TENDÊNCIAS DA PESQUISA NA ÁREA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE PRELIMINAR DA PUBLICAÇÃO DA ABRAPEC



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TENDÊNCIAS DA PESQUISA NA ÁREA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE PRELIMINAR DA PUBLICAÇÃO DA ABRAPEC TRENDS OF RESEARCH IN SCIENCE EDUCATION: A PRELIMINARY ANALYSIS OF ABRAPEC S PUBLICATION Roberta Comissanha de Carvalho 1 Isabella Oliveira 2, Flavia Rezende 3 1 Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, comissanha@hotmail.come-mail 2 Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, oliveira@ibest.com.br 3 Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, flaviarezende@uol.com.br Resumo Realizamos uma análise preliminar dos 83 artigos publicados pela Revista da ABRAPEC no período de 2004 a 2008, como uma forma de traçar um panorama das tendências da área de pesquisa em Educação em Ciências. A análise teve como focos o conteúdo específico explorado nos trabalhos, as temáticas discutidas e o tipo de pesquisa (quantitativa ou qualitativa) descrita nos artigos. Os resultados mostram que a maior parte dos artigos investiga, por meio de metodologias qualitativas, os processos de ensino e aprendizagem e a formação de professores, concentrando-se no conteúdo de Física, ou abordando as ciências sem especificar um determinado conteúdo. Reconhece-se a necessidade de avançar no sentido de analisar criticamente esses resultados no que diz respeito à concentração temática e metodológica encontrada e de aprofundar a análise, nos dedicando a aspectos internos aos trabalhos que possam levar a uma apreciação de sua qualidade acadêmica e relevância social. Palavras-chave: Educação em Ciências, metodologia, produção acadêmica. Abstract A preliminary analysis of the 83 articles published in Revista da ABRAPEC from 2004 to 2008 was carried out as a way of composing a picture of the trends of Science Education research. The analysis focused the subject matter explored, the thematic that was discussed and the type of research (quantitative or qualitative) described in the articles. The results indicate that the majority of the articles investigates, using qualitative methods, the process of teaching and learning and teacher education, concentrating on Physics, or approaching science without specification of a certain subject matter. We recognize the necessity to go forward in the direction of understanding these concentrations and to conduct a deeper analysis, observing internal aspects of the articles that could give an appreciation of their academic quality and social relevance. Keywords: Science Education, methodology, academic production. INTRODUÇÃO

A área de Educação em Ciências (EC) se recente de estudos históricos sobre o seu desenvolvimento (Delizoicov, 2004), ainda que nos últimos anos tenha havido algumas iniciativas esparsas de mapear a produção da área a partir da análise de teses e dissertações (por exemplo, Lemgruber, 2000, Megid Neto, 1998, 2007) e outras especificamente dedicadas ao ensino de Física, que se basearam em entrevistas com pesquisadores (Nardi, 2005) e na análise da produção científica (Rezende et al, 2009). Movidas pelo desafio de capturar as tendências do conhecimento que vem sendo produzido no Brasil pela pesquisa em EC, escolhemos, para representar tal produção, a Revista Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências, por ser a revista oficial da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. A análise da produção científica pode ser realizada de inúmeras perspectivas, priorizando-se questões diversas. Sendo a pesquisa em EC um conjunto de esforços explorando diferentes conteúdos específicos (Física, Química, Biologia e Matemática), uma análise imediata seria mapeá-la em relação a estas subáreas. Estudos anteriores (Lemgruber, 2000, Megid Neto, 2000) indicam que a maior concentração da pesquisa em EC (tomando como referência as teses e dissertações) está na área de Física, provavelmente por ter sido esta área pioneira na formação de um programa de pós-graduação em ensino. Historicamente, a área de pesquisa em EC nasce no contexto norteamericano de reformas curriculares, nos anos 60, voltada para a promoção de estudos científicos dos problemas do ensino de ciências