Pobreza e sobrevivência na infância



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Pobreza e sobrevivência na infância Mário Francisco Giani Monteiro Lívia Pereira Coelho Palavras-chave: População e Saúde; Saúde Coletiva; Saúde e Pobreza; Mortalidade na Infância. Resumo Nos países em desenvolvimento, sete em cada dez mortes de crianças menores de 5 anos podem ser atribuídas a causas evitáveis (50% por desnutrição). O objetivo deste trabalho é estimar diferenciais econômicos (medidos pela renda nominal familiar mensal) associados com o risco de mortalidade na infância (5q0), no Brasil e nas cinco Grandes Regiões. As estimativas são baseadas em informações da amostra do Censo Demográfico de 2000: número total de filhos tidos nascidos vivos e de filhos sobreviventes por idade da mãe, segundo a renda mensal familiar para o Brasil, e para as Regiões Nordeste e Sudeste. As estimativas de 5q0 foram calculadas pelo procedimento CEBCS (Children Ever Born / Children Surviving), do programa MortPak-Lite. O nível de renda familiar mensal foi medido em salários mínimos e distribuído em 6 categorias variando de até 1 salário mínimo a mais de 20 salários mínimos. Resultados: para o Brasil, podemos observar a grande diferença de risco entre a população com renda familiar até um salário mínimo e a população com mais de 20 salários mínimos: o risco de morrer antes dos cinco anos é 5,16 vezes maior para a população de renda mais baixa, e a diferença absoluta é de 61,3 óbitos antes dos cinco anos por mil nascidos vivos. Além disso, se a população que ganha até um salário mínimo passasse para a categoria de mais de 1 a 3 salários, haveria, para a população mais pobre, uma redução de 40% no risco de morrer antes de completar cinco anos. O efeito regional é mais perverso na renda mais baixa: para a população com renda familiar até um salário mínimo, o risco é 2,4 vezes maior na Região Nordeste que na Região Sul. Esta relação é de aproximadamente 2,0 para a categoria de renda mais elevada. Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú - MG Brasil, de 18-22 de Setembro de 2006. Instituto de Medicina Social da UERJ. 1

Pobreza e sobrevivência na infância Mário Francisco Giani Monteiro Lívia Pereira Coelho Introdução e objetivo Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (2005), uma em cada seis crianças nascidas nos países menos desenvolvidos morre antes de completar 5 anos de idade (5q0 = 166/1000), em comparação com uma em cada 167 nascidas nos países ricos (5q0 = 6/1000). No caso da mortalidade infantil, por exemplo, o Brasil ainda tem um nível mais alto de mortalidade que países vizinhos da América do Sul. A pobreza aumenta o risco da falta de acesso das famílias a serviços básicos, como os de saneamento e água potável - dados do IBGE mostram que quase 35% da população mais pobre não têm acesso à água potável, enquanto essa situação se aplica a 0,5% da população mais rica. (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2005) Para destacar a importância da renda familiar, e das diferenças regionais no Brasil, como fatores determinantes do risco de mortalidade infantil, reproduzimos, a seguir, trechos do Caderno Brasil que divulga informações do relatório Situação Mundial da Infância 2005, com dados sobre a situação da infância no Brasil relativos à pobreza de renda e a três outras condições consideradas como dimensões da pobreza: o risco de mortalidade infantil, a falta de acesso à água potável e a falta de saneamento básico. (UNICEF, 2005) Pobreza de renda Um dos indicadores mais usados internacionalmente para medir a pobreza de renda é o percentual da população vivendo com menos de um dólar por dia. O relatório Situação Mundial da Infância 2005 divulga os valores médios ajustados para um período de 10 anos (1992 a 2002), quando a taxa brasileira de população com menos de um dólar por dia era de 8%. Entre os países da América do Sul, a população do Brasil é apontada como mais pobre que a de Chile, Guiana, Uruguai e Argentina, e empata com a Colômbia. Países com maior percentual de população pobre, segundo os critérios internacionais, seriam Bolívia, Paraguai, Venezuela, Equador e Peru. A pobreza no Brasil está claramente concentrada na infância e na adolescência. O último censo demográfico do IBGE apontou 33,5% da população total em famílias com renda per capita Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú - MG Brasil, de 18-22 de Setembro de 2006. Instituto de Medicina Social da UERJ. 2

