Análise do Espaço Discursivo do Discurso Midiático-Artístico sobre Sociolinguística e Ensino de Língua Materna

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Transcrição:

Análise do Espaço Discursivo do Discurso Midiático-Artístico sobre Sociolinguística e Ensino de Língua Materna Resumo: Mestrando Ronaldo Adriano de FREITAS 1 - UFF O presente trabalho apresenta a análise discursiva de textos produzidos a respeito da polêmica sobre a abordagem da dimensão sociolinguística no ensino de língua materna no Brasil. A pesquisa se desenvolve no âmbito do programa História das Ideias Linguísticas, considerando os aspectos relacionados ao ensino de língua portuguesa pelo viés da análise das políticas linguísticas, a partir dos fundamentos da Análise do Discurso (Pecheux/Orlandi), que considera que o discurso científico deve ser compreendido por meio de sua historicidade considerando a presença do ideológico. Dessa forma, para o desenvolvimento desse trabalho foram considerados centrais os conceitos de Formação Discursiva, Memória Discursiva, e Língua Imaginária, tal como desenvolvidos na teoria pechetiana, bem como o de interincompreensão, desenvolvido paralelamente por Maingueneau em seus estudos. Os termos língua e ensino" foram assim tomados em sua multiplicidade de sentidos, assim supõe-se que a análise de textos de circulação midiático-artística, produzidos por jornalistas e escritores não especializados na ciência linguística, mas dispostos a darem seu parecer sobre o tema, leva a um discurso revelador sobre a memória discursiva a respeito do conceito de língua e de suas políticas de ensino. O corpus de análise aqui apresentado é constituído por duas sequências discursivas uma de uma mídia de grande circulação no Brasil, e outra, de um texto produzido em resposta ao posicionamento hegemônico da mídia. Ambos desenvolvem entre seus argumentos o ponto chave de nosso questionamento: a pertinência da abordagem variacionista no ensino de língua portuguesa. A análise desses textos revela um espaço discursivo formado por posicionamentos distintos: o que pressupõe que os avanços da sociolinguística representam melhorias nas práticas de ensino; e o que considera que esses avanços são na verdade deturpações do verdadeiro objetivo do ensino de língua materna, apontando pra a interdependência desses posicionamentos. Palavras-chave: Ensino de língua, Análise do discurso, Sociolinguística, Memória Discursiva. 1 Apresentação Esse trabalho tem por objetivo analisar a tomada de posicionamento no discurso midiático sobre o ensino de língua portuguesa presente em gêneros como o ensaio, a crônica e a canção com finalidade de circulação midiática a respeito da incorporação dos conceitos sociolinguísticos dentro do campo das políticas de ensino de língua portuguesa. Trata-se de apresentar o estágio inicial de nossa pesquisa desenvolvida no Laboratório Arquivos do Sujeito - LAS, na Linha de pesquisa 3: História, política e contato linguístico, a qual tem por pressupostos teóricos a Análise do Discurso desenvolvida pelo grupo de Michel Pêcheux na França, reterritorilizada no Brasil por Orlandi. Segundo Mariani (2006) a Análise do Discurso tem por objetivo a investigação da constituição dos sujeitos e dos (pelos) sentidos que circulam na sociedade; tal pressuposto é assumido em nosso trabalho ao propor que a análise de textos de circulação midiático-artística, produzidos por escritores não especializados na ciência linguística, mas dispostos a darem seu parecer sobre o tema demonstra a produção de um discurso revelador sobre a memória discursiva a respeito do conceito de língua e de suas políticas de ensino, logo constituidoras dos sujeitos expostos a elas em suas diversas posições discursivas.