e a disseminação dos resultados desses estudos. Como reflexo de sua origem, tem-se percebido a concentração de trabalhos voltados para a exploração de avaliação de metodologias de ensino que possam resolver problemas de aprendizagem. A concentração neste tema é particularmente observada na pesquisa em ensino de Física até a atualidade (Rezende et al, 2009). No que diz respeito às metodologias usadas pelos pesquisadores em EC, já se percebia desde a origem da área, a divisão entre aqueles que defendiam abordagens das ciências naturais e os que defendem metodologias usadas nas ciências sociais (Fensham, 2004). Este autor chama atenção para o fato de que muito do que se tem produzido em EC tem sido sustentado pela crença de que os fenômenos educacionais podem ser definidos e medidos em termos de variáveis discretas, mesmo quando considerada sua complexidade e a presença de muitas variáveis. Recentemente, pesquisadores têm reconhecido a maior adequação das abordagens de cunho qualitativo (Fensham, 2004), mas nem por isso deixam de enfrentar problemas metodológicos. Os aspectos mencionados (área de conteúdo específico, tema da pesquisa e metodologia utilizada) são investigados no presente trabalho, considerando-se que compõem uma análise preliminar da publicação na área, sendo necessário dar continuidade a esta reflexão, examinando, por exemplo, assim como outros pesquisadores (Eybe and Schmidt, citados por Tsai e Wen, 2005), os referenciais teóricos utilizados, a relação entre teoria e método, a qualidade das questões de pesquisa, as implicações para a prática, entre outros aspectos. Optou-se por reduzir os aspectos analisados em um primeiro momento e abranger um grande número de volumes da revista da ABRAPEC. DESENHO DO ESTUDO O corpus da pesquisa Tentando identificar as tendências da produção em EC nos últimos anos, foram analisados os 83 artigos publicados na revista da ABRAPEC, no período de 2004 a 2008, distribuídos em 15 números quadrimensais. A análise dos artigos

A categorização dos artigos segundo conteúdos específicos, temáticas e referenciais metodológicos foi feita a partir da leitura dos resumos e a partir da leitura parcial do trabalho sempre que os resumos não apresentavam as informações necessárias. Levantamento dos conteúdos específicos O levantamento dos conteúdos específicos abordados considerou as seguintes categorias: Física: artigos que se referem aos conteúdos específicos de Física. Química: artigos que se referem aos conteúdos específicos de Química. Biologia: artigos que se referem aos conteúdos específicos de Biologia. Matemática: artigos que se referem aos conteúdos específicos de Matemática. Outra(s) disciplina(s): artigos que se referem aos conteúdos específicos de outras disciplinas, como Geografia, Geologia, Engenharia, Agronomia. Ciências Nível Fundamental: artigos cujos conteúdos são os de Ciências para o Ensino Fundamental. Ciências Nível de ensino especificado: artigos que se referem às ciências, significando qualquer uma das áreas de conteúdo específico. Mais de uma área de conteúdo: artigos que se referem a mais de uma área de conteúdo Outros: artigos que tratam dos conteúdos de Educação não formal, de Educação em Saúde, análise das produções da área de Ensino de Ciências. Levantamento das Temáticas As temáticas foram analisadas com base nas categorias utilizadas por Greca et al. (2002a), resumidas a seguir: Ensino-Aprendizagem: Artigos que fazem referência ao processo ensino-aprendizagem, aos métodos ou materiais didáticos utilizados (laboratórios, modelos, metodologias didáticas, tecnologias, resolução de problemas, análise de livros didáticos) ou ao levantamento e tratamento de concepções dos estudantes. Currículo: Artigos que discutem os documentos curriculares oficiais, ementas de disciplinas, educação continuada, bem como interdisciplinaridade, atividades extracurriculares, ensino não formal e História e Filosofia da Ciência. Avaliação: Artigos que discutem a avaliação da aprendizagem (instrumentos, exames nacionais, exames vestibulares). Formação de professores: Artigos que abordam o processo ensino-aprendizagem no âmbito dos cursos de formação inicial ou continuada bem como os saberes dos próprios docentes. Pesquisa: Artigos que enfocam a metodologia da pesquisa.

