amortecedores a implementar. Poder-se-ia ter considerado características diferentes segundo as duas dimensões do edifício, tendo em conta as diferenças de esforços e deformações. Os esforços e deformações segundo a maior dimensão são substancialmente superiores, devido à maior rigidez que esta direcção apresenta e consequentemente maior concentração de esforço gera. Em altura os esforços e deformações axiais também são variáveis. Os elementos mais solicitados encontram-se nos pisos inferiores. 5