Nossa pesquisa se desenvolve no programa História das Ideias Linguísticas (HIL), iniciado no Brasil a partir dos contatos entre Eni Orlandi e Sylvain Auroux, e que trouxe, em sua segunda fase, para o centro de seus interesses, além da história do saber sobre a língua, a questão das relações de línguas com a questão política. (UNICAMP; 2004: s.p.) A partir da visada teórica da AD, têm-se como pressupostos a materialidade da linguagem e a não neutralidade do discurso científico em relação à ideologia. Trata-se de considerar que, como qualquer outro discurso, o discurso sobre o ensino de língua portuguesa está sujeito aos sentidos que o antecedem: o interdiscurso; como didaticamente exposto por Orlandi: Quando nascemos os discursos já estão prontos e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós (Orlandi; 2009). Dessa forma, o estudo das Ideias Linguísticas deve ser feito levando em consideração às regulações de sentido impostas pelo histórico, ou seja, o funcionamento das Formações Discursivas: possibilidades do que pode ser dito e do que pode ser entendido. É a partir desses pressupostos que se pode identificar a existência de Formações Discursivas distintas: a que pressupõe que os avanços da Sociolinguística representam melhorias nas práticas de ensino; e a que considera que a incorporação desses avanços é na verdade deturpação do verdadeiro objetivo do ensino de Língua Materna. A utilização de conceitos da sociolinguística, mais especificamente da variação linguística e do reconhecimento da legitimidade das variantes não padrão no ensino de língua portuguesa é um dos temas mais polêmicos nas práticas educacionais. A intensa discussão iniciada por pesquisadores e docentes acerca do tema transborda o campo acadêmico e encontra lugar no discurso midiático-artístico, sendo constantemente apresentada por jornalistas e escritores não especializados na ciência linguística, mas dispostos a dar pareceres sobre o conceito de língua e como esta deve ser estudada e ensinada. O fato histórico relativamente recente de maior repercussão midiática se deu em 2011, quando a mídia noticiou exaustivamente a aprovação pelo MEC de um livro, que segundo diversos jornalistas, ensinaria a falar errado. O livro apresentava análises gramaticais de frases da variante popular, comparando-as com a norma padrão e recomendava que os alunos dominassem as duas formas, que deveriam ser usadas em momentos distintos. A polêmica instalada pelo fato, aqui tomada como acontecimento discursivo, fez com que se produzisse uma enxurrada de textos que tratavam do assunto de modo alheio a aspectos científicos, provocando um processo de reação em cadeia característico dos textos midiáticos. 1.1 O discurso midiático artístico A opção pelo termo discurso midiático-artístico se dá nesse trabalho, pela necessidade de uma classificação que envolva certa categoria de textos de diferentes gêneros, como a canção, a crônica, o ensaio, que carregam em comum o fato de serem textos que manifestam certa subjetividade e uma busca pelo estético que os caracterizam como filiados ao campo das artes, mas que no entanto estão profundamente comprometidos com o universo midiático, no qual valores como a audiência, o financiamento publicitário, a vendagem - valores midiáticos em geral - estão também presentes. Um bom exemplo do exposto acima ocorre quando observamos o discurso de certos jornalistas em artigos e editorias, quando deixam explicitamente de lado o aspecto informativo de seus textos e produzem um texto cujo maior valor não está no conteúdo em si, mas na qualidade comunicativa e habilidade linguística demonstrada, aproximando a atividade jornalística da artística, ou seja, na posição autor por eles desempenhada.

O aspecto subjetivo desses textos permite que seus autores escrevam sobre uma diversidade de assuntos, que variam das trivialidades da vida pessoal a questões de estado ou grandes temas filosóficos. Ao fazê-lo, os autores buscam afirmar essa identidade (de autor) ao mesmo tempo em que procuram despertar o interesse do maior número de pessoas possível para sua produção. Nesse processo, é uma estratégia interessante a busca por temas polêmicos, que geram o interesse de um grande número de pessoas, e a filiação a um dos polos dessa polêmica. É o texto produzido nesse universo, a respeito da polêmica sobre a adoção da sociolinguística no ensino de língua portuguesa que interessa a esse projeto. O texto midiáticoartístico é uma categoria de análise a ser refinada e melhor compreendida, a fim de se compreender como se dá o processo de tomada de posição nos espaços discursivos. A análise desse tipo de discurso se mostra promissora, pois trata-se de um discurso comprometido com certos posicionamentos, e com capacidade de influenciar um grande contingente de pessoas, justificando o conceito de formadores de opinião que caracteriza os produtores desse discurso. 