Deve-se ressaltar que esta é uma das muitas formas possíveis de considerar as diferentes temáticas investigadas e que algumas destas temáticas se interpenetram. Em alguns trabalhos, identificamos mais de uma temática, no entanto, para efeito de classificação, determinou-se a que mais se destacou no texto. Levantamento dos referenciais metodológicos Os referenciais metodológicos foram levantados buscando-se a explicitação, pelos autores, pela opção por pesquisa quantitativa ou qualitativa (por exemplo, análise do conteúdo, análise do discurso, mapas de eventos, pesquisa-ação, análise histórica, estudo de caso). Levantamento do número de autores O número de autores foi computado através de simples contagem. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Quanto ao conteúdo específico A análise dos artigos permitiu visualizar as diferentes áreas de conteúdo contempladas pelos autores, como mostra a Tabela 1. Tabela 1: Áreas de Conteúdo Específico Áreas de Conteúdo Específico 2004 2005 2006 2007 2008 Total % Física 8 6 3 5 4 26 31,3 Química - 2 2 1 3 8 9,6 Biologia 6 - - 1 1 8 9,6 Matemática 1 - - - 1 2 2,4 Outra(s) disciplina(s) - 2 1 2-5 6,0 Ciências - Nível Fundamental 2 2 3-2 9 10,9 Ciências Nível não especificado 3 2 3 2 5 15 18,1 Mais de uma área de conteúdo 4 3-1 2 10 12,1 Total 24 17 12 12 18 83 100 Observa-se que as pesquisas relacionas à Física são privilegiadas, mas há um número considerável de trabalhos envolvendo mais de uma área de conteúdo, o que pode ser reflexo da disseminação, na área, das idéias acerca da interdisciplinaridade. O Ensino Fundamental também apresenta número significativo e envolve três trabalhos relacionados às séries iniciais deste segmento. Encontram-se presentes, ainda na categoria Ciências, trabalhos relacionados à abordagem CTS, à Educação em Saúde e aos espaços não formais de educação. Quanto às Temáticas A Tabela 2 apresenta a distribuição dos artigos publicados categorizados de acordo com a temáticas principais. Foi possível levantar estes dados apenas com a leitura dos resumos. Percebe-se que as temáticas Ensino-Aprendizagem e Formação de Professores são as mais representativas da produção da revista da ABRAPEC. A concentração no tema Ensino- Aprendizagem confirma a tradição da área, que nasce para investigar e aportar soluções para os problemas do ensino e da aprendizagem. Este resultado vai ao encontro da consideração de Mortimer (2002) que, ao situar as tendências da pesquisa em EC no Brasil, ressalta o

compromisso da área com o contexto da sala de aula e com a contribuição desses conhecimentos para a formação de professores. Tabela 2: Distribuição dos artigos de acordo com as temáticas Temáticas 2004 2005 2006 2007 2008 Total % Ensino-Aprendizagem 10 7 8 3 10 38 45,78 Currículo 3 2 1 5 2 13 15,66 Avaliação - 1 - - 1 2 2,41 Formação de Professores 10 6 3 3 3 25 30,12 Pesquisa 1 1-1 2 5 6,03 Total 24 17 12 12 18 83 100 Na temática Currículo foi incluída uma grande diversidade de trabalhos: estudos ligados à abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade, com objetivo de analisar o material escolar adotado; uma análise das concepções epistemológicas dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais (5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental); um estudo que articulou Ensino de Ciências, CTS e democracia; um trabalho sobre interdisciplinaridade, envolvendo diferentes profissionais de uma escola pública de Ensino Médio, outros que destacaram as questões relacionadas à natureza e/ou à história das ciências, o papel do livro didático no processo de inovação curricular e a questão da formação para a cidadania, onde a problematização sobre a relevância dos conceitos científicos encontra-se atrelada à solução de problemas cotidianos. É visível o número mínimo de trabalhos voltados para a temática Avaliação, embora este tópico tenha importância crucial tanto para o ensino-aprendizagem quanto para a atualização curricular. Segundo Mortimer (2002), esta característica da pesquisa brasileira em EC segue a tendência mundial de ignorar essa questão, apesar das contribuições que a discussão da mesma poderia trazer para a prática pedagógica de professores. Temas relacionados às diferenças de