de até meio salário mínimo. Quando se trata de meninas e meninos, esse percentual sobe para 45%, o que representa 27,4 milhões de crianças e adolescentes vivendo em situação de pobreza. Importante assinalar que a pobreza na infância e adolescência está mais concentrada em áreas e grupos específicos. Uma dimensão da pobreza, a mortalidade infantil O relatório Situação Mundial da Infância 2005 mostra que o Brasil ainda está defasado no que diz respeito à sobrevivência das crianças no primeiro ano de vida. A taxa de mortalidade infantil no País é a terceira mais alta da América do Sul. Em países vizinhos com menor renda per capita, como Colômbia e Venezuela, 18 em cada mil crianças morrem antes de completar um ano de vida. Enquanto isso, no Brasil, o índice é de 33 por mil nascidos vivos. Os dados são referentes ao ano de 2003 e foram ajustados pelo escritório central do UNICEF para permitir comparabilidade. A taxa de mortalidade de menores de um ano de idade no Brasil é a terceira mais alta da América do Sul. O índice nacional mais recente, calculado pelo IBGE, é de 27,5 mortes por mil nascidos vivos. Isso significa que a cada ano cerca de 100 mil crianças morrem antes de completar um ano de vida. Apesar das reduções significativas na taxa de mortalidade infantil dos últimos 20 anos (em 1980, quase 290 mil crianças morriam por ano antes de completar o primeiro aniversário), como se vê no quadro acima, esse é um número ainda muito alto para um país como o Brasil. Outra dimensão da pobreza, a falta de acesso à água potável Os dados divulgados no relatório Situação Mundial da Infância 2005, ajustados para permitir a comparação entre países, apontam o Brasil com taxa de acesso à água potável (89%) menor que a de alguns países com México (91%), Colômbia (92%), Chile (95%), Guatemala (95%) e Uruguai (98%). A taxa brasileira é mais elevada que a de países como Índia (86%) e África do Sul (87%) e, na América Latina, maior que de países como Peru (81%), Paraguai (83%) e Bolívia (85%). Apesar de o Brasil ter o privilégio de possuir abundantes recursos hídricos naturais, água em condições adequadas de uso não é um privilégio de todos. Dados de 2002, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, do IBGE, mostram que 12,8% da população não tinham acesso à água potável (definida aqui como abastecimento de água por canalização interna ao domicílio). Isso significa um universo de 22,6 milhões de pessoas nessas condições. Quando analisadas as informações de 2002 desagregadas observa-se uma correlação entre a falta de acesso à água e o estado de residência, a renda, a escolaridade e a raça/etnia das pessoas. 3

A maior iniqüidade ocorre entre pessoas que moram em diferentes estados: a população do Piauí (onde a falta de acesso à água potável atinge 48% da população) tem 48,2 vezes mais risco de não ter acesso à água potável que a população de São Paulo. A iniqüidade entre pobres e ricos é a segunda maior. Quase 35% da população mais pobre não têm acesso à água potável, enquanto essa situação se aplica a 0,5% da população mais rica. Entre população de menos de um ano de estudo, o índice é de 23,2%. Fonte: IBGE - PNAD 2002. Importantes disparidades podem ser observadas em termos geográficos. A população que vive em estados da região Nordeste apresenta uma situação pior que os estados da região Sul e Sudeste, segundo a PNAD de 2002. Uma terceira dimensão da pobreza, a falta de saneamento básico Segundo os dados ajustados de acesso a esgotamento sanitário adequado, divulgados pelo relatório Situação Mundial da Infância 2005 para comparação entre países, o Brasil tem 75% da população com acesso a esgotamento sanitário adequado. Novamente comparando-se com países da América Latina e Caribe, o Brasil apresenta uma taxa mediana. Considerando, porém, a renda nacional, a situação do Brasil deveria ser mais favorável. Exemplos de países com taxas mais elevadas seriam: Cuba (98%), Uruguai (94%), Paraguai (78%), Chile (92%) e Colômbia (86%). Países com menor percentual de acesso a esgotamento sanitário adequado são, por exemplo: Bolívia (45%), Equador (72%) e Peru (62%). Assim como ocorre com acesso à água, o percentual de acesso a esgotamento adequado no Brasil aparece como mais baixo que o do México (77%) e mais alto que o da Índia (30%) e da África do Sul (67%). O acesso a esgotamento sanitário é ainda mais restrito que o acesso à água potável. Com base nos dados da PNAD de 2002, estima-se que mais de 60,6 milhões de brasileiros não tenham acesso a esgotamento sanitário adequado (aqui definido como rede geral ou fossa séptica). Os dados desagregados novamente indicam iniqüidade significativa, com destaque para a relação entre diferentes níveis de renda e diferentes Estados de residência. 64,2% da população mais pobre não têm acesso a esgotamento sanitário adequado. (trechos extraídos do Caderno Brasil - Situação da Infância Brasileira, UNICEF, 2005) Pobreza e vulnerabilidade O conceito de pobreza utilizado neste trabalho refere-se à idéia de pobreza como insuficiência de renda e à idéia multifocal de pobreza como carências múltiplas, tornando a população de renda mais baixa vulnerável a maiores riscos de mortalidade precoce. A relevância do estudo de populações vulneráveis foi também destacada por Barney Cohen (2001), coordenador da sessão 48 The demography of vulnerable populations, na XXIV 4