2 Pressupostos teóricos Ao se filiar à construção teórica da Análise do Discurso, assume-se a ideia de unidade entre o instrumento de análise e o dispositivo teórico. Trata-se de uma teoria que deve ser desenvolvida a partir da própria análise, e de uma análise que é desenvolvimento teórico. É assumindo esse pressuposto que nos filiamos ao programa História das Ideias Linguísticas, assumindo a materialidade da linguagem e a não neutralidade do discurso científico em relação à ideologia, e nos propondo a realizar gestos de leitura que se voltem para a questão do imaginário de língua criado tanto pela discursividade científica, quanto pela artística ou midiática, entendidos como meio de reprodução de uma memória discursiva sobre a língua. Trata-se de considerar que, como qualquer outro discurso, o discurso sobre o ensino de língua portuguesa está sujeito aos sentidos que o antecedem: o interdiscurso; como didaticamente exposto por Orlandi: Quando nascemos os discursos já estão prontos e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós (Orlandi; 2009). Dessa forma, o estudo das Ideias Linguísticas deve ser feito levando em consideração às regulações de sentido impostas pelo histórico, ou seja, o funcionamento das Formações Discursivas: possibilidades do que pode ser dito e do que pode ser entendido. É em busca desse funcionamento que buscaremos textos produzidos acerca do ensino de português na interface entre mídia e literatura (entendida como autoria) em busca de compreender o papel exercido pela memória discursiva, conceito que na forma apresentada por Indursky (2011) se mostra se mostra fundamental para o desenvolvimento da pesquisa proposta, tanto por representar um avanço na teoria, como pela revisão importante que faz das bases teóricas que orientam esse avanço. Trata-se de investigar como a produção discursiva sobre o ensino de língua se filia a determinada construção presente na ela memória discursiva e sustentada pela repetição promovida pelo próprio texto em questão, ou seja, considerar o papel da memória discursiva na constituição desses textos e o papel desses textos na re (produção) dessa memória. Consideramos ainda a relação entre sujeito ensino de língua materna. Payer (2014) analisa as relações entre formações discursivas e variedades linguísticas e designa como um procedimento meta-discursivo os mecanismos que manifestam na materialidade do discurso o funcionamento de um processo de identificação do sujeito em relação às formas linguísticas presentes em sua

história e nas práticas discursivas atuais (Payer, 2014; pag. 193). Tal processo é fundamental para a compreensão dos textos que falam sobre o ensino de língua, já que se trata de um trabalho de reconhecimento dos mecanismos textuais de filiação que manifestam a identificação do sujeito com determinada formação discursiva, a saber, seu posicionamento discursivo. Essa perspectiva é ampliada em Orlandi (2009) em que se encontra uma referência geral das questões da língua nacional. Nessa obra a autora dá relevo à não unidade e não transparência da língua dita Portuguesa e evidencia a existência de duas perspectivas de entendimento linguístico no Brasil: uma real que remete a língua utilizada de fato, caracterizado pela fluidez, incompletude, falha e ruptura no contínuo movimento na história e na sociedade; e outra, constituída por um imaginário tradicional, uno e transparente. Mediante esse fato, a autora afirma não falarmos português, mas uma língua fortemente afetada pelo sistema português e por suas determinações históricas e sociais. A partir da ideia de que o espaço brasileiro historiciza a língua, a autora propõe a necessidade de desconstrução dessa noção imaginária e para tal propõe a noção de descolonização linguística, o que está a nosso ver, intimamente ligado a questão da legitimação das variantes não padrão como objeto de ensino de língua portuguesa. Acerca disso, Pagotto (1998) Analisa os movimentos discursivos que se passam no século XIX e seus reflexos no século XX. Sua pesquisa revela aspectos da historicidade da norma padrão que ainda se fazem presentes nos textos analisados. Trata-se segundo o autor de uma análise da historicidade da constituição da norma culta brasileira como um projeto que atende aos interesses políticos das elites, de forma que na relação do sujeito com a língua, tantas vezes representada na literatura e no discurso científico, tende a apagar a diversidade pelo efeito simbólico de superioridade da forma linguística padrão. Afirma assim que a norma padrão funciona discursivamente como algo que se liga tanto a ancestralidade como ao infinito, em suas palavras ela é o sempre-lá, como se não tivesse origem histórica (Pagotto 1998, pag. 50). Trazemos ainda para o bojo de nossa análise a questão da polêmica e interincompreensão. Narzeti (2009) ao tratar da interdependência das formações discursivas afirma que, não existe independência entre diferentes formações discursivas, e analisa a questão levando em conta a formação discursiva dos gramáticos e dos linguistas, e conclui apontando para os efeitos de homogeneização produzidos pelo discurso midiático: Pela observação dos autores que escreveram esses textos e de seus respectivos ofícios, pode-se afirmar que o discurso da FD dos gramáticos é dominante em nossa sociedade: assumem-no como seu não só os gramáticos, mas também jornalistas, poetas, cantores. O discurso da FD dos lingüistas fica restrito aos lingüistas. Tal fato pode se dever ao grande espaço dado ou adquirido, nesses meios de comunicação, ao primeiro grupo acima citado e a quase ausência de espaço dado ao segundo grupo. Conforme afirma Althusser ([1970] 1980), as ideologias dominantes assim o são por serem as mais disseminadas na sociedade. (NARZERTI, 2009) Narzeti conduz assim sua análise para Maingueneau (2005), segundo o qual o discurso polêmico se sustenta sobre um simulacro que se cria do discurso alheio, tal conceituação é conclusiva para em nossa discussão em que se espera demonstrar que, também em nosso caso, a existência das diferentes formações discursivas, por nós denominadas variacionista e normativista, se sustentam pela existência da outra.