oportunidades ou ao tratamento diferenciado entre mulheres e homens no ensino de ciências não foram abordados, dado este também assinalado por Greca (2002a) em seu estudo sobre os trabalhos de pesquisa submetidos ao III Enpec. Quanto aos referenciais metodológicos Os resumos dos artigos muitas vezes não apresentam informações sobre a metodologia empregada e/ou o quadro teórico-metodológico adotado, sendo necessário recorrer ao corpo do trabalho para levantar essa informação. Dentre os 83 artigos analisados, apenas um descreveu-se como quantitativo, seis como quantitativo-qualitativos e os 76 demais foram caracterizados como qualitativos. Os resultados, tal como em Duarte (2002), em Portugal, como em Greca (2002b), no Brasil, apontam para o predomínio das metodologias qualitativas e incluem estudos de caso, análise de conteúdo, análise do discurso, pesquisa etnográfica, estudos históricos, entre outros. Esse é um movimento histórico da área de Ensino de Ciências, onde a tendência à metodologia quantitativa foi substituída por pesquisas essencialmente qualitativas ou por pesquisas onde coexistem os dois tipos de metodologias. Segundo Medeiros (2002), o editor de um importante periódico internacional assinalou que 90% dos artigos, em média, são recusados para publicação por causa de motivos de ordem metodológica: [...] introduções e revisões bibliográficas deficientes, que não fornecem um quadro claro do campo investigado e que não conduzem a uma clara identificação do problema de pesquisa; formas inadequadas de abordar o problema de pesquisa, quando identificado, ou

uma simples falta de alusões claras às formas de coleta de dados, critérios de seleção de dados e sujeitos investigados, análise das informações coletadas e conclusões obtidas (p.66). Estes são os apontamentos gerais que merecem uma reflexão por parte dos pesquisadores e da comunidade de pesquisa. Mas Medeiros (2002) também ressalta a necessidade de pensar o que é a Metodologia da Pesquisa : assinala que ela é bem mais que um simples conjunto de procedimentos em busca de uma resposta para um certo problema de pesquisa, mas que inclui [...] um fundamento filosófico que dá suporte a tais procedimentos (p.67). Chegamos, assim, ao paradigma de pesquisa adotado, quantitativo e qualitativo. Nos anos 60, quando o campo educacional encontrava-se influenciado sobretudo pelos modelos comportamentais, era imperativo o paradigma quantitativo: testes de hipóteses, grupos de controle e sofisticados tratamentos estatísticos (MEDEIROS, 2002, p.67). Nos anos recentes, a hegemonia do paradigma qualitativo tornou-se realidade, chegando até a uma certa tendência em não serem aceitas pesquisas quantitativas (idem, p.68). Tais paradigmas somente serão formas condenáveis ou desejáveis de responder um questionamento quando considerado o contexto da pesquisa a fundamentação filosófica do(s) pesquisador(es), a questão/ o problema pesquisado, a metodologia empregada para coleta de dados e o tratamento e interpretação destes dados. Considerar a metodologia de uma pesquisa válida ou inválida depende não de um patrulhamento ideológico (idem, p.67), mas de um parecer metodológico. Greca (2002b) afirma que as pesquisas na área de ensino de ciências, pelos referenciais e pelas problemáticas, deveriam fazer mais uso da integração entre as abordagens qualitativa e quantitativa [...] a fim de obter resultados sólidos (característicos da metodologia quantitativa) e profundos e reais (característicos da metodologia qualitativa) (p.79). Sua defesa desta integração tem como base o posicionamento de pesquisadores das diferentes áreas sociais que adotam os dois paradigmas para minimizar ou superar as limitações dos métodos quantitativos e qualitativos obtendo, assim, uma visão mais fidedigna sobre o fenômeno estudado. Quanto à autoria Segundo Balancieri (citado por Hayashi et al. 2008), a relação de autoria é o conjunto de trabalhos cooperativos por meio de artigos, livros ou capítulos de livros co-assinados. Este é um dado importante para o levantamento acerca de comunicações científicas, pois dá uma idéia de como os pesquisadores estão trabalhando, se isoladamente ou em parceria com outros pesquisadores e/ou com alunos. Os dados obtidos