Conferência Geral de População da União Internacional para o Estudo Científico da População (IUSSP), ao conceituar o tema de sua sessão: populações vulneráveis são constituídas por pessoas menos capazes do que outras para garantir suas próprias necessidades e interesses, devido à situação econômica, local de residência, condição de saúde, idade, nível educacional ou outra característica pessoal como raça, etnia ou sexo. A primeira etapa para desenvolver programas de apoio a estes grupos é aumentar a compreensão da magnitude e dimensões do problema, incluindo um reconhecimento maior das causas que determinam suas condições sociais e de saúde, e outras conseqüências de pertencer a um destes grupos, e um entendimento maior de como as políticas públicas podem afetá-los. (Cohen, 2001) Objetivo O objetivo deste trabalho é estimar as diferenças no risco de mortalidade na infância (5q0) associado à renda nominal familiar mensal no Brasil e avaliar os diferenciais regionais. Metodologia Estimativas indiretas As estimativas são baseadas em informações da amostra expandida do Censo Demográfico de 2000: número total de filhos tidos nascidos vivos (FTNV), número de filhos nascidos vivos nos 12 meses anteriores à data do Censo e número de filhos sobreviventes na data do Censo (FS) por idade da mãe segundo classes de rendimento nominal mensal familiar em salários mínimos, para o Brasil e Grandes Regiões, obtidas através dos micro-dados da amostra do Censo de 2000 (IBGE, 2003). O método de estimativas indiretas de mortalidade em idades jovens foi proposto inicialmente por Brass em 1964, mas foi desenvolvido posteriormente por diversos demógrafos, compondo as variantes da técnica, descritas em Brass (1975), Coale e Trussell (1978), Palloni e Heligman (1985) e Arriaga and Associates (1993), todas utilizando a razão de mortalidade = filhos tidos nascidos vivos filhos sobreviventes filhos tidos nascidos vivos. Estas estimativas de 5q0 foram calculadas pelo procedimento CEBCS (Children Ever Born / Children Surviving), do programa MortPak-Lite, desenvolvido pela Divisão de População das Nações Unidas. (Department of International Economic and Social Affairs, 1988) Categorias de renda As categorias de renda foram definidas pelo rendimento nominal mensal familiar em salários mínimos, classificadas em seis intervalos: até 1 salário mínimo, mais de 1 a 3, mais de 3 a 5, mais de 5 a 10, mais de 10 a 20 e mais de 20 salários mínimos. Diferenças regionais As diferenças regionais foram avaliadas pelas estimativas de 5q0 para o Brasil e para as cinco Grandes Regiões: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. 5

Resultados e discussão Estimativas de 5q0 para o Brasil e Regiões As estimativas de 5q0 estão na tabela a seguir, e não apresentaram inconsistências relativas ao gradiente de risco associado com a categoria de renda, isto é, o risco de morrer antes de completar cinco anos diminui com o aumento da renda familiar, em todas as regiões. Tabela 1 Estimativas de 5q0 vezes mil, segundo as classes de rendimento mensal familiar em salários mínimos. Brasil e Grandes Regiões - Censo Demográfico 2000 Região Classes de rendimento mensal familiar em salários mínimos Até 1 +1 a 3 +3 a 5 +5 a 10 +10 a 20 + de20 Norte 55,9 46,6 30,0 21,4 23,9 17,1 Nordeste 91,9 69,0 49,1 34,3 30,0 21,4 Sudeste 47,4 34,2 27,3 22,0 17,4 14,4 Sul 39,0 28,7 22,5 18,1 12,5 10,9 Centro-Oeste 41,2 36,2 29,0 23,0 21,0 12,3 BRASIL 76,0 46,6 32,0 23,9 17,4 14,7 Fonte dos dados primários: IBGE - Amostra do Censo Demográfico - 2000 Para o Brasil, podemos observar a grande diferença de risco entre a população com renda familiar até um salário mínimo e a população com mais de 20 salários mínimos: o risco de morrer antes dos cinco anos é 5,16 vezes maior para a população de renda mais baixa, e a diferença absoluta é de 61,3 óbitos antes dos cinco anos por mil nascidos vivos. Gráfico 1 Estimativas de 5q0 vezes mil, segundo as classes de rendimento mensal familiar em salários mínimos. Brasil - Censo Demográfico 2000 Estimativas de 5q0 vezes mil 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 76,0 46,6 32,0 23,9 17,4 14,7 Até 1 +1 a 3 +3 a 5 +5 a 10 +10 a 20 + de20 Classes de rendimento mensal familiar em salários mínimos 6