3 Primeiras análises Como explicitado anteriormente, o presente texto apresenta o projeto inicial de nossa pesquisa. Não se pretende aqui analisar toda constituição discursiva do tema em questão, mas apresentar, como indicamos no título acima, a primeiras análises que surgem em nosso trabalho. Analisaremos aqui duas Sequências discursivas (SD) representativas dos distintos posicionamentos analisados. Nosso objetivo é encontrar pistas de como a memória discursiva se manifesta através efeito da repetição (Indursky, 2012), produzindo o efeito de verdade buscado por cada formação, bem como identificar as marcas de presença do discurso do posicionamento contrário ao seu, o discurso do outro, tentando encontrar o lugar determinado ao outro nesse discurso. A seleção das SD levou em conta o fato de o posicionamento da grande mídia é inerentemente o de adesão à formação discursiva normativista, conforme Grigoleto (2012: pag. 310) A quase totalidade dos textos publicados na imprensa ressaltou a impropriedade da decisão do MEC de aprovação e distribuição do livro às escolas com base no argumento de que o livro pretende ensinar a língua portuguesa errada. Dessa forma, a SD 2 trata de uma resposta de uma das autoras do livro citado em que a autora assume a posição jornalista/articulista para falar sobre o livro. Por sua vez, a Sequência Discursiva 1 é representativo do posicionamento hegemônico da mídia e traz pistas sobre o funcionamento do interdiscurso nesse processo de construção. Vejamos: SD 1: Uma coisa é explicar por que uma mensagem fora do padrão formal da língua funciona; outra, diferente, é atestar a sua validade como uma variante da língua. Não dá! (AZEVEDO, 2011) Na SD 1, encontramos no texto do colunista o posicionamento hegemônico que se sustenta pelo senso comum, tal qual apontado por Pagotto (1998), em que a constituição da língua padrão é um já lá, um dado que não precisa ser provado. A menção ao discurso científico que atesta a funcionalidade das formas não padrão se opera nos primeiros períodos, mas reserva-se a elas um lugar na comunicação fora da língua, a linguagem informal comunica, mas não é uma variante da língua. O conceito de língua operado nesse caso é o que a restringe a uma única forma, deixando para todas as outras o lugar de não língua. A naturalização dos sentidos se opera pelo ar conclusivo do desabafo do período final: não dá. O lugar reservado ao discurso do outro é o da impossibilidade, o do sem sentido, o ilógico. Por sua vez, um movimento semelhante pode ser percebido na formação contrária: SD 2: Para os estudiosos da língua, trata-se de um consenso. Porém é sabido que não é essa a razão da polêmica em torno de um livro de Português voltado à Educação de Jovens e Adultos. A questão geradora de debate é o fato de existir um valor social agregado aos usos da língua. Nas palavras de Marcos Bagno (professor do Departamento de Linguística da Universidade Federal de Brasília)... (Cleto, 2011)

Para os estudiosos da língua trata-se de um consenso. A ideia de consenso elimina a existência do debate acadêmico e apaga os posicionamentos contrários melhor, põe qualquer posicionamento contrário no grupo dos que não são estudiosos da língua (só são estudiosos da língua os que participam do consenso, os comungam do mesmo posicionamento). A ideia é então arrematada pela heterogeneidade mostrada, na citação, forma científica de produção textual, que, no entanto, é feita de forma a destacar o valor da posição do citado, com o peso da instituição acadêmica reforçado pelo uso de parênteses na sequência, o que apaga o sujeito/indivíduo e torna o discurso institucional. 