permitem observar que, do total dos artigos analisados, 14 (16,87%) têm autoria individual ao passo que 69 (83,13%) estão em co-autoria, conforme pode ser visto na Tabela 3, sendo a maior parte das produções assinada por dois autores. Tabela 3: Número de autores por artigo Número de Autores 2004 2005 2006 2007 2008 Total % 1 Autor 4 3 4 1 2 14 16,87 2 Autores 16 6 5 9 9 45 54,22 3 Autores 3 6 2 2 4 17 20,48 4 Autores ou Mais 1 2 1-3 7 8,43 Total 24 17 12 12 18 83 100 A colaboração ou não entre autores varia, segundo Velho (apud HAYASHI et al, 2008), de acordo com a área de conhecimento, sendo as autorias individuais características da área de ciências humanas e sociais. Tal fato pode estar relacionado à necessidade de grande esforço para obter concordância nas tomadas de decisões, assim como dificuldades para chegar a acordos

quanto ao conteúdo e ao estilo. A análise da autoria dos artigos publicados na revista da ABRAPEC, entretanto, revelou que a maioria dos trabalhos é realizado em parceria com outros autores e/ou com alunos, se afastando, portanto da característica da produção em ciências humanas. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES Este estudo teve como objetivo oferecer um panorama das tendências da produção do conhecimento em EC, baseado em uma análise preliminar dos artigos publicados na revista da ABRAPEC nos últimos cinco anos. Os resultados mostram que a maior parte dos artigos investiga, por meio de metodologia qualitativa, os processos de ensino e aprendizagem e a formação de professores, concentrando-se no conteúdo de Física, ou abordando as ciências sem especificar um determinado conteúdo específico. Verificamos que a maioria dos trabalhos é co-assinada por dois autores, uma tendência diferente da que ocorre nas Ciências Humanas e Sociais, o que reforça a idéia de que a pesquisa em EC exibe seus traços de diferenciação, apresentando características específicas. Segundo Megid Neto (2000), a ampliação de estudos de descrição, análise e avaliação da produção acadêmica nacional na área de EC é fundamental. Tais estudos são ainda pouco expressivos se considerarmos o grande número de trabalhos, a produção na área por mais de três décadas e, mais ainda, a precária disseminação de informações bibliográficas no campo da pesquisa nos cursos de pós-graduação. Reconhece-se a necessidade de avançar no sentido de analisar criticamente os resultados obtidos no presente trabalho no que diz respeito à concentração temática e metodológica encontrada e de aprofundar a análise. Consideramos que os resultados deste trabalho possam servir de ponto de partida para futuros estudos que visem examinar aspectos internos aos trabalhos, como os objetos de pesquisa construídos pelos pesquisadores, os referenciais teóricos adotados, a pertinência das técnicas de coleta de dados empregadas de acordo com as metodologias escolhidas, dentre outros elementos de modo a obter uma apreciação da qualidade acadêmica e relevância social da pesquisa em EC. REFERÊNCIAS DELIZOICOV. D. Pesquisa em ensino de ciências como ciências humanas aplicadas. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 21, n. 2, p. 145-175, ago/2004. DUARTE, M da C. O estado da arte na pesquisa em Educação em Ciências em Portugal. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 2, n. 1, p. 5-24, 2002. FERREIRA, N. S. A. As pesquisas denominadas estado da arte. Educação & Sociedade, ano XXIII, n. 79, p. 257-272, ago/2002. GRECA, I. M., COSTA, S. S. C., MOREIRA, M. A. Análise descritiva e crítica dos trabalhos de pesquisa submetidos ao III ENPEC. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 2, n. 1, p. 60-65, 2002a. GRECA, I. M. Discutindo aspectos metodológicos da pesquisa em ensino de ciências: algumas questões para refletir. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 2, n. 1, p. 73-82, 2002b. FENSHAM, P. J. Defining an identity: the evolution of Science Education as a field of research. Dordrecht: Kluwer Academic Press, 2004. HAYASHI, M.C.P.I. et al. História da Educação Brasileira: a produção científica na biblioteca eletrônica Scielo. Educação e Sociedade, Campinas, SP, vol. 29, n. 102, p. 181-211, jan./abr. 2008.

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