Além disso, se a população que ganha até um salário mínimo passasse para a categoria de mais de 1 a 3 salários, haveria uma redução de aproximadamente 40% no risco de morrer antes de completar cinco anos para a população mais pobre. Para avaliar as diferenças regionais, que segundo o UNICEF (2005) representa o principal fator de desigualdade de riscos de mortalidade na infância, apresentamos a seguir o gráfico para as Grandes Regiões. Desigualdades regionais O gráfico destaca logo os elevados riscos de mortalidade na infância da Região Nordeste, bastante evidente entre as categorias de renda mais baixa (até cinco salários mínimos de rendimento mensal familiar), e pode-se observar o contraste entre as Regiões Nordeste e Sul: uma suporta os maiores riscos em todas as categorias de renda e a outra apresenta, também em todas as categorias de renda, os menores riscos. Gráfico 2 Estimativas de 5q0 vezes mil, segundo as classes de rendimento mensal familiar em salários mínimos. Grandes Regiões - Censo Demográfico 2000 5q0 vezes mil 100 75 50 25 Norte Nordeste Sudeste Sul 0 até 1 +1 a 3 +3 a 5 +5 a 10 +10 a 20 + de20 Centro-Oeste Norte 55,9 46,6 30,0 21,4 23,9 17,1 Nordeste 91,9 69,0 49,1 34,3 30,0 21,4 Sudeste 47,4 34,2 27,3 22,0 17,4 14,4 Sul 39,0 28,7 22,5 18,1 12,5 10,9 Centro-Oeste 41,2 36,2 29,0 23,0 21,0 12,3 Categorias de renda em salários mínimos Fonte: Tabela 1 7

Além disso, o efeito regional é mais perverso na renda mais baixa: para a população com renda familiar até um salário mínimo, o risco é 2,4 vezes maior na Região Nordeste que na Região Sul. Esta relação é de aproximadamente 2,0 para a categoria de renda mais elevada. Associando-se as duas condições de desigualdade, renda e região, podemos comparar o risco de mortalidade na infância da população de renda mais baixa na Região Nordeste (91,9 óbitos por mil nascidos vivos) com o risco da população de renda mais alta na Região Sul (10,9 óbitos por mil nascidos vivos): uma razão de 8,4. Conclusões Uma das conseqüências das Transições Demográfica e Epidemiológica é a redução dos riscos de mortalidade em idades jovens. No entanto essa redução de riscos não beneficiou a população de maneira igual e alguns segmentos, mais vulneráveis, foram excluídos deste benefício. Entre os fatores de exclusão e vulnerabilidade, a renda e as condições regionais desempenham um papel fundamental. Isto reforça a declaração do UNICEF de que cabe às políticas públicas garantir os direitos das crianças e adolescentes à vida e à saúde, ao reduzir o impacto da renda da família no seu bem-estar e prover serviços básicos de maneira mais eqüitativa. (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2005) Referências ARRIAGA, E. E. AND ASSOCIATES Population Analysis with Microcomputers. Volume I. United States Bureau of the Census, Washington, D.C. 1993. BRASS, W. Methods for Estimating Fertility and Mortality from Limited and Defective Data. Chapel Hill, N.C.: Carolina Population Center, 1975. COALE, A. J. AND TRUSSELL, T. J. Estimating the time to which Brass estimates apply. In: Preston, S.H. & Palloni, A. Five-tuning Brass-type mortality estimates with data on age of surviving children. Population Bulletin of the United Nations, vol. 10, 1978. COHEN, B. Outlines of section 48 Vulnerable populations. In: XXIV GENERAL POPULATION CONFERENCE, 2001, Salvador. Proceedings of the XXIV General Population Conference. Paris: International Union for the Scientific Study of Population, 2001. Disponível no site: http://www.iussp.org/brazil2001/outlines/s48.htm - Acesso em 11 julho 2005. 8

DEPARTMENT of International Economic and Social Affairs. MortPak Lite. United Nations, E.U.A. 1988. FUNDO das Nações Unidas para a Infância. Relatório: Situação Mundial da Infância 2005. UNICEF, Nova Iorque, 2005. IBGE Censo Demográfico 2000. Nupcialidade e fecundidade. Resultados da Amostra, IBGE, Rio de Janeiro, 2003, disponível em CD ROM. PALLONI, A, HELIGMAN, L. Re-estimation of structural parameters to obtain estimates of mortality in developing countries. Population Bulletin of the United Nations, n. 18 (United Nations publications. Sales n. E. 85.XIII.6), pp. 10-33, 1985. UNICEF. Caderno Brasil - Situação da Infância Brasileira 2005. UNICEF, Nova Iorque, 2005. Disponível no site: http://www.unicef.org/brazil/cadernobr.pdf - Acesso em 2 fevereiro 2006. 9