4 Proposições finais Nossa análise inicial aponta para um processo de construção discursiva em que o interdiscurso se manifesta de diferentes formas. Percebemos pelas sequências discursivas analisadas que a formação discursiva normativista remete a um já dito, a um conceito de língua e ensino estabilizados pelas práticas históricas e pela organização social que se repetem e tendem a se reproduzir de forma infinita; dessa forma o conceito de língua e o conceito de ensino apresentamse como evidentes, únicos, exatos e justificados em si mesmos. por sua vez, filiada ao discurso científico, a formação discursiva variacionista tende a apresentar um relacionamento interdiscursivo e intertextual com os textos fundadores da sociolinguística, aqui apresentados como acontecimentos discursivos que criam uma nova matriz de sentidos. Nossa breve análise pretende então demonstrar a relevância de se considerar a teoria discursiva pechetiana na reflexão acerca do ensino de língua portuguesa. A consideração do ideológico na constituição do sujeito e dos sentidos, moldados pelo funcionamento do interdiscurso, leva à investigação da materialidade histórica dos conceitos ensino e língua, considerados como intrinsicamente ambíguos em sua constituição, o que nos faz considerar ilusão da estabilização dos sentidos desses termos - tanto na formação discursiva variacionista, que considera a língua em movimento e a prática de ensino como desenvolvimento da capacidade de flutuação entre suas diversas formas; como a na formação discursiva normativista, que objetiva a homogeneização das formas linguísticas pelas atividades de ensino uma vez que se tratam de construções historicamente determinadas que remetem a um lugar de exclusão do outro, a impossibilidade do outro, que no entanto está sempre presente, pelo desejo de negação de seus sentidos, que são assim reestabelecidos. 5 Referências AZEVEDO, R. Livro didático faz a apologia do erro: exponho a essência da picaretagem teórica e da malvadeza dessa gente. In: Veja online: Blogs e Colunistas. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/livro-didatico-faz-a-apologia-do-erro-exponho-a-essencia-dapicaretagem-teorica-e-da-malvadeza-dessa-gente/>. Acesso em: 06 nov. 2013. CLETO, M. Um livro didático de Português que ensina a falar errado Que explicações vão dar sobre isso? Disponível em: <http://www.viveraprender.org.br/2011/05/um-livro-didatico-de-portugues-queensina-a-falar-errado-que-explicacoes-vao-dar-sobre-isso/> Acesso em: 06 nov. 2013.

INDURSKY, F. A memória na cena do discurso. In: ; (Org.) [et al.]. Memória e história na/da análise do discurso. Campinas: Mercado de Letras, 2011. MAINGUENEAU, D. Gênese dos Discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar Edições. 2005. Cenas da Enunciação. Organizado por Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, diversos tradutores. Curitiba: Criar Edições. 2006. NARZETTI C. Gramáticos e lingüistas: polêmica e interincompreensão. Revista Linguasagem. Número 21. 2009. Disponível em <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao11 /artigos _06.php> Acesso em: 10 mai. 2013. ORLANDI; E.P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. Campinas: Pontes, 2009. PAGOTTO, E. Norma e Condescendência, Ciência e Pureza. In: Línguas Instrumentos Lingüísticos, no 2, Campinas: Pontes. 1998 PAYER, O. Processos, modos e mecanismos da identificação entre o sujeito e a(s) língua(s). IN: GRAGOATÁ, n. 34, p. 167-182, 1. sem. 2013. UNICAMP. História das Idéias Lingüísticas no Brasil. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/hil/historico.html>. Acesso em: 20 jul. 2014. 1 Autor Ronaldo Adriano de FREITAS Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense - Câmpus Campos-centro. Mestrando em Estudos de Linguagem - Universidade Federal Fluminense. ronaldofreitas.tec@gmail.com